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O acendedor de lampiões

Entre submissão e manipulação social: qual é a condição das mulheres na Mauritânia?

2 Avril 2017 , Rédigé par Jorge Brites Publié dans #Género, #Identidade, #Sociedade, #África

« O que vocês estão fazendo juntos? São casados? »

Até na « República islâmica » de Mauritânia, era a primeira vez que fui interrogado na rua pelo simples fato de falar com uma mulher. Era o ano passado, no bairro Quinto, perto do estádio Basra. Vontade óbvia de provocar, no entanto a aparência dos quatro homens que estavam nos questionando, desde o carro deles, não nos deixava com um grande sentimento de segurança. Uma palavra mal colocada, e a discussão podia tornar-se em briga, pensei então. Mas o pior cenário teria sido se eles tinham saído do carro para levar a minha amiga. Num contexto em que as agressões sexuais, sobretudo de carro, são frequentes, e isto com uma grande impunidade logo que a violação não é acompanhada por um assassinato, pode-se compreender que os medos nesse tipo de situações não são infundadas.

Curiosamente, o contexto relativo à violação (ou estupro, em português do Brasil), que ainda é muito tabu na Mauritânia e fator de vergonha para as vítimas, não impede um preconceito de ser vinculado: as mulheres mauritanas têm o poder real e dominam o marido. Isso seria especialmente verdade para a comunidade moura. Até diz-se que « o homem mouro e a mulher negra já têm o seu lugar no paraíso », pois eles já sofrerem demais com o seu parceiro neste vida. Qual é a realidade?

Numa sociedade onde uma mulher jovem (moura ou negra) pode tomar o risco sério de ser violada, agredida, machucada, à noite simplesmente tomando um táxi, difícil acreditar razoavelmente que o gênero feminino detém o poder e um grau de liberdade realmente elevado. O blog mauritano Mozaikrim citava em 31 de Maio de 2015 essas palavras muito relevantes da socióloga Najwa Kettab, pronunciadas oito dias antes, durante a segunda edição do Tedx de Nouakchott: « Os números sobre as violências sobre mulheres aqui são tais, os casamentos precoces tais, que não podemos falar de paraíso mauritano para as mulheres. Mesmo com um estatuto social onde materialmente ela está bem, assiste-se mais do que outra coisa, nesses casos, a uma "carreiro matrimonial". Os papeis são fixos, e a mulher não tem perspetiva outra do que aquela que as regras sociais, muitas vezes rígidas e tradicionais, lhe oferecem ».

Um país com uma legislação esquizofrênica

Porque o Estado mauritano é ao esmo tempo uma república « islâmica » e um membro e assinatário de muitas instituições e convenções internacionais, o seu arsenal jurídico apresenta contradições relativamente ao estatuto e aos direitos das mulheres.

De fato, o país ratificou muitos instrumentos jurídicos internacionais consagrando os direitos das mulheres, como a Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminações contre as Mulheres (CEDAW) – embora vários protocolos adicionais necessários para a aplicação desses textos não foram aplicados. A Mauritânia também assinou o Protocolo Adendo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos relativo à Mulher em África (também chamado Protocolo de Maputo), que afirma o compromisso dos Estados « em mudar os padrões e modelos de comportamento socioculturais e da mulher e do homem […] para conseguir a eliminação de todas práticas culturais e tradicionais nocivas e de todas as outras práticas baseadas na ideia de inferioridade de um ou outro género, ou nos papeis estereotipados da mulher e do homem » (Protocolo de Maputo, art. 2-1 e 2-2, Julho de 2003). No topo do direito interno, a Constituição mauritana assegura também, no seu primeiro artigo, a « todos os cidadãos sem distinção de origem, de raça, de sexo ou de condição social a igualdade perante a lei ». No entanto, olhando a legislação, inspirada pelo direito islâmico e por uma interpretação « costumeira » da sociedade, constata-se sérios problemas.

