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O acendedor de lampiões

Será que os Árabes do Magrebe são Berberes?

10 Mars 2024 , Rédigé par David Brites Publié dans #África, #Identidade, #História

Crédito foto © Justine Audrain, 2011.

Quinze anos após as Primaveras árabes, difícil dizer se a situação das comunidades berberes na África do Norte melhorou. Quando aconteceram os protestos e as revoluções, o próprio qualificativo de « primavera árabe » mostrou que, como sempre, não associamos as comunidades berberes a uma área geográfica cuja identidade, contudo, não se resume à sua dimensão árabe. Portanto, os Berberes assumiram um papel determinante na queda do regime de Mouammar Kadafi, ne Líbia, em Agosto de 2011. E nos protestos observados na primavera de 2019 na Argélia, viram-se muitas bandeiras cabilas, que até foram reprimidas pelo exército que assumiu a transição pós-Bouteflika. Por lembrança, em 2013, as autoridades encarregadas da transição política na Líbia, em posse desde as eleições legislativas de Julho de 2012, deram às minorias – Berberes, Tuaregs, Tubus – um cota de seis assentos parlamentares, sobre sessenta, na futura Assembleia constituinte, que foi eleita em Fevereiro de 2014, mas cujo trabalho para redigir uma nova Constituição (acabada em 2016-2017) será perturbado pela guerra civil Loeste-Leste iniciada em Maio de 2014. A decisão desse cota foi logo denunciada pela comunidade berbere, que estimava esses seis assentos ridículo e insuficiente para poder defender os seus direitos. A escolha de uma representatividade minimalista tinha um efeito perverso, ou seja, delega aos seus únicos representantes a responsabilidade de defender uma língua que era presente nesse território bem antes da chegada dos Árabes no século VII. Uma língua (línguas, na verdade) que era a de toda a região do Magrebe, e que só uma minoria (minoria importante, no entanto) preservou.

Mas por outro lado, o exemplo da Tunísia, onde a assembleia constituinte estabelecida após a eleições constituintes de Outubro de 2011 não contava nenhuma cota para a minoria berbere, amplamente ignorada naquele país, não houve na nova Constituição, proclamada em Fevereiro de 2014, um qualquer reconhecimento novo dos direitos relativos aos cidadãos berberes ou a defesa da língua berbere. Em muitos países proclamados « árabes » em África do Norte (Argélia, Marrocos, Tunísia, Líbia), a defesa da cultura berbere (ou amazigue) é um desafio identitário comum a toda a nação, ao contrário de casos como o Níger ou o Mali por exemplo, onde a comunidade tuareg (povo berbere, é preciso o lembrar) constitui uma minoria étnica tanto como linguística geograficamente concentrada, e reivindica essencialmente uma autonomia regional e um respeito da sua cultura. Nos países do Magrebe, os Berberes desejam que o seu combate seja uma questão nacional.

Numa ampla medida, o que chamamos a « Primavera árabe » também foi uma « Primavera berbere ». No Fórum social mundial de Tunes em Março de 2013, a multidão e os debates apaixonados que acompanharam as reuniões e oficinas apaixonadas consagradas à questão berbere revelaram o interesse e o entusiasmo novos a cerca dessa comunidade. Em Marrocos e sobretudo na Líbia, onde o ditador Kadafi tinha negado a própria existência de uma cultura berbere, as novas liberdades adquiridas permitiram à comunidade amazigue de promover mais explicitamente a sua cultura e reclamar mais direitos: ensino do dialecto, fim das proibições relativas às manifestações culturais, etc.

