Eleições do 4 de Outubro em Portugal (1/3): um novo fracasso da esquerda anti-austeridade?
Em 4 de Outubro, os Portugueses foram chamados às urnas para eleger os seus 230 deputados. De todos os países europeus onde a crise económica foi tão violento (Grécia, Chipre, Itália, Espanha e até Irlanda), Portugal é o único cuja cena política não sofreu qualquer mudança importante.
A crise económica impactou muito o país. De fato, está numa situação extremamente difícil, e até a Grécia não tem muito a invejar. Portugal já tinha um monte de problemas antes da crise, econômicos e sociais. Nos anos 1980, o fracasso da partilha das terras no Alentejo tinha provocado o declino da agricultura nesta região meridional, enquanto ao nível nacional, agricultura e industria, com uma baixa competitividade, estava submetida à concorrência nova de outros países europeus, e depois de países emergentes. A pesca à sardinha, muito importante no setor da pesca, está declinando desde os anos 60, por causa da concorrência internacional e da redução deste peixe. Os problemas de gestão são muitos: nível de corrupção a todas as escalas (o segundo maior depois da Grécia, na Europa dos Quinze), déficit de competitividade, setor de educação fraco, etc. Enfim, dificuldades estruturais, isso tudo com um envelhecimento da população que anuncia dificuldades futuras. O tempo político que seguiu a adesão às Comunidades europeias (1986), caracterizado pela alternância política entre o PSD de Aníbal Cavaco Silva (1985-1995) e o PS de António Guterres (1995-2002), deu a ilusão de uma certa prosperidade, ilustrada pela organização da Expo' 98 sobre « os Oceanos, um património para o futuro » em Lisboa e do Campionato de Europa de football de 2004, como também pela queda significativa da emigração, e até pela chegada duma nova imigração vindo de Europa de Leste (Ucrânia, Moldavia, etc.), mas que a final ficou pouco tempo por ai.
Em 2005, a péssima gestão e os erros políticos do governo PSD provocaram uma dissolução do Parlamento e eleições legislativas antecipadas, que o PS venceu com 45,03% dos votos e uma maioria absoluta de deputados (pela primeira vez da história do partido). No entanto, os esforços do primeiro governo Sócrates (2005-2009) para reduzir o défice orçamental e a dívida pública, a fim de cumprir os critérios de Maastricht definidos no âmbito da União europeia, foram neutralizados a partir de 2008 pela explosão do desemprego e o colapso de sectores da economia, como o sector da construção.
Reeleito em 2009 apesar de uma política de austeridade muito dura, José Sócrates (PS) é forçado em Março de 2011 a provocar eleições legislativas antecipadas por causa de um voto de desconfiança da oposição de direita (que estimou insuficientes os esforços fiscais exigidas pelo quarto plano de rigor orçamental socialista). A instabilidade política momentânea podia causar ataques especulativos e a degradação da dívida portuguesa por parte das agências de notação bancárias, por isso o Primeiro-ministro demissionário teve que pedir a ajuda da Troika (FMI, CBE e Comissão europeia) para conseguir satisfazer os imperativos financeiras do Estado. O país passou então sob « assistência » das instituições financeiras europeias e internacionais. Com apenas 28,04% dos votos, o PS, então, pagou seus anos de austeridade econômica, mas, paradoxalmente, é a direita, responsável desta sequência de política que obrigou o governo a chamar a Troika, que ganhou as eleições de 5 de Junho de 2011 (com 38.66% dos votos), enquanto o PSD e o PP defendiam um reforço do rigor já iniciado pelo PS. Pedro Passos Coelho lidera o governo desde essa eleição.
Com a crise, reações inéditas, mas sem impacto sobre as políticas governamentais
Lisboa saiu do programa imposto pela Troika desde Maio de 2014, e foi capaz de pagar antecipadamente ao FMI quase um quarto da sua dívida de 29,6 bilhões de euros. Forçado a emprestar 78 bilhões de euros em 2011 para evitar a falência, Portugal pode novamente financiar-se « normalmente ». Nas últimas eleições, esta situação reforçava os argumentos da direita em favor do rigor financeiro. O governo apresentava como um contra-modelo a experiência de Syriza na Grécia. No entanto, a análise dos indicadores macro-económicos observados pela Comissão europeia e pelas agências de notação financeiras não reflete a situação real do país. Certamente, a melhoria da competitividade ajudou a impulsionar as exportações, que aumentaram de 27% para 40% do PIB, e o crescimento do PIB está de volta, a um nível de 0,9% em 2014 e de 1,6% em 2015. Mas o PIB não conhece uma verdadeira melhoria, e o FMI mantém por enquanto previsões de crescimento de 1,5% em 2016 e de 1,4% em 2017. A este ritmo, o país recuperará o seu nível de riqueza de 2009 – em termos de PIB (um indicador já questionável em si) – só em 2020.
