Eleições do 4 de Outubro em Portugal (2/3): a cultura da submissão permanece
Com a crise, a escala da recessão e do desemprego foi enorme, tanto como a austeridade orçamental aplicada sucessivamente pelo Partido socialista, até 2011, e depois pela coligação de direita juntando o Partido social-democrata do Primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, e o seu aliado, o Partido popular. No entanto, os resultados das eleições do 4 de Outubro trazerem na vida política portuguesa mudanças profundas. A incapacidade dos Português a repensar a paisagem política, ou mesmo a contestar as injustiças que lhes são impostas e imaginar possíveis políticas alternativas, está enraizada numa cultura imobilista que foi amplamente cultivada pela ditadura salazarista, de 1926 a 1974.
Claro, com 36,86% dos votos, a lista única da coligação de direita, combinando o Partido social-democrata (PSD) e o Partido popular (PP), tem um resultado menor do que aquele que teve em Junho de 2011; há 4 anos, o único PSD com 38,66% dos votos, e o PP com 11,71%, foram capazes de pegar a liderança do governo ao Partido socialista, liderado então pelo Primeiro-ministro José Sócrates (2005-2011). Mas, enquanto isso, o Partido Socialista (PS) praticamente não aumentou seu resultado, passando de 28,05% em 2011 a 32,31% em Outubro de 2015. Pior, a extrema-esquerda mal aumenta os seus resultados, comparado com as eleições de 2009 e de 2011, como o vimos no artigo do mês passado: Eleições do 4 de Outubro em Portugal (1/3): um novo fracasso da esquerda anti-capitalista. Como explicar estes resultados da esquerda portugesa, enquanto a austeridade orçamental do governo de direito deveria ter oferto uma larga vitória à oposição, e enquanto em todos os outros países vítimas pela crise (Itália, Grécia, Espanha, Irlanda, etc.), a cena política foi, ao contrário de Portugal, profundamente afectada?
É preciso lembrar-se que, ao contrário da Grécia e da Itália depois de 1945, ou até da Espanha até 1939, Portugal não viu desenvolver-se, no século XX, uma verdadeira cultura de esquerda a nível nacional. Fora da região do Alentejo, onde as questões específicas da partilha da terra explicam um voto forte em favor do Partido comunista, os movimentos de extrema esquerda têm raízes locais muito fracas. O Norte, dominado por pequenos e médios proprietários de terra, é profundamente capitalista (ou melhor, anti-comunista) e tradicionalista. No Porto, a segunda maior cidade do país, e no arquipélago da Madeira, a Igreja católica mantém um peso considerável, são bastidões da direita mais conservadora. O próprio Partido socialista português nunca foi adepto, como o PS na França, do estabelecimento de um sistema econômico socialista marcada pela intervenção do Estado na economia e na panificação do território. Além disso, o PS português nunca formalizou uma aliança, nem no governo nem no Parlamento, com a extrema-esquerda, enquanto na França, a esquerda formou pelo menos três vezes governos de coligação que implicavam o apoio (em 1936) ou a participação direta (em 1981 e em 1997) dos comunistas. Cada vez que eles estavam numa posição para governar, os socialistas portugueses tiveram que contar com os votos dos deputados da direita – exceto durante a legislatura 2005-2009, durante a qual eles tinham uma maioria absoluta no Parlamento.
Várias explicações podem ser feitas a essas constatações sobre a esquerda portuguesa. O peso da Igreja católica e dos organismos intermédios garantes das tradições políticas e morais é uma primeira resposta. A história desta nação, a sua cultura, as expressões populares, as suas alianças e os seus compromissos políticos ao longo dos séculos, e, finalmente, a sua própria identidade, estão profundamente relacionados com a religião católica. A base da sua independência nos séculos XII e XIII, foi a luta contra os Mouros muçulmanos, tanto como contra a Castela vizinha; e as Grandes Descobrimentos e o estabelecimento do seu império colonial fizeram-se na base da luta contra a Maometanos árabes e turcos, que era necessário contornar para chegar à Índia. A religião deixou uma herança decisiva na nação portuguesa, embora igrejas e capelas hoje em dia lutam para se encher. No livro O Crime do Padre Amaro publicado em 1875, o autor Eça de Queirós, com razão, sublinhava a influência da Igreja na sociedade (e nas suas hipocrisias).