No entanto, as conquistas dos últimos anos não devem fazer esquecer as condições de vida difíceis dos Berberes. Condições socio-econômicas primeiro, pois o nível de pobreza e de analfabetismo é mais elevado nas áreas de montanhas e rurais, onde eles são muitas vezes maioritários. Condições políticas e culturais também. Apesar dos progressos da reforma da Constituição de 2011 nesse assunto (concessão do estatuto de língua oficial, que portanto pode teoricamente ser usada nas adinistrações públicas), os Berberes marroquinos (quase um Marroquino sobre dois) querem ver o seu dialecto (os seus dialectos, na verdade) levado ao estatuto de língua nacional, a igualdade com o árabe. Na Líbia, onde os Berberes do Yebel (montanhas) Nafusa tiveram um papel determinante no sucesso da insurreção de 2011 contra a ditatura, a comunidade amazigue, entre a queda de Kadafi (2011) e o início da guerre civil (2014), multiplicaram as ações para defender os seus direitos, em particular o reconhecimento da sua língua: em 2013, eles bloquearam o oleoduto de Nalout (Agosto) e da estação de bombeamento de gás de (Setembro) na região Tripolitânia, e manifestaram frente ao Parlamento em Tripoli (13 de Agosto).

Por lembrança, a palavra Amazigue (Imaziguen no plural), cuja origem é mal conhecida, significaria etimológicamente: « homem livre ». Essa palavra designa os Berberes e é em geral privilegiada pelos membros dessa comunidade. Os antropólogos admitem agora uma origem comum entre as populações brancas de África do Norte: elas têm como antepassados grupos protomediterrâneos que, vindos do Oriente no VIII° milenário antes de J.-C., ou ainda mais cedo, espalharam-se lentamente no Magrebe e no Sahara. Os Berberes dominaram o norte da África durante vários milenários, e a conquista árabe só intervem no século VII da nossa era. Torna-se difícil pela resistência indígena, momentaneamente quebrada com a morte de Koceila (686), chefe berbere convertido ao islão, e depois com a de Kahina (702), princesa cristã de Aurés que tinha cristalizado a resistência.

Casa troglodita em Matmata, no Sul da Tunísia.

Do século do kharijismo às invasões hilálias

A conversão dos Berberes ao islão acompanhou-se de muitos cismas, os principais nascendo com a evicção de Ali, genro do profeta, ao benefício dos Omíadas. Em nome de um islão destacado das disputas próximas-orientais, crentes afastam-se da doutrina promovida pelo poder de Damasco, o que deu a esse ramo do islão o nome de kharijismo, que significa « dissidência ». Nascida no Oriente, teve um enorme sucesso na África do Norte – embora a população do Magrebe parece sempre ter permanecido em maioria na ortodoxia sunita. Os historiadores vêem ai uma manifestação da resistência berbere à dominação árabe, como foi provavelmente o caso do sucesso do islão xiita no Irão, expressão de uma resistência persa à aculturação árabe. No seu ensaio O rinoceronte de ouro – Histórias da Idade Média africana (2014), o historiador francês François-Xavier Fauvelle evocava assim uma « maneira subtil de mostrar lealdade e resistência às formas de dominação política e de marginalização social nascidas da conquista [árabe] », dando um exemplo notável : « Uma seita francamente cismática, os Barghwata, até conseguiu fazer viver um reino no centro de Marrocos entre os séculos IX e XII. » Além disso, parece também que o caráter austero e os modos de decisão consensuais inerentes ao kharijismo correspondiam à mentalidade berbere daquela altura.

« Os três primeiros séculos do islão na África do Norte vêem assimsair de terra e desenvolver-se um muda de principados berberes dissidentes, contudo levados pouco a pouco nas margens do Sahara, continua Fauvelle. É portanto o imã ibadita (um ramo kharijita) de Kairuan, seguido dos seus adeptos, que o afasta da Ifriqiya árabe em 761, diante do progresso do sunismo na Tunísia; reinstalada em Tahert, na Argélia atual, a comunidade teocrática mantem-se ativa lá até a mudança seguinte, no início do século X, para Sedrata, perto de Uargla. Tlemcen, no Nordoeste argelino, ou Sijilmasa, no Sudeste marroquino, são então principados kharijitas florescentes durante dois séculos. » Acrescenta-se ainda o Yebel Nafusa, no atual Oeste líbico. A pacificação e a colonização da África do norte nunca foi fácil para os Árabes, contudo em pleno auge da sua civilização. A islamização não é a arabização, e a primeira parece ter-se feita a um ritmo muito mais rápido do que a segunda. Os dois processos atingiram antes de tudo as cidades, às vezes novamente criadas como Kairuan na Tunísia em 670, e Fez em Marrocos em 809.