O efeito-mecânico da purga fiscal que provocou a queda do crescimento econômico, foi um aumenta da dívida pública, de 83,6% do PIB em 2009 para 130,2% em 2014. Uma estatística inferior a Grécia, claro, mas a qual é preciso acrescentar o peso da dívida privada, porque esta, em Portugal, é muito maior do que na Grécia. Atingiu 237% do PIB em 2015. A Troika impôs ao Portugal o cocktail clássico combinando cortes de despesas públicos e de subsídios de desemprego, a compressão dos salários e das pensões, o aumento do IVA, e um programa pesado privatizações (energia, transportes). O ultima foi quando o governo acabou, em 23 de Setembro do ano passado, a privatização da gestão dos transportes públicos em Lisboa. Em termos de quebra social, o balanço é pesado. No pior da crise, a taxa de desemprego atingiu 17,5% da força de trabalho. Se o governo se orgulha de ter feito passado essa estatística para 12%, é preciso notar que ela é artificialmente reduzida pela emigração que o país conhece desde 2010 – em 2011, o próprio Primeiro-ministro convidou os jovens desempregados portugueses a emigrar para encontrar trabalho fora das fronteiras. Estima-se que entre 400.000 e 500.000 Portugueses deixaram o país – uma fuga de cérebros que afecta sobretudo os jovens e trabalhadores formados, causando um envelhecimento da força de trabalho presente no país e uma redução das receitas fiscais. Quase 100.000 pessoas deixaram o país cada ano. Além disso, mais de um terço dos jovens com menos de 25 anos ainda estão desempregados. Em 2011, 18% da população já era considerada « em risco de pobreza » e 8,6% sofria de « grave privação material ». E este ano, quase um Português sobre cinco vivia com menos de 411 euros por mês.
Portugal já estava no meio dos anos 2000 o país mais desigual da União Europeia, tinha apontado um relatório detalhado sobre a coesão social publicado pela Comissão Europeia em Maio de 2008; ele era o único Estado-membro da UE dos 25 onde a distribuição das rendas era mais desigual do que nos Estados Unidos. Uma realidade que a crise (que não afetou todos os Portugueses, de facto) não deve ter melhorado. Apenas em 2013, as 25 pessoas mais ricas do país têm aumentado os seus activos em 16%, totalizando 16,7 bilhões de euros, segundo a revista Exame. Enquanto Portugal saiu dolorosamente esse ano da recessão, essas 25 maiores fortunas têm o equivalente de 10% do PIB, contra 8,4% em 2012.
Os serviços públicos pagaram muito caro os cortes no orçamento do Estado. Os salários dos funcionários públicos que ganham mais de 1.500 euros por mês têm sido repetidamente reduzidos, enquanto os que ganham menos virem o salário congelado. Dependendo do ano, mais de um terço ou até metade dos centros de saúde portugueses careceram de equipamento. Luvas, blusas e vacinas faltam, segundo vários estudos feitas em colaboração com as Unidades de Saúde da Família, que incluem médicos de clínica geral e enfermeiros. Por outro lado, a reforma do mapa judiciário resultou na remoção de um grande número de tribunais. O sector da educação não foi esquecido. Por exemplo, apenas em Setembro de 2014, Portugal contava com 2.400 escolas a menos do que o ano letivo anterior; em uma década, mais de 7.000 escolas públicas foram fechadas. Em 24 de Novembro passado, um relatório da OCDE dizia que Portugal foi um dos países membros da Organização cujo os investimentos na educação foram mais reduzidos (-14% entre 2010 e 2012).
Veio acrescentar-se a isso tudo, em 2013-2014, a privatização dos serviços postais, Correios, Telégrafos e Telefones (CTT), cujo caso é emblemático. As estatísticas são impressionantes. Entre 2005 e 2012, CTT perdeu 27% dos seus efectivos... enquanto a empresa realizava, no mesmo tempo, um benefício cumulado de 438,7 milhões de euros. Entre 2008 e 2013, um terço das bancas de correios desapareceram, ou seja, 125 só entre Maio de 2011 e Junho de 2013. É neste contexto que chegou a privatização, conformo o que foi previsto com a Troïka. Esta operação financeira é ainda mais chocante que, desde uns 20 anos e a separação entre as telecomunicações e o serviço postal, a empresa é beneficiária, e em boa saúda! Mas é irreversível, tal como outras privatizações ou aberturas de capital: Eletricidade de Portugal (EDP), cujo 25% do capital é adquirido pelo chinês Three Gorges em 2011; a Rede Elétrica Nacional (REN), cujo 40% é vendido em 2012 ao chinês State Grid e a Oman Oil; a quase-totalidade dos transportes públicos e dos aeroportos do país; etc. Em 2015, o sistema de tratamento e de fornecimento da água até é reestruturado, em previsão de uma futura privatização de Águas de Portugal (que a final não será feita).
