Portugal: será que a « união das esquerdas » está superando os desafios?
Mais de um ano depois da tomada de posse do Primeiro ministro António Costa, lider do Partido socialista (PS), já se pode avaliar um pouco o trabalho do governo de coligação de esquerda que criou-se em Novembro de 2015, depois de discussões complicadas entre formações políticas que eram antes rivais. Qual é o balânço da maioria governemental, aquela « gericonça » denunciada pela direita o ano passado, quando vê-se que os estudos de opinião dão uns dois terços dos Portugueses apoiando a ação do executivo?
Por lembrança, em 4 de Outubro de 2015, os Portugueses eram chamados às urnas para eleger os seus 230 deputados. Naquela altura, como já o tinhamos tratado num artigo passado (Eleições do 4 de Outubro em Portugal (1/3): um novo fracasso da esquerda anti-austeridade?), o PS aparecia como o grande perdedora das eleições legislativas. Com 32,38%, as listas eleitorais de António Costa acabaram atrás dos 38,50% dos votos adquiridos pela coligação de direita lideradas pelo então Primeiro ministro, Pedro Passos Coelho (em carga desde 2011), do Partido social-democrate (PSD), e pelo seu aliado Paulo Portas, do Partido popular (CDS-PP). Uma bafada ainda mais forte, que durante muito tempo, as sondagens prometiam a vitória a António Costa.
No entanto, a direita perdeu então a sua maioria absoluta, a deixando dependante do voto dos deputados socialistas para confirmar a recondução do governo PSD-CDS-PP. Repetindo o que os deputados de direita dizeram ao Partido socialista de José Socrates em 2011, quando PSD e CDS-PP provocaram a queda do governo de centro-esquerda, em 2015, o PS recusou-se a votar a tomada de posse do novo executivo Passos Coelho. Iniciou-se então negociações entre o PS e os dois outros grupos de esquerda no Parlamento, ou seja, o Bloco de Esquerda (BE) e os comunistas e ecologistas da Coligação démocrática unitária (CDU).
Essa demarche chocou muitas pessoas, pois o PS nunca declarou possível uma aliança com a extreme-esquerda, aliás esta aliança foi uma exeção na história da democracia portuguesa. Muitas vozes denunciando um golpe palaciano, nas mídias ou por internet, sublinharam o caracter ilegítimo da aliança socialista com a extreme-esquerda. E, se a direita, sozinha, não ganhou a eleição, no entanto, o PS a perdeu, claramente. Mas as ambições de Costa, misturado à vontade de extreme-esquerda de interromper as medidas de austeridade económicas impostas pela direita.
O acordo de coligação preveu então acordos relativos a medidas sociais (isto é sobre a influência do BE e da CDU), a continuidade das relação com a União europeia (isto é do PS), e, por fim, à constituição dum governo composto só de ministros socialistas, mas apoiado na Assembleia pela extreme-esquerda.
Um ano 2016 que trouxe mudanças econômicas
O programa comúm foi apresentado rapidamente, antes mesmo da tomada de posse de António Costa: fim do gelo das pensões, aumento do salário mínimo para 530 euros em 2016 e 600 euros em 2019, remoção de uma sobretaxa de 3,5% sobre a renda entre 2016 e 2017, fim dos cortes sobre os salários dos funcionários públicos, restauração dos 4 dias feriados que tinham sido suprimidos pela direita, permanência de subvenções a associações de saúda, etc. Tudo isso, insistia então António Costa, com um défice orçamental estabilizado a 2,7% do Produto interior bruto (PIB) em 2016.
Primeira medida, prometido já antes da eleição do 4 de Outubro pelos quatro partidos da esquerda: a supressão de uma taxa moderadora de 7,75 euros (adoptada em 2015 e ainda não aplicada) para as mulheres que abortem até às dez semanas da gravidez. E segunda medida da maioria PS-BE-CDU: o direito dado aos casais homossexuais a adoptar – o casamento entre pessoas do mesmo sexo já tinha sido votado pela Assembleia em Janeiro de 2010. Sobretudo, a fiscalidade apareceu como a prioridade do novo executivo, com várias reformas previstas: o estabelecimento de uma progressividade ao Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e de uma cláusula de salvaguarda para evitar subidas bruscas; o reforço da progressividade do Imposto sobre o Rendimento de pessoas Singulares (IRS) e uma reforma do Quociente familiar ligado ao IRS; a criação de uma nova prestação social, o Complemento Salarial Anuel, um tipo de « crédito fiscal » (ou « imposto negativo »), para ajudar os trabalhadores precários a passar acima da « linha » de pobreza; uma diminuição da IVA sobre a restauração de 23% para 13%; o estabelecimento de um sistema de incentivos à instalação de empresas e ao aumento de produção das zonas no interior do país; a adopção de medidas limitando o risco de penhoras quando se trata da casa que serve de residência principal à família endividada; a criação de um imposto sobre heranças de elevado valor; a redução das inspecções tributárias sucessivas (e das coimas por frauda fiscal consideradas como excessivas) a contribuintes particulares e a pequenas e médias empresas; etc. Para voltar sobre a seqüência da formação do governo e as primeiras medidas adoptadas: Eleições do 4 de Outubro em Portugal (3/3): atrás das manobras políticas, uma revolução das clivagens partidárias?
