Em Moçambique, Nyusi e a saída do Guebuza: de pequenino é que se torce o pepino
Desde as eleições de Outubro de 2014, as atenções focalizaram sobre o projeto de lei da Renamo sobre a autonomização das províncias. No entanto, uma outra atualidade teve impactos no país essas ultimas semanas: a rivalidade interna ao Frelimo, entre os próximos do ex-presidente Armando Emílio Guebuza, ainda presidente do partido, e os próximos do novo chefe de Estado, Filipe Jacinto Nyusi.
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Dentro da Frelimo, uma luta pelo poder declarou-se claramente após a tomada de posso de Filipe Jacinto Nyusi à presidência da República. Por lembrança, a sua designação em Março de 2014, para representar a Frelimo nas eleições gerais, foi o resultado de um compromisso entre os próximos de Armando Emílio Guebuza, presidente a sair, muito contestado internamente por suas práticas clientelistas e suas tendências autoritárias, e os de Alberto Chipande, o próprio tio (e « padrinho » político) de Nyusi, um cacique do partido, vindo da etnia Makonde (Província de Cabo Delgado), tal como o novo chefe do Estado. Por lembrança, Alberto Chipande já assumiu há muito que, depois de Guebuza, era a sua vez de governar Moçambique, uma aspiração baseada num antigo pacto de sucessão entre as figuras proeminentes da Frelimo, nomeadamente Samora, Chissano, Guebuza e… o próprio Chipande. E até 2010, ele não excluía de apresentar-se à eleição presidencial.
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A presencia de Guebuza na liderança da Frelimo, além da data do 15 de Janeiro, apareceu então rapidamente como um grande desafio para o novo chefe de Estado, pois o presidente a sair revelou-se um tipo estranho de contra-poder dentro da própria maioria partidária. Logo no dia 28 de Novembro, o jornal de oposição Savana apresentava esse manchete: « A relação Nyusi-Guebuza poderia ser tenso. »
E essa rivalidade não fez falta. A própria constituição do governo, dia 17 de Janeiro, revelou as lutas de poder internas, uma vez que quatro membros do Comité central da Frelimo foram incorporadas ao governo, incluindo Celso Ismael Correia, Ministro do Território, Ambiente e Desenvolvimento Rural. Aos 36 anos, Correia é um puro produto da era Guebuza, considerado um dos seus tenentes. Presidente do BCI, um dos primeiros bancos do país, ele é presidente-diretor geral do grupo Insitec (finanças, energia, imobiliário, construção), que ele fundou em 2001 (aos 21 anos!) com o apoio da família Guebuza que o ajudou a realizar seu projecto. Mesmo personalidades mais próximos de Nyusi têm um pé no setor privado ou mesmo no passado tiveram que passar alianças comerciais com alguns dos fiéis de Guebuza. O novo chefe de Estado tem laços importantes com várias personalidades do norte do país, especificamente originários da sua província natal de Cabo Delgado. Além do Alberto Chipande, há também o José Mateus Katupha, deputado eleito nessa província e conselheiro de Nyusi na campanha eleitoral, ou ainda o general Lagos Lidimu, antigo chefe das tropas (1995-2008) e muito ativo nos negócios.
Esta rivalidade entre o ex-chefe de Estado e o novo resultou mais rapidamente que previsto. Uma reunião das principais famílias makondes próximas do poder (incluindo Chipande) já tinha, em Bilene, aprovado a opção duma evicção de Guebuza. Sob a pressão de Alberto Chipande e dos seus próximos, logo ao abrir o Comitê Central do Frelimo no dia 26 de Março, o presidente do partido foi forçado a demitir-se, três dias depois, dia 29 de março. No dia seguinte, Filipe Nyusi foi nomeado por unanimidade presidente da Frelimo. Ainda falta mudar muitos nomes do Secretariado do Comité Central da Frelimo, dominado por próximos de Guebuza, em particular substituir Eliseu Machava ao cargo de Secretário geral, mas a etapa já é enorme.
Esta vitória política consolida o novo chefe de Estado, enquanto algumas das suas posturas recentes tendem a reforçar a sua popularidade na população, exibindo-se mais próximo das pessoas. Logo no dia em que assumiu o cargo, ele declarou: « O povo moçambicano é meu chefe ». A visita de duas escolas primárias, uma em Maputo em Março, e outro na província de Gaza, em Abril, foi emblemático nesse sentido. Estas viagens foram também uma oportunidade de ouvir as queixas dos professores, especialmente na segunda escola onde as necessidades são imensas.
Por enquanto, estas visitas resumiram-se mais numa boa comunicação, não traduziram-se em investimentos muito maiores no setor da Educação. Embora o orçamento da Educação tem aumentado, e deve representar 22,8% das despesas públicas este ano, o Centro de Integridade Pública (CIP), uma organização independente, reprovou recentemente o orçamento nacional para 2015 adotada há algumas semanas atrás pelos deputados, denunciando a prioridade ao setor da Defesa. Uma mudança nas práticas de poder e nas escolhas políticas e econômicas não é para já, como o ilustrou também o fracasso do projeto de lei apresentado por deputados do MDM em Fevereiro para limitar o papel dos partidos (nomeadamente o papel da Frelimo) nas instituições do Estado (despartidarização do Estado).
Mas claramente, o estilo decididamente mais aberto e relaxado adotada pelo novo presidente rompe com o do seu antecessor Guebuza, enclausurado no palácio presidencial caríssimo que ele havia construído durante seu segundo mandato. A reputação do presidente Guebuza ficou marcada por um escândalo nas últimas semanas, ou seja, revelações na imprensa italiana com base transcrições de escutas telefônicas do ex-chefe da companhia petrolífera ENI, Paolo Scaroni. Se ouça falar de um presente do presidente Guebuza, um terreno muito agradável em Bilene, e de isenções fiscais para a empresa. Este caso é emblemático de sua presidência, que deixou uma grande confusão entre negócios e política. Era muito importante o novo presidente impôr uma distância com a liderança passada do Guebuza, pelo menos simbolicamente, com a saída do Guebuza da direção da Frelimo.
Frente a oposição também, o chefe de Estado adotou uma atitude mais conciliatória. Teve de fazer isso para a Renamo não boicotar a Assembleia da República e as Assembleias provinciais. Em 7 de fevereiro, Filipe Nyusi e Anfonso Dhlakama encontraram-se em Maputo para achar uma solução á crise política. Nesta ocasião, os dois homens concordaram com o fato de a Renamo ter que propor uma lei de descentralização no Parlamento, e confirmaram a vontade dos dois partidos de respeitar o acordo assinado em 5 de Setembro de 2014.
No entanto, qualquer concessão à oposição permanece improvável, especialmente se for para a associar ao governo. Para a Frelimo, tal gesto seria admitir a verdade das alegações de fraude relativas à eleição de 2014. A Frelimo, que considera a vitória legítima, não considera ter que negociar com a oposição para assumir o poder.
« Vamos ver o que ele vai fazer agora, talvez ele vai fazer coisas boas » é uma frase que se ouve na boca de muitos moçambicanos agora sobre Filipe Nyusi, incluindo de cidadãos que não votaram para ele. Só o tempo poderá dizer se o novo presidente está pronto a fazer « coisas boas ».