Mega-projectos e industrias extrativas: em Moçambique, o crescimento económico não assegura o desenvolvimento
Será que Moçambique, este novo el-dorado da África austral, segue um caminho de desenvolvimento de tipo angolano, marcado pelo nepotismo, pela confusão entre política e negócios, e pelo um crescimento impulso pelas exportações de recursos naturais, mas marcado pelo um aumento acentuado da desigualdade social?
Em 15 de Janeiro, Filipe Jacinto Nyusi tomou posse de chefe de Estado moçambicano, sucedendo a Emílio Armando Guebuza. Os dois indivíduos são do mesmo partido, a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), no poder desde a independência em 1975. A transferência de poder ocorreu em um contexto político particularmente tenso, com acusações de fraude formuladas pelo principal partido da oposição, a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), após as eleições gerais realizadas em 15 de Outubro de 2014. Também com o espectro de um retorno à guerra civil, que terminou em 1992, ou, pelo menos, de confrontos entre multidões partidárias.
Enquanto isso, a inauguração do Aeroporto Internacional de Nacala, na província de Nampula, em 13 de Dezembro de 2014, mostra que as tensões políticas têm pouco impacto sobre o crescimento económico e os mega-projectos. Mas a corrupção generalizada que afeta todos os níveis de tomada de decisão, incluindo o nível governamental, e a esclerose política que favorisa o nepotismo, levantam sérias dúvidas sobre o modelo de desenvolvimento proposto hoje pelo Moçambique.
Uma economia em expansão, impulsionada pela mineração e pelos hidrocarbonetos
Basta caminhar em Maputo depois de seis meses ou um ano de ausência, para realizar que a capital moçambicana está a mudar muito depressa. Muitas pequenas casas velhas são destruídos em benefício de futuros projectos imobiliários liderados por empresas de construção estrangeiras. O aumento dos preços no centro da cidade, favorecido pela chegada de Europeus nos últimos anos, tem forçado muitos Moçambicanos a estabelecer-se em subúrbios da capital. Assim, Matola, conseqüência da expansão da capital, tornou-se na década 2000 o segundo município mais populoso do país, antes da cidade da Beira. E é só ver os longos engarrafamentos de vários quilômetros que formam-se à saída de Maputo diariamente, de manhã e à noite, para convencer-se que a capital moçambicana tem aumentado consideravelmente nos últimos anos... e que essa expansão tem foi antecipada. « Quando eu era jovem, não havia nenhum carro, mal passava um de vez em quando, mesmo nas principais avenidas da cidade, explicava em 9 de Junho, em uma conferência em Maputo, Nando Menete, o coordenador da associação Rede Uthende (Ruth), especializada no sector dos transportes urbanos. A configuração da cidade não mudou desde o tempo colonial, então fica cada vez mais marcada pelos engarrafamentos. »
A presidência Guebuza (2005-2015) foi, sem dúvida, marcada pelo crescimento econômico, com o PIB aumentando em cerca de 7% por ano ao longo da última década. A rede de estradas, a electrificação do país e o número de faculdades – cuja qualidade não está sempre ai – conhecerem um crescimento considerável. Ainda este ano, quatro novos distritos da província da Zambézia foram integradas à rede nacional de energia. Em 2014, todos os distritos da província de Manica foram conectados à rede nacional, graças à conexão de dois últimos distritos em Dezembro de 2014. Em muitos aspectos, portanto, Moçambique é uma nação em mudança. Os mega-projectos são numerosos, sejam na construção ou na exploração de recursos naturais.
Em todas essas áreas como na agricultura, este país de 26 milhões de habitantes é um el-dorado para os investidores. As empresas ocidentais, asiáticas ou sul-africanas jà estão a operar, sobretudo nas províncias do Norte e do Centro do País. O Irlandês Kenmare e o Chinês Hong Ti, por exemplo, exploram areia pesada para extrair titânio, um mineral necessário para a construção de armas e novas tecnologias, na província de Nampula. Kenmare também trabalha nas províncias de Niassa e Tete. Na província de Tete, que contem 10% das reservas de carvão do mundo, concessões mineiras têm-se multiplicado nos últimos anos. Três empresas começaram extração: a australiana Rio Tinto, a Brasileira Vale do Rio Doce (mais conhecida como Vale), e a Indiana Jindal. A indústria extractiva, em Moçambique, contribuiu com 12,6% para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), no segundo trimestre de 2014, sendo responsável por 30% das exportações do país, revela um relatório divulgado este ano pela Iniciativa de Transparência na Indústria Extractiva (ITIE).
Esta contribuição verifica-se não obstante o peso da indústria extractiva na produção global continuar a registar níveis relativamente baixos do PIB, com cerca de 2%. Segundo o relatório, contribuíram, em grande parte, para este crescimento o carvão mineral, com cerca de 17,6%, gás natural (8,2%) e areias pesadas, 4,2%. O desempenho deste sector deve-se fundamentalmente à exploração das areias pesadas de Moma, província nortenha de Nampula, e a produção do carvão de coque e térmico em Moatize, província central de Tete, não obstante a queda contínua do preço no mercado internacional.