Contudo, no século X, os eventos aceleram-se. A milícia ketaba, conduzida por um missionário xiita, Abu Abd Alá, e depois por o Fatímida Obaïd Alá, apodera-se de toda a Cabília e da Tunísia, onde estabelece a sua capital. Revoltas kharijitas ameaçam a obra realizada, mas a dinastia dos Fatímidas é salva pela intervenção dos Sanhajas, Berberes do Magrebe central conduzidos por Yusuf Bulukkin ibn Ziri. Também, quando os Fatímidas, tendo conquistado o Egipto (sempre com a ajuda dos Sanhajas), estabelecem a sua capital no Cairo, em 973, muito naturalmente, eles deixam a gestão do Magrebe à dinastia dos Ziridas, descendentes de Yusuf Bulukkin ibn Ziri. Com o tempo, os laços de vassalagem dos Ziridas em relação aos Fatímidas relaxam-se e, entre 1045 e 1048, os mestres do Ifriqiya acabam por rejeitar oficialmente o xiisma dos Fatímidas e por jurar fidelidade ao Califado de Bagdade. Essa escolha terá consequências pesadas: provocando a raiva dos Fatímidas de Egipto, ai está a fonte de uma das priores catástrofes que conheceu o Magrebe.

Para sancionar os seus antigos vassalos revoltados, os Fatímidas livram a região a tribos nômades muito tempo permanecidos confinados a Leste do Nilo, em Alto-Egipto, por serem julgados turbulentos demais. Reclamando-se de um antepassado comum, Hilal, esses tribos ditas Benu Hilal, rapidamente seguidas por os Benu Solaim, e mais tarde pelos Benu Mâqil, saqueam o reino dos Ziridas na Tunísia, e o dos Hamádidas (outra dinastia berbere) na Argélia. Conhecidas hoje em dia como as invasões hilálias, essas incursões foram determinantes pela arabização da região.

Ellas não se caracterizaram por confrontos diretos entre tropas árabes e berberes, mas mais por ocupações breves, saques sistematicos, e finalmente por uma instalação sustentável desses tribos na paiságem do magrebe. Aliás, os príncipes berberes, Ziridas, Hamádidas, mais tarde Almóadas, recrutaram muitos soldados nesses Árabes. Esses penetraram cada vez mais as áreas rurais, afectando muito os modos de vida e as forças dos tribos berberes que dominavam a região. Os Hilálios chegados no século IX, no entanto relativamente fracos demograficamente, tiveram um papel determinante em termos cultural e socio-econômico. Com a chegada dos Benu Solaim e depois dos Mâqil, que estabelecerem-se no sul de Marrocos, o número desses nômades não deve ter ultrapassado a centena de milhares de indivíduos no final do século IX. Mas a dupla pressão das migrações pastorais e das ações guerreiras desses tribos estarreçou, gangrenou os Estados e os impactou sustentavelmente.

Com a queda dos Almóadas, o século XIII consagra o fim das grandes dinastias berberes no Magrebe. Apenas os Hafsidas na Tunísia (1207-1574) e os Merídinas em Marrocos (1269-1465) tentaram mais ou menos laboriosamente de recriar a unidade do Magrebe ao seu benefício, em vão. Aliás, a arabização foi fortalecida pela chegada dos Andaluzes expulsos de Espanha no século XV, os quais eram muitas vezes Berberes arabizados.

Na estrada entre Marrakech e Agadir, em Marrocos.

