Moçambique: Daviz Simango, ou as razões de um fracasso
Para muitos Moçambicanos, a criação do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) permitiu responder a uma esperança de alternativa aos dois partidos históricos que são a Frelimo e a Renamo. Mas os resultados do MDM em Novembro de 2014, após o sucesso das autárquicas em 2013, decepcionou muitos de seus simpatizantes.
O líder do MDM tem o mérito de ter oferecido aos eleitores moçambicanos uma alternativa à Renamo e à Frelimo. E não foi uma coisa fácil. Em 2009, o MDM foi impedido, por razões administrativas, de apresentar candidatos à carga de deputado em certas províncias. No entanto, o partido não ficou mal por causa disso, e continuou a crescer, ao contrário do Partido para a Paz, Democracia e Desenvolvimento de Raul Domingos, candidato nas eleições de 2004 com 2,73% de votos. O MDM soube aproveitar a ausência da Renamo nas autárquicas de 2013 para ganhar um eleitorado importante. Bastava percorrer o Moçambique no início de 2014 para entender que algo tinha mudado: o número de bandeiras do MDM rivalizava com as da Frelimo, enquanto as da Renamo pareciam ter desaparecidas – era antes do lançamento oficial da campanha e da volta de Afonso Dhlakama... Por lembrança: Eleições de Outubro em Moçambique: quando a democracia sai a perder
Muitos Frelimistas ainda consideram o MDM como um simples ramo da Renamo. No entanto, o novo partido conseguiu, de facto, recuperar um eleitorado renamista importante, como também votos de antigos Frelimistas. Criada em Março de 2009, ou seja bem após a guerra civil, a formação de Daviz Simango tranquiliza muitos ex-Frelimistas que temem que um dia a Renamo chega no poder com uma vontade de vingança. Alias, o projeto absurdo de partição administrativa do Município de Beira, levado até Junho deste ano pelo Governo provincial de Sofala e pelo Ministério de Administração Estatal, ilustrou muito bem a vontade da Frelimo de fragilizar o líder do MDM; felizmente essa divisão absurda da primeira cidade do centro do país, que a teria reduzido a somente seis bairros (e claro, alguns dos bairros a desanexar eram aqueles onde o MDM tem maior popularidade), acabou sendo abandonado. Enfim, o MDM criou-se um espaço político que lhe permite contestar o sistema bipartidário moçambicano. Sobretudo, o Simango foi considerado pela Frelimo como um adversário bem mais perigoso que o Dhlakama, logo que o MDM, ao contrario da Renamo, não podia servir de espantalho pelo partido no poder.
Segunda constatação: o resultado dos votos em favor do MDM foi provavelmente o dos três que menos corresponda ao peso real do partido no país. Por pelo menos três razões. Em primeiro lugar, as outras duas formações podem ter sido capazes de acordar-se ai ou ali em detrimento do MDM – é um argumento que Daviz Simango usa muito para explicar seu fracasso eleitoral. Em segundo lugar, o MDM foi o dos três partidos que tinha menos meios, menos dinheiro (o que ilustrou a partir de Setembro o número de cartazes eleitorais do MDM, bem inferior aos da Frelimo e até da Renamo), e menos ativistas. Na maioria das assembleias de voto, ele não pude enviar observadores para seguir o processo eleitoral e pós-eleitoral. Em terceiro lugar, o número de fraudes detectadas no sul, onde a votação foi (oficialmente) favorável á Frelimo, sugere que o MDM deve ter perdido muitos votos ai, em particular na província e na cidade de Maputo.
Igual em outras lugares onde o voto deixa duvidoso. « O que nos surpreendeu mais aqui, é o caso de Gurué, diz Maria Salva Revez, Delegada na Zambézia para a Liga dos Direitos Humanos, uma ONG moçambicana. Há um ano, as pessoas em Gurué votou MDM, e agora eles votaram para a Frelimo. Como a tendência pode ter mudada assim em apenas um ano? » Recorde-se que, já em Novembro de 2013, a contagem dos votos em Gurué tinha causado uma grande confusão por causa das tentativas de fraude da Frelimo, o que levou ao cancelamento dos resultados pelo Conselho constitucional; novas eleições organizadas o 8 de Fevereiro de 2014 confirmaram a vitória do MDM (com 55% dos votos). « Mesmo sem chegar em segundo lugar, não se esperava ver o Simango com um resultado tão fraco, depois do sucesso nas autárquicas », acrescenta Maria Salva Revez.
