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O acendedor de lampiões

Mauritânia: frente à confiscação das terras pelo Estado, que meios de resistência?

2 Décembre 2017 , Rédigé par Jorge Brites Publié dans #África, #Economia, #Sociedade, #História

Sob um sol tropical, com 40 graus, transpiramos todos. O rio Senegal está perto e sente-se plenamente a humidade do ar. A irigação das ortas traz apenas um pouco de frescura, quando o nosso anfitrião, um agricultor mauritano de mais ou menos 40 anos de idade, acende sua bomba cuja instalação é muito recente. Este sistema de irrigação, diz ele, lhe permite cultivar bem longe do rio, na totalidade dos seus dois hectares de terra. Com custo modesto, este material é promovido no âmbito da estratégia pensada por uma ONG local, a Associação Mauritana para o Auto-Desenvolvimento (AMAD), que quer fortalecer a capacidade dos produtores locais para resforçar a legitimidade deles frente ao Estado da Mauritânia, o qual organiza desde vários anos uma política discreta de confiscação das terras; terras que ele venda depois a muitas empresas multinacionais (saudiatas, sudaneses, libianas, etc.). É uma problemática comum a muitos países, especialmente em África. Tivemos ocasião de encontrar, em Outubro de 2014, o presidente de AMAD, senhor Elhadj Mamadou Ba, na sede da ONG. Ele concedeu-nos uma entrevista afim de definir para nós os contornos de sua abordagem e suas motivações. Um combate digno de David contra Golias.

Deserto ou semi-árido no norte, mas dotado duma terra fértil no sul, ao bordo do rio Senegal, este país do Sahel, a Mauritânia, ainda tem dificuldades, apesar de contar menos de quatro milhões de habitantes, a alcançar a auto-suficiência alimentar. Pelo contrário, a baixa produtividade das fazendas, juntamente com períodos de seca, contribuiu a uma situação de insegurança alimentar estrutural e crônica em certas zonas do território. Qual são as razões dessa situação? Pode-se identificar vários fatores explicativos, como os movimentos de gados, ou a degradação das terras não inundáveis (também chamadas « terras de diéri », em língua pulaar). Essas terras de diéri são caracterizadas, à volta do rio Senegal, por um tecido vegetal insuficientemente denso para reter o solo e evitar ravinas. Acima de tudo, o investimento (público ou privado) na agricultura é muito baixo na Mauritânia. O resultado é uma situação paradoxal, onde as terras mais férteis do país, as do vale do rio, são também as mais atingindas pela desnutrição.

O setor da criação de gado tem problemas de fundo: péssima gestão dos espaços pastorais, fraqueza dos circuitos de comercialização, falta de integração com o setor da agricultura, etc.

O nível baixo de produção agrícola ou pastoral tem, claro, conseqüências sobre as rendas, ainda mais porque, com a ausência de meios e de técnicas de conservação, toda a produção que é destinada à comercialização chegue no mercado ao mesmo tempo, e é « perdida » por preços colocados a baixo. Resultado: as renda agrícolas não permitam de investir em técnicas mais modernas e eficientes. A fraqueza das receitas da agricultura e as dificuldades das populações para comer o suficiente ao longo do ano são chaves de entendimento sobre a migração rural que conhece o país, e que enfraqueza ainda o campo e a profissão de agricultor.

Uma política de confiscação das terras facilitada pela fraqueza do setor agrícola

