Crise pós-eleitoral, descentralização e confrontos militares: 2017 será o ano da paz em Moçambique?
Enquanto estamos chegando ao fim da trégua de três meses que Afonso Dhlakama, líder histórico da Renamo, tinha anunciado, a ao começa duma outra de dois meses, quais são as perspetivas (reais) de paz em Moçambique? Por lembrança, o partido de oposição mantem seu ramo armado mobilizado em vários espaços do país, pois contesta os resultados das eleições gerais (presidencial, legislativas, provinciais) do 15 de Outubro de 2014, as quais permitiram a Frelimo de manter-se no poder, onde permanece desde a indepêndancia, em 1975, e a proclamação do multipartidarismo no início da década 1990.
A postura aparentemente aberta de Filipe Jacinto Nyusi, logo depois da sua tomada de posse, com a Resistência Nacional de Moçambique (Renamo), não impediu o primeiro partido de oposição de voltar, como em 2013-2014, a práticas de guerrilha no mato e de ataques esporádicos com objetivo destabilizar o país. Este mesmo partido que provocou a guerra civil entre 1977 e 1992 contra o regime da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo). Para voltar nos detalhes dos confrontes que aconteceram entre o braço armado da Renamo e as forças governamentais desde 2015: Debate sobre a descentralização (2/2): 2016, ano da volta à guerra civil em Moçambique?
A Renamo mantinha suas posições nas aldeias do centro e do norte do país, enquanto a Frelimo recusava-se a modificar a Constituição para dar à oposição o direito a governar as províncias onde ela pretende ter ganhado uma maioria de votos nas últimas eleições. Desde 2016, negociações surpreendentemente lentas, sob mediação internacional, foram realizadas sem nenhum sucesso. Isto sobretudo porque, ao custo de movimentos importantes de população (12.000 refugiados moçambicanos no Malawi e no Zimbabue), o governo não deixou, desde um ano e meio, de responder aos ataques da Renamo pela instalação de controlos sistemáticos em vários pontos em estradas principais. Sobretudo, em 9 de Março, em 27 de Maio e em 22 de Julho de 2016, as Forças armadas tentaram ofensivas pesadas, todas um fracasso, contra o mato do Gorongosa, onde está o Quartel-Geral da Renamo, na província de Sofala. A pressão era mantida, como o ilustrava também, em Setembro de 2016, a tomada de duas bases da Renamo pelas forças governamentais, uma no distrito de Morrumbala, na província de Zambézia, outra no Gorongosa; e, ainda em Outubro, a destrução duma outra base renamista no distrito de Mocuba, na Zambézia.
A subida da violência : uma dupla responsabilidade
Sinais de abertura políca foram por vezes realizados, sem convencer ninguém – por exemple em 25 de Maio de 2016, quando iniciou-se o trabalho duma nova Comissão Mista de preparação ao Diálogo, e em 17 de Junho de 2016, quando Nyusi e Dhlakama trocaram por telefone. Na verdade, a presidência da República e o seu governo multiplicaram demonstrações de força que não ajudaram a paz. A presidência teve um duplo discurso que não permitiu nem confiança nem imagem de honestidade, como o explicou o politólogo João Pereira em 31 de Março de 2016, quando disse que as recentes rusgas contra a Renamo revelavam um « nível extremo da intolerância política em Moçambique », evidenciando uma contradição entre o discurso de Nyusi e as ações da polícia.
