Gestão política da crise do COVID-19: ser ou não ser mulher, esta não é a pergunta
Em 13 de Abril passado, a revista norte-americana Forbes publicou um artigo afirmando que os países que tinham gerido melhor a crise do COVID-19, como a Alemanha, a Islândia, Taiwan ou a Nova-Zelândia, partilhavam um ponto comum, ou seja, o fato de serem governados por uma mulher. A revista estabeleceu um laço de causalidade entre os dois fatos. Desde então, o artigo (e vários outros) circulam em Internet, validando o laço de causa e efeito entre o sexo dos dirigentes e a qualidade da sua gestão, argumentando sobre a sua eficiência, a sua reatividade, o seu sangue-frio ou ainda a sua transparência. E sobre a sua capacidade de empatia frente ao sentimento de medo partilhado pela população. Certamente, os países mencionados resistirem bastante bem à pandemia, mas a leitura que foi feita dessas situações, paradoxalmente (pois ela quer-se progressista, valorizando as qualidades dessas mulheres), tem como efeito de essencializar os indivíduos de forma malsã a cerca da sua identidade de género, e prejudica, finalmente, a causa feminista.
Isso não escapou a ninguém, a maioria dos países do planeta sofrem desde o início do ano de uma crise pandémica, após a aparição de um novo tipo de coronavírus na província de Wuhan, em China, no Outono de 2019, e a sua propagação rápida. O artigo de Forbes do 13 de Abril de 2020 destacou a boa gestão de sete países de Europa, de Ásia e de Oceânia, que conheciam um número de vítimas do COVID-19 relativamente baixo: o Dinamarca (com 260 mortos da doença na data do 12 de Abril), a Islândia (com 8 mortos), a Finlândia (49 mortos), a Alemanha (2 673 mortos), a Nova-Zelândia (4 mortos), a Noruega (98 mortos) e Taiwan (6 mortos). Números muito em baixo dos cenários que deixavam temer os balanços observados, na mesma altura, na Europa do Sul e no continente americano (ou ainda a China onde muitas dúvidas são feitas sobre a veracidade do balanço oficial de 4 633 mortos): em 12 de Abril, a Itália cumulava oficialmente mais de 20 000 mortos, a Espanha quase 17 000, a França mais de 14 000, o Reino-Unido mais de 10 000, ou seja, estatísticas muito mais importantes (tanto em valores absolutos e em proporção do seu peso demográfico respetivo).
Nos Estados-Unidos, não era tanto o balanço de 22 000 mortos, para uma população de 328 milhões de habitantes, mas sim a atitude e a negligência da administração Trump e a cobertura fraca de saúde dos Americanos que revelavam-se preocupante. Igual no Brasil, com 333 mortos naquela altura mas condições sociais e sanitárias inadaptadas ao tratamento de um grande número de doentes, e sobretudo um poder executivo incapaz de entender o nível dos riscos, à imagem do presidente Jair Bolsonaro que apertava alegremente as mãos em público. As imagens da cidade de Guayaquil, no Ecuador, mostrando corpos abandonados em plena rua e caixões improvisados por causa da forte mortalidade dada ao vírus, parecia um anúncio trágico do que podia acontecer em muitos países pelo mundo.
A identidade de género: um argumento falacioso
A análise da revista Forbes – e de muitas outras mídias desde então, como o site Internet PositivR em francês – parece basear-se na constatação simples de uma realidade, ou seja, a das reações e das estratégias políticas adoptadas em cada país, e dos balanços nacionais (em termos de contaminação e de mortalidade). Os países os mais virtuosos são dirigidos por mulheres, o que atestaria das qualidades da sua dirigente, da sua eficiência, como mulheres – e não outros títulos. Aliás, Forbes não era o primeiro a estabelecer esse laço de causalidade, pois um assunto semelhante já tinha sido publicado no site Internet Amina Mag pela colunista Charlotte Seck em 11 de Abril deste ano.
