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O acendedor de lampiões

Lei de descentralização em Moçambique: a Renamo entre inconstância e incompetência

21 Mars 2015 , Rédigé par David Brites Publié dans #Moçambique, #Democracia

Nas estradas da província de Nampula.

Nas estradas da província de Nampula.

Conformo os resultados oficiais apresentados pela Comissão Nacional de Eleições, dia 30 de Outubro, após as eleições gerais realizadas duas semanas antes, Filipe Jacinto Nyusi tomou posse no dia 15 de Janeiro, como novo chef de Estado de Moçambique. O novo presidente vem da Frelimo, o partido no poder desde a independência. Dado o risco de que o maior partido da oposição, a Renamo, boicotasse o Parlamento e Assembleias Provinciais, e frente á retórica bélica do seu líder Afonso Dhlakama, o novo presidente da República abriu um diálogo com o velho adversário histórico. Volta numa sequência político que ainda não fechou.

Para voltar sobre a campanha e os resultados das eleições: Eleições de Outubro em Moçambique: quando a democracia sai a perder

Esses últimos meses, a Renamo confirmou a sua grande imaturidade política. Sua liderança tem mostrado grande volatilidade em suas declarações, e o movimento ficou sem crédito depois de ter multiplicado as ameaças que nunca se concretizam. Além disso, as aspirações « democráticas » da Renamo são mais assimiladas a um desejo de apropriar-se o poder, ou pelo menos de o compartilhar com a Frelimo, e não correspondam a um sincero desejo de ver o país abrir-se politicamente. Essa realidade apareceu óbvia depois da declaração de Afonso Dhlakama à imprensa, alguns dias depois das eleições, quando ele explicou que ele contestava os resultados publicados pela Comissão Eleitoral, mas que aceitaria um acordo permitindo que os dois principais partidos pudessem partilhar o poder. As discussões que seguiram na Assembleia da República sobre a criação de um estatuto para o segundo partido mais bem representado no Parlamento reforçaram ainda mais essa teoria. À pessoa que assumiria essa função (Afonso Dhlakama) seria concedido um orçamento de 71,6 milhões de meticais (1,79 milhões de euros), múltiplos benefícios (imunidade diplomática, residência, etc.), e seria integrado no protocolo do Estado. Existe esse estatuto em outros países; por exemplo, recentemente, dia 4 de Março, o Estado do Mali adotou-o, dando ao líder da oposição prerrogativas importantes (estatuto de ministro), benefícios (gabinete, carro) e um financiamento do Estado. Mas, em Moçambique que nem no Mali, a existência dum tal estatuto servirá mais para « comprar » a oposição, para a neutralizar do que para a erigir em verdadeiro contra-poder.

Renamistas em Maputo. (© Adrien Barbier, 2014)

Após a veemência da sua campanha (e dos seus discursos pós-eleitorais), Afonso Dhlakama não podia mostrar-se satisfeito com esta reforma dourada, que podia o descreditar frente aos mais radicais do seu próprio movimento político. As exigências sucederam-se então, com uma rara inconstância na boca do líder renamista. A primeira consistiu a reivindicar, em vez do futuro governo frelimista, a criação de uma « governo de gestão », cujo conceito mesmo pareceu um pouco escapar aos próprios líderes da Renamo, para quem o futuro executivo devia contar com personalidades renamistas – um governo de união nacional, enfim. Mas, dia 26 de Novembro, o projeto de lei relativo á criação deste « governo de gestão » foi, sem surpresa, rejeitado pelos membros da maioria frelimista. Para voltar sobre as primeiras semanas pós-eleitorais: Moçambique: o ressurgimento político da Renamo, e depois?