Na Mauritânia, existe poucos textos legislativos ou regulamentares específicos sobre os direitos das mulheres. Alguns concedem-lhes direitos, outros pelo contrário os negam: o decreto abolindo a escravatura (1981); o código do estado civil (1985); o código do trabalho (2004) que assegura a igualdade dos géneros no emprego, de acordo com as convenções da OIT; ou ainda o código do estatuto pessoal (CEP), que constitui o coração do dispositivo jurídico que enquadra as questões ligadas à família (casamento, tutela dos filhos, herança, etc.). Se o CEP, adoptado em 2001, teve como vantagem de compensar as lacunas e unificar as práticas religiosas e costumeiras a cerca de um instrumento jurídico nacional que reflita um consenso sobre as questões relativas à família, permanece o fato que o texto é profundamente discriminatória contra as mulheres. A idade do casamento é fixada a 18 anos, mas com a possibilidade de a menor ser casada pelo seu tutor (weli) « se ele vir ai um interesse óbvio » (artigo 6). Alguns progressos são introduzidos, como o estabelecimento de um contrato de casamento, ou ainda a autorização dos estudos ou de atividades professionais. Mas eles não contestam o caráter patriarcal da sociedade: o tutor (weli) é obrigatoriamente de sexo masculino (art. 9), a autoridade exclusiva do marido sobre a família é confirmada (art. 56), tal como o poder de repúdio (« dissolução do casamento pela vontade do marido », art. 83). E os exemplos de discriminações legais não acabam ai: o Código da Nacionalidade desfavorece as mulheres em relação aos homens na transmissão da nacionalidade de origem, e as mulheres são amplamente excluídas da propriedade da terra. As regras de herança, de acordo com a Lei islâmica, reservam à mulher metade da parte do homem.

Essas desigualdades na lei refletem uma sociedade patriarcal e patrilinear (baseada no poder paternal, no parentesco masculino e na primazia da descendência do pai) que é enquadrada pela regra do casamento patrilocal (residência do casal determinada pela residência do pai do marido). Isto é verdade para todas as comunidades etnolinguísticas, e traduz-se tanto nas relações familiares e sociais como na relação de cada mulher ao seu desenvolvimento pessoal.

Foco na vida das mulheres mauras: entre infantilização…

A ideia segunda a qual a mulher moura possui realmente o poder tem por base o fato de ela decidir das despesas, isso sem trabalhar; ou seja, o marido assegura a fonte de dinheiro para satisfazer qualquer capricho da sua esposa. Essa visão parece confirmada pela presença de mulheres mouras gordas que andam de 4x4 no município central de Tevragh-Zeina. Na verdade, existe uma ambivalência sobre o que se entende por « poder ». As mulheres dispõem de uma liberdade aparente, mas isso implica o que Mariem Mint Baba Ahmed chama « lugares de manobra reduzida ». Essa socióloga mauritana, que fomos entrevistar, trabalhou particularmente sobre as questões de mobilidade social na comunidade moura. Os elementos de análise que seguem, portanto, dizem respeito essencialmente a essa comunidade, a dos Mouros, que é precisamente objeto daquela preconceito.

Nesses « lugares de manobra reduzida », nos explica Mariem, observa-se antes de tudo arranjos entre homens e mulheres, mais do que uma liberdade real. É comum entre os Mouros ilustrar a posição privilegiada das mulheres na comunidade, servindo-lhes mais em comida do que os outros membros da família (especialmente em leite, um bem alimentar valioso nos acampamentos nômades). Essa valorização só é uma ilusão na verdade, em particular por o verdadeiro poder pertence àquele que detém a letra, o saber – ainda mais nas tribos marabuntas, ou seja de sabedores, de cientistas. Em todas as tribos mouras, e embora a mulher lide com o aprendizagem (corânico) das crianças, o nível de instrução dela não deixa de ser primário. As religiosas, sabedoras, aprendem a vida do Profeta, cuja história não requer muita análise, mas as fases interpretativas, os trabalhos intelectuais pesados, são para os homens. As mulheres, por exemplo, não têm acesso à exegese, isto é, à filologia ao estudo aprofundado e crítico do texto. As excepções são raras e confirmam a regra: se as mulheres, no passado, ensinaram seu sobrinho, seu neto, etc. ainda não é permitido o desenvolvimento de uma erudição feminina. O saber sagrado, desde muito tempo, é reservado aos homens. Tradicionalmente, a rapariga era alfabetizada cedo (a cerca de cinco anos), mas era a seguir alimentada à força logo aos seis anos, casada aos doze ou treze anos, e grávida pouco tempo depois.

Os progressos da escolarização, mesmo com o fracasso da Escola pública mauritana por uma geração, tornou possível superar parcialmente esta situação, mas entende-se bem que, com um tal percurso, nas aldeias e acampamentos mouros, o aprendizagem das raparigas não pode ser comparado com o dos rapazes. Acima de tudo, dado o carácter ainda recente (três ou quatro décadas, no máximo) da urbanização geral no país, o que se observa na ruralidade não pode ser completamente dissociado do que acontece na cidade. Finalmente, nos diga Mariem Mint Baba Ahmed, « a mulher não conta na corrente de transmissão do saber ». E, acrescenta ela, « o poder, são duas coisas: aquele que tem o dinheiro, certamente, mas também aquele que tem a letra ».