Esse peso teve uma expressão concreta na cultura política, desde que saiu um ódio primário do comunismo. No dito « milagre de Fátima » em 1917, a Virgem é suposta ter convidado o povo português, conta a Igreja, a rezar pela salvação da Rússia bolchevique... Em tal contexto, uma alternativa socialista-marxista foi, ao longo do século XX, simplesmente impensável, e isso especialmente porque o contexto português, cedo e durante muito tempo, levou a uma esclerose política dramática e manteve os portugueses a um nível de educação altamente baixo e numa certa pobreza.
À beira do rio Douro, na cidade do Porto. A « capital » do vinho português, orgulhosa das suas tradições.
O peso da herança salazarista : a cultura do fatalismo e a incapacidade a revoltar-se
Contudo, a história de Portugal durante dois séculos não o predestinava para tal situação. Claro, o país encontra-se durante e desde muito tempo em situação de « protectorado » econômico, ontem com o Reino-Unido (Tratado de Methuen, 1703), agora com a União europeia. Depois de ter aberto o capital financeiro da Rede Eléctrica Nacional (REN) e de Electricidade de Portugal (EDP), o governo privatizou os serviços postais, cujo o papel na coesão social e territorial é óbvio. Se acrescentemos a isso a privatização da quase totalidade dos transportes públicos, dos aeroportos, e as, previstas mas suspendidas por causa das eleições de Outubro, de Águas de Portugal e da TAP (Transportes Aéreos de Portugal), num país sem autonomia monetária, qualquer um pode entender que Portugal pode dificilmente definir-se como um país totalmente soberano. Comentando o cenário de o Portugal querer negociar uma reestruturação da sua dívida, a líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, declarava, em 14 de Setembro: « É precisa ir para um confronto europeia, que é difícil. Mas é aquilo que defina se o nosso país vais er um protectorado ou se vai ter condições para se defender. »
No entanto, a história deste país não foi sempre caracterizada pela uma postura de resignação nacional. As medidas do Marquês de Pombal entre 1750 e 1776, a Revolução liberal de 1820, a vitória dos monárquicos liberais sobre os absolutistas em 1834, e o sucesso das revoltas « septembristas » (opostas aos « cartistas » conservadores) trazendo várias reformas (nacionalização dos bens da Igreja em 1834, regime constitucional em 1836, nova Constituição de 1838 a 1842), tal como a instalação definitiva da monarquia constitucional em 1851, ou ainda o reinado de reis modernizadores, especialmente Pedro V (1853-1861) e seu irmão Luís I (1861-1889), pareceram guiar a nação na direção certa. As primeiras linhas ferroviárias emergiram; o país, dominado pela burguesia, iniciou uma tímida industrialização; e grandes projetos de infra-estrutura forram lançados, em particular sob o impulso de Fontes Pereira de Melo, chefe do governo várias vezes nas décadas de 1870 e de 1880. Os círculos republicanos admiradores do modelo francês acabaram por ganhar influência em Lisboa, e Portugal conheceu, durante este período chamada de « Regeneração » (na qual confrontavam-se na cena política os « regeneradores » de direita e os « históricos » de esquerda), uma ebulição intelectual como provavelmente ele não tinha conhecido desde os Grandes Descobrimentos, com uma produção poética, literária ou historiográfica, muitas vezes de estilo romântico, naturalista e realista muito rica: Almeida Garrett, Cesário Verde, Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco, Guilherme de Santa-Rita, Sá-Carneiro, Florbela Espanca, etc. Fala-se então « Geração d’Orpheu », cujo nome inspira-se da revista literária publicada em 1915 por um coletivo de artistas, que simbolizou a introdução do movimento modernisto em Portugal. Grandes artistas emergem e abrem-se a outros países europeus, como o ilustraram as estadias de figuras emblemáticas, por exemplo o autor Eça de Queirós e o pintora Amadeo de Souza-Cardoso em Paris, ou ainda o famoso poeta Fernando Pessoa em Londres.
O assassinato do rei Carlos I em Fevereiro 1908 era um prelúdio á proclamação da Primeira República, em Outubro 1910: direito a greve, descanso no domingo, reforma do ensino primário... As conquistas sociais multiplicaram-se com base a Constituição de 1911, apesar da instabilidade política e econômica das década de 1910 e de 1920. Num contexto europeu caracterizado pela subida do anticlericalismo e das ideias marxistes, o « milagre » de Fátima, em 1917, ilustra a reacção de uma Igreja que sente o vento a virar. Os anos 1920 vão mudar a história do país. O exército conduz um golpe de Estado o 28 de Maio de 1926, e estabelece uma ditadura. O economista António de Oliveira Salazar é nomeado ministro das Finanças em 1928 (com 39 anos de idade), e em seguida, ele consegue estabilizar os principais indicadores macroeconômicos. Tornando-se o homem forte do regime, ele consegue chegar ao cargo de chefe do governo em Julho de 1932, e proclama o regime do Estado Novo em 19 de Março de 1933. Será preciso a Revolução dos Cravos do 25 de Abril de 1974, liderada por militares cansados da guerra de descolonização e das liberdades limitadas, para o regime cair, quatro anos após a morte de Salazar, aos 85 anos.