Aproveitando essas fraquezas estruturais, o Estado mauritano conduz, já faz certos anos, uma política ativa de apropriação das terras, ao benefício muitas vezes de empresas estrangeiras, ou de outras mauritanas ligadas ao poder. Como isso pode ser possível? Existe em Mauritânia uma contradição entre a base do direito herdado da antiga potência colonial, a França, e o direito tradicional mauritano, que vem simplesmente de concepções diferentes da propriedade. O primeiro, com pilar o cadastro de 1900, privilegia a atribuição de títulos de terra individuais. A lei mauritana é hoje caracterizada pelo uma reforma, a ordenança 83-127 do 5 de Junho de 1983, que estipula: « A terra pertence a toda a nação. Cada Mauritano, sem qualquer discriminação, pode, conformando-se à lei, tornar-se proprietário dela, por parte ». E acrescenta: « O sistema tradicional do posso da terra é abolida » (artigo 3) e « a individualização é de direito » (artigo 6). Em teoria, a lei menciona também que a terra pertence a quem a ocupa e a explora hà um certo número de anos (uma herança do direito tradicional), mas é preciso ser capaz de fornecer um título formal de propriedade individual. Um pedido tendenciosa, segundo Elhadj Mamadou BA, da ONG AMAD: « Não há gente em zona rural que tem papeis. [...] Enquanto essas terras, desde gerações e gerações, já faz mais de 200 ou 300 anos que as pessoas as exploram... Mas eles não tem papeis. [...] Essas terras, são situadas ao nível do val, e são muito difficeis a individualizar, pois não são terras "herdadas". [...] As terras pertencem a uma família, e uma comunidade, a um grupo. » Acrescentamos que o ofício local suposto conferir esse título de propriedade individual está fechado, já hà certos anos...

O Estado mauritano aproveita essas dificuldades, e qualifica as terras não-exploradas de « terras mortas ». O que nos confirma Elhadj: « O Estado diz às populações: "vocês não exploraram essas terras, e as terras não podêm ficar sem haver lá planejamentos". Enquanto as populações que vivem aqui não têm meios para realizar esses planejamentos. Assim [...], o Estado vai dizer: "são terras mortas, e as terras mortas pertecem ao Estado". » Esta qualificação de « terras mortas » é problemática, em primeiro lugar para os agricultores que não têm meios suficientes para explorar a totalidade das duas propriedades; também em relação às terras pastorais que constituem um bem coletivo beneficiando aos criadores de gado, mas que são consideradas como « mortas » logo que ninguém apresenta um título de propriedade (pois elas pertencem a todos, e não a somente uma pessoa).

É então frente a esta situação e à fraqueza dos agricultores locais que a associação AMAD e seu presidente, Elhadj, originário da região (wilaya) do Brakna, decidiram reagir. Logo à criação da ONG em 1999, o objetivo era ajudar as populações a melhorar suas condições socio-económicas pela via do auto-desenvolvimento nas regiões do val do rio. Ainda hoje, o projeto visa atingir seus objectivos na questão da confiscação das terras pelo prismo do auto-desenvolvimento. Para isso, uma primeira componente de ações consista e resforçar as capacidades dos agricultores locais para justificar a propriedade das terras pelo aqueles que as cultivam.

E. Mamadou Ba, presidente de AMAD (2014).

A capacitação dos produtores locais

O princípio é simples: a ONG identificou e selecionou 25 beneficiários « piloto » nas aldeias de Dar El Barka e Ould Birem, perto da cidade de Bogué, na wilaya do Brakna, ao bordo do rio Senegal. Essas propriedades foram claramente localizadas por GPS; a seguir, uma bomba, cercas e canalização PVC foi entregas e instaladas (os beneficiários terão que reembolsar o crédito com as receitas agricolas) para permitir uma irrigação, incluido a uma certa distância do rio. Cerca de 50 pessoas beneficiaram duma formação sobre a utilização e a manutenção dessas bombas (de pequeno cilindro, para ser acessíveis a todos no plano financeiro) e sobre o condicionamento do terreno. Curtas formações sobre os itinerários técnicos de producção vieram depois completar.

Se acrescentamos a aquisição de produtos específicos (sementes de horticultura, fertilizantes, etc.), de árvores frutíferas e de cercas vivas para proteger as culturas, o projeto realmente permitiu resforçar as capacidades dos agricultores locais com poucos meios. A ONG até contibuiu a elaborar com os agricultores uma estrategia de comercialização dos produtos, e conseguiu formar 24 pessoas sobre as técnicas de transformação e de comercialização de legumes.