Na estrada entre Marrakech e Agadir, em Marrocos.

Símbolo amazigh (e letra do alfabeto tifinagh).

A arabização do Magrebe: uma « assimilação » socio-cultural sucedida

Dado que este artigo inspira-se amplamente do notável livro Os Berberes – Memória e identidade (em francês Les Berbères – Mémoire et identité, publicado em 2007), mencionamos diretamente o seu autor, o Francês Gabriel Camps (1927-2002), professor de universidade e historiador especialista dos Berberes: « O berbere, antes onipresente [em África do Norte], recua diante do árabe ao longo dos séculos, mas essa arabização linguística, facilitada pela islamização da África do Norte e do Sahara, foi acompanhada no século XI de uma arabização socio-cultural levando a uma verdadeira assimilação da maiora parte das populações dos Estados do Magrebe. Essa assimilação é tão grande que, em certos país, a quase-totalide do povo diz-se, pensa-se e por consequência é árabe. Mas muito raros são entre eles os que carregam algumas gotas de sangue árabe, desse sangue novo trazido pelos invadores beduínos no século VII e pelos invadores beduínos no século XI: Benu Hilal, Benu Somail e Mâqil. »

E de fato, ao contrário da Pérsia, o processo de colonização (e de assimilação cultural) árabe torna-se mais eficiente após essas invazões. A religião muçulmana e a língua árabe transmitem-se a medida que se desenvolvem grandes centros urbanos. As elites vêem no islão e na filiação com o povo do profeta, ou com o próprio profeta, um motivo e prestígio. A maioria das grandes famílias do Magrebe sentirem a necessidade de ligar-se a uma genealogia oriental. Esse fenômeno é acentuado nas cidades, por isso o berbere é mais preservado nas áreas rurais e no interior (Cabília, Médio-Atlas marroquino, Yebel Nafusa…), disso vem o estereótipo segundo o qual os Berberes constituem grupos primitivos, um « povo das montanhas ». Exemplo ilustrativo: essas palavras do autor marroquino Mohamed Choukri que, no seu romance autobiográfico O tempo dos erros (em francês Le temps des erreurs, publicado em 1994), escrivia sobre os seus irmãos e irmãs mais novos (a história situa-se na década de 1950) : « Nascidos em Tânger e Tetouan [enquanto o autor nasceu na região do Rife], minha mãe fala para eles na sua língua, e eles respondem em árabe dialectal. Eles tentam por todos os meios de dissimular a sua origem. Eles acreditam que os Rifenhos são atrazados. Pessoas pensam como eles, eu conheço muitos, pequenos e grandes. »

Chefchaouen, no Rif (no Norte de Marrocos).

Contudo, os Berberes têm uma história muito dinâmica e podem ser orgulhosos, portanto todos os povos do Magrebe não hesitam a reclamar-se dessa história comum – pois os não berberófonos de hoje também são herdeiros dessa história. Logo na Antiguidade, quando eles representavam o essencial da população norte-africana, os Berberes conhecem um primeiro auge com a hegemonia númida, em particular sob o reino de Massinissa (203-148 avant J.C.). Em 31 de Outubro de 2019, uma estátua desse mesmo Massinissa (Masnsen) foi inaugurada em Argel, mas foi criticada por Berberes por ser de péssima qualidade, sobretudo por representar o dirigente númida de pernas demasiadas curtas...

