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O acendedor de lampiões

Será que as máscaras brancas na pele negra podem cair?

2 Juillet 2025 , Rédigé par Jorge Brites Publié dans #Economia, #Identidade, #África

Pintura de rua em São Filipe, na Ilha do Fogo, em Cabo-Verde.

Pintura de rua em São Filipe, na Ilha do Fogo, em Cabo-Verde.

Numa entrevista à televisão em 2004, o antropólogo e autor de Tristes trópicos (1955) Claude Lévi-Strauss exprimiu-se assim sobre o que ele entendia como um apobrecimento da diversidade cultural das sociedades humanas: « Parece que a diversidade das culturas foi uma maneira bem particular para a humanidade de desenvolver-se e de manter-se, e que nessa espécie de monocultura universal em direção da qual nos dirigemos – se é que não o atingimos já –, eu não mais me reconheço muito bem. Mas isso não tem importância, eu pertenço a um outro século, a uma outra geração. O que eu constata, são as devastações atuais. É o desaparecimento apavorante das espécies vivas, sejam elas vegetais ou animais. E pelo próprio fato da sua densidade atual, a espécie humana vive sob uma forma de regime de envenenamento interno, se posso dizer-lhe assim. Eu penso no presente, e no mundo no qual estou acabando a minha existência. Não é um mundo que eu amo. »

Independentemente do que podemos pensar do personagem, da sua obra ou das opiniões que ele pode ter exprimido na vida dele, este testemunha, feito cinco anos antes do seu falecimento, descreve um mundo que podemos unanimamente qualificar de « transitório ». Pois em muitos termos, aparece que assistimos a uma transição global, a qual complica qualquer projeção certa sobre o futuro da humanidade. Transição política, pois assistimos a uma restructuration das relações internacionais desde o fim da Guerra fria em 1989, caracterizada notavelmente, após uma breve (mas quase incontestada) supremacia norte-americana, pelo retorno da multipolaridade, tal como por uma multiplicação das áreas de conflitos assimétricos e de instabilidade estatal pelo mundo. Transição económica, com uma revolução tecnológica e um crescimento global das desigualdades de riquezas na maioria das regiões du mundo, no contexto de uma globalização dos câmbios, de uma rarefação dos recursos naturais e de uma multiplicação das crises financeiras. Transição demográfica, com novos equilíbrios em perspetiva nas próximas décadas. Transição ambiental, claro, com um aquecimento climático e um colapso da biodiversidade que não bastam no entanto a questionar a atividade humana e o modelo económico dominante. A crise ligada à epidemia de COVID-19 em 2020 acrescentou ainda incertez, e pode-se entender que, em tal contexto, desde décadas, as tensões identitárias simplesmente multiplicaram-se e fortaleceram-se. Pois no coração desta era transitória, assiste-se, como o dizia Lévi-Strauss, a uma incontestável homogeneização cultural pelo mundo; excepto que longe de concentrar-se numa espiritualidade partilhada ou numa viséao mais respeitosa da natureza e da vida, constata-se que esta homogeneização cultural constroi-se para o essencial a cerca de práticas partilhadas de consumo. O « cidadão do mundo » é primeiramente um consumidor de bens e serviços fornecidos por empresas multinacionais vindas de todos os lugares do planeta. É um indivíduo conetado, que usa um smartphone e anda nas redes sociais diariamente, exposto a influências similares às do seu homólogo morrendo do outro lado do planeta.

Pelos continentes todos, classes médias acedem a um nível de sobre-consumo estimulado pelo marketing e pela publicidade, pelos créditos ao consumo, ou ainda pela obsolescência programada. Os produtos das principais indústrias culturais, agora divulgados maciçamente na Internet, permitem ver o nível de vida e os hábitos de consumo que praticam-se a milhares de quilômetros da sua casa, num estrangeiro muitas vezes idealizado, participando a construir um ideal de vida baseado essencialmente sobre esses mesmos hábitos de consumo – mesmo se eles têm um custo, nem sempre pagado pelo consumidor: a exploração de trabalhadores, da natureza, etc.

