Moçambique: três anos depois da tomada de posse, qual é o balanço da presidência Nyusi?
Em 6 de Dezembro passado, a notícia saiu: Moçambique caiu uma posição e é agora o sétimo país com o Índice de Desenvovimento Humano (IDH), ao mesmo nível que Sudão do Sul (um país em guerra...), e abaixo de países como Malawi, Eritreia e Guiné-Bissau. Passou então da posição 180 para 181, num universo de 188 países avaliados. Este resultado destaca que, apesar do progresso de Moçambique em alguns indicadores, como esperança de vida (que passou de 43 anos em 1990 para um pouco mais de 55 anos em 2015), bem como o tempo de permanência na escola (de 2,7 para 5,4 no mesmo período), o país continua no grupo dos países com IDH mais baixos. É esta a situação de Moçambique hoje, apesar de ter conhecido esses últimos anos um forte crescimento económico: é um país pobre, muito pobre. Uma situação que não muda muito com os anos.
Aliás, faz hoje exatamente três anos que o presidente Filipe Jacinto Nyusi tomou posse da chefia do Estado moçambicano, a seguir das eleições gerais de Outubro de 2014 cujos resultados foram contestados pelos dois principais partidos de oposição, a Resistência Nacional de Moçambique (Renamo) e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM). Esta tomada de posse permitiu à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) de permanecer ao poder, onde está presente desde a independência em 1975. A particularidade sendo que o novo presidente foi eleito com a promessa de « mudança », o que podia parecer estranho já que ele foi escolhido como candidato no âmbito do partido no poder. Este artigo não tem como objetivo voltar sobre todos os assuntos da presidência Nyusi, já que voltamos sobre uma grande parte deles quando chegou a metade do seu mandato, num artigo no qual tratamos das temáticas económica, financeira e da corrupção (era em Junho de 2016: Presidência Nyusi (1/2): em Moçambique, a continuidade de práticas políticas e financeiras opacas), e num outro onde foram abordadas as temáticas políticas, a questão da liberdade de expressão, da violência e dos confrontos militares (em Setembro de 2016: Presidência Nyusi (2/2): o povo moçambicano ainda está à espera da « mudança » prometida).
O que aparece óbvio é que não chegou aquela mudança anunciada na campanha eleitoral. Aliás, os problemas não só continuam, mas também instalou-se uma crise económica na qual o governo atual (e em primeiro lugar o chefe do Estado) tem uma grande responsabilidade, primeiramente porque muitos dos seus membros já estavam no poder quando criaram-se os problemas (era o caso do presidente Nyusi, ministro da Defesa quando aconteceu o caso Ematum). Em segundo lugar porque a maioria atual tentou esconder as informações ligadas a crise e que provocaram as criticas dos parceiros internacionais de Moçambique, sobretudo do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2015-2016 (uma situação vergonhosa para o país, e que já tratamos neste artigo de Fevereiro de 2016: Crise do Metical: em Moçambique, o fim das ilusões económicas?). E finalmente, porque depois desta seqüência louca na qual o FMI exigiu um audito sobre os casos opacos, apareceu cada vez mais óbvio que o governo era incapaz de superar os problemas económicos e de trazer soluções viáveis e justas. O que tivemos ocasião de constatar neste artigo de Fevereiro de 2017: Em Moçambique, o governo incapaz frente à crise econômica. Este artigo não voltará sobre esses assuntos todos, mas irá analisar o balanço do mandato Nyusi três anos depois da sua tomada de posse, pelo prisme dos últimos meses de 2017, pois se os primeiros meses (e os primeiros anos) dum mandato são caracterizados por actos simbólicos, muitas vezes se acha circunstâncias que permitam dizer que é preciso a qualquer dirigente uma fase de adaptação para assumir totalmente suas responsabilidades e sua autoridade. Agora que o Nyusi vestiu-se da função presidencial, será que a sua governação difere daquela dos seus antecessores? Analisar as suas últimas decisões políticas permita julgar o que vala Filipe Jacinto Nyusi como chefe do Estado.
