Agricultura intensiva: em Moçambique, quem são as vítimas colaterais do « progresso »?
A terra! Se Moçambique tem algo valioso, é bem a sua terra. A terra de Moçambique atrai os desejos de muitos empresários ambiciosos, como muitas empresas estrangeiras, sul-africanas, japonesas, chineses, indianas, portuguesas, australianas ou americanas. Com a cumplicidade de uma administração corrupta, grandes proprietários e investidores confiscam terras de pequenos agricultores para produzir principalmente para exportação. Portugueses, Sul-africanos ou outros ocupam milhares de hectares a um preço ridículo.
Para voltar à questão da exploração mineira e das industrias extrativas em Moçambique: Mega-projectos e industrias extrativas: em Moçambique, o crescimento económico não assegura o desenvolvimento
Teoricamente, a legislação moçambicana relativa à terra e à propriedade sobre a terra é uma das mais progressivas da África. Vestígio do regime marxista: a terra pertence ao Estado, que garante os direitos das comunidades, que devem dar o seu consentimento logo que um investimento se faz na terra que elas ocupam. Mas, na prática, o estado negocia concessões independentemente da opinião da população local, e é o governo, com toda a sua incompetência (e com todos os conflitos de interesses que caracterizam a classe política moçambicana), que define o valor da indenização e da área onde são reassentadas as comunidades... Alguns « refrescos » são suficientes para satisfazer as autoridades, incluindo a nível dos governos provinciais e administrações distritais; em nenhum caso, o Estado desempenha seu papel de protetor dos interesses dos cidadãos.
Se acrescentamos a isso as promessas mesquinhas de reassentamento de comunidades e a distribuição de « presentes » ridículos (cervejas, cigarros...) para a população ou os chefes de comunidade, os novos proprietários das terras obtêm facilmente o acordo formal dos moradores. « Não basta conversar e ter o acordo dos chefes de comunidade, às vezes oferecendo presentes, é preciso consultar realmente com toda a comunidade, » explicava, em 6 de Junho passado, Raphaëlle Ducrot, pesquisadora no Centro de cooperação internacional em pesquisa agronômica para o desenvolvimento (CIRAD). Na Zambézia por exemplo, a implementação de Hoyo Hoyo (1.600 hectares de soja) transformou-se em pesadelo para as famílias expulsas, a quem a empresa portuguesa tinha multiplicado as promessas antes de limitar-se a oferecer compensações ridículas e porções de terras parcialmente em zonas inundáveis. Os novos investidores, colonos brancos dos tempos modernos ou grandes empresas de agro-negócio, até às vezes ameaçam as populações que não querem sair da terra desejada e assinar um contrato neste sentido.
Quando Moçambique torna-se um novo Far-West
Uma obtenção de terra faz-se normalmente para um período de 50 a 99 anos. O maior produtor da província de Nampula é um Sul-africano que obteve um contrato de arrendamento de 50 anos em 5.000 hectares. Outro exemplo, em Namele, no interior da mesma Nampula, uma dúzia de famílias foram expulsas por Mozaco, uma joint-venture (co-empresa) envolvendo a empresa moçambicana João Ferreira dos Santos, criada no tempo da colonização, e o grupo português Rioforte; centenas de famílias são ameaçadas de expulsão se esses investimentos continuam sua expansão.
A província de Nampula é particularmente afetada pelo fenômeno, mas não é o única. Em aquelas de Tete e da Zambézia, há muitos exemplos similares. Os novos proprietários instalam cercas elétricas, e por vezes câmeras e cães para proteger as vastas plantações de soja, algodão, etc. Estes dispositivos perturbam a planificação dos territórios e os modos de vida de comunidades cujo equilíbrio de vida já era frágil. As culturas antigas, de milho, de feijão ou de amendoim desaparecem em favor de produtos de exportação, segundo as evoluções dos preços ao nível dos mercados internacionais. Aldeias de reassentamento surgem, principalmente na basa de fundos das empresas de terra, mas essas novas aldeias têm deficiências demasiado pesados (em termos de acesso à água, de serviços públicos, etc.), para não mencionar a desintegração do tecido social ou família da comunidades reassentadas.
Um estudo publicado em Maio passado sobre o caso de Mualadzi, uma aldeia deslocada da província de Tete, revelou que a pobreza endêmica das comunidades e a fragilidade do Estado tornavam as deslocalizações difíceis. Realizada desde 2013, sobretudo pela Oxfam e o Centro para a Responsabilidade Social na Mineração, num prazo de mais de dois anos, este estudo também sublinha a falta de um programa abrangente e transparente de acompanhamento dos reassentamentos, a falta de diálogo com as comunidades, e a baixa capacidade (ou falta de vontade) das partes interessadas para evitar o risco de deslocamento. As minas de carvão têm aumentado a uma velocidade impressionante, na província de Tete, enquanto a fraqueza do Estado fez inconcebível um acompanhamento adequado, com tantos casos de deslocalizações. A empresa Vale reassentou 1.200 famílias em terras áridas e isoladas (e às vezes que já estavam ocupadas). Realizada de maneira subterrânea, na era colonial, a exploração das minas faz-se agora a céu aberto. Um método menos caro para as empresas, mas que polua muito. Por exemplo, nos últimos meses, a extensão da concessão da sua mina de carvão por Rio Tinto levou ao deslocamento de várias aldeias ao redor, e atualmente polua o rio próximo de Rovuboe, no qual as comunidades locais baseavam seus modos de vidas e meios de subsistência. Enfim, nesta província, o boom da mineração transformou os modos de vida das populações, que são consideradas como um dado sem importância.