Em um país onde a vida rural tem um papel essencial na identidade coletiva, campanhas e aldeias sofrem, claro, do envelhecimento da população, causado pela emigração dos jovens e pela queda da natalidade (1,2 criança por mulher, um dos níveis mais baixos de Europa), mas também desta concentração ou desaparição dos serviços públicos (escolas, correios...), que são instrumentos decisivos da coesão social e territorial. Muitas vezes, por exemplo, os correeiros transferiram suas missões a floristas, a mercearias ou a freguesias ou municípios, dum dia para outro, sem avisar os usuários. A noção mesma de serviço público sempre ficou ausente do discurso oficial do governo de direita, cujo clichê ideológico era clara: « O Estado é, em Portugal e em todo o mundo, mau gestor de empresas », segundo as palavras de um deputado PSD, Adriano Rafael Moreira, formuladas em Maio de 2013. Não o governo, claro, nem os dirigentes das tal empresas, não, quem é responsável, é o Estado. A deputada Ana Drago, do Bloco de Esquerdo, respondeu assim, na Assembleia da República: « Não é o Estado, entidade pública que representa a soberania popular, que é mau gestor, são os senhores, [...] você e [os seus amigos]! »
Dirigido pela direita, Portugal foi rapidamente apresentado como o bom aluno das políticas impostas pela Troïka. Foram cinco os chumbos directos a medidas de austeridade formulados pelo Tribunal constitucional nos quatro últimos anos, as julgando contrárias à Constituição, por exemplo a supressão de cortes nos subsídios (tipo os 14° meses de salários dos funcionários e das pensões de reforma). Estas decisões do Tribunal provocaram então um choque político, pois apareciam como uma rejeição da Troïka; de uma certa maneira, elas sublinhavam que tudo não era possível en termos de destruição dos direitos. Vitórias são conseqüências, pois em 7 de Abril de 2013 em particular, o governo anunciou cortes importantes nas despesas públicas – nos setores da saúde e da educação sobretudo – para compensar a perca de 1,3 bilhão de euros provocada pelo reembolso dos salários e das pensões pagos indevidamente.
Foi preciso um tal contexto de destruição social para ver se organizar, em um país onde protestos de rua são muito pouco frequentes, eventos consequentes de contestação. Na continuação dos protestos observados em todo o mundo sob o título de « Indignados », o movimento Geração à rasca, também conhecido como « geração 500 euros », e as principais confederações sindicais, lideraram várias marchas e manifestações, algumas vezes associadas a greves gerais dos setores públicos ou privados, muitas vezes envolvendo entre 100.000 e 500.000 manifestantes (números excepcionalmente elevados neste país de dez milhões de habitantes), nas cidades do Porto e sobretudo de Lisboa, tipo em 29 de Maio, em 6 de Novembro de 2010, em 12 de Março, em 15 de Outubro e 24 de Novembro de 2011, e em 22 de Março de 2012. Em 14 de Setembro de 2012, um dia comum de protesto até foi organizado em Espanha e em Portugal ; e em Lisboa, a manifestação acabou-se então, de maneira simbólica, na Praça de Espanha, em solidariedade com os Espanhóis. Em 14 de Novembro de 2012, a CGTP portuguesa, e sindicatos gregos e espanhóis, lideraram uma greve geral conjunta e manifestações simultâneas contra a austeridade – um início de reação europeia que não teve continuidade.
Mais recentemente, novas manifestações foram realizadas na capital portuguesa, em 2 de Março de 2013, ou em 14 de Março de 2014. O hino da Revolução dos Cravos, Grândola, Vila Morena, até foi cantada certas vezes nas marchas sociais, a partir de Março de 2013 – os mais idosos há a conheciam de cor, e os mais jovens ajudavam-se com as letras imprimidas, e muitos trazendo cravos vermelhos. Apesar dessas manifestações de protesto, a maioria dos eleitores registados afastaram-se das eleições, aumentando a abstenção, enquanto a maioria dos votantes validou a escolha de austeridade, em 2009, em 2011 e novamente este ano.