Consumo animal vindo de gados intensivos, uso diário de carros poluantes, de computadores e de smartphones individuais, compras superficiais e gastos diversos, omnipresença das telas animadas no espaço público, prioridade dada ao plástico, aos combustíveis fósseis e aos metais raros... As práticas de consumo que estruturam a homogeneização cultural em curso, se elas dão a ilusão de ter acabado com a escassez e as carências regulares que afetavam até então as sociedades humanas agrícolas, revelam-se destruidores a várias níveis. Elas devem então não só questionadas, mas combatidas. Elas são destruidores porque elas desviam sociedades inteiras de sistemas de valores que tinham no entanto tomado séculos para construir-se, geralmente não sem lógica. Porque elas contribuem ao desaparecimento de modos de vida alternativos, de sistemas de solidariedade e de economias de subsistância, que mantinham-se fora do mercado, e justificam a sobre-exploração da natureza para satisfazer as necessidades dos consumidores.

Sobretudo, elas são destruidores porque elas estimulam em cada um a ilusão de uma felicidade construida no conforto material, com base de uma mentira: a ideia que cada ser humano pode aceder a essas práticas de consumo, e acabará naturalmente para o fazer. Este postulado negligencia um parâmetro no entanto incontornável, que nos ensina notavelmente o pensamento ecofeministo que surgiu desde a década de 1970: o sistema capitalista e consumerista necessita uma exploração das « margens » pelos « centros » para manter o nível de vida destes últimos. Trata-se da exploração diária das periferias empobrecidas pelos centros urbanos, do rural pelo urbano, dos países não ocidentais pelos países ocidentais, das mulheres pelos homens, das pessoas racializadas pelas pessoas não racializadas, da natureza pelo ser humano. A perspetiva de uma elevação universal da humanidade a um bem estar material conformo às sociedades industriais e consumeristas tal como o Ocidento as construiu, é uma catástrofe para o planeta e para a vida, mas ela é sobretudo uma fantasia. Uma fantasia baseada numa leitura linear da História, segundo a qual as sociedades humanas seguem uma direção comum. A teoria do economista norte-americano Walt Whitman Rostow (1913-2003) sobre o crescimento económico ilustra bem a ideia de um caminho « natural » das sociedades humanas. Rostow estabeleceu cinco passos sucessivos do crescimento: 1. a sociedade traditional, 2. as condições prévias ao lançamento, 3. o lançamento (take-off), 4. a fase de maturidade, 5. a era de consumo de maciça.

Nesta leitura determinista, o Ocidento mostrou claramento o caminho. E o resto do mundo procura recuperar o seu « atraso » por uma adesão aos princípios inteletuais que governam a sociedade capitalista: a via do desenvolvimento, este caminho natural para o progresso. O que alguns chamam a teoria da modernização, ou evolucionista (pois ela inspira-se de uma interpretação social do darwinismo).

Pintura de rua em Djerba, na Tunísia.

Desconstruir a ideia segundo a qual o futuro da África seria de imitar o passado do Ocidento

O continente africano, desde o tráfico de escravos até as políticas contemporâneas de ajuda ao desenvolvimento, passando pela colonização, constitui um caso útil à crítica do mito do progresso e da teoria da modernização – que o imaginário coletivo gradualmente assimilou, na Europa e depois pelo mundo, à instauração de uma sociedade capitalista e consumerista e à adopção de códigos culturais estritamente ocidentais (que querem-se universais). A vitória de uma leitura eurocentrada das noções de « progresso » e de « desenvolvimento » alimentou há muito tempo uma viséao racista da humanidade e das relações entre nações. Esta visão, não só cria as condições de uma persistência de relações desequilibradas entre Norte e Sul; mas ela envenena as relações sociais nas próprias sociedades ocidentais, entre euro e afro-descendentes.