Para reduzir o déficit para a meta pretendida em 2016 e ficar em baixa dos 3% do PIB exigidos por Bruxelas, o governo devia conseguir sair, em 2016, 1.800 milhões de euros a mais do que no ano 2015, ou por medidas de poupança, ou por novas receitas. Um objetivo que anunciava-se complicado pelas promessas eleitorais, e pelo apoio indispensável (e condicionado) da extreme-esquerda no Parlamento.
Será que 2017 começa com uma melhoria econômica?
Foi uma boa notícia pelo Portugal, que permitia constatar que em 2016 o governo ia a respeitar a linha vermelha dos 3% de deficit. O Instituto Nacional das Estatísticas (INE) anunciou, em 23 de Dezembro de 2016, que o país viu o seu deficit público reduzido a 2,5% do PIB sobre os 9 primeiros meses do ano 2016. Um ano antes, era a 3,4% do PIB. Sobre todo o ano, o governo socialista prevê um défice de 2,4% do PIB, contra 4,4% em 2015. Assim, o Portugal respeita pela primeira vez este critério de Maastricht. A melhoria constata-se entre Janeiro e Setembro, com base uma melhoria das receitas de 0,8% junto a uma diminuição de 1,1%. O investimento público conheceu uma queda de 28,4% no mesmo tempo. Sobre os 9 primeiros meses de 2016, as administrações públicas registraram um défice de 3,4 bilhões de euros, contra 4,6% bilhões na mesma altura em 2015.
Uma aministia fiscal parcial que incitivou os contribuintes a reembolsar suas dívidas antes do final do ano, contribuiu a reduzir o déficit, pois os serviços de impostos ganharam 400 milhões de euros, ou seja, muito mais que previsto. Além disso, os impostos e taxas diversas que foram aumentados pelo governo, por exemplo sobre o álcool, o tabaco e as automóveis, permitiram novas receitas. « Poucos dias antes do fim do ano, podemos assegurar com tranquilidade que o défice permanecerá abaixo de 2,5% do PIB este ano », declarou então, no final de 2016, o Primeiro ministro Antonio Costa.
Menos optimista, a Comissão europeia preveu um défice de 2,7% do PIB, enquanto o Fundo monetário internacional (FMI) prevê 2,6%. As duas instituições mostram-se também pessimistas sobre o objectivo do governo de trazer o défice orçamental a 1,6% do PIB em 2017. No entanto, mesmo com 2,7% do PIB em 2016, o défice português respeitará as normas europeias, como também as previsões que o governo tinha feita no final de 2015. Os credores internacionais não parecem ter aprendido muito dos erros do passado. Por exemplo, por ter falhado a diminuição do défice abaixo de 3% do PIB em 2015, o Portugal e a Espanha foram ameaçados, no verão de 2016, de sancções pela União europeia. Após longas discussões, a Comissão decidiu não penalizar os dois países para os orçamentos em excesso entre 2013 e 2015. O risco era uma multa equivalente a 0,2% do PIB(!) dos dois Estados, o que teria sido completamento absurdo, pois teria acrescentado o défice deles, como também teria sido injusto, ao ver os esforços e os sacrifícios enormes dos Espanhois e dos Portugueses estes últimos anos, para melhorar as contas públicas. Em vez desta sancção, Bruxelas impõe às nações ibéricas uma nova cura de austeridade, e fundos estruturais foram gelados; na verdade, há então sancções indiretas. Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão, até declarou então, em Junho de 2016, que « este gelo poderia ser até mais doloroso do que as sancções. » Em 15 de Outubro de 2016, o governo Costa apresentou medidas de rigor orçamental que permitiram deixar por enquanto este gelo dos fundos estruturais europeios.