« Queremos construir uma economia diversa e diversificada para garantir uma riqueza duradoura, um país mais auto-suficiente. Não queremos ser parte de uma sociedade em que os mais ricos sufoquem os mais pobres; queremos bem-estar e que os Moçambicanos com trabalho e empenho, se beneficiem das riquezas. » Em 26 de Setembro passado, na abertura no 11° Congresso do partido Frelimo, Filipe Jacinto Nyusi deu num discurso a sua visão do destino do partido e do país. O chefe do Estado, também presidente do partido (desde 2015, quando esforçou o seu antecessor, Guebuza, a deixar o lugar), continuou assim: « Temos de ter visão a longo prazo, não apenas com soluções pontuais, precisamos de cultura de antecipação. A governação da Frelimo não deve consistir em resolver os problemas, mas em evitar que os problemas aconteçam. »
Como sempre o fez desde que chegou no poder, Nyusi proclama boas intenções com as quais é difícil ser oposto. Claro, é preciso planejar, prever, é isto fazer política. Problema é que a presidência Nyusi não se caracteriza pela tradução concreta destas palavras em actos. Assim, o discurso do Nyusi insistiu muito na luta contra a corrupção (defendendo uma tolerância zero à corrupção), e exortou os seus camaradas da Frelimo a serem exemplares e vigilantes, isto na continuidade das suas recentes intervenções em vários fóruns. No entanto, Nyusi já teve ocasiões de mostrar ao povo moçambicano que não há aquela tolerância zero contra a corrupção. Nem falamos aqui da perpetuação de amizades ocultas e da confusão entre as áreas políticas e financeiras: isto já é problemático em si. Mas só basta observar como agem os próprios membros do governo frente a casos de clientelismo ou corrupção. Por exemplo, o laxismo com o qual a ministra da Administração estatal e da Função pública comentou, em Junho de 2016, o caso de desvios de fundos do presidente do município de Lichinga; ou, outro exemplo, os votos da maioria frelimista no Parlamento, para impedir várias vezes uma pesquisa sobre o caso Ematum. Este tipo de decisões ilustra que a gestão do bem comum ainda não se faz de maneira transparente.
Também o Nyusi concentrou-se muito, no seu discurso, na temática da independência económica. Aqui, mesma coisa: será que o governo está desenvolvendo um estratégia económica que tem como alvo acabar com a dependência estrangeira? Será que há uma vontade exprimir de des-programar a ajuda pública externa e de a substituir por fundos públicos ou privados moçambicanos? Será que Moçambique tenta criar uma industria nacional ou uma agricultura de qualidade para limitar as importações? Será que Moçambique tem uma estratégia financeira pan-africana ou nacional que permitirá deixar a ajuda do FMI? Será que o governo está planificando as políticas públicas de tal maneira que haja uma transferência de competências ou de tecnologias em Moçambique, para acabar com a presencia de grandes empresas estrangeiras na exploração dos recursos naturais (carvão, gás, florestas, etc.)? Não. Não, estas lindas palavras que inscrevem-se na continuidade dos discursos de emancipação dos líderes das independências africanas não se verificam na realidade. Em Moçambique, não há atualmente uma reflexão sobre a orientação econômica nacional e o bom uso do dinheiro público. Não há, desde que a Frelimo deixou de lado as suas ideias marxistas, uma reflexão relativa à repartição das riquezas, nem à relevância dos processos que hoje em dia criam estas mesmas riquezas.
E no entanto, já não se pode desculpar a ação do governo com uma hipotética obstrução dos próximos do antigo presidente Guebuza. Desde 2015, aquela já não dirige o partido Frelimo, e naquele Congresso de Setembro de 2017, o chefe do Estado, longe de todas as expectativas e especulações, fez indicar para ocupar os cargos de Secretário-geral da Frelimo e Secretário do Comité de Verificação os senhores Roque Silva e Raimundo Diomba como candidatos únicos. Os dois foram então eleitos ou confirmados por aclamação ou consenso, o que deixa a liderança do partido no poder sob controlo dos próximos de Nyusi. Com mãos livres, aquele já não tem nenhuma desculpa para realizar a política que ele quer (e que o seu padrinho político, Alberto Joaquim Chipande, quer).