Embora um mínimo de procuras e de análise deveria bastar a constatar o caráter falacioso do laço de causalidade que foi feito. O artigo coloca em pé de igualdade países com situações incomparáveis, em vários pontos de vista, evocando uma Alemanha governada por Angela Merkel desde quase quinze anos, num país muito decentralizado, e a Finlândia, um país periférico da Espaço Schengen cuja Primeira ministra Sanna Marin só está em carga há quatro meses (na altura do 13 de Abril – e que não pode ser considerada como responsável do estado do sistema de saúde do seu país ao mesmo título que a chefe do governo alemão. A Islândia de Katrín Jakobsdóttir, a Nova-Zelândia de Jacinda Ardern, ou Taiwan com Tsai Ing-wen, esses três territórios sendo ilhas e beneficiando de um sistema de saúde e de alerte eficiente, é bem possível que a luta contra a propagação foi lá mais fácil do que em países continentais e com sistemas de saúde fragilizados por anos de austeridade orçamental como a Espanha e a Itália – tantos fatores muito longes do sexo dos seus dirigentes. Ainda mais porque um « bom balanço » não significa necessariamente uma « boa gestão »: obviamente, países geograficamente periféricos como a Finlândia ou a Islândia na Europa, ou o Nepal no sob-continento indiano, beneficiam de uma fraca exposição às pandemias, o que faz que, mesmo sem estratégia particular, o balanço podia ter ficado baixo. Aliás, é por parte o que pode explicar o relativamente bom balanço da Suécia também (464 mortos em 12 de Abril), embora o chefe do governo (um homem, Kiell Stefan Löfven) não escolheu impôr um confinamento total. Além disso, esses Estados localizados nas margens das áreas mais afetadas beneficiem da « cobertura » de países vizinhos « tampão » mais expostos; por exemplo, pode-se imaginar que se o vírus tinha-se difundido em massa na Alemanha, o balanço poderia ter sido muito mais elevado no Dinamarca ou no resto da Europa do Norte. Igual no Nepal ou no Butão, se o vírus tinha conhecido uma propagação muito maior na Índia.
As comparações aparecem ainda mais surpreendentes quand vemos que a mesma revista Forbes fez de novo o mesmo exército num novo artigo em 22 de Abril de 2020, acrescentando oito mulheres à lista, sem nenhuma reflexão ou recuo sobre o seu perfil, o seu papel concreto na gestão da crise ou no contexto político, social ou geográfico do seu país. Constata-se assim uma pessoa como Jeanine Añez, presidente interina na Bolívia desde o golpe de Estado militar contra o presidente Evo Morales em Novembro de 2019 após o qual ela fez votar um decreto que favoreceu a repressão policial e militar contra os manifestantes. Às vezes qualificada de « primeira mulher ditadora de América latina » (as presidentes da Finlândia ou da Islândia devem ter apreciado de partilhar a lista com ela), ela leva uma ideologia liberal e conservadora que desenha dias difíceis para o sistema de redistribuição (incluindo no que tem a ver com o acesso ao sistema de saúde) e para a solidariedade nacional em relação com as comunidades indígenas.
Acha-se também Carrie Lam, a chefe executivo de Hong Kong, cuja a posição pró-Pequim não deixa boas perspetivas de uma governação virtuosa e transparente. Enfim, acha-se situações tão longes umas das outras como o Bangladeche, governado por Sheikh Hasina desde mais de dez anos, no coração do sub-continento indiano e caracterizado por uma forte densidade demográfica, com 1 130 habitantes por km², e a Namíbia governada por Saara Kuugongelwa-Amadhila desde cinco anos, com os seus 2,5 habitantes por km². À final, constata-se que os balanços relativamente bons dos países mencionados só são analisados pelo prisma do género, e de jeito nenhum à luz de outros critérios que são no entanto óbvios. A Etiópia por exemplo, com Sahle-Work Zewde na carga de presidente, grande país do Chifre da África, certamente tem conexões aéreas com a China, mas não deixa de ser cercada de áreas de conflitos e sem acesso ao mar, o que limita a mobilidade com o exterior. Igual para a Geórgia, que tem como presidente Salome Zourabichvili: o país ainda está em reconstrução desde a guerra contra a Rússia em 2008 e é cercada por