Será que a situação do Portugal melhorou? É verdade, as finanças públicas são equilibrades, no entanto a dívida pública ainda está sobre-elevada, e os equilíbrios ainda ficam muito frágilos. Sobretudo, sim as medidas de austeridade sobre os serviços públicos, os impostos diretos e a função pública pararam, mas será preciso observar também, ao longo do mandato Costa e da « união das esquerdas », certos critérios relevantes para constatar uma melhoria do nível de vida português: por exemplo o nível do desemprego; o movimento de saída ou de volta da juventude portuguesa, que entre 2008 e 2012 foi-se embora por milhares de pessoas de Portugal; o nível de pobreza, o salário médio, o salário mínimo, o nível de confiança dos Portugueses nas instituições, etc. Será que pode-se falar do fim da austeridade com o nível de impostos indiretos que colocou o governo atual? Ou com o nível dos investimentos públicos, que nunca foram tão baixo (em termos relativos) desde o ano 1986?
Aumento do salário mínimo, supressão de taxas anteriores, volta à gratuidade dos serviços de emergências nos hospitais, revalorização de várias prestações sociais, volta do Estado em certas empresas desnacionalizadas (TAP, metros de Lisboa e Porto) e permanence a 100% público do primeiro banco do país, a Caixa Geral de Depositos: tal medidas tiveram, sim, um impacto: o desemprego passou a 11,5% em Setembro de 2016, o PIB cresceu no terceiro trimestro de 2016 de 1,6% em rítmo anual (superior ao da França), e 127.000 empregos foram criados em 9 meses. O aumento do setor do turismo (mais 9,5% ano passado)... Esta política não agrada Bruxelas, as ameaças de sanção no verão de 2016 o provaram, no entanto os sucessos governementais ilustram o fracaso da ideologia da Comissão europeia. Mas como já o dissemos, tudo não está branco. A dívida pública portuguesa ainda é a terceira de Europa em termos de valor relativo (130%), atràs da Itália (133%) e da Grécia (180%).
Mas como já o dissemos, tudo não está branco. Além disso, o Portugal ainda não resolveu problemas estruturais que tem desde décadas, até antes da crise. A dívida pública portuguesa ainda é a terceira de Europa em termos de valor relativo (130%), atràs da Itália (133%) e da Grécia (180%). Ponto sensível, a demografia portuguesa: com umas das taxas de natalidade mais baixas da Europa, a população envelhece, e conta agora quase um terço de reformados, uma realidade acentuada pela emigração destes últimos anos – em 2012, quando a crise estava no seu paroxismo, uns 10.000 jovens por mês saiam do país; e a chegada de reformados europeus, sobretudo franceses e británicos, traz mais dinheiro do que sangue novo. Símbilo duma dinámica política de promoção da imigração, o Portugal anunciou querer mais de 10.000 migrantes do Meio-Oriente e preparar as estruturas para isso: « Um ato moral e uma boa ocasiéao de repovoar as regiões rurais », explicou o Primeiro ministro.
Outro problema: a falta de competitividade do país é um dos maiores desafios. Segundo um relatório recente, muito liberal, da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômicos (OCDE), chamado Labour Market Reforms in Portugal 2011-2015 – A Preliminary Assesment, reformas ambiciosas foram adoptadas pelo governo de direita para « modernizar » e flexibilizar o mercado do trabalho português, no entanto outras reformas devêm ainda ser pensadas. Se este documento propõe soluções liberais que traduzeriam-se por uma volta à política do governo Passos Coelho, é preciso também o governo PS pensar melhor questões que, muitas vezes, são assimiladas à direita, tipo a luta pela eficiência da administração pública. Seria possível também adoptar reformas fiscais suceptíveis de incitivar a criação de empregos ou investimentos de empresas estrangeiros no território nacional.
O voto dos portugueses em 2019 será decisivo, ao termo do mandato, para avaliar o sentimento dos cidadãos sobre o que eles vivem. Aliás, será preciso ver também o nível de participação às próximas eleições: em 2015, a abstenção conheceu um recorde na história da IInda República, ou seja, uns 44,14% dos eleitores inscritos não foram votar. Portugal tá num caminho interessante, no entanto tá longe de ter saido da crise. Havemos de constatar se os Portugueses continuaram se desinteressando da vida política e dos debates públicos, ou se a união original que formaram as esquerdas portugueses mudou algo neste assunto.