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O acendedor de lampiões

Debate sobre a descentralização (1/2): Moçambique no impasse político

20 Janvier 2016 , Rédigé par David Brites Publié dans #Moçambique, #Democracia

Em Beira, província de Sofala.

Em Beira, província de Sofala.

Em 12 de Setembro passado, uma caravana em que seguia Afonso Dhlakama, dirigente da Renamo, primeiro partido de oposição, foi atacada, supostamente por Forças de Intervenção Rápida (FIR) da polícia moçambicana; segundo a Renamo, os tiros fizeram um ferido do seu lado, e quatro do lado das forças governamentais. Dia 25 de Setembro, de novo, um confronto na província de Manica fez vários mortos, mas o governo e a Renamo têm versões diferentes logo que se deve dizer um número de mortos e que se deve definir um responsável dos primeiros tiros. Ambas vezes, dia 12 e dia 25 de Setembro, o velho líder renamista saiu ileso do confronto. Estes eventos ilustram o grau de tensões e o risco de retorno á violência e á guerra civil. Depois disso, o comandante-geral da polícia moçambicana declarou, no meio de Outubro, que a polícia vai « perseguir os guerrilheiros da Renamo para recolher as suas armas, seja onde for ». Uma perquirição até foi feita na residência do próprio Dhlakama. Na sua edição de 11 de Setembro, falando de manobras militares em ambos lados, o jornal de oposição Savana tinha como título: « Discursos de paz em... preparação para a guerra ».

Já o inverno 2015 tinha sido marcado por violências importantes. Em 14 de Junho, combates foram notados entre a polícia e membros da Renamo na província de Tete, perto de um quartel militar renamista localizado no distrito de Moatize, sem ninguém saber quem exatamente iniciou naquela altura os primeiros tiros; enquanto a oposição falava de pelo menos 45 mortos, o governo reconheceu apenas a morte de um policial. Em 22 de Agosto, pelo menos cinco confrontos aconteciam no distrito de Tsangano, na província moçambicana de Tete. Enquanto o governo nega qualquer perca, a Renamo, o primeiro partido de oposição e (ainda) detentor dum braço armado, afirma ter matado 78 soldados. Não há nenhuma imagem desses confrontos. No mesmo dia, Afonso Dhlakama, líder da Renamo, suspendeu as negociações com a Presidência da República, negociações que devem permitir uma saída da crise política que o país conhece desde as eleições do 15 de outubro de 2014.

Canal de Moçambique - 26-08-2015.

Mais perigoso para a estabilidade global de Moçambique: em Junho, o Conselho Nacional da Renamo anunciou que iria criar e organizar sua própria polícia e sua própria força militar para estabelecer a sua autoridade sobre as províncias onde o partido de oposição ganhou a maioria dos votos em Outubro passado, ou seja no centro e no norte do país; prevê também a criação dum quartel-general em Inchope, uma cidade aos limites do Parque de Gorongosa, na província de Sofala.

Sem ir muito longe sobre os outros aspectos da sua presidência, temos que constatar que, sobre o assunto do diálogo político e da paz, o mandato de Filipe Jacinto Nyusi, iniciado com as eleições do 15 de Outubro de 2014, não marca uma ruptura com o presidente Guebuza (2005-2015). O assassinato por baleamento, de dia numa rua de Maputo, do constitucionalista Gilles Cistac, em 3 de Março de 2015, já ilustrava o clima de tensão existence a cerca do debate sobre a descentralização – a autonomização das governadorias provinciais sendo uma reivindicação da Renamo. Por lembrava, o universitário franco-moçambicano tinha explicada que a proposta de « autarquias provinciais » levado pela bancada renamista à Assembleia da República não necessitava uma modificação da Constituição. Em 8 de Dezembro de 2015, foi o jurista e analista político Carlos Jeque, que tinha-se declarado próximo da Renamo em 2014, foi vitimo duma tentativa de assassinato por baleamento, de dia e na rua, ainda em Maputo. Como sempre, as autoridades fingiram uma investigação policial, e os verdadeiros responsáveis nunca foram encontrados. Este baleamento contra Carlos Jeque acontecia num contexto político particular, ou seja, enquanto uma nova proposta de reforma da Renamo estava sendo discutindo no Parlamento.