Em muitos aspectos, o regime de Salazar explica a incapacidade do povo português a revoltar-se. É preciso lembrar-se que a ditadura Português não foi apenas mais um regime totalitário como a Europa conheceu entre as duas Guerras mundiais. Ao contrário do fascismo, a doutrina salazarista não tem como objetivo criar um novo homem – algo específico a regimes totalitários, incluindo a Alemanha nazista e a Russia soviética – mas sim o cidadão português numa ordem antiga, num passado fantasiado, numa tradição parada e enquadrada pelas instituições mais conservadoras do país. Escritor e dramaturgo português nascido em 1944, Mário de Carvalho resumiu muito bem, num documentário exibido em 21 de Outubro no canal franco-alemão Arte, a submissão do povo português ao regime e á Igreja Católica: « Havia um povo idealizado, um povo humilde, conformista, muito piedoso, que contentava-se de pouco, que rezava sua Ave Maria, se recolhia em casa, que era obediente. Cumpridor dos preceitos, tantos da [Igreja] como da autoridade [supostamente legítima] dos seus superiores. Enfim, um povo [perfeitamente instalado na] sua pobreza, na sua miséria. »
Neste contexto, a industrialização do país é visto como uma ameaça à identidade do país, porque considerado sob o controlo de forças capitalistas desprovidas de ética, e sinónimo de uma proletarização e de uma modernização da sociedade consideradas incompatíveis com o « estilo de vida » português. Em 1931, Salazar, ainda ministro das Finanças, impõe o « condicionamento industrial », ou seja: a abertura de uma nova fábrica, ou a aquisição ou a instalação de novas máquinas industriais, deve antes de tudo obter uma autorização ministerial. Em um comunicado-radiofónico divulgado nos anos 1940, António de Oliveira Salazar descreveu assim a visão da identidade portuguesa promovida pelo regime: « Alguns não vêem que trabalhamos para manter a identidade do ser colectivo, reforçando a nossa personalidade nacional. […] Aquela doçura de sentimentos, aquela modéstia, aquele espírito de humanidade tão raro hoje no mundo, o ânimo sofredor, a valentia sem alardes, a facilidade de adaptação, e ao mesmo tempo a capacidade de imprimir no exterior os traços do modo de ser próprio, o apreço dos valores morais, tudo isso que não é nem material nem lucrativo, constitui traços do carácter nacional. Se por outro lado, contemplamos a história maravilhosa deste pequeno povo, quase tão pobre hoje como antes de descobrir o mundo, concluiremos que Portugal vale bem o orgulho de se ser português. » Manter o Português num certo grau de pobreza, na humildade, na perseverança, tanto discreta como piedoso, revela-se um objetivo. Sob a ditadura, a educação é obrigatória, mas só até a escola primária. Não se industrializa Portugal, enquanto até o general Franco, na Espanha, inicia a industrialização do seu país nos anos 60. Em Portugal, o elogio da figura do pescador ou do camponês domina a propaganda do regime.
O Zé Povinho, criação do pintor, ilustrador, caricaturista e ceramista Rafael Bordalo Pinheiro, no jornal A Lanterna Mágica. Esse desenho de 1875 foi, desde a sua publicação, reproduzido em milhares de exemplares. Representa uma personificação nacional, ou seja, uma anthropomorfização da nação.
O regime não é propriamente fascista. É corporativista, isto é, procura manter o equilíbrio dos « corpos », das organizações intermediárias da sociedade, e basa a sua autoridade sobre este equilíbrio. Aliás, o regime de Salazar é o precursor da ideologia corporativista, em busca de uma terceira via social e econômica, entre o capitalismo liberal e ideologias revolucionárias (marxismo, anarquismo). Inspira-se tanto das correntes tradicionalistas e intervencionistas. Os grandes órgãos do Estado são garantes da estabilidade do regime, e têm uma forma de autonomia. E ao lado da Assembleia nacional é instaurado, a partir de Janeiro de 1935, uma Câmara corporativa, teoricamente representativa dos corpos constitutivos da nação portuguesa. Acrescenta-se também um Conselho corporativo, suposto assitir a ação governamental.