Entre submissão e manipulação social: qual é a condição das mulheres na Mauritânia?

Diante essa famosa imagem da mulher moura, obesa, no seu carro 4x4, gastando o dinheiro do seu marido (e com maneiras desenfreadas, podemos acrescentar), que dá uma ilusão de poder, recordamos um certo número de realidades. A primeira, que as mulheres andando de 4x4 ainda são muito minoritárias neste país, e especialmente visíveis nos bairros ricos do município de Tevragh-Zeina. A grande maioria das mulheres não possui veículos próprios, inclusive na comunidade moura onde a precariedade continua dominando. Observa-se também que essa opulência aparente esconde um relacionamento de domínio mais sutil do que em outras comunidades. Certamente, práticas como a excisão e a poligamia são menos comuns nos Mouros do que nos Pulaars ou os Soninkés. No entanto, a margem de manobra da mulher moura existe desde que permaneça confinada a um lugar específico na sociedade. « É o que eu chamo de "coleira alongada" », nos explica Mariem Mint Baba Ahmed. Uma mulher que não é casada, que trabalha, que quer ser autónoma, não é valorizado como é uma mulher que vive ao custo do marido. A relação da mulher ao dinheiro é portanto o resultado de um verdadeiro processo de infantilização. Para um resultado equivalente, é antes de tudo o canal tomado pela mulher que conta. É precisamente ai que está o subterfúgio, porque necessariamente passamos pelo controlo pelo homem. A mulher dispõe do dinheiro, mas a sua posição só vale se um homem lhe a dá. o homem continua sendo aquele que « faz o bem ».

Mesmo trabalho de ilusão em relação às regras de herança: a mulher herda metade da parte de um homem, de acordo com as regras do islã (o que já indica uma relação desigual, mas deixa teoricamente algo para a mulher). No entanto, o costume nos Mouros, em particular nas áreas rurais, geralmente supõe que ela entrega os bens aos irmãos, aos elementos masculinos da sua família. Ao contrário das outras comunidades mauritanas, a mulher nunca pertence realmente à família do marido. Ela permanece ligada à sua família de origem, e portanto é dependente dos homens que a compõem.

… e apropriação do corpo pela sociedade

Essas considerações não pretendem ser exaustivas, mas simplesmente propor elementos de reflexão para quebrar os preconceitos sobre a mulher mauritana « toda-poderosa ». Se a questão da violência sexual, por exemplo, ainda é tão problemática na Mauritânia, é poque a mulher é objeto de um profundo descrédito que tem várias formas: as de uma equação económica (o poder do dinheiro permanece aos homens), de uma equação política e intelectual (as cargas de responsabilidade e as tarefas intelectuais são frequentemente monopolizadas por homens, embora observa-se desde alguns anos a emergência de um embrião de mulheres políticas e empreendedoras), ou também uma equação social e cultural. Desta última dependem provavelmente em grande parte as outras. Mesmo quando elas têm uma atividade geradora de renda, ainda são elas que, qualquer seja a comunidade, assumem as tarefas domésticas ligadas à educação das crianças, à limpeza da casa e à cozinha. Os estudos, os lazeres, e muitos espaços públicos de relaxamento são antes de tudo ocupados por homens – quando não são socialmente proibidos para as mulheres, simplesmente. Por exemplo, a reputação de uma mulher vista à noite no café, fumando um narguilé e jogando às cartas como o fazem os homens, seria muito negativa. Da mesma forma, o desporte continue sendo um mundo muito masculino; As jovens jogadores de futebol ou de basketball sofrem disso, pois a sua perseverança no treinamento esconde mal um contexto cultural muito desfavorável e uma falta considerável de apoio e de reconhecimento do desporto feminino pelos poderes públicos. Entre todas as comunidades, aquelas dos Mouros e dos Haratinos (descendentes dos escravos, culturalmente ligados aos Mouros) ainda são as que toleram menos a prática do desporto feminino. A composição das equipas femininas basta a convencer-se disso.

Entre submissão e manipulação social: qual é a condição das mulheres na Mauritânia?

Nós jovens mulheres temos o direito de nos defender e de nos ajudarmos mutuamente. Tomara que podemos fazer o desporte. Que temos a coragem de evoluir.

Farmata Wagne (no centro), aluna de Kung Fu desde 2014, em Dar Naim (Nouakchott). Com suas colegas de Kung Fu. (18/06/2016)

Entre submissão e manipulação social: qual é a condição das mulheres na Mauritânia?