Além da fraude, vários fatores explicam o resultado decepcionante do MDM. Ai, o partido tem bastante culpa, especialmente o próprio Daviz Simango. As decisões tomadas pela direção do MDM nos meses que antecederam as eleições foram caracterizados por tomadas de decisão que apareceram em contradição com os objetivos de transparência, de justiça e de democracia que o MDM pretende promover. Em Maio, os deputados do MDM aprovaram (juntos com a bancada frelimista) uma lei criticada sobre a reavaliação do salário e dos benefícios dos eleitos (incluídos o presidente da República e os próprias parlamentares). Em previsão das eleições de Outubro, a constituição das listas eleitorais do MDM chocou muitas pessoas, até militantes do partido, pois Daviz Simango colocou em listas fora da sua província natal de Sofala vários próximos ou membros de sua própria família. « Se ele continuar neste caminho, daqui cinco anos, temos um novo Dhlakama », desesperava em Setembro Manuel de Araújo, presidente do Conselho municipal de Quelimane desde 2011 e figura em ascensão do MDM.
Na Beira também onde ele é presidente do Conselho municipal, Daviz Simango concentra muitas críticas, sobretudo por causa de casos de conflitos de interesse relacionados á empresa responsável pela manutenção das estradas – Beira é agora famosa pelos seus buracos nas estradas. A dinâmica política dos primeiros anos de presidência municipal não parece mais ai, enquanto no entanto, Beira, segunda maior cidade política (terceira em termos de população), ainda oferece oportunidades econômicas consideráveis. Seu porto serve de porta de saída a um dos três « corredores » comerciais do Moçambique e dos países vizinhos privados de acesso ao mar (ao lado do corredor de Maputo, no sul, e de Nacala, no norte). A insegurança nascida das ações da Renamo desde 2012 e a falta de investimento do Estado em uma província dominada historicamente pela oposição, certamente têm um papel importante na situação declinista de Beira, mas não são as únicas razões.
O líder do MDM está claramente a privilegiar as suas ambições nacionais, e as contestações e as rivalidades dentro do partido reforçam essa atitude. Nas semanas que seguiram a votação do 15 de Outubro, os rumores dos mídias relativos á sua demissão da presidência do MDM o levaram a adotar uma postura de vítima e a denunciar todos aqueles que, dentro ou fora da sua formação política, se teriam coligados para o demitir.
Provavelmente, antes mesmo da volta do Dhlakama em Setembro, o boicot da Renamo deu aos militantes do MDM a ilusão dum apoio popular que não correspondia à realidade, ou que ainda era muito frágil – já que esse apoio não conseguiu substituir de maneira sustentável ao voto renamista. Apesar da boa imagem do seu partido, Daviz Simango (51 anos) realizou uma campanha pouco ofensiva, sem brilho, o que a falta de recursos não pode desculpar. No entanto, o MDM fez um esforço real para criar-se um eleitorado « popular », além das categorias intelectuais e da embrionária classe média, tendo como alvo as classes mais desfavorecidas, incluído em áreas rurais isoladas onde a Renamo e a Frelimo costumam ter muito boas votações.
Mas o resultado está aí: com 6,36% dos votos, o candidato do MDM faz ainda pior do que em 2009 – e, outro ponto importante, ele faz menos do que o seu próprio partido nas legislativas (7,21%). O nome do Manuel de Araújo, presidente do Conselho municipal de Quelimane onde ele obtém resultados interessantes, circulou um tempo para evocar uma possível sucessão ao Daviz Simango, e é muito provável que o próprio edil quelimanense teve (e guarda) essa ideia bem presente na mente. No entanto, o partido ainda fica bem controlado pelo seu presidente, e é pouco provável que, nos próximos meses, uma mudança de direção seja observada no MDM.
Daviz Simango sai desta eleição enfraquecido; ele apenas pode alegar ter aumentado o número de deputados MDM na Assembleia da República (de 8, passaram a ser 17), o que representa, é preciso o sublinhar, um passo pequeno mas sério para desafiar o bipartidarismo moçambicano.