Uma gestão da economia e dos recursos que confirma as fraquezas governamentais
A actualidade dos últimos meses confirma a continuidade de práticas observada entre as presidências Guebuza e Nyusi, e em termos de gestão económica em primeiro lugar. Em 21 de Agosto passado, o governo moçambicano anunciou, por intermédio do Ministro da Economia e das Finanças, Adriano Maleiane, que era criado um Fundo soberano financiado através das receitas fiscais provenientes da exploração dos recursos naturais, oficialmente para financiar projectos virados para o desenvolvimento, mas que, mal gerida, pode tornar-se uma ferramenta terrível para desviar e « comer » o dinheiro do gás de Rovuma. De fato, a administração moçambicana não tem as capacidades, hoje em dias, de gerir de maneira justa e transparente o dinheiro proveniente da exploração dos recursos naturais. Devido a cultura de corrupção existente no país, a desconfiança é total, pois que nem outros fundos deste tipo criados no passado, poderá financiar os projetos dos camaradas (como o Instituto Nacional de Segurança Social) e empresas fantasmas ligadas ao poder (como foi o caso com Ematum, ProIndicus, MAM...). Casos ilustrativos do problema endémico da corrupção e do clientelismo em Moçambique, que já descrevemos num artigo de Setembro de 2015: Moçambique: a hegemonia da Frelimo, um freio à redistribuição das riquezas. Por informação, o governo moçambicano captou recentemente uma receita de 350 milhões de dólares como resultado da venda de 37% de acções da multinacional italiana ENI à americana Exxon Mobil, e homologou os termos e condições do acordo complementar ao contrato de concessão para a pesquisa e produção de petróleo numa das áreas da Bacia do Rovuma. Outro exemplo, os cofres do governo distrital de Montepuez, em Cabo Delgado, receberam 6.128,7 mil meticais, ou seja 2,75% das receitas decorrentes da extração de rubi pela Montepuez Ruby Mining. Os valores em causa no setor do gás ou naquele das minas são consideráveis, e em proporção, o desafio democrático deve ser assumido pelo executivo numa total transparência. Ou seja, as perguntas têm que ter respostas: qual parte dos lucros privados vão para os impostos, onde vai o dinheiro, será que as comunidades locais realmente aproveitam da exploração dos recursos, será que as indemnizações financeiras (quando elas existem) permitem compensar os danos sobre o meio ambiente e as estruturas sociais existentes, etc.? Estas questões supõe também um debate sobre a soberania do país. Quando se vê que Moçambique ficara com apenas 2% do total do gás do Rovuma, 98% sendo a favor dos investidores, tal facto sendo justificado pelos elevados custos que multinacionais assumiram na prospecção do alto mar, há como ter dúvidas sobre a capacidade deste governo a defender razoavelmente os interesses da nação moçambicana.
A permanência dum projeto louco como o Pro-Savana ilustra bem a continuidade das lógicas políticas entre um presidente e um outro. Em 28 de Julho passado, realizou-se em Lichinga, na província de Niassa, um debate público sobre aquele mega-projeto de empreendimento de agricultura mecanizada, implementado a partir de um acordo de cooperação trilateral entre os governos do Brasil, do Japão e de Moçambique; pretende reforçar os agricultores e camponeses não só locais como também de outras regiões do país, mas é muito contestado por expulsar milhares de pessoas e destruir o meio ambiente e as práticas agrícolas tradicionais. Tal como aquele dia de Julho, a sociedade civil debate dos procedimentos de ocupação de terra, do desrespeito pelo direito costumeiro de ocupação das populações nela residentes, detentoras dos espaços, mas o poder político fica surdo a essas chamadas. Em vários projetos, os procedimentos de expulsão/reinstalação são confrontados aos ditames da Lei de Terras, no entanto o direito é mal aplicado, é submetido a casos de corrupção graves que permitam a exploradores moçambicanos ou estrangeiros de agir livremente no território moçambicano, ao custo das comunidades. Como já o vimos mais em detalhes em um artigo de Agosto de 2015 (Agricultura intensiva: quem são as vítimas colaterais do « progresso »?), esta realidade é sistemática, e o Pro-Savana só é o caso mais ilustrativo e mais pesado desta realidade.