Na Idade Média, os reinos berberes, kharijitas ou sunitas, são muitos e ativos. A dinastia dos Fatímidas (909-1171), a qual conquista a Argélia, a Tunísia e o Egipto, e em Marrocos, as dos Almorávidas (1056-1147) e dos Almóadas (1147-1269), os quais conquistam a Al-Andalus e da Argélia e criam uma civilização brilhante, ilustram perfeitamente esse dinamismo. Além dos reinos famosos, os Berberes ilustram-se pelas suas grandes capacidades comerciais. No seu ensaio de 2014, François-Xavier Fauvelle lembra o papel das minorias religiosas no surgimento, na Idade Média (até o século XIV), de Sijilmasa, na parte Leste de Marrocos, à entrada do Sahara, como « porto internacional, com todos os equipamentos e todas as estruturas sociais para a gestão do frete transsahariano »: « Esses talentos [caça ao risco e teimosia, emprededorismo, organização coletiva, coesão comunitária], os quais, de uma certa forma, equivale a comutar o seu Cabo São Vincente sahariano, esta praia do fim do mundo, cabeça de ponte para costas novas, são os dissidentes muçulmanos e os judeus que os tiraram na sua situação de marginalidade social. » E o historiador francês de detalhar: « Assim vemos implementar-se, nos séculos IX e X, um sistema articulado no qual os Berberes de confissão kharijita organizam o comércio entre Sijilmasa e o mundo mediterrâneo. Esta complementaridade ecumênica não sobrevivirá ao progresso da ortodoxia sunita a partir do século XI, e aos episódios de fanatismo religioso dos séculos a seguir. » As comunidades berberes kharijitas tiveram, ao lado dos judeus do Magrebe, um papel essencial na implementação da ampla rede comercial transsahariano que caracteriza a região oeste e norte-africana durante vários séculos.

Uns séculos mais cedo, já é a um Berbere, Tariq ibn Ziyad, que o império arábe muçulmano em expansão deve a conquista da Espanha, entre 711 e 714. Muito mais tarde, os raros movimentos de resistência norte-africanos à colonização europeia foram a obra de emires berberes locais, em particular Abd el-Kader na Argélia contra o Império otomano e depois contra a França, entre 1832 e 1847, os irmãos Mokrani que conduziram a grande revolta cabila em 1871-1872, e Abdelkrim al-Khattabi no Rife marroquino contra as tropas francesas e espanholas, entre 1921 e 1926. Menos conhecida, Lalla Fatma N'Soumer, encarnação de uma autoridade feminina afirmada que não hesitava em questionar as tradições, numa sociedade no entanto muito patriarcal, foi também uma figura da resistência na Argélia. Após ter apoiado a revolta do Cherif Boubaghla, entre 1851 e 1854, ele assume a liderança da luta anticolonial entre 1854 e 1857; capturada pelas forças francesas numa aldeia do interior argéliano (na região de Grande Cabília) onde ela organizava um núcleo de resistência, ela foi presa até sua morte seis anos mais tarde, com 33 anos de idade.

O dogma kharijita, tão presente no Magrebe no século VIII, desapareceu quase totalmente, fora de um resíduo notável de rito ibadita, por exemplo em Djerba na Tunísia, no Yebel Nafusa na Líbia, e na Pentápole mozabita, a qual reune cinco cidades do Mzab argelino, criadas por muçulmanos ibaditas no século XI; e a língua berbere permaneceu muito tempo marginalizada. A colonização árabe sobre o Magrebe foi um sucesso, ao ponto que a maioria dos habitantes do Magrebe esqueceram-se que são berberes, ou pelo menos descendentes de Berberes, muito mais do que têm antepassados árabes – os delírios genealógicos da dinastia marroquina, que pensa-se descendente do profeta, são nesse assunto sintomáticos. Do outro lado do mundo árabe, a Pérsia tornou-se o Irão e permaneceu mestre autoproclamada do islão xiita. Ela soube manter o persa como língua nacional e oficial. Lá, a assimilação foi portanto um fracasso, pois ela não conseguiu apagar a cultura pré-islâmica local nem a colocar por trás da língua árabe.