Nenhuma mulher é fraca, é apenas uma questão de prática. Em vez de fazer sensibilizações para dizer « não à violência contra as mulheres », por que não fazer sessões de autodefesa que lhes permitam de defender-se sem os outros? Não esqueçamos que aqueles que estão conosco hoje podem não estar aqui amanhã.

Mariem Sy (no centro), graduada em Licença de Sociologia na Universidade de Nouakchott e presidente da association de voluntariado Leo Club Nouakchott Palmier (Lions Club International).

Da mesma forma, as mulheres mouras e haratinas são frequentemente sujeitas a restrições morais e vestuárias relativas à tradição e à religião. Tanto que o uso da melahfa, o véu tradicional mouro, só é substituído hoje por véus vindo do estrangeiro (o niqab, em particular), e isto sob a influência do islã salafista em forte progresso em certos bairros da capital. Aliás, quase nunca se vê mulheres dessas comunidades com o cabelo descoberto, e se alguma ousa andar de cabeça descoberta, ela se expõe a muitas observações.

A polémica provocado em 2013 pelo clipe do cantor Hamzo Bryn, chamado It started from Nouakchott, ilustra por si só a pressão social exercida sobre as mulheres da comunidade moura. O vídeo mostrava simplesmente uma jovem mulher, a cantora Leila Moulay, desvelada e de mãos dadas na praia com a cantora. Deve-se notar no entanto que esse vídeo é o segundo clipe mauritano o mais assistido no Youtube, o que mostra provavelmente uma grande fractura intergeracional nessas questões de sociedade.

Essa pressão social, aquela que proíbe vestir-se à vontade, aquela que proíbe o desporte, aquele que justificava antigamente a alimentação forçada (certamente desatualizada, mas uma das conseqüências é manter o excesso de peso como critério de beleza), aquela que inibe as ambições profissionais, aquela que proíbe histórias de amor, essa pressão participa de um forte controle social sobre o corpo da mulher. Esta não dispõe dele livremente, e ela têm assim que confinar-se ao lugar que lhe é tradicionalmente indicado. A história do corpo da mulher é a de uma dominação social quase ao longo de toda a vida dela. Mariem Mint Baba Ahmed nos explica: « Desde a infância, nos Mouros religiosos e guerreiros, o corpo da menina é controlado, e espera-se muito dela: a menina será massageada. Seus ossos são massageados, esfregados – uma prática que é observada em outras comunidades africanas por motivos de saúde. Costuma-se por exemplo pensar que um bebê massageado dormirá melhor. Com uma diferença, nos outros, todas as crianças são massageadas, enquanto nos Mouros, só  a menina é objeto de massagem durante os quarenta primeiros dias. As considerações são mais estéticas: deve ter o bezerro de uma certa forma, etc. » Outra crença « tradicional » nos Mouros: quando amamenta, a mãe olha para a criança nos olhos quando é menino. Com uma menina, olha para todo o seu corpo, porque « o olhar da mãe alimenta ». Diz-se que olhando apenas uma parte do corpo, isso a faria engordar à custa dos outros. Alimentar a inteligência do homem, alimentar o corpo da mulher. Na tradição popular, então, é importante que o rapaz seja inteligente. Não a rapariga.

Entre submissão e manipulação social: qual é a condição das mulheres na Mauritânia?

Os jovens são a energia da sociedade. Entre eles, as jovens mulheres devem achar o espaço para exprimir-se.

Salka Mint Sidi Mohamed, estudanteem Direito na Universidade de Nouakchott e presidente da associação « Taghadom para o progresso e o bem-estar social ». Sua ambição: tornar-se juíza, num país onde nenhuma mulher juíza exerce.

Notamos também que essa relação de dominação é ainda mais subtil porque é a própria mulher que garante o respeito às convenções sociais relacionadas ao seu estado de submissão física e intelectual. Originalmente, nas áreas rurais, existe um conceito de hadana, ou seja a « guarda » (entende-se, a guarda da rapariga, desde o nascimento até o casamento) cuja mãe é responsável. Sua integridade física também depende de sua mãe (da sua avó, sela é orfã, ou da sua tia em caso). Essa responsabilidade é ainda mais forte nos Mouros, onde o casamento não consagra o passo da noite de núpcias, como nas sociedades do Maghreb, quando a mulher deve provar sua virgindade com um lençol branco. A mulher moura é na verdade uma guardiã de sua virgindade.