Uma extrema-esquerda dividida, num país profundamente conservador
Claro, com 36,86% dos votos, a lista única da coalizão de direita, combinando o Partido social-democrata (PSD) e o Partido popular (PP), tem um resultado menor do que aquele que teve em Junho de 2011; há 4 anos, o único PSD com 38,66% dos votos, e o PP com 11,71%, foram capazes de pegar a liderança do governo ao Partido socialista, liderado então pelo Primeiro-ministro José Sócrates (2005-2011). Com dois milhões de votos em Outubro, a direita perdeu em quatro anos mais de 800.000 eleitores, ou seja, quase um terço dos seus votos. Mas, enquanto isso, o Partido socialista (PS) praticamente não aumentou seu resultado, passando de 28,05% em 2011 a 32,31% em Outubro de 2015. Nas últimas semanas, também vimos a formação de António Costa, presidente da Câmara municipal de Lisboa de 2007 a 2015, perder terreno frente à lista liderada pelo chefe do executivo, Pedro Passos Coelho (PSD).
O resto da cena política também não foi muito movimentada pela crise econômica caracterizada por sete anos de estagnação econômica e política e por uma rigor orçamental muito dura (dez anos, se contamos as cortas orçamentarias já impostas pelo governo Sócrates desde 2005). O Bloco de Esquerda, criado em 1999 (e equivalente de Die Linke na Alemanha), conseguiu dobrar seu resultado, passando de 5,17% em 2011 a 10,19% em Outubro; com 550.000 votos, ele ganhou 260.000 eleitores. Mas, afinal, ele só volta a ter seu resultado de 2009, que já era de 9,81% (557.000 votos). Da mesma forma, a Coligação Democrática Unitária (CDU), coligação criada em 1987 e juntando o Partido comunista português (PCP) e o Partido ecologista « Os Verdes » (PEV), certamente aumentou o seu resultado desde 2009 (7,86%) e 2011 (7,90%), recebendo 8,25% dos votos em Outubro passado, mas só ganhou 5.000 eleitores desde 2011. Então, à extrema-esquerda, não há grandes mudanças.
Na extrema-direita também não, pois nenhum partido desta tendência política, totalmente ausente da vida política portuguesa, conseguiu criar a surpresa de entrar no Parlamento. Nem o Partido Renovador Nacional (PRN), neofascista, nem mesmo o Partido Popular Monárquico. A manifestação do 12 de Setembro, reunindo apenas uma dúzia de ativistas do PNR, em oposição à possível chegada de imigrantes sírios em Portugal, felizmente não teve impacto sobre a votação de Outubro – retratos de Dom Afonso Henrique, primeiro rei de Portugal no século XII, foram vistos durante esta manifestação, referindo-se à Reconquista cristã.
Mesmo a baixa participação de 55,86% dos eleitores, não é muito diferente daquela das eleições de 2009 (59,68%) ou 2011 (58,03%); seu declínio então desde 2005 (64,26% naquele ano) ilustra principalmente o crescente desinteresse dos Portugueses pela vida política nacional. Como explicar esse cansaço do povo português, esta incapacidade para protestar contra as injustiças produzidos pelos políticos que submeterem-se à « Tróika » (expressão usada em Portugal para falar do Fundo mundial internacional, do Banco central europeu e da Comissão Europeia) e às normas europeias? Como explicar esse fatalismo que parece impor-se como um traço da cultura portuguesa?
Claro, a extrema esquerda realiza seus melhores resultados, cumulando (com o Bloco de Esquerda e a Coligação Democrática Unitária) quase 18,5% dos votos. Mas apresentou-se dividida, e cada formação teve a sua própria dinâmica, muito específica, e não sempre sustentável. Podemos esquecer já Os Verdes, cujo peso político (dois deputados) é artificialmente permitido pelo apoio dos comunistas. Enquanto o peso do Partido comunista português corresponda a uma realidade muito mais profunda, especialmente na região do Alentejo, onde ele fez seus melhores resultados. No entanto, o PCP tem dificuldades para renovar sua direção política. No mês passado, o líder da lista comunista ainda era Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral desde 2004, que também foi candidato ás eleições presidenciais em 2001 e em 2006.