Assiste-se há muito tempo, sob pretexto de racionalismo e de luta contra a pobreza, a uma manipulação inteletual que alimenta preconceitos negativos sobre as sociedades não ocidentais. Esta manipulação base-se numa semântica falsamente neutra, que substituiu a dicotomia « países colonizadores » ou « imperialistas »/« países colonizados » por « países desenvolvidos »/« países em desenvolvimento ». Falar de « países desenvolvidos » e « sub-desenvolvidos », de « sub-desenvolvimento », de « países os menos avançados » ou ainda de « novos países industrializados » com base critérios quantitativos e supostamente universais e neutros, induz colocar no mesmo plano sociedades com percursos e construções diversos. Isto permito acentuar a ideia de um « atraso » a recuperar, sem explicar as diferenças económicas ou sociais por relações de poder ou de dominação. Isto permite despolitizar as questões ocultando o assunto da repartição das riquezas, da sustentabilidade do modelo promovido, e tornando inútil o princípio de luta para a libertação. Pois nos choquamos sempre da pobreza dos países « sub-desenvolvidos », mas raramente da riqueza dos países industrializados; esta riqueza é apresentada como o horizonte que deve querer atingir cada nação, naturalmente, embora ela seria excessiva e seria baseada na alienação dos indivíduos, na exploração dos recursos e a imposição de uma forma de tutela de milhares e milhões de trabalhadores. Gilbert Rist, ensinante suíço ao IHEID em Genève, na Suíça, explica na sua obra O desenvolvimento. História de uma crença ocidental (2013) : « A nova dicotomia "desenvolvidos"/"sub-desenvolvidos" propõe uma relação diferente, conformo à nova Declaração universal dos direitos humanos e à gradual globalização do sistema estatal. À antiga relação hierarquica das colónias submetidas à sua metrópole substitui-se um mundo no qual todos (os Estados) são iguais en direitos embora não o são (ainda) de fato. O colonizado e o colonizador pertencem a universos não só diferentes mas ainda opostos [...]. Enquanto o "sub-desenvolvido" e o "desenvolvido" são da mesma familha; embora o primeiro é um pouco atrasado em relação ao segundo, ele pode ter uma esperança de recuperar a diferença, tal como o "sub"-chefe que pode sempre sonhar tornar-se chefe também... a condição de jogar o mesmo jogo e de não ter uma visão diferente demais da chefia. »

Além disso, este vocabulário do desenvolvimento, supostamente neutro e objetivo e que substituiu o da « missão civilizadora » após a Segunda Guerra mundial, quer dizer comparar matematicamente sociedades sem explicar com parâmetros não económicos as diferenças fundamentais que existem entre elas sobre quase todas as áreas: organização social, estruturas familiares, fatores de produção, estrutura da economia, relação ao progresso técnico, finanças públicas, cultura do Estado-providência, papel do comércio exterior, relação à mobilidade e à terra, despesas das famílias, estrutura da poupança e capacidades de investimento, relação à natalidade e ao crescimento demográfico, etc. Como o lembrava muito bem Gilbert Rist, « raro são de fato os economistas que […] têm verdadeiramente consciência dos limites que impõe à "ciências" deles a sua origem ocidental ». Contudo, o problema está ai: como explicar de uma outra maneira as diferenças de « níveis », as diferenças de práticas entre sociedades « desenvolvidas » e « sub-desenvolvidas », se não for por uma apreciação de valor sobre estas mesmas sociedades? Seria errado pensar que a nossa época tornaria caduca a dimensão racista da teoria da modernização. É apenas que ela não base-se mais em argumentos biológicos, mas em argumentos culturais. No meio da ajuda pública ao desenvolvimento, fala-se de « boas práticas », de « mudanças das mentalidades », de « sensibilização » e de « conscientização ». A politóloga francesa Françoise Vergès, originária de La Réunion, lembrava muito bem em Novembro de 2018, no programa francófono « Ghaz'Elles », canal YouTube AlohaNews, que « [após] a Segunda Guerra mundial, [houve] uma condenação universal do racismo biológico. […] E portanto, inventa-se um racismo sem raça. Não mais necessidade da noção biológica. É a cultura dos outros que vai servir de base ao racismo. Esta cultura que não seria assimilável, que os colocaria fora da civilização. »