Esse ponto é ainda mais importante porque a mulher é objeto de uma imagem negativa na tradição popular moura. No seu livro Figures do feminino na sociedade moura (Mauritânia) (2003), a etnóloga Aline escreveu: « O estatuto da mulher, na etnia moura, não deixou de surpreender os observadores estrangeiros. Pois, se integra-se bem na lógica comum a todas as sociedades árabo-muçulmanas, é ao mesmo tempo irredutível. Se, sobre a mulher, diz-se que é ao mesmo tempo encantadora e "esperta", sedutora e mortal, a conjuração da ameaça que ela leva opera de maneira diferente do que em outros lugares. Não se trata de claustração nem de poligamia, por exemplo, mas de manter a mulher à distância, de sua evitação, da modelagem do seu corpor inacessível e que ignora a falta, pois é compensado antes mesmo do surgimento de seu desejo. Uma evitação, portanto cuidadosamente construída, que transforma-se em queixa poética em direção a uma amada ausente ou crual, até que os imperativos da reprodução social sejam lembrados ». Sua pesquisa nasceu de uma surpresa que também foi a de muitos visitantes desde a Idade Média. Enquanto essa sociedade « afirma sua pertença à civilização árabo-muçulmana, que expressa-se num dialeto árabe, trata a questão do feminino num modo radicalmente diferente do que se observa em outras partes do mundo árabe. Aqui nem claustração das mulheres, nem véu que as esconde completamente, nem divisão do espaço privado e público, nem mesmo uma separação entre os sexos logo perceptível. Os comportamentos dos homens em relação às mulheres podem ser qualificados de deferentes, consistem em servi-los, em se preocupar com seu bem-estar ». Deferência e distância ainda mais grandes que a mulher é vista ao mesmo tempo como « encantadora e "esperta", sedutora e mortal ». Sem dúvida isso explica em parte que homens e mulheres nem apertam as mãos, nos Mouros. O autor evoca os contos e as pequenas histórias apresentadas como « verdadeiras » para apoiar esta visão negativa da mulher: todos criam uma imagem ainda mais preocupante da mulher, que ela é descrita como esperta, não tem palavra, viola a lei, incluindo proibições importantes, mas que seduz os homens por causa de sua beleza.

É para melhor combater o perigo da mulher e preservar o desejo masculino que a sociedade moura escolheu moldar seu corpo, « privar[-lo] do desejo tornando-o perfeito » – é o objetivo das técnicas praticadas sobre a menina desde o seu nascimento, as massagens e a alimentação forçada, realizados antigamente de maneira sistemática a cerca dos 6 ou 7 anos de idade, supostamente para a engordar o suficiente para que seja precocemente envelhecida, imobilizada, disposta a conservar sua pureza sexual. O corpo feminino « torna-se inacessível, ignora a falta, compensa antes mesmo o aparecimento do desejo ». Uma mulher distante, sem desejo próprio mas objeto do desejo: as relações entre os sexos são baseadas nessa estrutura assimétrica.

É somente em torno dos 40 anos que a mulher apropria-se o seu corpo, recuperando um pouco de liberdade. Como se ela tinha feito a sua parte do trabalho. Esta é a idade na qual as mulheres têm amantes conhecidos no acampamento, e tornam-se autónomas em termos financeiros. A mulher deu à sociedade o que ela esperava (preservação do corpo e do código, procriação, etc.).

Entre submissão e manipulação social: qual é a condição das mulheres na Mauritânia?

Hoje em dia, a mulher mauritana aprende a tomar o seu lugar e a afirmar-se nos seus direitos. No entanto, seria preciso desenvolver sua autonomia financeira. Acabados os micro-projetos, é preciso projetos de grande escala. Porque ai está a fonte dum verdadeiro seguro de desenvolvimento sustentável.
Eles devem aprender a exigir sua participação em espaços democráticos porque conhecem melhor seus problemas e sabem encontrar soluções.

Houley Kane, jornalista nos Hauts Parleurs (« Altifalantes », em português) e presidente da associação « J'aime lire ».

Uma condição feminina não tão heterogênea de uma comunidade para outra

Frente a essa realidade pouco brilhante, evitaremos elogiar a situação da mulher mauritana. Seja moura, pulaar, soninké, wolof ou haratina. A condição feminina conhece certamente nuances e diferenças em função da etnia ou da categoria social. por exemplo, embora sua importância continue difícil a avaliar, a prática da poligamia é ainda relativamente frequente nos grupos soninkés, wolofs e pulaars, enquanto é rara na comunidade árabo-muçulmana (moura) e nos Haratinos. Igual com a excisão, que afeta cerca de 70% das mulheres em Mauritânia segundo o Fundo das Nações unidas para a População (UNFPA), e que seria praticada em graus diferentes à escala nacional: 92% nos Soninkés, contra 72% nos Pulaars, 71% nos Mouros e 28% em meio Wolof. No entanto, as disparidades entre categorias não devem nos fazer esquecer o destino comum das mulheres mauritanas, sobre o qual podemos mencionar as características seguintes: inferioridade sui generis, submissão ao sistema patriarcal, dependência económica, exclusão dos espaços públicos (sobretudo à noite), exposição às violências, prevalência das mutilações genitais femininas (em particular a excisão), casamentos precoces, ignorância dos seus direitos. Uma situação que parece ainda pior em meio rural.