A ambição explicita da associação, ao termo, é interessar as instituições de micro-finança, com perspectiva de ver as famílias trabalhando nesta área beneficiar de micro-creditos. Elhadj resuma assim a situação: « O rio Senegal está ai. A água é disponível. Mas por falta de meios, não conseguimos explorar. » A ONG AMAD, neste projeto, já fez a escolha relevante de fornecer as pequenas bombas pela via dum crédito aos 25 beneficiarios (com valores accessíveis). Esta opção assegura um retorno financeiro daqui alguns meses, que há de permitir uma repetição da experiência, e de fornecer pequenas bombas a outros agricultores na região. O cerclo vertuoso arrancou, a abordagem é sustentável, com poucos meios e muito bom sentido.

Mauritânia: frente à confiscação das terras pelo Estado, que meios de resistência?
Entregue das pequenas bombas aos agricultores da aldeia de Dar El Barka, na região do Brakna, em Dezembro de 2013.

Entregue das pequenas bombas aos agricultores da aldeia de Dar El Barka, na região do Brakna, em Dezembro de 2013.

Advocacia contra a confiscação das terras pelo Estado

Em paralelo, uma outra componente de ações de AMAD consistiu num trabalho de conscientização das populações rurais sobre a questão do confiscação das terras, com ações de advocacia. A ONG acompanhou a criação duma associação local de produtores, como também a constituição de comissões compostos de representantes dos produtores e dos habitantes, que devem melhorar a visibilidade em relação às autoridades públicas. Cerca de 10 pessoas beneficiaram duma formação em organização e gestão administrativa e financeira, e foram organizadas reuniões de sensibilização numas 20 localidades em duas aldeiras. Elas tinham como objetivo informar as populações dos riscos da política governemental de confiscação das terras; outros tempos de formação permitiram vulgarizar os textos legislativos e reglementares a uns políticos locais, a representantes das ONG locais e a serviços técnicos.

O paso seguinte permitiu levar as revindicações dos produtores locais ao nível ministerial e argumentar frente à político do Estado, com base os resultados da exploração da terra. Em Abril de 2014, uma delegação composta dos membros das comissões e dos presidentes de conselhos municipais de duas autarquias foi então na capital mauritana, Nouakchott, para encontrar o Ministério do Desenvolvimento Sustentável e o Ministério do Interior. Infelizmente, com um balânço que não pode deixar muito otimisto – o primeiro destes dois ministérios defendia então o projeto das multinacionais da Arábia Saudita, o segundo afirmando não estar em carga do dossier e convidando a delegação a ir reclamar ao... Ministério do Desenvolvimento Sustentável.

Uma mudança de paradigmo será possível nesta questão da terra?

Esta questão da confiscação das terras pelo Estado resforça uma tensão já viva em Mauritânia, em relação à propriedade do solo. Os conflitos, raramentos violentes, são muitos e antigos neste país onde criadores e agricultores disputam-se a exploração da terra – a movimentação do gado tendo conseqüências ruins sobre as culturas. Além disso, muitos agricultores sem terra, em geral negros (das comunidades pulaar, wolof ou soninke), estão à espera há anos que sejam restituidas as terras confiscadas entre 1986-1991 pelo poder monopolisado pelos Mouros (árabo-berberes). Em particular o ano de 1989, marcou as mentes de todos. Em 9 de Abril de 1989, na localidade de Diawara, uma cidade da autarquia regional de Bakel, no Senegal oriental, foi o teatro de confrontos relativos ao direito de pasto, entre criadores pulaars e agricultores soninkes. Os guardas-fronteiros meteram-se nessa, e o conflito estendeu-se rapidamente em Mauritânia, até Nouakchott, e em Senegal. Num contexto de manipulação política pelos Estados mauritano e senegalese, que praticam ou incentivam então ações de « limpeza étnica » (em breve: o primeiro ao custo dos Negros subsaarianos, qualquer seja a nacionalidade deles, e o segundo ao custo dos Mouros sobretudo), as represálias multiplicam-se nos dois países. Hoje em dia, um quarto de século depois e apesar das promessas do atual presidente da Mauritânia, Mohamed Ould Abdel Aziz, que autorizou o retorno deles, muitos agricultores negros constatam, impotentes, a ocupação e a exploração das suas terras por Mouros. Pode-se entender que a política de confiscação das terras atualmente conduzida pelo poder, acusado de privilegiar os interessos políticos, económicos e culturais dos Mouros árabo-berberes, só agrava a situação, aumentando o sentimento de frustração e de ráiva. A arrestação em 2014 dum líder de oposição, Biram Dah Abeid, figura emblemática da luta contra a escravidão, que ainda afeta muito a sua comunidade (a dos Haratines, ou « Mouros negros »), ilustra também a tensão nascido da questão da terra. Pois este oponente tinha entéao reorientado o discurso dele para abordar a problemática da escravatura no campo, abrindo um assunto que é suposto ficar tabu do ponto de vista do poder.