Moçambique não é um caso isolado. Esta situação é exemplar de muitos Estados em desenvolvimento. Este país constitua uma peça entre outras de um grande jogo de xadrez agrário e mundial, no qual decidem grandes empresas internacionais e alguns países. De fato, entre 2000 e 2014, mais de 200 milhões de hectares de terras aráveis foram compradas ou arrendadas, especialmente na África, por gigantes da agro-indústria, por especuladores, e até mesmo por Estados como o Qatar, que quer garantir a sua segurança alimentar. Os preços da terra em Moçambique são muito baixos, e as autoridades fazem da atração de capitais privados a solução para garantir o desenvolvimento do país. Mas, enquanto oito Moçambicanos sobre terra praticam a agricultura, principalmente em parcelas de menos de dois hectares, é óbvio que esta via de « desenvolvimento » não é relevante para o Moçambique, e deste caminho errado, as vítimas diretas são os pequenos agricultores. Uma realidade ainda mais trivial que o alto nível de corrupção favorece os piores abusos. Além disso, o Centro de Integridade Pública (CIP), uma organização da sociedade civil independente, denuncia frequentemente o segredo à volta dos contratos de terras.
Claro, nem todos os investimentos tornaram-se um desastre, mas os exemplos de trabalhadores agrícolas satisfeitos e de reassentamentos felizes, como no caso da empresa Agromoz (1.300 hectares de soja) na Zambézia, são raros demais para compensar os casos de reassentamentos infelizes. Em Moçambique, como em qualquer lugar, nenhum « milagre econômico » que supõe a destruição do ambiente e a deterioração das condições de vida dos cidadãos pode ser sustentável. Além de ser impulsionado por processos profundamente injustos, o crescimento econômico de Moçambique aumenta as desigualdades e favorece a exploração e a marginalização de comunidades reduzidas à miséria.
ProSavana: o pior ainda está para vir
Pior, os casos de grandes explorações agrárias atualmente observadas são apenas a vanguarda de um projeto muito maior: o projeto ProSavana. Realizado conjuntamente pelos governos do Brasil e do Japão, com a cooperação direta do Estado moçambicano, o seu objetivo é a cultura intensiva de soja e de milho no corredor de Nacala, sobre 14,5 milhões de hectares, em pelo menos vinte distritos nas províncias de Nampula, Zambézia e Niassa. Falamos aqui de 30% das terras aráveis do país. A iniciativa irá, obviamente, levar ao reassentamento de muitas famílias.
Concebido em 2009 entre os dirigentes japonês e brasileiro, o projeto faz de Moçambique um exportador de produtos agro-industriais para o mundo inteiro. Pretenda reproduzir uma experiência, a transformação, entre os anos 1970 e 1990, da savana tropical humida do Mato Grosso brasileiro, em a principal região produtora de soje do planeta. Naquela altura, a conversão do Cerrado brasileiro tinha sido conduzido com a ajuda de engenheiros japoneses e dum financiamento importante de Tokyo. A cooperação triangular de ProSavana inspira-se dela, com objetivo de desenvolver o Norte do país graças a tecnologias brasileiras, as empresas japoneses tendo a responsabilidade da comercialização dos produtos, sobretudo nos mercados asiaticos. E no entanto, qualquer seja a propagândia das firmas internacionais e dos governos sobre este caso, o corredor de Nacala não tem assim tanto a ver com o Cerrado. Se os dois territórios estão nas mesmas latitudas, a zona de intervenção do ProSavana é muito mais fertíl, e então mais importante para os camponeses locais. E sobretudo, ao contrário do Mato Grosso que nos anos 1970 era pouco povoado, 5 milhões de pessoas moram na zona do ProSavana, maioria delas sendo pequenos camponeses que produzem uma grande parte da comida consumida no país...
O assunto é altamente sensível, como o ilustrou a consulta pública do 12 de Junho passado em Maputo, durante a qual representantes da sociedade civil, incluindo a presidente da Liga dos Direitos Humanos Alice Mabota, a ativista feminista Graça Samo e o economista João Mosca, sairam da sala, depois do ministro da ministro da Agricultura, José Pacheco, ter adotado um jeito autoritário, em particular quando falou: « Temos que ter uma postura patriótica. Não vêm aqui com agendas obscurantistas. » Em Moçambique, os interesses da oligarquia no poder, das elites locais corruptas e das empresas estrangeiras pisam tudo. O que até cria algumas contradições. Por exemplo, mais de 60% da área coberta por ProSavana nas províncias de Zambézia e de Nampula já foi concedida para concessões de mineração, o que ilustra a falta de coerência das políticas globais e de cooperação entre os Ministérios (o da Terra, o da Agricultura, o da Mineração, etc.).
E com tal erros, o governo chegue a ter uma margem de negociação reduzidas com as empresas estrangeiras. Por exemplo, os investimentos de uma empresa como a Vale representam cada ano 15% do PIB nacional. É portanto difícil apresentar-se como contrapeso contra os interesses capitalistas que estão envolvidos no país. E com o envolvimento dos membros do governo moçambicano (sejam aqueles do ex-governo do Guebuza ou aqueles do novo governo do Nyusi) na economia, esta situação ainda vai perdurar muitos anos. As vítimas colaterais são os próprios Moçambicanos, o povo que não tem meios para defender os seus direitos.