Claro, a Renamo tem também sua culpa, pois em completa ilegalidade, este partido mamtém um ramo armado e perpetua ações violentas. Em Setembro passado, por exemplo, as Forças armadas tiveram que intervir para impedir um assalto de homens armados da Renamo, na aldeia principal do distrito de Nhamatanda, na província de Sofala, e sobre um posto de polícia do distrito de Lugela, ne Zambézia. Igual no início de Outubro, as Forças de Defesa e de Segurança tiveram que responder a três ataques renamistas na zona do rio Fudza, à fronteira entre as províncias de Zambézia e de Sofala. Além disso, em Outubro de 2016, milicianos atiraram pelo menos a três ocasiões num comboio da linha ferroviária Nampula-Cuamba, no norte do país. No final do mesmo mês, líderes comunitários do distrito de Meconta, na província de Nampula, denunciaram alegadas perseguições protagonizadas pela Renamo. Em 31 de Outubro, a polícia moçambicana confirmou o assassinato pela renamo de dois secretários locais da Frelimo na província de Sofala (e uma tentativa de assassinato sobre um terceiro). Por fim, em 8 de Novembro, na província de Manica, e ainda em 19 de Dezembro na região de Sofala, a renamo atacou veículos civis, que eram acompanhados por militares. Para voltar sobre o impasse da estrategia da Renamo: Moçambique: a Renamo e a subida da violência, uma estratégia perdedora
Por isso, o governo, claro, não foi o único responsável da situação atual. No entanto, porque eles detêm o poder (e às vezes abusam dele), é importante que sejam os dirigentes da Frelimo, em primeiro, que propõem um cumpromisso político que permita sair da crise pós-eleitoral. O envio pelo poder de tropas para desarmar pela força a Renamo, na primavera de 2015, ilustrou a falta de visão do presidente Nyusi. O chefe do Estado abordava, tal como seu antecedor já o fazia, a clivagem com a Renamo como um problema somente securitário – aliás, os deputados da Frelimo pediram à Procuradoria-Geral a ilegalização da renamo, acusada de « ataques a unidades sanitárias, aos autocarros e comboios de transporte de passageiros e mercadorias », e de « agir contra as leias ». No entanto, além das posturas partidárias, este conflito tem como base questões identitárias bem profundas, cuja persistência fragiliza, ao longo-termo, a unidade territorial do Moçambique e a coexistência dos povos que constituêm essa jovem nação. Para voltar sobre a gestão da crise e o ambiente político geral pelo poder: Presidência Nyusi (2/2): o povo moçambicano ainda está à espera da « mudança » prometida
Por fim, como o lembrou o partido Renamo em Setembro passado, faz 22 anos que, incluido sob a presidência Nyusi, partes importantes do acordo de Roma de 1992 que permitiu o fim da guerra civil não são efetivamente realizadas pelo poder. É verdade em particular sobre a despartidarização do Estado, ou ainda sobre a integração dos milicianos da antiga guerrilha anticomunista nas Forças Armadas e de Defesa de Moçambique (FADM), na Polícia da República de Moçambique (PRM) e nos Serviços de Informação e de Segurança do Estado (SISE).
Um final de ano 2016 com uma calmaria... promissora?
No âmbito das discussões da Comissão Mista de preparação ao Diálogo, estabelecida em Maio do ano passado, o jornal Magazine Independente divulgou, em 17 de Julho de 2016, um documento supostamente produzido pela mesma Comissão, onde era anunciado que as delegações do governo e da Renamo concordaram de constituir, com acompanhamento dos mediadores, facilitadores, um sob-comissão com a tarefa de preparar um pacote legislativo que esteja em vigor antes das próximas eleições, nomeadamente: a revisão pontual ou substancial da Constituição da República; a revisão da lei dos órgãos locais do Estado e seu Regulamento; a aprovação da Lei das Assembleias provínciais; a aprovação da Lei dos Órgãos de governação Provincial; a aprovação da Lei de Finanças Províncias; a revisão da lei de bases da Organização e funcionamento da Administração pública; e o re-exame do modelo de autarcização de todos os distritos conforme a Lei 3\94.
Sobre a exigência da Renamo de governar seis províncias do centro e do norte de Moçambique, onde reclama a vitória eleitoral de 2014, o documento era rubricado, por três partes, que devem ser encontrados mecanismos legais para a nomeação provisória dos governadores provínciais vindo da Renamo o mais cedo possível...