No « corredor de Nacala » por onde as mercadorias circulam desde e para países vizinhos sem acesso ao mar, até uma concessão foi oferecida pelo Estado à empresa Vale para construir uma linha ferroviária entre província de Tete e o porto de Nacala, na província de Nampula, de modo que possa garantir o transporte e a exportação de carvão explorado – uma vergonha em um país que tem para os passageiros somente duas linhas ferroviárias para viajantes. Exemplo mais recente: a empresa australiana Mustang Recursos confirmou a descoberta, em Junho passado, de minas de diamantes de alta qualidade próximas dos rios Save e Runde, no centro de Moçambique.
Que nem o Aeroporto Internacional de Nacala já mencionado, muitos concursos para projectos de infra-estruturas são vencidas por empresas de construção estrangeiras, e são quase sempre o resultado de negociações opacas cuja seleção faz-se com um « refresco » ou uma « comissão » cuidadosamente colocada para satisfazer os políticos. Resultado: Moçambique tem projectos sobre-facturados para necessidades igualmente sobre-estimados. É o caso do Aeroporto de Nacala, construída por uma empresa brasileira; mas também de dois projetos cuja fase de construção é assumida pelos Chineses, ou seja, a ponte entre Maputo e Catembe, pequena cidade à frente da capital, do outro lado do estuário (725 milhões de dólares); e novo anel viário de Maputo (300 milhões de dólares), que deve permitir aliviar um pouco o tráfico nas estradas da capital. A renovação dos portos é também um assunto importante. Nacala, que tem um dos dois únicos portos de águas profundas naturais da África Oriental, é um alvo principal. Os Japoneses estão investindo 200 milhões de dollars para o modernizar e expandir o negócio. Do outro lado da baía, Vale, mais uma vez, cria um outro porto de águas profundas, mas artificial, para exportar o seu carvão vindo das minas de Tete. Na Beira, saída de um outro « corredor » moçambicano, Rio Tinto lidera a renovação do porto; até houve em questão de realizar uma outra linha ferroviária, esta financiada pela empresa australiana, para ligar o porto de Beira com suas minas de carvão no distrito de Moatize, na província de Tete.
Mas as dificuldades de Rio Tinto por causa da queda do preço internacional do carvão, como também por causa das dificuldades logísticas e burocráticas encontradas em Moçambique, incentivaram mais a empresa australiana a retirar as suas actividades de Moçambique do que a investir mais. Vale também, sem retirar-se totalmente de Moçambique como Rio Tinto está agora a o fazer, tem que revisar as suas projeções de investimento. Das três grandes empresas estrangeiras que investiram no carvão, só a Indiana Jindal mantém as suas actividades ao mesmo ritmo, os seus lucros estando mais dependentes da procura de matérias primas do mercado interior indiano do que da evolução dos preços internacionais do carvão. Aliás, o crescimento do sector da indústria extractiva, diz o relatório da ITIE publicado em 2015, apresentou em 2014 uma desaceleração, comparativamente a 2012, ano em que registou um crescimento médio anual de 40,9%, como consequência do início da produção de carvão de Moatize e Benga, e do aumento da produção de alguns minerais, como as areias pesadas de Moma, ou a tantalita. O total de receitas reportadas pelo Estado, advindas deste sector, é de 11.717,61 milhões de meticais, o que corresponde a 12% do total global de receitas arrecadadas pelo Estado em 2012, de cerca de 98.615,1 milhões de meticais. Estas estatísticas todas são diferentes das receitas registradas oficialmente pelo governo, o que supõe que o Estado (e a Autoridade Tributária) deveria esclarecer a transparência relativa ao dinheiro público e aos contratos negociados na área das industrias extractivas.
Usina de cimento no distrito de Matutuine, na província de Maputo. A exploração de calcário na zona traduzia-se pelo reassentamento de famílias à volta.
Após a corrido ao carvão, é agora o gás que atrai o desejo de todos. Empresas de exploração de hidrocarbonetos não acabam de aparecer em Maputo. A mais recente: Na Gas Limitada, fundada em Abril por dois especialistas da mineração que se converteram no gás. A primeira zona de exploração de gás, concedido à empresa sul-africano SASOL, já está operacional desde 2004 nos sites de Pande e Temane, na província de Inhambane; ele é usado principalmente para a exportação para a África do Sul. Mais importante ainda, um novo campo de gás, nas águas territoriais de Moçambique e da Tanzânia, foi descoberto em 2012: a italiana ENI e a Americana Anadarko vão explorar o que pode ser uma das maiores reservas offshore do mundo (estimada em 5,6 trilhões de metros cúbicos, em águas profundas) ao largo da província de Cabo Delgado, perto do estuário do rio Rovuma. De acordo com Standard Bank, inicialmente Moçambique vai ganhar cerca de 67 bilhões de dólares com as exportações de gás natural – com seis liquefacção, o lucro poderá subir para 212 bilhões.