Muito mais do que com a ideologia fascista na Itália, Salazar é comparável com o regime francês dito « de Vichy », dirigido pelo marechal Philippe Pétain (1940-1944), que era altamente corporativista e tradicionalista. O laço com a terra e os costumes vala mais do que o mito da conquista e os sonhos de grandeza e de expansão promovidos pelo regime de Benito Mussolini. Sabemos hoje que António Salazar era um admirador de Charles Maurras, teórico francês do « nacionalismo integral », uma ideologia que pode ser claramente conotada ao modelo ideológico do marechal Pétain. O próprio Pétain inspirou-se do modelo político salazarista, e Maurras e Salazar até tiveram uma correspondência juntos. Ambos foram adversários determinados da idéia de modernidade. Com base no lema « Deus, família, pátria » (enquanto em França, no tempo de Pétain, era « Trabalho, família, pátria »), o regime salazarista se apresentou como um adversário implacável da revolução comunista, e deu um lugar central á Igreja católica, incluido na propagândia do Estado. Por exemplo em 1967, Paulo VI foi o primeiro papa a ir no santuário de Fátima, onde encontrou Salazar e Irmã Lúcia (a última dos três testamunhas do « milagro »), isto num ambiente de festa bem retransmitido.
Além disso, costumes são enquadrados: certas profissões são fechadas às mulheres; as professores não podêm colocar maquiagem, e com as enfermeiras, devem obter uma autorização para casar-se; as saias devem ter um certo cumprimento; um casal receba uma malta se beija-se num espáço público; o bikini só é autorizado nos anos 60; etc. Sem esquecer a pressão social nas aldeias, que proiba as relações sexuais às mulheres antes do casamento, que torna o divórcio um drama envergonhoso terrível nas famílias, que reserva os cafés aos homens, e que perpetua práticas tipo casamentos entre primos, ou casamentos arranjados.
Durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), ele ficou a favor do golpe de Estado nacionalista, apesar de uma neutralidade oficial: 6.000 « voluntários » portugueses, chamados de « Viriatos » (do nome do Lusitano que resistiu às tropas de Roma no século II antes de J.-C.), lutaram com as tropas do general Franco, a quem as autoridades portugueses entregavam sistematicamente os refugiados republicanos que ultrapassavam a fronteira; e logo em 1938, antes mesmo do final do conflito, Lisboa reconheceu Francisco Franco como o representante legítimo do Estado espanhol. O novo contexto militar durante a Segunda Guerra Mundial e, mais ainda, durante a Guerra Fria, conduziu os Aliados a aliar-se com o Portugal de Salazar. Uma aliança que se concretizou no uso de uma base militar nos Açores para aviões britânicos e americanos a partir dos anos 40. Em 1949, Portugal até é o único país não-democrático a participar á fundação da Aliança Atlântica.
O anti-comunismo está inscrito na carne do regime salazarista, que conscientemente conduz a nação portuguesa num longo período de esclerose intelectual. Esse laço do Portugal às suas tradições traduz-se logicamente pela preservação das suas « extensões naturais », ou seja: as colónias africanas, símbolos de um passado marítima glorioso e idealizada, os épicos Grandes Descobrimentos, que participa de maneira decisiva a mitologia nacional. Do ponto de vista do regime, essa luta faz ainda mais sentido logo que os principais líderes da independência em Angola e Moçambique são apoiados pelo Bloco comunista, a União soviética e Cuba principalmente, e querem impor lá uns sistemas marxistas. Na mente de muitos Português naquela altura, não se lutava contra os Africanos, mas sim contra os comunistas.
Mas os anos de guerra de descolonização (1961-1974) cansam o país (mais de um terço do orçamento nacional vai para o esforço militar). Em apenas uma década, o regime conseguiu incomodar uma das corporações que constituíam seus pilares, o corpo militar. Em 25 de Abril de 1974, um grupo de capitães organiza o golpe de Estado que irá resultar sobre a Revolução dos Cravos. Em um dia, o regime caiu, e Marcelo Caetano, chefe do governo desde 1968, é forçado ao exílio para o Brasil. Mas a sua herança ainda se sente na cultura política do povo português.
José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos (1929-1987) era um compositor de música militante portuguese. Mais conhecido como Zeca Afonso, ele tem escrito canções criticando o regime salazarista. Registrada em 1971, « Grândola, Vila Morena » conta a fraternidade dos moradores de Grândola, uma cidade do Alentejo. Considerada como propagando as ideias communistas, foi submitida à censura do regime. Em 25 de Avril de 1974, essa canção foi difusada na rádio portuguese Radio Renascença e serviu de sinal para iniciar a Revolução.
