Moçambique: a Frelimo, grande vencedor das eleições(?)
O resultado oficial é claro: com 57,03% dos votos, Filipe Jacinto Nyusi ganhou a eleição do 15 de Outubro, logo no primeiro torno. Mas a vitória não foi fácil para a Frelimo. O seu investimento na campanha ilustrou o medo dos Frelimistas de assistir a uma surpresa nos resultados finais. Meios incríveis foram mobilizados para incentivar o eleitor, durante a campanha, e para manipular o seu voto, durante e após a votação. Análise duma seqüência política que revelou certas tensões no partido ao poder.
A Frelimo teria sido consideravelmente enfraquecido se a vitória não foi alcançada logo no primeiro turno. Por duas razões. Em primeiro lugar porque, com um resultado abaixo dos 50% dos votos, a maioria não teria sido atingido no Parlamento em termos de assentos, ou pelo menos a bancada frelimista teria sido bem fragilizada. E em segundo lugar, mais importante, porque isso teria significado que a Frelimo não reuniu mais a maioria dos eleitores, e que portanto, matematicamente, era possível a vencer no segundo turno. Inaceitável para os Frelimistas.
Foram então mobilizados recursos importantíssimos para assegurar-se a vitória. Recursos cuja origem ainda fica demasiada obscura, como já o explicamos num artigo anterior. Para ir mais longe na opacidade do processo eleitoral: Eleições de Outubro em Moçambique: quando a democracia sai a perder
As fraudes foram então significativas. « O caso mais marcante é a província de Gaza, diz Maria Salva Revez, da Liga dos Direitos Humanos, uma ONG moçambicana. Lá, os resultados da Frelimo são sobrelevados. » Nesta província do sul, a Frelimo tem mais de 90% dos votos, e, caso única nessa eleição, ganha 100% dos deputados enviados pela província no Parlamento. « Pessoas tentam explicar esse resultado, dizendo que os habitantes de Gaza sofreram muito na guerra civil e odeiam a Renamo, mas não é a província que mais sofreu nessa guerra. É um bastião frelimista [é preciso também lembrar-se que] a população de Gaza é muito dispersa, portanto a fraude lá é mais fácil. Além disso, as taxas de participação são ainda estranhamente alta. Se justifica isso pela disciplina dos habitantes quanto às instruções de voto dos líderes comunitários, isso não faz sentido, porque essa disciplina é notada apenas no tempo das eleições, nunca em outros assuntos. » Clotilde, ativista numa associação feminista em Maputo, tenta também uma explicação: « A Renamo está muito pouca estabelecida nesta província, e não enviou quase nenhum observador lá para acompanhar as eleições. Portanto a fraude fosse fácil, pois a Frelimo controlava completamente o processo de voto, a cada passo. » É bom lembrar também que, nas eleições de 2009 que permitiram uma ampla reeleição do presidente Guebuza, a participação de certas assembleias de voto na província de Gaza alcançou os 100% dos eleitores inscritos, e às vezes até ultrapassou os 100%...
Uma eleição num contexto de crescimento econômico
A eleição do Filipe Nyusi, ainda desconhecido dos Moçambicanos no início de 2014, insere-se num duplo contexto muito específico para a Frelimo. Num contexto nacional de crescimento vertiginoso da economia (7% de crescimento do PIB em 2013 e 9,6% em 2014), em primeiro lugar. Um desenvolvimento principalmente devido à exploração de recursos naturais, cujos mais famosos são o carvão na região de Tete, e amanhã, o gás off-shore ao largo de Cabo Delgado (campo de Rovuma, em águas profundas). Estas novas receitas, obviamente, criam novos interesses econômicos (ligados á alocação de novos blocos de exploração, á criação de co-empresas, etc.) que têm um impacto sobre a vida e os interesses políticos.
Aliás, essas últimas semanas, o futuro ex-presidente Guebuza tomou umas decisões importantes sobre o setor de hidrocarbonetos, a principal sendo uma lei que dá ao chefe de Estado o poder de decidir por decreto tudo o que se relaciona com o campo de gás de Rovuma. Indubitavelmente, a preservação do meio ambiente (em uma área onde a biodiversidade é riquíssima, perto do Parque Nacional das Quirimbas) e a distribuição da riqueza não constituirão prioridades do governo neste projeto. A situação das pessoas reassentadas que estão vivendo em zones onde serão desenvolvidas as infra-estruturas de exploração do gás também será um pouco esquecido. Enquanto decide-se quem vai beneficiar diretamente dos lucros dos hidrocarbonetos e dos outros recursos naturais (minas de diamantes, madeira, areia pesada, etc.), o tempo ainda não está vindo, do ponto de visto da Frelimo (especialmente do cerco fechado do Guebuza), de abandonar o poder.