A gestão da economia não deixe de ser catastrófica. Em Agosto passado, o Centro de Integridade Pública (CIP) denunciou, num documento chamado O Governo continua a contrair empréstimos sem nenhuma transparência, empréstimos em 2015 e 2016 do governo sem o conhecimento do Parlamento como estipula a lei do país, confirmando a opacidade nestes assuntos: no EximBank da China no valor de 4,4 mil milhões de meticais (cerca de 65 milhões de dólares) a favor da Administração Nacional de Estradas (ANE), e de 3,1 mil milhões de meticais (47 milhões de dólares) para o Porto de Pesca da Beira. Como pode depois o presidente Nyusi reclamar aos seus camaradas mais rigor contra a corrupção, quando o seu próprio governo não age com transparência, e perpetua práticas herdadas do seu antecessor no cargo de chefe do Estado? O CIP denuncia uma forma de práticas « que impede análises com qualidade e fidelidade necessárias sobre as contas públicas ». Também o Centro revela que na Conta Geral do Estado figuram 220,6 mil milhões de meticais de despesas (3,6 mil milhões de dólares) e no Relatório de Execução Orçamental (REO) estão 209,9 mil milhões de meticais de despesas (3,3 mil milhões de dólares), discrepância que « traduz um aumento de 8,6% nas despesas a nível central na CGE de 2016 comparado com o REO 2016 ». « A categoria que mais influenciou este aumento foi a de Operações Financeiras Activas, em especial Empréstimos de Retrocessão », adianta o documento do CIP, que reitera que « os escândalos sobre as "dívidas ocultas" não serviram de travão contra más práticas na gestão de finanças públicas ». Tà assim tudo resumido em umas palavras. Presidente dum Estado corrupto e ao serviço dos seus próprios interesses e dos interesses de uma classe sentada nas riquezas naturais do país, esta era a imagem do Guebuza; agora, também é do Nyusi, apesar das suas palavras, pois os seus atos (ou a ausência de atos) exprimam mais do que as suas palavras.
Uma violência política que permanece, uma violência social que cresce
Em outros assuntos também a continuidade é plena e inteira: só no mês de Agosto passado, as violências policiais (com uso de balas reais) contra supostos criminosos em Matola ilustram as métodos drásticas desenvolvidas pelas autoridades públicas, como também a subida grave da insegurança no Grande Maputo. Só com a Renamo as coisas parecem melhorar, apesar de não haver ainda nenhuma solução política à questão da descentralização provincial. A actualidade dos últimos meses favoreceu uma acalmia entre a Frelimo e a Renamo, com a visita do presidente Nyusi em 6 de Agosto passado na serra do Gorongosa, em Sofala, para encontrar Afonso Dhlakama e o assegurar que a sua integridade já não seria ameaçada, e para dar uma nova dinâmica às negociações. O líder da oposição declarou-se então confiante, e aproveitou por exigir de novo a eleição direta do presidente provincial, em vez da sua nomeação pela Assembleia provincial (uma opção que o governo não exclui). No entanto, esta situação (temporária) é mais o resultado de cálculos políticos da Frelimo e da Renamo, que querem assegurar-se bases sólidas para preparar as próximas eleições autárquicas, mais do que restabelecer a paz e a democracia no país. Como o escreveu muito bem o bloguista Dércio Tsandzana num artigo (« Moçambique: Paz para valer, ou paz para eleitor ver? ») publicado em 8 de Setembro de 2017 no web-jornal África Monitor, « na comunicação social moçambicana, vezes sem conta temos visto entrevistas e declarações de ambos os dirigentes máximos a prometerem que o processo de diálogo está a desenrolar-se com vista ao alcance de um "acordo de paz" antes do final do presente ano ».