« Entre a resistência e a submissão, há um passo breve »: a vitória do salazarismo na consciência coletiva portuguesa
Grandes mudanças chegaram depois da Revolução dos Cravos. Enquanto em 1974, um terço dos Português ainda era analfabeta, a taxa de alfabetização passa aos 80% na década de 1990 e aos 90% na década de 2000. A melhoria da situação económica e social causa uma queda da emigração, pelo menos até a crise de 2008, enquanto os imigrantes portugueses representavam desde a década de 1960 a primeira comunidade estrangeira em França. Duas estatísticas ilustram uma acentuada melhoria no nível de vida: a taxa de mortalidade infantil, que era de 89 mortes por 1.000 nascidos nos anos 60, é agora inferior a 4 mortes/1.000; e a expectativa de vida passou de 68 anos em 1974 para 80 anos em 2015. Dois outros indicadores mostram a revolução moral que atingiu o país desde o estabelecimento da democracia: entre 1974 e 2008, contamos trinta vezes mais de divórcio; e a taxa de natalidade entrou em colapso desde os anos 1970 (o número de nascimentos estava a cerca de 220 mil por ano em 1960, e de apenas 110 mil em 2005), o que significa uma grande mudança comportamental ao nível coletivo, mas ao mesmo tempo traduz uma desconfiança pelo futuro muito grande.
Todavia, em 2007, uma pesquisa realizada em Portugal pela BBC colocou António de Oliveira Salazar como « a figura mais importante na história » do país; uma tendência confirmada depois por vários estudos semelhantes. Em muitos aspectos, o ex-dirigente português é considerado um dos « pais » da nação portuguesa, tal como um Mustafa Kemal em Turquia ou um Charles de Gaulle em França. E embora ele não ter participado a fundação da democracia portuguesa moderna, ele teorizou o « espírito » imobilista que domina na « maioria silenciosa » portuguesa, e, claramente, o valorizou. Esta é definitivamente a maior vitória do regime de Salazar: ter sido capaz de marcar a consciência colectiva portuguesa, o mental dos cidadãos, bem além do tempo de vida do Estado Novo, estabelecendo a inação, o fatalismo, e até a submissão como elementos constitutivos da cultura portuguesa.
As palavras da escritora portuguesa Lídia Jorge, nascida em 1946, no canal Arte em 21 de Outubro de 2015, resumem bem a situação do povo português, e podem servir de conclusão: « Os Portugueses são resistentes à fome. A literatura portuguesa […] fala desta capacidade a resistir à fome, ao frio. Hà uma espécie de capacidade estóica, que nos conduz a submeter-nos a ditadura. Mas que conduz também a situações de autodefesa. E é triste de [observar] que ela é aproveitada da pior maneira no mundo contemporâneo. Ela é aproveitada como um espécie de eternos candidatos a ser sub-empregados. [É o que] estamos a atravessar com uma grande dignidade, mas com ao mesmo tempo o medo de [esta capacidade de resistência tornar-se] uma maneira subsadiente de ser. Porque entre a resistência e a submissão, há um passo breve. » E, de fato, ao contrário do que parecerem mostrar as grandes manifestações de protesto em 2011 e 2012, no contexto do movimento mundial dos « Indignados », os Portugueses mostraram uma grande docilidade quando, em Setembro de 2009, em Junho de 2011, e de novo em 4 de Outubro passado, eles deram de novo uma maioria às forças políticas que trouxeram o país na situação actual.
Os investimentos nas energias substantáveis, um dos raros sucessos do Portugal moderno. No início de 2013 por exemplo, cerca de 70% da electrecidade consumida foi de origem renovável ; este valor depende também da velocidade dos ventos, e então das temporadas. Portugal é um dos raros paises do mundo onde mais de 60% da produção elétrica é de origem realmente renovável. Os verdadeiros esforços nesta área são recentes : entre 2005 e 2010, Portugal fez passar a percentagem de eletrecidade de origem renovável de 17% para 45%, multiplicando por 7 a sua produção de energia eólica, e desenvolvendo muito a energia hídrica, solar e das ondas.
Para ler a terceira parte do artigo, e ir mais longe sobre a situação do Portugal desde as legislativas de Outubro: Eleições do 4 de Outubro em Portugal (3/3): atrás das manobras políticas, uma revolução das clivagens partidárias?