Nyusi : a escolha de um compromisso interno ao Frelimo
As relações de poder internas á Frelimo representam o outro parâmetro importante a considerar na eleição de Filipe Nyusi. Por lembrança, em 2004, Joaquim Chissano, enfraquecido politicamente, aceitou deixar o cargo após 18 anos de presidência. Ao contrário de muitos dos seus pares africanos, como Robert Mugabe no Zimbábue e José Eduardo dos Santos em Angola, ele aceitou então de não representar-se, e pela primeira vez desde a morte de Samora Machel em 1986, abriu-se na Frelimo uma luta pela sucessão. Entraram em rivalidade vários líderes do partido, os principais sendo dois militares, Armando Emílio Guebuza e Joaquim Alberto Chipande. Pertencendo á etnia makonde (província de Cabo Delgado) que foi um pilar do braço armado da Frelimo, Chipande desempenhou um papel decisivo na direção das forças « revolucionárias » durante a guerra de independência, antes de ocupar o cargo de ministro da Defesa de 1975 a 1986. O resto é conhecido: Guebuza foi eleito presidente em 2004 e 2009, e foi obrigado pela Constituição a deixar o lugar. Alberto Chipande já assumiu há muito que, depois de Guebuza, era a sua vez de governar Moçambique, uma aspiração baseada num antigo pacto de sucessão entre as figuras proeminentes da Frelimo, nomeadamente Samora, Chissano, Guebuza e… o próprio Chipande.
Em Março de 2014, o Comitê central da Frelimo escolheu, para representar o partido na eleição presidencial, Filipe Jacinto Nyusi, nascido makonde perto da cidade de Mueda (Cabo Delgado), ministro da Defesa desde 2008 e... sobrinho de Alberto Chipande ! Nyusi foi preferido a vários candidatos, e obteu 68% dos votos internos no segundo torno contra Luíza Diogo. A ex-Primeira ministra (2004-2010) era preferida pela comunidade internacional por seu perfil mais técnico e apartidário mas isso não lhe ajudou.
O candidato Filipe Jacinto Nyusi (de camisa branca), no ultimo dia de campanha em Maputo, com o presidente Armando Emílio Guebuza (à direito).
A escolha do Nyusi, bastante desconhecido na cena política, é o resultado de um compromisso entre vários interesses na Frelimo, especialmente entre os próximos do chefe de Estado, contestado internamente mas continua na presidência do partido, e os de Alberto Chipande que, até 2010, ainda fazia questão de apresentar a sua própria candidatura. Alem disso, a escolha dum candidato relativamente jovem (55 anos, ao contrário de um Chipande com 75 anos) devia servir a esconder o longevidade dum partido que já está no poder à 40 anos. O conceito de « geração da viragem » fez então a sua aparição na Frelimo. O desafio foi depois de ocupar os mídias por vários meses, bem antes do início oficial da campanha eleitoral, para poder apresentar ao eleitorado moçambicano o seu futuro chefe de Estado.
Uma margem de manobra política reduzida
O dia da publicação oficial dos resultados pela STAE (Secretariado Técnico de Administração Eleitoral), o 30 de Outubro, João Pereira, diretor da fundação MASC (Mecanismo de Apoio à Sociedade Civil), sublinhava na STV: « Os resultados são preocupantes para a Frelimo, dado o dinheiro que o partido gastou nessa campanha. Em média, cada um dos seus eleitores lhe custou muito mais do que custou cada eleitor ao MDM ou á Renamo. » A vitória da Frelimo não deve esconder as fortes críticas que são feitas ao partido, incluído internamente, sobre os excessos autoritários ou clientelistas dos próximos do Guebuza, ou sobre a necessidade de um desenvolvimento mais integrado e verdadeiramente democrático para Moçambique. Além destas eleições, um desejo de mudança exprima-se nesses últimos anos, ao ponto que o termo « mudança » foi usado como um dos slogans da campanha da Frelimo. « É a mudança na continuidade », tenta explicar desajeitadamente um quadro do partido, entrevistado por um jornalista de Jeune Afrique na sede do partido em Maputo em Outubro passado.
« Esse país precisa mudança », sussurra uma diretora de escola primária pública no distrito de Matola, em Setembro passado – uma opinião que ela deve esconder pois se ela não faz campanha em favor da Frelimo em público, pode acabar perdendo a sua carga. Após as eleições, certas pessoas, incluídas umas que não votaram para ele, tentam esperar que o futuro presidente mudará alguma coisa, e que concretizará a sua frase pós eleitoral: « Sou o presidente de todos os Moçambicanos ». No entanto, a maioria não tem ilusão sobre a continuidade dada ás práticas políticas da Frelimo e do próximo governo. Em muitos aspectos, já é tempo para a Frente de Libertação de Moçambique « liberar » um pouco o país da sua dominação.