conflitos gelados que limitam os câmbios sob-regionais; ou ainda para o Nepal, no qual Bidhya Devi Bhandari assuma a carga de presidente, localizado no coração da cadeia montanhosa do Himalaia. Quanto a Singapura, présidido por Halimah Yacob, bem verdade que a cidade-Estado constitui um símbolo da globalização e uma plataforma dos câmbios internacionais, mas convém lembrar que a ordem e o controlo dos costumes são assumidos lá, de forma autoritária, pelo Estado, o que traduz-se com pena de morte, a censura, ou ainda a proibição dos protestos e das greves; o que facilita talvez a implementação de um regime de prevenção à propagação do vírus – e desde a publicação do artigo, esse modelo revelou também os seus limites, pois o confinamento foi lá prolongado por causa da volta da epidemia. Isso tudo, sem mesmo mencionar os parâmetros culturais ou sociais dos diferentes países que podem ter tido um papel a graus diversos. Além disso, em muitos destes países: Etiópia, Geórgia, Nepal, Singapura, a chefe do Estado dispõe de poderes totalmente simbólicas, o essencial dos poderes sendo assumidos pelo Primeiro ministro. Na verdade, a lista das mulheres dirigentes mencionadas em 22 de Abril deixa apenas pensar que entre os dois artigos, a autora Avivah Wittenberg-Cox simplesmente descobriu a existência de outras mulheres chefes de Estado ou de governo no mapa do mundo.
O processo é ainda mais falacioso porque omite voluntariamente um certo número de países cuja boa gestão é conhecida, mas cujo género do dirigente não arranjava a demonstração, como o Portugal governado por António Costa, a Grécia de Kyriákos Mitsotákis, em Marrocos com Saâdeddine El Othmani, ou ainda a Coreia do Sul com Moon Jae-in, cuja estratégia preventiva em relação ao COVID-19 foi contudo exaltada pelo planeta. Supõe-se legitimamente que se este último país ainda tinha sido presidido pela antiga chefe do Estado Park Geun-hye (que ocupou a carga de presidente até 2017), teria tido o privilégio de ser mencionado no artigo. A omissão desses países não é por acaso, pois o seu bom balanço obriga a questionar-se sobre outros critérios, que não têm nada a ver com o género.
Essencializar à cerca do género: uma arma de dois gumes
A pesar da evidência dessas constatações, observa-se com preocupação que os artigos fazendo a conexão entre a gestão da crise e o género das mulheres dirigentes foram alegremente retransmitidos e partilhados em todas as redes sociais, em particular em Facebook e Twitter. As partilhas e os likes multiplicaram-se, sem nenhum espírito crítico, sem mais comentários. Entende-se bem que isso pode ter sido feito com bons sentimentos e na ideia, provavelmente louvável, de valorizar o lugar das mulheres em posições dirigentes, como as suas qualidades como lideres e gestores. Ainda mais porque a nossa era é marcada por uma onde de dirigentes políticos – Trump nos Estados-Unidos, Bolsonaro no Brasil, Johnson no Reino-Unido, Orbán na Hungria, Erdogan na Turquia, Poutine na Rússia, Duterte nas Filipinas, Modi na Índia, Salvini na Itália, etc. – que, misturando demagogia, nacionalismo e virilismo, parecem mais longes do que nunca de uma abordagem gerencial pragmática, preventiva, e de uma qualquer postura de empatia em relação aos mais vulneráveis. Mas o exército de Forbes (e a seguir de outras mídias) é, contudo, tão absurdo e inconsistente que as manifestações « viris » de certos personagens mencionados. Lembramos por exemplo, em Junho de 2018, o aperto de mão « vigoroso » de Donald Trump e de Emmanuel Macron, ou ainda, uns dias depois, o encontro teatralizado do presidente americano com o seu homólogo norte-coreano. Mais patético ainda foi o Primeiro ministro britânico, o qual, após ter pavoneado diante das câmaras apertando mãos em abundância, contratou finalmente o COVID-19, com sintomas bastante violentes. Frente a essas atitudes de homens que pretendem-se « viris », seguros, poderosos, opor-se a esses comportamentos, confinando as mulheres num compartimento, seja ele positivo (contudo um compartimento essencializando), necessariamente « pragmático » e « empático » pelo único fato do seu género, não parece muito mais relevante.