Esse fenômeno apresenta bastante paradoxos, como o explica Gabriel Camps no seu livro: o Berbere, « seja ele cabila, rifenhos, chleuh ou chaoui, chegado em país árabe abandona sua língua e muitas vezes seus costumes, mas os encontrando facilmente quando volta no país », e, na medida em que as montanhas povadas de Berberes constituem « a grande reserva demográfica de Argélia e de Marrocos », esses países viram ao longo dos séculos e vêem ainda hoje « a parte de sangue árabe, já minúscula, reduzir-se a medida que se arabizam culturalmente e linguisticamente ». Os casos de Marroquinos, por exemplo, que deixaram o campo para estabelecer-se na cidade e que, após terem às vezes mudado de nome quando registraram-se em meio urbano, deixam as crianças perder toda noção linguística do berbere, são inumerosas. A assimilação é portanto perfeitamente sucedida, pois os seus descendentes, logo na geração seguinte, esquecem-se que os avôs definiam-se ainda como berberes. Aliás, é irónico notar que em Marrocos, o francês parece ser objeto de mais atenção pelo ministério da Educação, após somente 45 anos de protectorado francês (um grão de areia na grande História humana), do que os dialectos berberes. Esses, no entanto muito usados ainda nessa terra, desde milenários, começam de fato, apenas nos últimos anos, a ser oficialmente ensinados em escolas.

No entanto, a arabização dos Berberes não foi e não é um fenômeno de aculturação total: « Nos seus costumes, na sua língua, nas suas manifestações artísticas, as populações conservaram, sobretudo em meios rurais, muitos dos carácteres anteriores ao islão e ao arabismo, explica Gabriel Camps. Existe uma permanência berbere na qual é todo a África do Norte. Essa permanência, mais ou menos marcada, não deixa de ser apresentada como um fator dicotômico que permite separar artificialmente os "Árabes" e os "Berberes". »

Essa permânencia berbere não limita-se aos únicos berberófonos, e contudo, ela não é óbvia. É no entanto ela que faz « a originalidade do Magrebe tanto no mundo árabe como no mundo africano ». Traduzindo-se entre outras coisas no artesanato e nos artes (costura, cerâmica, ourivesaria…), ela não significa um conservatismo absoluto: parece sobretudo feita de uma incrível permeabilidade às contribuições exteriores, e essas são ainda mais aceitadas que elas conhecem « uma verdadeira assimilação que dá [a essas contribuições] um toque berbere tanto indefinível como inegável », para retomar de novo as palavras de Gabriel Camps.

As estimações relativas às populações berberófonas são aproximativas. Por exemplo, na Tunísia, variam entre 1 et 2% nas estatísticas oficiais, enquanto na verdade, os que falam um dialecto berbere não são contabilizados; a proporção na população do país pode mais aproximar-se dos 10% – concentrados em particular em Djerba e na região de Matmata, mas também em outras localidades da Tunísia, onde a sua presença é menos conhecida. Na Líbia também, a ideologia de Muamar kadafi teve consequências sobre as estimações oficiais, e poderíamos finalmente atingir uma proporção de 20% de berberófonos. Enfim, esse mapa não toma em conta a etnia tuareg (naquele caso teria sido necessário acrescentar outros países: Burkina Faso, Mali, Níger.

As estimações relativas às populações berberófonas são aproximativas. Por exemplo, na Tunísia, variam entre 1 et 2% nas estatísticas oficiais, enquanto na verdade, os que falam um dialecto berbere não são contabilizados; a proporção na população do país pode mais aproximar-se dos 10% – concentrados em particular em Djerba e na região de Matmata, mas também em outras localidades da Tunísia, onde a sua presença é menos conhecida. Na Líbia também, a ideologia de Muamar kadafi teve consequências sobre as estimações oficiais, e poderíamos finalmente atingir uma proporção de 20% de berberófonos. Enfim, esse mapa não toma em conta a etnia tuareg (naquele caso teria sido necessário acrescentar outros países: Burkina Faso, Mali, Níger.