A questão da terra ultrapassa o simples assunto das clivagens comunitários, en Mouros e Negros. Primeiramente, porque junta-se a outros desafios, tribais – cada comunidade é composta de diversas tribos com interessantes às vezes divergentes. Em segundo lugar, parece que existe cada vez mais um consenso entre criadores e agricultores, ainda mais porque as terras as mais diretamente afetadas pelas confiscações são hoje as pastorais, situadas mais ao norte do rio e consideradas como « mortas » porque elas não têm um proprietário conhecido, com um títudo legal. Isto pode atingir até mas 150.000 bestas de gado. Conta-se nos criadores como nos agricultores muitos Mouros, brancos como negros, o que aumenta o risco, para o Estado, de ver uma protestação pluri-comunitária. O governo suspendeu, estes últimos meses, as expropriações, e não é por acaso. É em reação às várias reações que provoca esta política.

A revindicações de AMAD são simples: permitir a todos de ter um título de propriedade, e não considerar a terra « coletiva » (tipo as zonas nas quais passam os gados) como uma terra morta. Também ver o Estado apoiar as fazendas familiares, e inicia sistematicamente um diálogo com os produtores locais em antecedência de qualquer projeto de investimento estrangeiro. En breve, reconhecer situações bem reais e respeitar a presença e o trabalho dos habitantes de zonas rurais abandonadas pelos poderes públicos.

A ação da association permitiu obter resultados entusiasmantes: a produção melhorou e diversificou-se, passando de 7 toneladas por hectare de terreno agricola por ano, para pelo menos 16 toneladas/hectare em 2014, em relação às culturas do repolho, da berinjela, da tomate e da cebola. Os 25 produtores era então mais organizados e estruturados no âmbito de comissões (a reunião de três, quatro ou cinco produtores), formados em técnicas agricolas, comercialização e conservação de produtos. A instalação de pequenas bombas com custo baixo assegura a sustentabilidade do projeto, pois os produtores reembolsem progressivamente o credito, o que permita à ONG de comprar novas para outros agricultores.

O combate contra a confiscação das terras está longe, muito longe de ser ganhado. No entento, as populações são pouco a pouco informadas e sensibilisadas sobre os textos jurídicos (code pastoral, lei sobre a terra, etc.) e exigêm que sejam aplicados para proteger o que possuem. A tarefa é énorme, e o paradoxo é ver o Estado, garante da unidade nacional e dos direitos dos cidadãos, assumir a postura do adversário que cria tensões e perigo, ameaçando a presença das comunidades rurais. Só nas aldeias de Dar El Barka et Ould Birem, são pelo menos uns 30.000 hectares que as comissões tentam recuperar e que o Estado quer classificar de tal forma que seja possível os vender aos que propõem mais. A resistência inscreva-se numa lógica de desenvolvimento das capacidades locais e de revalorização da terra pelos produtores locais, porque a ideia não é um novo confronto, mas simplesmente de reconhecer as realidades rurais e de faze justiça. Se consideramos este provérbio argeliano do século XIX, que nos diga: « Dá à terra (teu suor), ela te dará », então a escolha duma abordagem como a de Elhadj Mamoudou Ba e da sua associação é provavelmente a boa. É só esperar que os poderes públicos saberão ouvir as chamadas vindas destas terras cultivadas, cobertas do suor dos seus habitantes.

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