Além disso, já o dissemos, o exército da revista Forbes é desonesto porque omite voluntariamente, na enumeração, dirigentes masculinos que gerirem bem a crise, e ignora muitos parâmetros outros do que o sexo. Ainda mais, constitui em si um perigo pela causa feminista, essencializando as personalidades e os comportamentos a cerca do género. A Primeira ministra dinamarquesa Mette Frederiksen poderia ter um bom balanço porque ela apresenta qualidades de leadership e de gestão, mas o artigo supõe que é por ser mulher que ela dispõe essas competências – pela sua educação ou pela sua biologia, isso não se sabe. Uma tal leitura não é longe de confundir os caracteres inatos e adquiridos, e não é difícil entender os riscos disso.
Aliás, a autora dos artigos fez a escolha de analisar a boa gestão de alguns países à luz do género do seu dirigente. Mas a escolha deste critério é perfeitamente subjetivo, e portanto permite dificilmente tirar conclusões. Como interpretaríamos um artigo valorizando só o bom balanço de países recebendo poucos migrantes, como a Islândia, a Coreia do Sul ou a Finlândia, e apoiando um retórica xenófoba e anti-migrantes? Ou manipulando outros critérios, como a idade, a pertença étnica, a religião? Igual para a escolha do nível de governação (presidência ou liderança de governo): se mudamos de nível para identificar os ministros da Saúde de cada um dos países mencionados nos artigos, e se achamos por acaso que eles sejam todos de sexo masculino, deveremos tirar conclusões misóginas?
Sobretudo, esse argumento é de dois gumes, e por isso, convém sempre desconfiar dos atalhos e das leituras essencialistas que nos convém. Hoje, alguns países governados por mulheres destacam-se no âmbito da crise do CODI-19, mas como será no futuro, se por acaso países dirigidos por mulheres apresentam um péssimo balanço na gestão de uma nova crise? Pessoas que têm discursos reacionários acharão que têm direito de essencializar a falta de competências das dirigentes a cerca da sua identidade sexual, pois do outro lado, permite-se posturas equivalentes. À final, é pouco provável que essencializar situações individuais, quand isso nos convém, seja muito relevante, nem justo. Isso parece mais a melhor maneira de arranjar lenha para se queimar, no dia em que a situação não será mais à nossa vantagem, para fazer os mesmos atalhos e atacar a causa das mulheres e da igualdade. De forma análoga, observou-se um método similar após a vitória da França no Copa do Mundo de football em 1998 e de novo em 2018. Muitos tinham então falado que a performance da seleção francesa tinha a ver com a sua diversidade étnica, induzindo que o fato de contar Negros de origem das Antilhas ou da África tinha contribuiu à vitória – a seleção até foi às vezes qualificada de « Africana » nas redes sociais. Entende-se bem que essa vitória desportiva apoiou a visão fantasiada de uma França mestiça (o que não queremos necessariamente criticar em si), mas esquecemos demasiado depressa que os que são opostos à essa ideia de mestiçagem não esquecerem-se, no Mundial de football de 2010, quando a seleção francesa fez greve em África do Sul, de qualificar os seus jogadores de « rufia » (racailles) e de denunciar a falta de sentimento nacional nessas crianças da imigração. Igualmente, se a Croácia tinha ganhado a final do campeonato em 2018, deveríamos ter deduzido que a composição étnica « homogénea » da seleção croata tinha algo a ver com a sua vitória?