Árabe ou berbere? O Magrebe é sobretudo marcado pela sua identidade plural

Em Junho de 2013, a proposta do ministro dos Negócios estrangeiros marroquino Saâdeddine El Othmani de suprimir a palavra « Árabe » da União do Magrebe Árabe supreendeu os seus homólogos. O nome « União magrebina » foi então proposta, para não excluir nem os Árabes nem os Imaziguen. Segundo Bladi.net, site Internet que revelou a informação, o então ministro dos Negócios estrangeiros tunisino Toufik Abdeslam rejeitou essa proposta, só apoiada pela Mauritânia, pretextando, pela grande decepção do Observatório Amazigue dos Direitos e Liberdades, que o caráter árabe da União era uma descripção geográfica e linguística e não étnica. Incompreensível. A fraca proporção de berberófonos na Tunísia (menos de 100 000 pessoas segundo os dados oficiais) pode explicar essa desculpa enrolada.

Claro, as populações de África do Norte não podem ser definidas somente como berberes, pois isso justificaria-se só com o laço de sangue: a nossa identidade corresponde antes de tudo à percepção (individual e coletiva) que temos de nós mesmos, mais do que ao sangue herdado dos nossos antepassados, e por isso, claro, a cultura berbere não é (ou não é mais) o pilar da identidade magrebina. Ou pelos menos só é de maneira menos óbvia do que antigamente. Pelo contrário, é simples demais definir os países do Magrebe como só árabes – as diferenças entre os dialectos árabes de África do Norte e os do Oriente-Médio bastam a convencer-se disso. Por isso, o nome « União do Magrebe Árabe » constitui de fato um absurdo histórico tanto como um insulto dirigido aos milhões de cidadãos berberófonos. As sociedades norte-africanas assimilaram a cultura árabe sem no entanto fazer totalmente desaparecer a dimensão berbere da sua própria identidade. E aparece claro, pelo menos em relação à Argélia e ao Marrocos, de forma mais ténue com a Tunísia e a Líbia, que a cultura berbere é, tal como a influência socio-cultural árabe, constitutiva da identidade desses países. Um elemento pouco reconhecido (e tarde) pelas Constituições marroquina e argelina, talvez no futuro por uma Líbia pacificada.

Além disso, a identidade desses países não é só árabe, logo que uma forte proporção de Magrebinos reclamam-se ainda da identidade berbere: 40-50% de Marroquinos, 25-30% de Argelinos, pelo menos 10% de Líbios, e 1-2% de Tunisos – no entanto essa última estatística é provavelmente sub-estimada (a classe política tunisa desinteressando-se da questão amazigue), e poderia aproximar-se dos 10%. Acrescentam-se minorias berberes muito fracas no Egipto – onde a única localidade berbere, a aldeia de Siwa (25 000 habitantes), representa o ponto o mais oriental do povoamente amazigue – e a Mauritânia, embora os laços de descendência parecem mais importantes do que essa herança linguística.

Em 25 de Junho de 2013, o Parlemento líbio escolheu como presidente uma personalidade de origem amazigue, Nouri Bousahmein, primeiro berbere a assumir uma carga com altas respondabilidades na Líbia permaneceu nessa função até Abril de 2016. Mas a comunidade berbere líbia ameaçou várias vezes de boicotar os trabalhos da assembleia constituite, e a final, o desastre da guerra civil que está em curso desde 2014, tal como certos ataques (desde então) das tropas de Tripoli e Misurata contra o Yebel Nafusa (aliado ao governo de Tobruk e Bengasi), afectaram de forma sustentável o processo de transição laboriosamente lançado entre 2011 e 2014. Em Marrocos, a criação em Outubro de 2011 do Instituto Real da Cultura Amazigue representou um sinal de desanuviamento com essa comunidade, e claramente, Mohamed VI tem ligado com ela relações muito mais sãs e pacíficas do que antigamente o pai dele, Hassan II.