Para ir mais longe sobre a crise pós-eleitoral: Será que Moçambique saiu da crise pós-eleitoral?

O ano 2015 fecha com uma subida da violência

É provavelmente por causa do seu declínio eleitoral que Afonso Dhlakama voltou no mato no final do ano 2012, a partir do Parque nacional de Gorongosa, na província de Sofala onde fica o seu quartel-geral histórico. Estratégia complicada, sobretudo porque a Renamo não tem os mesmos meios do que em 1992. A ação dos milicianos da Renamo traduzia-se então, em 2013 e 2014, por movimentos dispersos, limitados a tiros contra chapas e machibumbos, contra militares, e a cortas da estrada Nacional 1. O boicote das eleições municipais de 2013 inscrevia-se na continuidade desta estratégia de confrontação, e foi necessário a assinatura dum acordo com o governo em 5 de Setembro de 2014 para ver a Renamo deixar de novo as armas, investir-se na campanha eleitoral e, a final, duplicar o resultado de 2009 (16,41%), com uns 36,61% para o candidato Dhlakama à presidencial de Outubro de 2014.

Com esses bons resultados, mas incapaz de aproveitar da situação para tomar o poder, o líder da oposição, depois de várias procrastinações que ilustraram a inconstância das reivindicações renamistas, exigiu, em nome do seu partido, assumir o poder nas províncias do norte e do centro do país onde a Renamo teve a maioria dos votos. Saiu desta seqüência uma proposta legislativa com duplo-objetivo dotar seis províncias duma autonomia forte e permitir ao « candidato mais votado nas eleições presidenciais » (Afonso Dhlakama) de nomear o governar da província nestas mesmas províncias. Em 30 de Abril de 2015, este projeto de províncias autónomas foi rejeitado em bloco pela bancada parlamentar frelimista. Para voltar sobre este episódio: Lei de descentralização em Moçambique: a Renamo entre inconstância e incompetência

Jornal Savana, em 11-09-2015.

O chefe da Renamo fechou-se numa retórica de guerra, enquanto os seus anúncios de vitória e de governação, declaradas aos seus eleitores e militantes em reuniões públicas, ficavam sem conseqüências. O ano 2015 acabou-se então com uma subida da violência, a Renamo querendo pressionar o governo para chegar a um compromisso. Do seu lado, a presidência da República decidia um aumento do orçamento das Forças de Defesa e de Segurança. São observados movimentos de forças armadas, da parte da Renamo como das Forças armadas de Moçambique, em todo o país, especialmente nas províncias de Sofala e de Inhambane. Cada parte tem os seus objetivos próprios. A Renamo tenta dispor suas forças para estar pronto no caso de abrir-se um novo conflito aberto ou no caso do Dhlakama decidir um assalto nas instituições regionais em províncias onde teve uma maioria de votos em 2014; e o governo tenta prevenir umas iniciativas violentas da oposição e mover suas tropas para impedir os homens da Renamo de mover-se a vontade no território. Em 14 de Dezembro passado, o jornal Canal de Moçambique publicou um artigo descrevendo os controlos sistemáticos das forças militares do governo ao nível do rio Save, à fronteira entre as províncias de Sofala e de Inhambane: « A travessia do Norte e do centro para o Sul está a ser sujeita a medidas fronteiriças. Exige-se B.I., passaporte, DIRE e guia de marcha. »

O líder da Renamo, comentando sobre os dois confrontos de Setembro onde ele estava presente (dia 12 e dia 27), denunciou uma vontade de o assassinar para acabar com a oposição política; falou-se então duma « operação Savimbi », como isso fez-se em Angola em 2002, quando o chefe da oposição nacionalista Jonas Savimbi foi matado – a morte dele fez-se acabar a guerra civil angolana. Os eventos aceleram-se a partir dai. As forças especiais policiais realizam uma série de perquirições contra homens da Renamo, enquanto Afonso Dhlakama ficou sumindo várias semanas, provavelmente escondido no mato do Gorongosa. O ministro do Interior, Atanásio Mutumuke, manifestou então a intenção de desarmar os homens da Renamo de modo a cumprir o estatuído na Constituição da República, que dá conta de que nenhum partido político deve ter um braço armado.