O jovem bloguista, atualmente em Maestrado de Ciência Política no Instituto de Estudos Políticos (IEP) de Bordeaux, em França, lembrava-se também: « Ainda está bem viva na memória o dia 5 de Setembro de 2014, uma data em que o antigo presidente da República, Armando Guebuza, e o presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, assinavam na cidade de Maputo um "acordo de paz" para colocar fim às hostilidades militares. Naquele ano, realizavam-se eleições e era imperioso que a Renamo fosse às eleições, depois de ter falhado tal propósito no ano anterior (2013), durante as eleições autárquicas que contaram com a Frelimo e o MDM [...]. Ao mesmo tempo, Armando Guebuza terminava o seu mandato presidencial e queria deixar um legado positivo. O acordo [...] foi alcançado no ritmo das eleições, sem consistência de que a sua durabilidade seria mantida após o 15 de Outubro do mesmo ano. Aliás, foi o que se viu. » E no mesmo artigo de Setembro de 2017, ele acrescenta, realista ao ver a História repetir-se: « Tudo deixa transparecer que o exemplo de 2014 não serviu em nada para alertar sobre os caminhos para a construção de uma paz duradoura no país. Os dois dirigentes estão ávidos por um acordo que possa se resumir em mais uma "assinatura" e permita o desenho das próximas eleições gerais tocante à questão da descentralização. [...] Torna-se claro que tanto Filipe Nyusi, assim como Afonso Dhlakama, estão numa verdadeira maratona de (re)capitalização das suas imagens políticas por forma a trazer ganhos para os seus partidos e para si mesmos, antes dos dois grandes momentos eleitorais que o país vai conhecer em breve. » Por isso, a violência pode recomeçar logo que a acalmia não é no interesse de um dos dois partidos; e provavelmente será o caso, seja depois das autárquicas de 2018 ou depois das eleições gerais de 2019, quando a Renamo ficará impaciente frente ao lentor do governo para adoptar a reforma da descentralização.
Aliás, Dhlakama declarou-se, a seguir a visita do chefe do Estado, hostil à opção do « desarmamento », explicando que « esta palavra não é aplicável »: segundo ele, a ação dos homens da Renamo foi-se « legitimamente » e o que deve ser feito é a inclusão das forças renamistas na polícia e no exército. Em Moçambique, a paz é muito frágil, pois ela depende de atores irresponsáveis e dedicados aos seus próprios interesses.
Caso pouco ordinário em Moçambique, o país sofreu este ano de um ataque cuja origem ainda deixa duvidosas as autoridades. Em 5 de Outubro passado, no distrito de Mocímboa da Praia, em Cabo Delgado, observou-se um ataque de cerca de 30 homens armados sobre três unidades de polícia; o grupo apoderou-se de mil munições e um número não especificado de armas de fogo, e nos dias a seguir, novos casos de violências foram notados no distrito de Palma, situado na mesma província. Logo apareceu que não se podia identificar a verdadeira identidade dos homens armados, nem os motivos do ataque, embora apareceu rapidamente nos jornais nacionais e estrangeiros a atribuição do acto aos Shebabes, um grupo terrorista e fundamentalista islâmico que actua primordialmente no sul da Somália, e também um pouco no Quénia; aguardando a confirmação desta informação, parece que já havia indícios da existência desta organização, afiliada à Al-Qaeda, em Moçambique. Portanto, no dia 20 de Junho de 2017, Rádio Moçambique noticiou, citando fontes da polícia, a detenção de três indivíduos moçambicanos acusados de pertencerem a um grupo de muçulmanos que, alegadamente, promove a desinformação sobre várias questões sociais, apelando a população ao desrespeito às autoridades, a não aderência às escolas, e ao uso de objectos contundentes de auto-proteção como facas e outros instrumentos, na província de Cabo Delgado; esta parece que era a segunda detenção de supostos cabecilhas da seita religiosa dos Shebabes, a primeira tendo ocorrida em Maio no distrito de Quissanga, na mesma província.
Pareceu rapidamente que há coincidência de nome ou seja, o grupo responsável por os ataques de Outubro auto-denominam-se Al-Shebab, querendo seguir os passos dos verdadeiros Shebabes da Somália, mas ainda não é diretamente ligado a eles. Informações vindo do terreno indicam que se trata dum grupo local, treinado e equipado para actos de sabotagem e banditismo. Seja o que fora, ele demostra uma vontade clara e (por enquanto) gratuita de enfrentar o Estado de direito, a ordem, a segurança e a legitimidade das autoridades moçambicanas.