Convém também lembrar-se das situações que podem parecer marginais e que são globalmente toleradas a pesar do que representam em termos de degradação e de violência para a mulher. Evocamos também a persistência de formas de escravidão, e com elas de escravidão sexual, denunciada por diversas organizações da sociedade civil, sobretudo na comunidade moura (a escravidão afetaria 1,06% da população mauritana, ou seja 43.000 pessoas segundo a edição 2016 do Global Slavery Index publicado pela ONG Walk Free. Em geral, a miséria rural e a aceleração do processo de urbanização desde o fim dos anos 1970 produziram novas formas de assalariamento doméstico. Milhares de raparigas vindo de áreas rurais ou de famílias pobres encontram-se « recrutadas » pelas classes média e ricas como empregadas domésticas. Esse trabalho, não-regulamentado, muitas vezes extenuante e mal remunerado, às vezes não-remunerado, as expõe a freqüentes violências físicas, verbais e/ou sexuais. As empregadas domésticas vêm principalmente das étnias minoritárias (Pulaars, Wolofs e Soninkés) e dos estratos sociais haratinos. No caso destas últimas, o trabalho doméstico seria muitas vezes só um travestimente das relações antigas de servilismo.

A condição feminina deve então ser denunciada em todas as comunidades. Todas elas desenvolveram uma imagem negativa da mulher, cheia de preconceitos. Isto traduz-se tanto por reflexões de homens pulaars defendendo a prática da excisão sob o pretexto de que « as mulheres são viciosas » e « que se elas podiam, teriam três ou quatro parceiros na mesma noite » (e ai temos vontade de perguntar: têm certeza que conhecem bem as mulheres?), que por avisos de homens mouros que afirmam que as mulheres mouras « vão tirar-te todo o teu dinheiro até o divórcio ». Só falta aqueles que declaram que um bom marido « corrige sua esposa quando ela é teimosa ». Sem passar mais tempo nos testemunhos recolhidos aqui e ali, vamos examinar os provérbios, máximas e ditos tradicionais das diferentes línguas da Mauritânia. Constata-se, sem ser exaustivo, que muitos deles revelam uma imagem globalmente muito negativa da mulher, indigna de confiança e repleta de defeitos quando ela não é confinada ao casamento e ao papel de mãe. Aqui está uma pequena amostra, extrata de um Estudo sobre os estereótipos e obstáculos socioculturais baseados no género (Julho de 2011) patrocinado pelo Fundo das Nações Unidas para a População.

Entre outros provérbios wolofs:

  • Taaru jigeen, sëy (o casamento é a consegração da mulher);
  • Jigeen, soppal te bul woolu (ama uma mulher, não confie nela);
  • Jigeen yoon le, bul toopetoo ki le ci jëkkë ak ki le ci toopp (a mulher é como um caminho, não te preocupa de quem a pegou antes de ti nem de quem a pegará depois);
  • Ku ñulug jekker yakk doom (quem coloca o seu marido na panela, almoçará a sua criança).

Entre outros provérbios hassaniyas (dialétito árabe mauritano):

  • Ennar ma vihé nweré oula’leyatt ma vihoum sghiré [não há pequeno fogo, como não há pequena mulher (até as pequenas meninas são perigosas)];
  • Le’leyatt ma yeguer vihoum el kheir (as mulheres raramente são gratas);
  • Eneythi atihé chbir tetamé dhra [dar um empan, vai exigir uma brasse (o empan e a brasse são antigas unidades de medida, uma brasse valendo oito empans];
  • Amayem l’jouad, e na’il l’klab (a mulher é a coroa do homem perfeito e o sapato do cão);
  • Oum lamhe maa’vi a rahme (a mulher gordinha não tem coração);
  • El mar atou touhibou men younkihouha we lew kané ghirden (a mulher ama quem transa com ela, mesmo que seja um macaco).