Em 9 de Outubro, a Força de Intervenção Rápida (FIR) invada a casa de Afonso Dhlakama, na cidade de Beira, e recupera ai umas armas de guerra. Homens da Renamo ai detidos, e depois liberados, dizem-se então disponíveis para serem integrados nas Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), revelando que se encontram « cansados de viver como nómadas e a correr perigo de vida »; isso não revela um movimento maior de deserção dos homens da Renamo, aliás a Renamo sempre negou notícias sobre alegadas deserções no seu braço armado, como por exemplo em Dezembro, quando a porta-voz do partido António Muchanga disse que os elementos que tinham vindo uns dias antes a entregarem-se ao governo nunca fizeram parte do movimento de oposição armada. O governo fez então de tudo para reduzir a Renamo a um grupo terrorista, e não a um movimento político atrativo, o que, em certas províncias, é um erro.

Canal de Moçambique - 07-10-2015.

Difícil saber se a desmentia é verdade ou não; todavia, a situação securitária continua agravando-se, sem mudança importante, durante os meses a seguir. Em Outubro, o então Comandante-Geral da polícia moçambicana, Jorge Kalau, declarou que as forças nas quais ele tem responsabilidade vão « perseguir os guerrilheiros da Renamo para recolher as suas armas, seja onde for, vamos recolher as armas, já o fizemos em casa do líder da Renamo e não vamos parar... » O objetivo explícito é retirar todas as armas das mãos da Renamo e de outros portadores ilegais. O próprio presidente Nyusi apelou então a uma maior ponderação no processo de desarmamento compulsivo dos homens residuais da Renamo, tendo afirmado a prontidão e abertura para estabelecer, a qualquer momento, o diálogo com a Renamo e suas lideranças, bem como com outras correntes da sociedade moçambicana...

Mas a sinceridade não está ai, e a violência continua. Aliás, a estratégia de confrontação estava confirmada quando, em 18 de Novembro, Filipe Jacinto Nyusi declarava: « As Forças Armadas de Defesa de Moçambique devem proteger a nação e os cidadãos, mesmo debaixo de fogo armado. [...] O uso de armas é da competência única e exclusivamente das Forças Armadas de Defesa de Moçambique, essa é uma conquista do povo moçambicano e é inegociável. » O chefe do Estado moçambicano finge de esquecer que a questão da integração das milices renamistas no exército (e então o desarmamento da oposição) ainda é obra inacabada desde 1992, e que esta situação não é só da responsabilidade da Renamo.

Do ponto de vista do líder da oposição, quem tá ilegitimamente armado, é o exército governamental, como ele o explicou, em 7 de Dezembro passado, frente à Liga da Juventude da Renamo: « Se vieram nos provocar, [...] temos direito à defesa. [...] A Frelimo é um partido pequenino, quase não existe: só é um partido de militares, de policias, de [ladrões], de traidores, de assassinos, um grupinho là em Maputo que não é nada. Não há nenhuma representatividade ao nível do país. » A pesar da declaração do presidente Nyusi, em 19 de Novembro, mandando parar o desarmamento coercitivo dos homens da Renamo, e reduzindo o risco de confronto aberto entre as duas forças. Desde esta data, nenhuma solução política conseguiu ser negociada, confrontos continuaram, por exemplo em 27 de Novembro, em Funhalouro (distrito do interior da província de Inhambane), onde o exército moçambicano perdeu pelo menos uma viatura e material de guerra.

Em Maputo.

Em Maputo.

Um novo projeto de descentralização rejeitado

O primeiro projeto de autonomização de seis províncias concebido pela Renamo apresentava várias incoerências constitucionais. A Lei proposta pelo primeiro partido de oposição ilustrava a quanto o partido de oposição, bem longe de estar levando um projeto para o país todo, pretende só exercer o poder nas províncias onde tem uma maioria eleitoral, com basa única os resultados da eleição presidencial de 2014, o que mostrava a dimensão oportunista do texto. Depois de ter exigido o poder em outras formas, era ai a última ideia do velho líder da Renamo para poder partilhar a governação com a Frelimo.