E em 10 de Fevereiro de 2016, Marrocos voltou a dar à língua francesa um papel maior no ensino, ao custo da língua árabe, uma decisão apoiada pelo rei Mohamed VI, contra a opinião de Abdelilah Benkiran, então chefe de um governo dominado pelo partido islamista PJD (Partido da Justiça e do Desenvolvimento); por lembrança, o árabe ganhou um espaço crescente neste país desde a década de 1980 sob a vontade de Hassan II e do partido conservador Istiqlal  o objetivo tendo sido então de fortalecer os conservadores e os islamistas ao custo da esquerda marroquina. Sem ser diretamente ao benefício do dialeto amazigue, essa reforma de 2016 era suposta enfraquecer a base política e inteletual do PJD, mais favorável ao uso sistemático do árabe, considerado como a língua consagrada pela religião muçulmana. Além da dicotomia francês-árabe, esse tipode de debates, também presente em outros países de África do Norte desde as independências, é a ocasião de uma reflexão sobre a identidade dos povos da região, a sua relação com a língua árabe clássica, com os « diáletos árabes » nacionais, com a antiga língua colonial que é o francês, mas também, eternos esquecidos, com os diferentes « diáletos » berberes.

Na Argélia enfim, a repressão militar e policial da Cabília revoltada em 2000-2001, não mais do que a repressão da Primavera berbere de Março-Abril de 1980 (na Cabília e em Argel), nunca foi objeto de questionamento nem de um trabalho de memória. A marginalização socio-econômica do interior cabila permanece uma realidade e oferece um cocktail social explosivo. Além disso, a subida das violências, notáveis entre 2013 e 2015 no vale de Mzab, entre Berberes mozabitas indígenas e Árabes chaambas que instalam-se lá desde a década de 1980, ilustra muito bem o grau de tensões entre comunidades existante na Argélia. É por saber isso que o general Ahmed Gaïd Salah, dirigente do exército e verdadeiro mestre da transição pós-Bouteflika em 2019-2020 na Argélia, anunciou, em 19 de Junho de 2019, proibir nos protestos populares qualquer bandeira outra que a nacional argelina. Entender: a bandeira berbere, com as suas três bandeiras horizontais azul, amarela e verde, marcada da letra Yaz do alfabeto tifinague, jamais seria tolerada. Gaid Salah tentava então dividir a contestação contra o regime, desviando a atenção na questão cabila; estratégia perdedora, pois, apesar de terem arrestado pessoas com aquela bandeira, os Argelinos mostraram sobretudo a sua unidade, levando nas marchas muitas bandeiras berberes, misturadas nas ruas com as bandeiras nacionais argelinas. O jornal argelino Liberdade titulava então, apesar da sua proibição: « O emblema amazigue sai triunfante em Argel ». Em Novembro do mesmo ano, dois movimentos independentistas cabilas, o MAK-Anavad e o URK, denunciam o comportamento colonial das forças de segurança argelinas em território cabila, revelando então a permanência e a subida, no contexto pós-Bouteflika, de abusos e pressões do exército sobre as áreas maioritariamente berberes do interior.

A História é muitas vezes crual. Na hora em que as minorias berberófonas reclamam um reconhecimento e mais direitos, na Argélia, em Marrocos, na Líbia, a maioria da população norte-africana, que define-se como árabe e olha às vezes com desprezo o que consideram ser uma minoria étno-linguística agitada, pobra e atrazada, deveria pelo contrário ser grata com os que, preservando as suas línguas, defendem de fato a herança de todo o país. Promovendo as suas culturas, eles salvam partes inteiras da identidade nacional e regional, e isso sem reconhecimento nenhum, sem justiça. Dar às línguas berberes o duplo estatuto de « língua oficial » (usada na administração) e de « língua nacional » (reconhecida como língua da nação), tal como é o árabe, seria um primeiro passo – por lembrança, na Argélia, o tamazigh foi reconhecido como língua nacional pelo Estado em 2002, e língua oficial em 2016, enquanto em Marrocos, ele só é língua oficial (desde 2011). Os países magrebinos ganhariam provavelmente a reivindicar essa pluralidade cultural e a defender essa diversidade identitária.

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