É importante Moçambique afastar-se de qualquer manipulação identitária ligado à religião. É uma chance para este país estar longe destes assuntos, apesar do seu multi-confessionalismo, e logo que assuntos políticos estão associados a questões religiosas, o risco é acontecer confrontos como já o vimos em outros países onde as pessoas viviam em paz, e onde as coisas ultrapassarem todos os protagonistas logo que acontecerem violências. Para reflectir sobre um exemplo em África central, onde uma situação de paz e de tranquilidade inter-religiosa virou ao drame: O conflito em Centráfrica, ou a crônica de uma manipulação identitária. Do lado das autoridades moçambicanas, é preciso prever este tipo de situação e antecipar qualquer penetração ou ação de uma grupo armado (estrangeiro ou não) no território nacional, e observar os discursos potenciais de ódio que poderiam ser produzido em tal ou tal lugar e conduzir a uma manipulação do povo. Os acontecimentos do dia 5 de Outubro podem ilustrar o desinteresse ou a fragilidade dos órgãos de segurança em lutar contra o fenômeno, o antecipar e melhorar os seus serviços. Pois alguns entrevistados (pela o canal STV) diziam que a população local já vinha expondo às autoridades a existência dum grupo supostamente denominado Al-Shebab mas que estas não davam ouvidos a população. Ilustram também a inexperiência do país frente ao terrorismo islâmico, e a inexistência de órgãos especializados em anti-terrorismo.
Se aquele ataque em Cabo Delgado não foi seguido de outros atos de violência similares (desde Outubro), uma outra seqüência, desta vez política, teve e terá conseqüências mais pesadas no futuro de Moçambique, e sobretudo nas próximos eleições autárquicas, cujas problemáticas criam tensões grandes no país. Ao sair duma página de violências com a Renamo, é desta vez ao torno do MDM de estar envolvido numa situação, ao seu custo próprio. Em 4 de Outubro passado, o presidente do Município de Nampula, Mahamudo Amurane, com idade de 44 anos, membro importante do partido MDM contra o qual ele tinha recentemente exprimido muitas críticas (e criado polémicas com o presidente do partido, o edil de Beira Daviz Simango), foi assassinado por bala. Provavelmente por acaso, a morte daquele que era carinhosamente apelidado por « presidente dos Macuas » coincidiu no dia em que o país comemorava 25 anos de acordo de paz entre o regime frelimista e a Renamo (era em 1992 em Roma), o que ilustra a que ponto o país, apesar do fim da guerra civil, não acabou com os seus problemas de violência política. Duma tensão que veia à tona desde o mês de Agosto de 2017, culminou com a morte do jovem edil de Nampula, no entanto não há prova de ligação direta entre as tensões internas ao MDM e este assassinato; aliás, a cidade de Nampula constitui apetite doutras frentes políticas, seja a Frelimo ou a Renamo, pois os dois pretendem conquistar a autarquia... E de fato, o partido de Simango está em péssima posição para as próximas eleições. Na confusão deste crime, e antes do enterro em 7 de Outubro, a sede do MDM na província de Gaza foi vandalizada (em 6 de Outubro) num ataque cujos autores, claro, não foram identificados.
Um mês depois, o edil interino de Nampula, Manuel Tovoca, ficou no centro de uma confusão violenta. Em 4 de Novembro, indivíduos armados da Polícia municipal entraram na casa dele e, sem o achar, ameaçaram o seu guarda. O edil ficou escondido, dizendo estar a ser vítima de uma cabala devida a aproximação do período das eleições intercalares; contudo, ele assegurava então que não seria candidato à presidência do Município. Ele ficou finalmente preso sob acusação de estar em possessão de uma arma de forma ilegal. Um pretexto absurdo, quando se lembra que o governo está atualmente em negociações com a Renamo, que nunca foi desarmada desde 1992. As lutas internas ao MDM não relevem do balanço da presidência Nyusi, no entanto as diferenças de tratamento dos indivíduos pelas autoridades públicas obrigam-nos a duvidar da sinceridade da justiça moçambicana, da qual o chefe do Estado é suposto ser garante.