O Ocidento viu esta visão evolucionista, vestida de racionalismo, desenvolver-se desde o Renascimento no século XVI e o surgimento do pensamento racionalista moderno ao longo dos séculos seguintes (às vezes é datada, filosóficamente, da época de Aristote na Antiguidade, e o cristianismo tinha amplamente « preparado » o terreno, depois, pela sua pretenção universalista). Ela acelerou-se ainda a partir da Revolução industrial, e só aborda o progresso pelo canal da técnica e das ciências. É o progresso técnico que, permitindo o controlo e a exploração dos recursos (e portanto da natureza), estimula o crescimento económico e a expansão do comércio internacional, elementos indispensáveis a um crescimento global das riquezas que acabam com a escassez e às carências. Esta leitura consagra a prioridade do económico sobre todas as outras áreas da sociedade. E associando o progresso ao controlo do meio ambiente pela tecnologia, ela consagra também uma oposição de princípio entre, por um lado, sociedades humanas ou modos de vida que respeitariam a natureza, e por um outro as sociedades civilizadas que dominam a natureza. Para conduzir a sua missão civilizadora, o homem (o homem branco) deve portanto domar a natureza, e tudo o que está associado a ela (inclusivo os povos « selvagens » a colonizar).

Esta concepção do progresso humano permanece, hoje em dia, dominante entre os atores criadores de opinião no Ocidento (mídias mainstream, classe política, e a maioria das ONG, think tanks, organizações internacionais, etc.) a do pensamento dominante, fora dos limites óbvios impostos por um planeta aos recursos limitados. O ilustram, a sustentabilidade das instituições de cooperação internacional (que levam fortement e explicitamente esta concepção, e que vivem graças a ela), ou ainda a persistência de um discurso contabilista sobre a ajuda pública ao desenvolvimento – a qual deveria, é um objetivo internacional, atingir 0,7% do PIB dos países ditos desenvolvidos, mas sem questionar a sua legitimidade, a sua vocação real e a sua eficiência concreta para a edificação de sociedades mais favoráveis à felicidade e ao respeito da vida... no Sul, mas também no Norte. Pois o primado do modelo ocidental e do mito da « convergência » pelo desenvolvimento, é a expressão de uma pretenção do modelo ocidental à superioridade sobre os outros. E de forma estranho, esta pretenção (que não é nova) persiste enquanto a destrução da natureza e o aumento das desigualdades deveriam o destabilizar – em particular nos países « em via de desenvolvimento », aos quais tentamos fazer acreditar que o futuro é de seguir o caminho desenhado pelos países « desenvolvidos ». Na sua obra Pele negra, máscaras brancas (1952), o fundo do discurso do psicanalista e pensador Frantz Fanon (1925-1961) é claro: « Tão difícil que pode ser para nós esta constatação, nós somos obrigados a fazer-la: para o Negro, só há um destino. E ele é branco. »

Para entender os impactos desta visão evolucionista, convem entender o tamanho do choque e do colapso que constituirem a colonização, e depois o mito da convergência pelo desenvolvimento, para sociedades africanas que, contudo, constituíam alternativas em termos de imaginários e de concepção do mundo (Em África, como ultrapassar o choque da colonização e o mito da convergência pelo desenvolvimento? (1/2) A herança de uma empresa de desvalorização sistemática e interiorizada). A colonização europeia não pode ser analisada como um tempo político isolado; ela inscreve-se num processo mais ampla que começa com as grandes descobertas no século XV e com o tráfico transâtlantico, e que prolonga-se e acentua-se até os nossos dias com a globalização e os seus rostos institucionais (os acordos de livre comércio e as organizações de cooperação internacional). A alienação das mentes em favor de uma leitura eurocentrada do progresso construiu-se no tempo, e a violência da colonização não pode ser totalmente isolada da da escravatura, pois os dois encontram a sua justificação numa pretendida superioridade do homem branco sobre o homem negro. Aliás, só uma análisa dos impatos multidimencionais da escravatura e da colonização permite entender que um racismo e um desprezo de si tão profundos podem ter sido assimilados pelas próprias populações colonizados – além da simples fascinação que pode ter existido em relação às performências tecnológicas dos Ocidentais. « Se há complexo de inferioridade, nos diz Frantz Fanon, é após um duplo processo: económico primeiro; por interiorização ou, melhor, epidermização desta inferioridade, depois. »