Entre outros provérbios pulaars:

  • So dewbo woppidaama e hoore mum ko naalaŋke resata ɗum (deixada para si mesma, uma mulher casa sempre um charlatão);
  • Mo rewi feere dewbo yooloo (quem segue os conselhos de uma mulher, afoga-se);
  • So yumma ma defanii ma, ñaam, so fewjanii ma, salo (come a refeição que a tua mãe fez-te, mas não escute os seus conselhos);
  • Dewbo ko ɓuuɓɗam mbarojam, peŋgam njoolojam (a mulher é uma água fresca que mata, uma água pouco profunda que afoga);
  • Mo nanaani haala baaba mum, nanaani haala gorko mum, ma bone haalan ɗum nana (a mulher que não escute nem o seu pai nem o seu marido ouvirá as palavras da infelicidade).

Entre outros provérbios soninkés:

  • Gundoni tanmi ga n maxa, kaabu sawu a na baane kini yaxare (não confia a uma mulher mais do que um décimo dos teus segredos);
  • Yaxare feti gunda n lema (não se pode confiar numa mulher);
  • Yaxari n bure n pasu duuro (mulher má vale melhor do que casa vazia);
  • Yaxare ñafooni kaŋŋe, yugo n ka ñiiñe (o ouro às mulheres, a terra aos homens);
  • Saliñe raxe n ti labo jonko (a galinha não tem direito à palavra numa briga sobre o preço das facas).
Entre submissão e manipulação social: qual é a condição das mulheres na Mauritânia?

A Mauritânia conta muitos jovens ativos e brilhantes, incluídos entre as jovens mulheres. A sociedade deve confiar em elas e tratá-las numa preocupação de igualdade.

Raghiya Mint Abdellahi, graduada em Economia na universidade de Nouakchott e presidente da associação « As jovens mulheres que agem na sociedade ».

O desafio para as mulheres: juntar-se a cerca de uma consciência feminina

As dificuldades, as desigualdades, as pressões familiares e sociais, as violências, afetam todas as mulheres mauritanas. É portanto uma condição coletiva, uma questão social, não um conjunto de problemas isolados. Mas muitas vezes, todos esses problemas afetam cada mulher individualmente. Uma jovem moura que quer jogar basketball vai encontrar-se sozinha frente à proibição imposta pela sua mãe, às observações dos seus irmãos, ao julgamento desaprovador dos seus tios e primos, aos olhares dos vizinhos. No entanto, uma jovem mulher raramente poderá enfrentar ao mesmo tempo a sociedade e sua família – ainda mais numa sociedade conservadora marcada pelo peso da religião e da tradição, onde até a legislação não garante, no dia a dia, a igualdade. As mulheres devem portanto conceber a sua condição sob um prisma coletivo, como um verdadeiro problema de sociedade. Que deve ser resolvido coletivamente.

Jogo de basket feminino, no bairro-municipalidade de Arafatn em Nouakchott.

Jogo de basket feminino, no bairro-municipalidade de Arafatn em Nouakchott.

Em termos concretos, como se desenvolve a luta pelos direitos das mulheres em Mauritânia, hoje em dia? Algumas associação mobilizem-se há cerca de quinze anos sobre as questões de género, do lugar da mulher ou das violências sexuais. Podemos em particular mencionar duas organizações emblemáticas, a Associação das Mulheres Chefes de Família (Association des Femmes Chefs de Famille, AFCF), cuja presidente Aminetou Mint Moctar beneficia de uma boa visibilidade mediática (talvez demais à vezes); e a Associação Mauritana para a Saúde da Mãe e da Criança (Association Mauritanienne pour la Santé de la Mère et de l'Enfant, AMSME), presidida por Zeynabou Taleb Moussa. Poderiamos acrescentar a Associação da Luta contre a Dependência (Association de Lutte contre la Dépendance, ALD), presidida por Toutou Mint Ahmed Jiddou, menos conhecida mas também ativa. Essas três estruturas associativas, nascidas entre 1999 e 2000, são relativamente próximas nos seus objetivos e na sua forma de operar. As três posicionam-se regularmente na questão das violências sexuais, das mutilações genitais femininas, contra os casamentos forçados e sobre o acompanhamento e a assistência das mulheres vítimas de violências. Para isso, elas dispõem em particular de centros de acolhimento, em Nouakchott e no interior do país (em Nouadhibou, em Rosso, etc.), e realizam pontualmente ações de advocacia, por exemplo cada 8 de Março por ocasião do Dia internacional dos direitos das mulheres. A AMSME até tinha criado há alguns anos um número gratuito para as vítimas em Nouakchott.

No entanto, nota-se uma fraca colaboração entre essas diferentes estruturas – em particular as mais importantes, a AFCF e a AMSME, entre as quais existe uma verdadeira concorrência em termos de leadership, ou até problemas de ego entre as presidentes. Muitas vezes, cada associação pretende ser a primeira a ter ajudada mulheres vítimas de violências, e reivindica por isso uma certa legitimidade histórica nesse setor. As considerações de pessoas, no contexto mauritano, prejudicam muito a ação do meio associativo na área do género, por limitar naturalmente as ações coletivas de advocacia, a mutualização dos meios e as trocas de informação. Os meios são fracos demais, os adversários numerosos demais para permitir-se prejudicar-se mutualmente.