A preparação do referido pacote tem que ser concluída antes do final do mês de Novembro de 2016, referia ainda o documento. A comissão Mista entregará o pacote legislativo à Assembleia da Republica, através dos canais apropriados para sua apreciação e aprovação. Verdadeira concessão do poder? Logo depois deste anúncio, o governo voltou nas mídias para afirmar que a maioria frelimista não tinha recuada sobre a questão da descentralização, nem na da governação das seis províncias. Um anuncio para nada, só para criar um buzz... pelo menos em Novembro (nem hoje em dia), não foi submetido à Assembleia uma leia ou uma proposta constitucional para um novo ato de descentralização.Foram finalmente necessárias longas horas para aproximar posições sobre a suspensão das hostilidades militares, que se circumscreviam em ataques aos hospitais, infra-estruturas públicas, viaturas nas principais estradas, no centro e no norte do país. As duas delegações chegaram a um consenso que abriu um mínimo de esperança para o alcance duma paz efectiva. Portanto, em 25 de Agosto de 2016, as delegações do Presidente da República e do líder da Renamo aceitaram a proposta dos mediadores da Comissão Mista de suspender temporariamente as hostilidades e todas as formas de violências em todo o território nacional. Os trabalhos desta Comissão Mista retomaram depois em 12 de Setembro de 2016.
Altercações continuaram depois na Primavera de 2016, mas eram cada vez mais raras. Finalmente, o final do ano 2016 confirmou uma certa calmaria, e em 27 de Dezembro, os Moçambicanos assistiram a um cessar-fogo proclamado pela Renamo, para uma duração de uma semana, prolongada depois a dois meses. Logo em 28 de Dezembro, sinal de apaziguamento, a polícia moçambicana suspendeu o acompanhamento sistemático de veículos civis, imposto menos dum ano antes sobre alguns troços das estradas principais, no centro do país. Só na primeira semana de Janeiro de 2017, pelo menos 30 famílias deslocadas voltaram na sua aldeia, no distrito de Mopeia (Zambézia), onde os combates tinham sido nos mais violentes em 2016; três escolas abriram logo a seguir este retorno. Nas últimas semanas, milhares de habitantes de árias zonas que ficaram desertas na seqüência dos confrontos regressaram, como em Mossurize ou em Báruè, distritos da província de Manica onde certas localidades foram largamente afetadas, ou por causa de comabtes, ou quando a população era ameaçada por ser suspeita de apoiar a Renamo.
Esta trégua não era a primeira, e não deixava de ser bem frágil, como o ilustraram, em 29 de Dezembro, a morte por baleamente dum responsável local da Renamo na província de Nampula, e alguns dias depois, o assasinato dum membro do movimento de oposição na região de Tete. Além disso, António Muchanga, porta-voz da Renamo, denunciava em 9 de Janeiro
contra membros do partido nas províncias de Manica, Sofala e Tete. Acrescentando:– clivagens perigoras pelo futura desta nação. A crise não é somente , é também identitária e constitucional. A oposição reclama mais descentralização, e não deixara de contestar a legitimidade do partido no poder enquanto não lhe é oferto a possibilidade de governar pelo menos nos territórios onde considera-se como tendo uma maioria de eleitores. Além das posturas políticas, um novo paso na descentralização aparece como indispensável para aprofundir a democracia moçambicana que ainda está em construção.
A trégua acabava-se hoje, em 4 de Março. Os dois partidos históricos de Moçambique têm agora entre as mãos o futuro do país; será que vão alcançar os desafios, ou voltar à luta habitual? Em 3 de Fevereiro, nova surpresa: enquanto ele sempre reclamou a presência de mediadores internacionais às discussões de paz, Afonso Dhlakama decidiu, de acordo com o chefe do Estado, de despedir os mediadores e de abrir um novo processo de discussões, sob um outro formato. Em 6 de Fevereiro, o presidente Nyusi e Dhlakama nomearam novos representantes, para a criação de novos grupos de discussão sobre a descentraização e a questão militar. E ontem, em 3 de Março, última notícia: Afonso Dhlakama anunciou em teleconferência o alargamento das tréguas por um período de dois meses, ou seja até o dia 4 de Maio. Parêntese na reflexão: será necessário, ao longo termo, questionar também a atitude de todos os actores num contexto onde a paz e o Estado de direito estão condicionados à boa vontade dum indivíduo, Afonso Dhlakama, e ao grau de abertura política dum outro, Felipe Jacinto Nyusi.
É difícil concluir algo desta seqüência toda: será que estamos no caminho certo da paz, ou só num momento de cálculo político com perspectiva as eleições autárquicas que são previstas no final de 2018 – nas quais, ao contrário das de 2013, a Renamo já anunciou que vai participar? Os próximos meses irão nos dizer se estamos ao limiar da paz, ou na véspera dum enésimo confronto.