Os processos coloniais e pós-coloniais contam muitas consequências políticas, económicas, socioculturais. Os conceitos políticos, sociais, económicos, religiosos, que impõem-se desde o final do século XIX pelo fato desses processos (violentes) constituirem um apobrecimento, ou até uma negação pura e simples da diversidade que carateriza o continente africano. No plano político, podemos mencionar o conceito de Estado-nação que impõe-se desde as independências como o horizonte identitário de países às fronteiras artificiais; a atualidade do continente africano lembra regularmente que é incompatível com esses conjuntos multiculturais respeitosos das suas componentes antigas. No plano social, podemos mencionar a questão do género, amplamente desviada a cerca do mito de uma libertação das mulheres indígenas pelos colonos europeus, e que esconde uma diversidade das concepções e das abordagens, nesta matéria, de uma região à outra no continente. Até o ponto em que a concepção heterónormativa do casal é vista hoje em dia como a única verdadeiramente « africana », o que alimenta a postura anticolonial dos defenderores do patriarcado em África (Em África, o mito de uma colonização « libertadora das mulheres », e a sua conseqüência: a vitória do patriarcado).

Finalmente, a visão simplista dos colonos que consideravam a África como um conjunto homogêneo e vazio de saberes (porque eles eram ignorantes destes mesmos saberes existantes, e porque esta ignorância alimentava o sentimento de superioridade), impôs-se para alimentar uma « identidade africana » fantasiada e privada da sua complexidade. No ensaio Afrotopia, o economista senegalese Felwine Sarr descreve com relevência este processo de negação da alteridade, da diferença, em nome de uma suposta objetividade científica e racional (a qual permite de fato impor códigos, um imaginário e grelhas de leitura ocidentais): « O colonialismo tendo definitivamente desacreditado a ideia de missão civilizadora, o desenvolvimento ergeu-se em norma indiscutível do progresso das sociedades humanas, inscrivendo a sua marcha numa perspetiva evolucionista, negando a diversidade das trajetórias, como a das modalidades de resposta aos desafios que impõem-se a elas. » Ele acrescente ainda: « O desenvolvimento é portanto uma tentativa de universalizar uma empresa que achou em Ocidento a sua orígem e o seu grau de realização o mais acabado. É primeiramente a expressão de um pensamento que racionalizou o mundo antes de possuir os meios de o transformar. Esta visão evolucionista e racionalisante da dinâmica social teve um sucesso tal que foi adoptada por quase a totalidade das nações recentemente descolonizadas. A proeza foi de tornar as sociedades ocidentais como referentes e de desqualificar todas as trajetórias e formas de organização sociais outras. Também, por uma espécie de teologia retro-ativa, qualquer sociedade diferente das sociedades euro-americanas tornava-se subdesenvolvida. A conversão da maioria das nações à paixão do desenvolvimento de tipo ocidental foi uma obra de negação da diferença. »

Em São Luís do Senegal.

Em São Luís do Senegal.

Exposição em Dakar, na Bienal das Artes de 2016.

O fracasso de uma « soberania africana » com a Europa para horizonte principal

Longe de ter constituido um « despertar à modernidade », a colonização como prelúdio à globalização significou um colapso parcial ou total para sociedades inteiras, sobre os fundamentos intrinsecamente racistas (às vezes cercados por boas atenções). Convem contester e desconstruir o postulado de uma direção da História, do caráter « natural » das leis económicas e do necessário desenvolvimento das forças produtivas, que impôs-se sem questionar fundamentalmente a subjetividade cultural do « desenvolvimento » (definido como uma ocidentalização das práticas e das grelhas de leitura), sem considerar outros modelos (por exemplo que não iria em direção de uma industrialização ecocidária ou de um objetivo dogmático de crescimento e de acumulação sem fim de bens e de serviços).