Procurar valorizar mulheres dirigentes de qualidade para favorecer a participação do género feminino no exército do poder, e para mudar o olhar que a sociedade leva sobre elas, é obviamente uma boa coisa. Mas procurar o fazer subentendendo que a qualidade do seu trabalho, as suas competências ou a sua capacidade de empatia supostamente superiores à média, seriam ligadas à sua natureza mesma de mulher, é absurdo. A gestão de Angela Merkel na Alemanha e a de Jacinda Adern na Nova-Zelândia poderiam não ter sido de bom nível, isso não afecta a legitimidade das duas a aceder ao palco político tal como os seus homólogos masculinos, pois elas tão esse direito como cidadãs e não como mulheres. Além disso, aparece óbvio que a distinção de género não é tão óbvio, pois acha-se de tudo nas mulheres dirigentes (como nos homens dirigentes): Margaret Thatcher, Primeira ministra britânica entre 1979 e 1990, não foi conhecido pela sua empatia, mas mais pela sua tenacidade (e o seu autoritarismo), pois ela conduziu uma política de inspiração liberal que provocou um aumento das desigualdades sociais, e que a deixava mais próxima do presidente americano Donald Reagan do que de Madre Teresa; o regime autoritário que instalou-se na Bolívia presidida por Jeanine Añez, tal como o seu conservadorismo e o seu desprezo das culturas indígenas, a aproximam muito mais do presidente brasileiro Jair Bolsonaro ou do antigo presidente colombiano Álvaro Uribe do que da Primeira ministra neozelandesa Jacinda Ardern ou da antiga chefe de governo paquistanês Benazir Bhutto.
Igualmente, o fato de ser uma mulher não impediu em nada a Primeira ministra alemã Angela Merkel, após a crise financeira de 2008, de apoiar o condicionamento estrito dos empréstimos à Grécia, à Itália, à Espanha e ao Portugal, a políticas de saneamento orçamental que participaram à fragilização do sistema de saúde nesses países; e a Alemanha como a Finlândia, contudo dirigidas por uma mulher, juntaram-se, na cimeira europeia do 23 de Abril passado, aos Países Baixos para recusar recorrer a novas ferramentas de solidariedade, com base argumentos contabilistas – os eurobonds ou coronabonds, empréstimos que seriam emitidos em comum nos mercados financeiros, e que teriam permitido à Itália aceder a financiamentos a custo reduzido. Sobre esses assuntos como em tantos outros, difícil distinguir os indivíduos na única base do género. Ou então, na mesma lógica do que a revista Forbes, deveríamos ter arrependimentos por não ter visto Marine Le Pen ganhado a última eleição presidencial en França frente a Emmanuel Macron, sob o pretexto que por ser mulher, teríamos constatado lá uma melhora gestão da crise?
Podemos, estrategicamente, fazer a promoção de tal ou tal dirigente ou mulher política para a qualidade do seu trabalho, para banalizar a presença das mulheres e melhorar a visibilidade delas, e para deixar surgir modelos femininos nas futuras gerações. Porque o acesso à vida política é, de fato, desequilibrado, e isso com base o género (entre outras coisas) – por exemplo, a antiga presidente do Brasil Dilma Rousseff, destituida pelo Parlamento de Brasília em Agosto de 2016 com base acusações de maquilhagem das contas públicas, sofreu com preconceitos sexistas vindos da direita brasileira e por causa de um discurso profundamente misógino, tal como Hillary Clinton alguns meses mais tarde durante a campanha presidencial diante Donald Trump nos Estados-Unidos. Mas estabelecer um laço de causalidade entre a identidade de género e a ação política, em particular à escala individual, embora isso pode ir no sentido das opiniões feministas que querem ver mudanças nos modos de governação assumidas pelas mulheres, resume-se a negligenciar as motivações partidárias e sociais dos indivíduos, logo que são mulheres. E sublinhar as suas competências resuma-se um pouco a admirar-se delas, a colocar a luz acima como se não fosse óbvio que uma mulher pudesse gerir corretamente – embora a História já o demostrou várias vezes. A atual crise do COVID-19 é a ocasião de questionar as desigualdades com base de género e de tirar lições que beneficiam às mulheres, em primeiro lugar às milhões delas que foram particularmente expostas durante a pandemia – muitas vezes para salários fracos (Que lições tirar da crise do COVID-19 (1/2) Meio ambiente, hierarquia social, trabalho: uma revolução das prioridades?). Mas em nenhum jeito é preciso por isso basear-se em visões fantasiadas da identidade feminina para desenvolver argumentos falaciosos – os quais podem, ainda mais, voltar-se contra nós. Desconectamos a identidade de género das competências humanas, e concedemos às mulheres o direito a aceder ao palco político, não graças às suas qualidades, mas apesar dos seus defeitos – pois toleramos tanto os dos homens.