E por enquanto, o caso Amurane não está resolvido, e é preciso das autoridades administrativas como as de justiça esclarecer deste crime, o risco sendo de o ver cair no descuido como foi o caso de tantas figuras barbaramente assassinadas, incluindo neste mandato de Nyusi: o advogado e constitucionalista franco-moçambicano Gilles Cistac, em 3 de Março de 2015, baleado em Maputo; José Manuel, membro do Conselho Nacional de Defesa e Segurança indicado pela Renamo, vítima dum assassinato por baleamento na cidade de Beira em 9 de Abril de 2016; o corpo do ex-deputado renamista Manuel Francisco Lole, que tinha sido raptado em 12 de Julho de 2016 na cidade de Chimoio, foi descoberto sem vida na província de Sofala dois dias depois; em 11 de Abril de 2016, o procurador da República Marcelino Vilanculo, que estava pesquisando sobre casos de raptos (tal como o juiz Dinis Silica, matado por baleamento em 2014 no final do mandato Guebuza), foi assassinado com vários tiros em frente à sua casa, em Matola. A lista nem é completa e deixa a pensar que Moçambique virou realmente inseguro em termos de liberdade de expressão, de pluralismo político e de investigação. O aumento da violência política, é este também o balanço de Nyusi.
Problema com o Nyusi é a distância entre as palavras e os atos. Por lembrança, logo depois da sua eleição, em 2015, as visitas de duas escolas primárias, uma em Maputo em Março, e outro na província de Gaza, em Abril, tinham sido emblemáticas da estratégia política do Nyusi, mas também das suas fraquezas governamentais: oportunidades de ouvir as queixas dos professores, elas resumiram-se a final a boas operações de comunicação, pois não se traduziram numa priorização no setor da Educação. Embora o orçamento da Educação tem aumentado aquele ano, e representou 22,8% das despesas públicas em 2015, o Centro de Integridade Pública (CIP), uma organização independente, reprovou o Orçamento do Estado 2015, denunciando a prioridade dada ao setor da Defesa. E foi assim em todos os assuntos: muita comunicação, e nenhuma ruptura com a presidência Guebuza. Coisas como a visita do presidente em 25 de Novembre passado numa escola da cidade de Tete, para lançar o Programa de Produção e Distribuição de Carteiras Escolares, com objetivo de « tirar as crianças do chão » (comentou o chefe do Estado), são elementos positivos a notar, mas não deixam de ser dominadas pela comunicação governamental, pela propaganda, e sobretudo, não permitam esconder as carências do Estado.
Fato raro em Moçambique, em 2 de Outubro de 2017, professores das principais escolas secundárias da província de Gaza fizeram greve, devido ao não pagamento de horas extras, segundo o Diário de Moçambique: a situação, segundo os grevistas, se registrava desde 2016, tendo atingindo o extremo naquele ano eletivo. « Exigimos o valor das nossas horas extras e factor 1,5 referentes ao mês de Setembro de [2016] e outros valores relativos aos meses de Janeiro até Maio de 2017 », dizia então um professor, na condição de anonimato. « À salas só regressaremos depois de uma luz verde nas nossas contas bancárias », dizia um outro. Num país onde não há uma forte cultura da greve, observou-se naquela altura, só na cidade de Xai-Xai, cerca de 500 professores em greve, todos das escolas secundárias e técnico-profissionais; os grevistas exigiram que as negociações com as autoridades se fizessem com a presença da imprensa, alegando que o assunto para o debate « é do interesse público ».
Nem se trata de investimentos para o setor educativo. Estamos a falar de salários, de horas em extras. É esta a situação do setor que deve assegurar o desenvolvimento de Moçambique. O presidente Nyusi talvez está conseguindo acalmar as coisas no plano da segurança, será que ele pode aproveitar desta ocasião para reduzir as despesas militares e aumentar as da Educação e da Saúde? As prioridades em termos de investimentos também são relevantes nas palavras mas não nos atos. Num mundo ideal, poderíamos dizer que o povo moçambicano será em capacidade, em 2019, de sancionar os seus dirigentes se acha que o balanço do mandato Nyusi foi negativo. Infelizmente, a situação política de Moçambique não assegura uma democracia representativa real, e ainda menos a possibilidade duma alternância credível e legítima. E isto também faz parte do balanço da presidência Nyusi.