Igualmente, uma desconstrução do conceito de modernidade seria necessário – modernidade que as nossas sociedades assimilam sistematicamente ao progresso técnico, mesmo quando esse não traz nem felicidade, nem dignidade, nem contribuição às lutas de libertação. Primeiramente porque os elementos associados ao progresso, ou seja, as novas tecnologias, a estruturação da economia a cerca de um modelo capitalista e consumerista, a adopção de lógicas e de um vocabulário correspondando aos códigos ocidentais, negam a própria possibilidade de abordagens diferentes, que não consagram a prioridade do económico sobre todo o resto. Sobre isso, Felwine Sarr nos livre em Afrotopia uma análisa interessante: « As economias das sociedades tradicionais africanas eram caraterizadas pelo fato que a produção, a distribuição e a possessão dos bens eram regida por uma ética social que tinha como objetivo garantir a subsistância de tofos, graças a uma repartição dos recursos e ao direito de cada membro da comunidade de receber uma ajuda da sociedade inteira em caso de necessidade. A divisão do trabalho envolvando todas as forças vivas do grupo, assumia a função de integração de todos os indivíduos da sociedade, atribuindo-lhes um lugar funcional. Isto decorria de uma certa concepção do bem estar da coletividade e de uma economia ao serviço da comunidade. Esses sistemas económicos encontraram-se projetados e subvertidos pela economia capitalista principalmente virada no lucro do indivíduo e tendo esquecido as suas funções primeiras. »

Mas para aceitar a própria possibilidade de uma outra « concepção do bem estar da coletividade », é preciso uma humilidade e uma aceitação da divergência e da diferença que faltam crualmente à maioria das elites ocidentais. Alguns movimentos de reflexão, próximos da ecologia política, do anarquismo ou dos movimentos camponeses, trabalham há muito tempo a promover práticas em ruptura com o sistema económico dominante, fora das regras do mercado, orientados numa economia de subsistância, mas é preciso reconhecer que eles são muito marginais (se pensamos en termos de número de indivíduos).

O modelo dominante, sob pretexto de racionalismo, serve os interesses de uma minoria capitalista (em geral a través empresas trans ou multinacionais) que cumula as riquezas, destrói a vida e empobrece o humano na sua complexidade. Cada sociedade deve construir um caminho compatível com os seus sistemas de valor (que evoluem), e isso induz colocar a área económica num lugar segundário, ao benefício da subsistância para todas e todos.

Desconstruir a ideia de uma história linear da humanidade na qual os Ocidentais seriam lideranda o pelotão, é um exército pelo menos tão necessário às sociedades colonizadores como às sociedades colonizadas. Pois elas também devem iniciar um trabalho de descolonização do pensamento. Convem para isso levar um olhar crítico em relação a um modelo de sociedade que foi tanto associado à civilização e ao progresso que a sua exportação só podia significar a depreciação absoluta dos outros modelos existantes. Isso é verdade, mesmo quando os discursos querem-se positivos sobre a África, porque o são sempre considerando, ao longo prazo, a amarração do continente ao modelo dominante (e não a sua emancipação em direção a outra coisa). Mesmo no optimismo, permanecemos na negação do outro no momento presente. « Se o continente africano é o futuro e que ele será, nos explica assim Felwine Sarr em Afrotopia, mencionando o entusiasmo de alguns para as promessas de crescimento económico na África, essa retórica diz, no fundo, que ela não é, que a sua coincidência ao tempo presente é lacunar. Os termos de intensificação que lhe são dados, num tempo a vir, indicam a falta atual. O deslocamento da sua presença no futuro perpetua, na realidade, o julgamento mutilante de que é objeto. A milhões de pessoas, diz-se diariamente, de formas diversas, que a vida que eles têm não é apreciável. […] Os discursos atuais sobre a África são dominados por este duplo movimento: a fé num futuro radioso e a consternação diante dum presente que parece caótico. » Por trás do discurso supostamente valorizante sobre os países emergentes, que os vêem como « o futuro do mundo », eternas « terras de futuro » que têm vocação a converger e até ultrapassar o Ocidento (sempre numa visão estritamente linear da História), há ao mesmo tempo uma injunção aos países do Sul a continuar a busca do desenvolvimento (seguindo os passos dos países já « desenvolvidos »), e um desprezo do que eles são hoje.

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