Algumas semanas mais tarde, a direção da Renamo declarou que iria, no futuro, apresentar uma nova proposta de reforma, corrigida e que preverá uma descentralização geral do Estado moçambicano, não só uma autonomização de algumas províncias. Assim, em Outubro de 2015, uma reforma constitucional foi proposta pela bancada renamista. A Renamo sugeria que os nomes dos governadores provinciais passassem a ser, ao longo termo, propostos pelas Assembleias provinciais. E que eles fossem propostos, agora e em cada província, pelo candidato mais votado nas eleições presidenciais do 15 de Outubro de 2014, na respectiva província. O projeto previa também que se acrescenta uma nova categoria de autarquias locais, a Autarquia provincial, cujo território coincide com a área da circunscrição as províncias atuais.

Em 7 de Dezembro, a maioria frelimista rejeitou o projeto, enquanto a Renamo votou em favor, tanto como o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), terceiro partido na Assembleia, cuja bancada entende que esta reforma seria uma forma de amenizar a crise político-militar e aprofundar a descentralização. Embora as três bancadas, oficialmente, concedam que é importante de se discutir a descentralização no país, a proposta não avançou devido ao voto majoritário da bancada frelimista, que defendeu a necessidade de se elaborar uma proposta mais abrangente e que inclua diversos quadrantes da sociedade. Grande hipocrisia na verdade, pois o interesso da Frelimo é sobretudo ganhar tempo: se a bancada frelimista defende a necessidade de elaborar uma melhora proposta, então porque não propõe nada, e nem tentou corrigir ou melhorar o texto proposto pela Renamo? Na véspera do debate, a presidente do grupo parlamentar renamista, Ivone Soares (sobrinha de Dhlakama), consciente do resultado sem surpresa que ia a ter o voto parlamentar o dia a seguir, escreveu, na sua conta-Facebook: « A descentralização não interessa aos dirigentes da Frelimo. A vontade do povo também não lhes interessa, daí que vão chumbar o projecto de lei que resolveria o problema da actual crise político-militar resultante da fraude nas eleições de 2014. » Na mesma altura mais ou menos, o porta-voz da Renamo António Muchanga resumiu bem a situação, quando declarou: « Dizer que a coisa [ou seja: a criação de autarquias provinciais] tem que ficar para 2019 é igual a dizer que a crise político-militar tem que se manter até 2019 » – isso é, até as próximas eleições gerais.

Jornal O País, em 08-12-2015.

A descentralização: condição da paz, mas não garantia de democracia

Os pedidos em favor da descentralização respondam claramente a uma velha frustração da Renamo, que senta-se eleitoralmente « roubada » desde 1994 pela Frelimo. As vontades e as manobras políticas da Renamo, nesta história toda, não fazem dúvidas. Mas, além disso, a descentralização aparece como uma etapa política indispensável, para pelos menos duas razões: 1) responder a frustrações identitárias de populações do centro e do norte do país que nunca se reconheceram realmente no governo de Maputo e com os povos do sul de Moçambique, e então garantir ao longo termo a paz e a unidade de Moçambique; e 2) consolidar a democracia moçambicana em construção, estabelecendo uma partilha « vertical » do poder (entre Estado, regiões e municipalidades) e desbloquear uma vida política nacional esclerótica por quarenta anos de partido único e de práticas clientelistas.

Claro, um acto de descentralização não resolveria todos os problemas em Moçambique, nem permitiria com segurança a democratização das instituições moçambicanas, a prestação de contas públicas ou a luta contra práticas clientelistas – são assuntos que ainda seriam atuais se houvesse uma governação da Renamo, ai não há muito como duvidar: a Renamo está a espera do poder há muito tempo, e irá « oferecer » cargas importantes, honoríficas, subvenções, privilégios, aos amigos, aos apoios, aos « dinossauros » do partido... a infelizmente, a governação interna da Renamo e suas práticas políticas dão claramente a pensar que os seus abusos seriam similares aos da Frelimo.

Por isso, se a descentralização parece hoje uma etapa necessária para assegurar a paz e apoiar a democratização como o desenvolvimento do país, será ainda indispensável continuar a luta e a monitoria das políticas públicas, para promover a democracia e a justiça, a todos os níveis de governação. No entanto criaria as condições (de paz) favoráveis para abordar esses assuntos todos. De fato, ao curto prazo, o líder da Renamo, fechado no impasse da sua retórica belicista, poderia, com uma tal reforma, relaxar a pressão militar e pôr fim aos confrontos, e assim iniciar negociações sobre outros assuntos sensíveis, como a integração das forças renamistas nas FADM, a nomeação de membros da Renamo em altos cargos no exército, ou a famosa despartidarização do Estado, que ainda está em suspenso – pois por enquanto, o monopólio da Frelimo sobre as instituições, e o contexto de violência levado pela Renamo, são dois fatores determinantes que não permitem os abordar com eficiência e serenidade. Além disso, a possibilidade duma alternância política, pelo menos ao nível das autarquias, facilitaria uma renovação da classe política, daria um ar fresco às políticas públicas assumidas pelas províncias, e permitiria a novas caras de aparecer na arena política, tal como o permitiu a fase de descentralização que permitiu, desde 1998, eleger os presidentes dos Conselhos municipais.