As ONG de desenvolvimento, como Caritas Mauritânia ou a Associação dos Facilitadores para o Desenvolvimento Comunitário (Association des Facilitateurs pour le Développement Communautaire, AFDC), posicionam-se mais na área social (apoio à criação de cooperativas, à alfabetização, à capacitação das mulheres, etc.) do que nas ações de advocacia. Ações que contribuem à sua escala para a emancipação econômica e social da mulher, e que são portanto no mínimo tão importantes quanto a questão dos direitos. outras associações e iniciativas ainda, mais modestas, apoiam a causa das mulheres em assuntos específicas. Assim, a associação NTIC & Cidadania (NTIC & Citoyenneté), criada no final de 2000, iniciou « Maurimulher » (Maurifemme) em 2004, um portal online para promover o lugar das mulheres no setor das novas tecnologias. Mais recentemente, a associação InnovRIM, formada por jovens engenheiros em informático e em telecomunicação, lançou a iniciativa « Mulheres & TIC » (Femmes & TIC) que consistiu em formações gratuitas em informático para raparigas descolarizadas de Nouakchott.

Além do tecido associativo formal, observa-se o surgimento de umas ativistas da causa feminista, em particular entre as jovens de diferentes comunidades. Pode-se mencionar a iniciativa eTkelmi (« Fala », em árabe), nascida em 2013 depois de muitos casos de violação e assassinato de raparigas. A iniciativa reúne jovens mulheres mouras, notavelmente arabófonas, sobretudo ativas nas redes sociais, e cuja reivindicação principal é de alterar três artigos do Código penal (artigos 307, 309 e 310) para alcançar a criminalização efetiva da violação na Mauritânia.

Entre submissão e manipulação social: qual é a condição das mulheres na Mauritânia?

As mulheres mauritanas têm as competências e a vontade de assumir as suas responsabilidades para melhorar a situação atual. A luta continua, nem só para melhorar as suas condições de vida mas também para impor os seus direitos.

Mekfoule Ahmed (à esquerda), bloguista e ativista feminista na initiativa eTkelmi.

Desde Outubro de 2015, um coletivo chamado « Voz(es) das Mulheres » (Voix des Femmes), reunindo umas vinte raparigas de diversas associações, criou-se e desenvolve-se. O objetivo: organizar espaços de palestra, diálogo e discussão nos bairros periféricos de Nouakchott, para trocar com as raparigas sobre os direitos delas e assuntos de sociedade (saúde reprodutiva, casamento, etc.). O coletivo, que coordena-se via Facebook, é totalmente informal e criou-se para responder à falta de espaços públicos acessíveis às mulheres, especialmente nos bairros periféricos. Em Julho de 2016, uns dez encontros já tinham sido realizados nos diferentes municípios da capital desde o seu início, muitos outros foram depois realizados, e outros ainda são previstos, em particular sobre a temática da saúde sexual reprodutiva.

Mas todas as iniciativas só fazem sentido se elas acompanham-se de uma consciência coletiva da condição feminina, além das classes sociais e dos preconceitos entre comunidades, e se essa conscientização conduz a verdadeiras solidariedades, a verdadeiros atos coletivos e individuais de coragem em favor dos direitos da mulher. O ativismo deve ser assumido. Os discursos conciliatórios, tentando convencer da importância das mulheres porque elas « são mais da metade da sociedade » ou porque elas « são indispensáveis ao desenvolvimento do país » (dois argumentos que ouve-se muitas vezes sobre essas questões), devem dar lugar a um reconhecimento puro e simples da dignidade da mulher. Mesmo que as mulheres não fossem majoritárias, mesmo que elas não fossem atores do desenvolvimento e da educação, elas teriam direito à igualdade. Simplesmente porque elas são seres humanos, assim como os homens. E como tal, elas têm direito ao respeito.

Permanece o fato que a cultura ativista, uma consciência coletiva feminina, laços de solidariedade entre mulheres, não se decretam. Constroem-se, através a educação aos direitos, através atos simbólicos tal como pequenas ações discretas que permitem transmitir lentamente mas seguramente mensagens que emancipadores. A liberdade é uma vasto lar que deve-se cuidar constantemente para que não cai pró chão. Permanece que na Mauritânia, os planos das obras ainda são para desenhar.

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