Em Agosto de 2014, o Parlamento aprovou uma lei que dá ao governo o poder para negociar um decreto separado sobre o funcionamento do gás natural offshore. Tradução: o executivo, em um país onde o autoritarismo estatal e o nepotismo são famosos, decida só o que deve acontecer com as reservas de Rovuma. Em Dezembro de 2014, o governo também conseguiu um acordo com duas empresas: ENI pode agora construir uma fábrica náutica em um dos « blocos » na bacia do Rovuma, e o operador Anadarko uma num outro bloco. Além disso, as duas empresas são dispensados de certas disposições do Código do Trabalho e das leis sobre o câmbio. Foi colocado um mínimo de 25% de gás vendido a fins domésticos (moçambicanos), sob a égide da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH), mas a medida tem interesse limitado logo que a consumação interna moçambicana não permite ainda de consumir uma tal proporção de gás. Finalmente, ENH beneficiará de uma participação de 15% nos blocos – estamos longe das nacionalizações do 24 de Julho de 1975. Só haverá uma produção de gás total a partir de 2021. Os interesses políticos e econômicos são consideráveis. Assim, em 28 de Dezembro de 2014, o adiamento das decisões relativas a 15 novos blocos de exploração de hidrocarboneto foi feito à custa do ex-presidente Emílio Armando Guebuza, que queria controlar os processos de decisão.
As empresas estrangeiras, gradualmente, colocam seus peões na vasta cena econômica moçambicana. Somente em 2014, os investimentos chineses atingiram 3,62 bilhões de dólares, em muitas áreas: agricultura, comunicações, carros, construção, hotéis, etc. Até os hidrocarnotenos são também investidos pela China. O mais recente projeto foi a construção de uma usina de energia movida a carvão na província de Tete, avaliado em 25,5 milhões de dólares; envolveu a Shanghai Electric Power e Ncondezi Energia. Outra usina termelétrica prevista em Tete envolve os governos de Moçambique e de Zâmbia. China deve tornar-se um dos principais clientes de gás natural de Moçambique, onde já tem feito sentir a sua presença. O National Offshore Oil Corp chinês obteve o primeiro contrato de longo prazo que prevê a compra annual de gás, entre 2 e 2,5 milhões de toneladas, um quarto da capacidade de produção na primeira unidade de liquefação associado à área 1 da bacia de Rovuma, onde Anadarko é a principal operadora. O interesse de companhias de petróleo chinesas no gás natural moçambicano já tinha levado Sinopec a comprar da empresa italiana ENI, uma participação de 20% na área 4.
Do lado europeu, ENI incita as outras empresas italianas a investir em Moçambique; em 28 de Abril passado, os líderes de ENI organizaram com a organização patronal Confindustria, e em presença do vice-ministro da Economia italiano, uma reunião para explicar às empresas da península as oportunidades de negócios relacionados ao desenvolvimento de projetos de gás em Moçambique. De facto, as operações de ENI na exploração offshore em Moçambique favorecem a vinda de outras empresas italianas, às vezes muito próximas dos líderes de ENI (com até laços de amizade ou de família entre eles). Por exemplo, as empresas italianas SAGA e Cosmi, implementadas em Moçambique sobre a base de uma joint-venture propoem serviços a empresas de hidrocarboneto, (transportes, montagem de campos, assistência, etc.), especialmente ENI.
Os mega-projetos continuam sem beneficiar realmente aos próprios moçambicanos. O governo deixa sistematicamente às empresas estrangeiras benefícios enormes, sem permitir uma distribuição das riquezas que era no entanto a causa principal do partido frelimisto antigamente. Ainda hà alguns dias, em 30 de Junho, o Centro de Integridade Pública (CIP), uma instituição independente, chamou, em nome das organizações da sociedade civil que trabalham no setor da indústrias extrativas, o executivo a rever os incentivos fiscais que existem ainda e que favorecem as empresas internacionais, principalmente porque a contribuição destas mesmas para o imposto continua a ser extremamente baixo. Uma chamada em vão. Por exemplo, o Estado moçambicano perdeu, nos últimos três anos, cerca de 13 milhões de dólares de impostos, que a empresa chinesa Hayiu Mining Company deveria ter pago, pela exploração de areia pesada de Sangage, no distrito de Angoche (província de Nampula). Em vez disso, a Hayiu Mining Company apenas canalizou 60.000 meticais, ou seja, menos de 2.000 dólares. Além disso, esta empresa chinesa não respeita as obrigações sociais impostas pelo Código do trabalho moçambicano, mandando fora, por exemplo, qualquer mulher que fique grávida. E o governo distrital de Angoche faz tudo para esconder estas práticas ilegais, o que deixa a pensar que há atrás disso tudo um caso de corrupção com as autoridades locais. « Jà estive nessa companhia e conversei com alguns jovens funcionarios, conta Gilda Homo, encarregada de projetos na associação kuwuka Jda. As condicões são realmente deshumanas, para além da degradação do ambiente, uma vez que a Haiyu Mining faz uma a exploração quase artesanal de areias pesadas naquela área. » Um caso emblemático do Moçambique, onde as grandes empresas estrangeiras podem agir em total impunidade.