Portanto, Afonso Dhlakama mudou de alvo, anunciando querer governar onde ele tinha ganhado, através a criação de uma grande região autônoma incluindo todas as províncias onde tinha chegada em primeiro lugar na eleição de 2014. Dia 10 de Janeiro, o velho líder da oposição até prometeu a criação de uma « República do centro e do norte de Moçambique », com um estatuto autônomo. Um projeto perigoso e mal pensado. Perigoso, porque é provável que alimentaria os antagonismos étnicos que Moçambique sempre conseguiu limitar, incluindo na altura da guerra civil – em resumo, entre grupos étnicos Tsongas e Makondes pro-Frelimo, e Senas, Shonas, Machuabos e Macuas-Lomues pro-Renamo concentrados no centro e norte.

E mal pensado porque um tal projeto como este levanta mais questões do que fornece respostas para os problemas do país. De fato, esse projeto só é possível na medida em que as províncias com uma maioria renamista conservam uma continuidade territorial; o que acontecerá com essa « região autônoma » se as mesmas províncias não votas todas para a Renamo nas eleições de 2019? Será que os limites dessa região irão mudar, segundo os resultados eleitorais? São óbvios o absurdo de tal proposta, e a sua dimensão puramente oportunista. Incapaz de oferecer ao país um projeto político claro, a Renamo propõe principalmente uma partilha do poder, e não sabe o que oferecer para obtê-lo.

Provavelmente porque percebeu a inviabilidade de tal proposta no plano institucional, a liderança da Renamo preferiu finalmente reivindicar uma autonomização das províncias existentes, daquelas onde a Renamo obteve uma maioria dos votos. De uma « região autônoma », tornaram a exigir gradualmente as « regiões autônomas ». A utilização indiferenciada dessas duas expressões pelos Renamistas ilustra a falta de clareza das reivindicações da oposição. Concretamente, essa fase de descentralização, enquanto desde 2009 os membros das Assembleias provinciais já são eleitos diretamente, deve trazer sobretudo uma reforma do estatuto de governador provincial, até hoje nomeado pelo chefe de Estado, independentemente da cor política da Assembleia provincial.

Jornal Savana, em 20-03-2015.

O que contem o projeto de lei da Renamo ?

Um projeto de lei foi finalmente apresentada pelos deputados renamistas dia 16 de Março, apenas algumas semanas após a tomada de posso da novos deputados da Assembleia da República. O projeto renamista prevê prevista a criação de « autoridades provinciais », o uso da palavra autárquica permitindo a Renamo de apresentar essa proposta sem ter que pedir uma reforma da Constituição.

A proposta chama a conceder autonomia a seis das onze províncias que compõem Moçambique, cinco sendo aquelas onde a Renamo saiu a frente nas eleições (Sofala, Zambézia, Manica, Tete e Nampula) com uma maioria absoluta ou relativa, a sexta província sendo o Niassa, onde Afonso Dhlakama contesta a maioria (relativa) que teve lá oficialmente a Frelimo. A reforma em si tem um defeito importantíssimo, pois não é um projeto nacional coerente – será que as províncias permaneceram autônomas em 2019, se os resultados não são similares naquela altura? A Renamo ainda não oferece um projeto de descentralização para o país, mas um plano de partilha de poder geograficamente localizado e claramente benéfico para a Renamo. Acima de tudo, a análise do projeto no detalhe revela a imaturidade (ou a incompetência) dos quadros da Renamo em termos de direito institucional.

O que contem o famoso projeto de lei? Várias coisas, que alimentam nessas últimas semanas um debate intenso sobre a descentralização. Em primeiro lugar, o calendário proposto pela Renamo é objeto á controversa, uma vez que o partido de oposição prevê a aplicação imediata da lei, apesar de sua complexidade política, administrativa e logística. No entanto, prevê um período de transição: « A transferência de poderes dos órgãos estatais na província para os órgãos da autárquica provincial [...] é feita no prazo de seis meses a contar da entrada em vigor do presente lei ».