Ainda estamos muito longe deste cenário. Essas palavras do líder da Renamo, formuladas no encontro frente à Liga da Juventude da Renamo em Dezembro passado, mostram bem a tensão que ainda prevalece entre os dois principais partidos de Moçambique: « Estou a preparar as estratégias para obrigar o regime da Frelimo a cair uma vez para todos. [...] Não queremos a guerra, mas se [as tropas governamentais] nos atacaram, vão receber porrada. [...] Pertenço a um partido forte, que irá governar por milhares e milhares de almas. [...] A Frelimo ainda hoje [fez] chumbar uma nossa proposta dos governadores provinciais. [...] Nós não vamos fazer a guerra. [Vamos deixar] passar o Natal. A seguir, vamos tomar conta [das provinciais] de Nampula, de Niassa, etc. E se fora preciso, vamos tomar conta de Maputo! »

Para ir mais longe sobre a subida da violência e sobre os confrontos entre Renamo e Forças armadas desde o início do ano 2016: Debate sobre a descentralização (2/2): 2016, ano da volta à guerra civil em Moçambique?

Os mídias destes ultimos meses ilustram a subida da violência e o alto nível de tensão que conhece Moçambique desde o final de 2015.

Os mídias destes ultimos meses ilustram a subida da violência e o alto nível de tensão que conhece Moçambique desde o final de 2015.

O texto a seguir encontra-se no livre Os Condenados da Terra, de Frantz Fanon, publicado em 1961. No capítulo chamado « Ascensão e fraquesas da espontaneidade », o autor explica que as nações africanas que acabaram de ganhar a independência viram as elites dos novos Estados, os partidos chamados nacionalistas, distanciar-se das massas rurais cujas tradições e o sentimento tribo foram acentuadas pelo sistema colonial, segundo a lógica: « Dividir para reinar ». Os novos dirigentes querem impôr uma visão da nação e da modernidade herdada pela antiga potência colonial, onde muitas vezes eles estudaram e formaram-se. Escrito em 1961, este extrato aplica-se em vários pontos ao caso de Moçambique (tornado independante em 1975), como ao de muitos países africanos.

Os partidos políticos não conseguem implementar a sua organização no país. Em vez de usar as estruturas existentes para dar-lhes um conteúdo nacionalista ou progressista, eles pretendem, no âmbito do sistema colonial, modificar a realidade tradicional. Eles acham que podem constituir a nação enquanto a malha do sistema colonial ainda estão bem presentes. Eles não encontram as massas populares. Eles não colocam os seus conhecimentos para servir o povo, mas tentam organizar as massas segundo um padrão a priori. Desde a capital, eles mandam nas aldeias líderes desconhecidos ou jovens demais, que, investidos pela autoridade central, pretendem liderar a aldeia como uma célula corporativa. Os chefes tradicionais são ignorados, às vezes intimidades. A história da nação futura pisa com uma notável descontração as pequenas histórias locais, ou seja, a única atualidade nacional, enquanto deveria-se inserir harmoniosamente a história da aldeia, a história dos conflitos tradicionais entre clãs, entre tribos, na ação decisiva na qual o povo é convidado.

[…] Os fracassos confirmam « a análise teórica » dos partidos nacionalistas. A experiência desastrosa de tentativa de doutrinação das massas rurais reforça a desconfiança e cristaliza a agressividade contra esta parte do povo. Depois do triunfo da luta de libertação nacional, os mesmos erros repetiram-se, alimentando as tendâncias de descentralização e autonomistas. O tribalismo da fase colonial dá lugar ao regionalismo da etapa nacional, com a sua expressão institucional: o federalismo.

Frantz Fanon, Os Condenados da Terra (1961).

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