Popular nos meios de jovens licenciados e em acertos centros urbanos, particularmente no sul e no centro do país, o Bloco de Esquerda conseguiu, com 19 deputados, tornar-se o terceiro maior partido no Parlamento, a frente dos comunistas (15 lugares), mas também do Partido popular (18 deputados). Isso, graças à crise, apesar de muitos jovens que poderiam ter votado para eles terem ido embora; e também porque Francisco Louçã, que representa o movimento desde o seu início e que foi candidato à presidencial em 2006, deixou o lugar, em 2012, para Catarina Martins (42 anos). A equipa de campanha dela foi dinâmica, e incluiu pessoas relativamente jovens, como Joana Mortágua (28 anos) e sua irmã gêmea economista Mariana Mortágua, conhecida por sua luta, enquanto ela estava na vice-presidência da comissão de inquérito parlamentar, contra uma das mais poderosas dinastias de banqueiros portuguesas, o império industrial e financeiro Banco Espírito Santo. No entanto, a volatilidade do eleitorado de extrema-esquerda desde uma década deve nos conduzir a prudência sobre as nossas conclusões relativas á eleição de Outubro. Esse sucesso do Bloco de Esquerdo deve ser confirmado na próxima vez; pois o sucesso de 2009 não se tinha verificado dois anos mais tarde.
Á final, mesmo com seus resultados, a extrema-esquerda portuguesa, anti-capitalista e anti-austeridade, não conseguiu impor-se frente ao « bloc central » (PSD, PP e PS), que conseguiu reunir, todos juntos, uns... 70,9% dos votos. Claramente, o establishment não recebeu uma verdadeira bafada, ao contrário do que os protestos destes últimos anos anunciavam.
Para ir mais longe sobre as raízes do anti-progressismo português herdado do século XX: Eleições do 4 de Outubro em Portugal (2/3): a cultura da submissão permanece
Propaganda eleitoral convidando a votar para a Coaligação Democrática Unitária (CDU), cujo Partido Comunista é o pilar, e para defender os direitos da juventude, no Porto em 2011.
No discurso a seguir, a deputada do Bloco de Esquerda e economista Mariana Mortágua (28 anos) esforça-se, ao termo de quase quatro anos de governo de direita PSD-PP, a desconstruir o mito dos indicadores macro-econômicos positivos, com base uns gráficos sobre dados oficiais. Ela fala na Assembleia da República, em direção ao governo, em 18 de Fevereiro de 2015.
Vamos por quatro anos de governação, e a unica coisa que o [governo] vem aqui fazer, é pedir faturas ao PS e fazer anúncios de recuperação económica. […] Falava em 2013 que um « milagre económico » estava em curso em Portugal. Mas temos que perguntar : se de facto há uma viragem económica em Portugal, há um novo ciclio de crescimento e de investimento em Portugal, como explica que o Inquérito de Conjunturo ao Investimento (INE) faz uma revisão em baixa das intenções de investimento em 2014 ? E faz uma revisão para valores negativos em 2015 ? Os empresários prevêm investir menos em 2015 por causa das perspectivas de vendas, que não existêm no país. […] Como [contabilizam] uma « viragem económica » com empresários que dizem que vão investir ainda menos no ano que vem, incluviso nas indústrias exportadores ? Como contabiliza o discurso de uma « viragem económica », com [esses] indicadores económicos ?
[...] Indicador de atividade económica : está bastante longe de ser uma curva ascendente. Indicador do volume de negócios na indústria : […] bem longe de « viragem económica ». Indício de volume de negócios : […] é sempre a descer. Indício de produção na indústria: a descer. E indício de volume de negócios nos serviços… São os três indícios de volume de negócios industriais que apresentou o INE [...] em Dezembro de 2014. Como contabiliza uma « viragem económica » com esses aspectos, com curvas a descer ? [...] PSD e CDS-PP costumam falar da « década perdida », a década de 2000. É verdade, 2000 foi uma década perdida. O problema é que, em média, para esta década, se chegar se quer aos níveis de investimento da « década perdida », falta dois mil milhões de euros em investimentos, em média. […] Esta década vai ser muito pior do que a « década perdida ».
[…] Porque depois abrimos os jornais, e o que encontramos de investimentos em Portugal, são os Chineses que vêm comprar a BP [Banco de Portugal], a Fidelidade [empresa seguradora], o Espírito Santos Saúde, a REN [Rede Eléctrica Nacional], o BESI [banco de investimento, ramo de Novo Banco]. Em investimentos imobilíarios, [outras compras]. Venda de ativos não é o equivalente a investimentos. E é isso que nós vemos hoje, quando abrimos qualquer jornal. Mais 700 milhões de investimentos imobiliários em Portugal ? São vendas de ativos, não é investimento, capacidade produtiva e criação de emprego.
Mariana Mortágua, deputada Bloco de Esquerda, na Assembleia da República, em 18 de Dezembro de 2015.