Conselhos provinciais devem ser constituídos, liderados pelo um presidente de Conselho provincial, paralela ao governador da província nomeado pelo chefe do Estado. Esse Conselho constitua « órgãos executivos da autárquica provincial ». A Assembleia provincial, enquanto isso, permanece, e constitua, que nem desde 2009, « o órgão deliberativo e representativo » da província. Mas as duas estruturas, Conselho provincial e Assembleia provincial, constituam duas entidades separadas e então a nova autarquia provincial só acrescenta-se ao nível de governação provincial existente sem o substituir – uma complexidade imposto pela vontade da Renamo de não ter que mudar a Constituição, mas que deixa mais incompreensível o seu projeto de descentralização.

A administração descentralizada do Estado (distritos, postos administrativos, unidades administrativas ou técnicas, etc.) deve ser « diluída » nas novas autárquicas: « hierarquicamente subordinados aos órgãos executivos, [os órgãos estado descentralizado] serão objeto de uma legislação específica e de um regulamentação da autárquica provincial ». Uma medida difícil a aceitar pela a Frelimo, que controla totalmente as administrações desconcentradas do Estado, a todos os níveis.

A nova autárquica vê-se também atribuir, entre outros, competências em termos de desenvolvimento, gestão de terras, transporte público, educação, saneamento, saúde, abastecimento de água, eletricidade, saúde e segurança; e pode criar impostos e adquirir patrimônio. Isso tudo. Atrás de um projeto de lei que deve conceder autonomia para algumas províncias, a transferência de competências exigidas pela Renamo corresponda a um passo bem maior de descentralização, exceto que o projeto de lei nem abrange todas as províncias. Obviamente, uma tal reforma pode ser discutida, e numa democracia em construção, deve ser debatido. Mas diferenças de autonomia tão grande entre certas províncias, segundo os votos delas, mostra bem que a proposta renamista não é um projeto nacional, e coloca-se a questão da coerência das políticas nacionais.

Na província de Niassa, revendicada pela Renamo.

Na província de Niassa, revendicada pela Renamo.

Canal de Moçambique, em 21-01-2015.

Entre as disposições mais controversas, o projeto prevê que 50% das receitas criadas pelas indústrias mineiras e de petróleo ficam geridas pelas entidades provinciais. Um medida que defende-se para as novas autárquicas poderem assumir suas novas competências, mas também que ilustra bem os apetites que motivam a Renamo. Além disso, esta nova redistribuição dos lucros dos recursos naturais criou ainda mais hostilidade da parte da Frelimo, que não pretende partilhar os benefícios dos recursos naturais.

Por último, a medida mais controversa do projecto de lei – e questionável em termos de direito – é aquela que prevê o próprio Afonso Dhlakama, como candidato que recebeu a maioria dos votos nestas províncias na eleição presidencial, poderá escolher os governadores: « Os presidentes dos Conselhos provinciais serão nomeados pelo candidato mais votado nas eleições presidenciais [...] e validado pela assembleia provincial ». A lógica teria sido que os futuros chefes de executivos provinciais sejam nomeados pelas Assembleias provinciais, ou diretamente eleitos pelos eleitores (como é o presidente do Conselho municipal em Moçambique). Afonso Dhlakama privilegiou seu ego e seu desejo de poder, deixando essa lei mal feita e sem crédito. Pois ligar a designação dos presidentes dos Conselhos Provinciais com os resultados na eleição presidencial, simplesmente não faz sentido; basta só imaginar um cenário em que o partido que ganhou a eleição provincial seria diferente do candidato presidencial, e entenda-se logo que esta modalidade de designação é absurda.

Esta lei é um projeto para a Renamo, para Afonso Dhlakama, e para Afonso Dhlakama em 2015. Não para Moçambique, e não para o longo prazo. Essa lei não é sustentável além do atual mandato. Não representa um projeto político viável para o país, enquanto uma verdadeira lei de descentralização seria bem necessária. Esta lei é fruto do apetite frustrado da Renamo, que está cheia dos « roubos » eleitorais. Claro, a Frelimo, bem longe de oferecer melhorias construtivas, preferiu colocar-se numa postura de oposição sistemática a esta lei, e denunciou um projeto que supostamente promova « tribalismo e regionalismo ».

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