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O acendedor de lampiões

Será que Moçambique saiu da crise pós-eleitoral?

2 Juin 2015 , Rédigé par David Brites Publié dans #Moçambique, #Democracia

Ao contrário do que ele proclama desde que passaram as eleições do 15 de Outubro, Afonso Dhlakama, líder da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), primeiro partido da oposição moçambicano, não impediu a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido que governa o Estado moçambicano desde a independência em 1975, de conservar o poder. Nem o « governo de gestão » nem a « região autônoma » ele conseguiu impor. Agora que a lei de descentralização, com todos os seus defeitos e todos os disfuncionamentos institucionais que ela trazia, foi recusada pela maioria frelimista (era no dia 30 de Abril), será que fechou-se uma página política do Moçambique, ou ao contrário, será que a crise está mais aberta do que antes?

Em 15 de Outubro passado, as eleições gerais moçambicanas (presidencial, legislativas, provinciais) conferiram um resultado final claro: a Frelimo ganhou as eleições com mais de 55% dos votos expressos – por lembrança: Moçambique: a Frelimo, grande vencedor das eleições(?) –, a Renamo, partido histórico oposição, ficou em segundo lugar com cerca de um terço dos votos – para voltar sobre os resultados da Renamo: O ressurgimento político da Renamo, e depois? –, e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) manteve-se em menos de 9% dos votos – para voltar sobre a campanha do MDM: Moçambique: Daviz Simango, ou as razões de um fracasso. Os dois partidos de oposição denunciaram a fraude, em particular a Renamo, que pelo menos conseguiu dobrar os seus resultados de 2009 e parar o seu declínio eleitoral. Espinha dorsal do Estado moçambicano, em um país muito rural onde a manipulação eleitoral é fácil, a Frelimo pode ter impactado os resultados das eleições a todas as fases da votação, desde o dia do voto até a contagem e a recolha dos resultados. E a fraude impactou provavelmente o voto pelo menos para evitar um segundo turno na presidencial e não perder a maioria no Parlamento.

Para ir mais longe nas eleições do 15 de Outubro de 2014 e nos meses que precederam as eleições: Eleições de Outubro em Moçambique: quando a democracia sai a perder

As semanas e meses que seguiram as eleições e a proclamação dos resultados oficiais foram marcadas por uma forte tensão política, enquanto a Renamo ameaçava boicotar os órgãos eleitos e ainda haver riscos que o partido de oposição voltasse a usar as armas. Por lembrança, Moçambique saiu em 1992 da guerra civil, quando a Renamo e a Frelimo assinaram em Roma acordos de paz. Acabou então uma das mais sangrentas guerras civis da África no século XX. Dezesseis anos de luta entre o regime marxista da Frelimo e a guerrilha anticomunista da Renamo resultaram na morte de quase um milhão de pessoas e desalojou cinco milhões de Moçambicanos; o país demorou uns 20 anos para sair do problema das minas. Provavelmente em reação aos maus resultados eleitorais de seu movimento em 2004 e em 2009, o líder histórico da Renamo, Afonso Dhlakama, retomou em 2012 uma retórica belicosa, antes de retomar as armas e voltar a esconder-se na sua base no mato do Gorongosa (província de Sofala). Em 2013 e 2014, houve vários confrontos entre o exército moçambicano e os homens da Renamo, e a estrada principal que liga o norte e o sul do país até encontrou-se cortada por vários meses por causa do risco de confrontos e ataques da Renamo, no sul da província de Sofala. Finalmente, a Renamo aceitou participar ás eleições de Outubro após a assinatura de um acordo em Maputo, em 5 de Setembro de 2014, com o presidente Emílio Guebuza. Esse acordo estabelece que ambos lados param com a violência, e prevê a integração dos soldados renamistas nas forças do exército nacional, como também a presença de observadores de cada partido nas assembleias de voto nas eleições.

A seguir das eleições, mais uma vez perdidas pela Renamo, que no entanto saiu reforçada pelos seus resultados, Afonso Dhlakama reclamou sucessivamente a constituição de um « governo de gestão », recusado em Novembro passado pela maioria frelimista na Assembleia da República, e de uma « região autônoma », cujas modalidades de estabelecimento nunca foram muito claro. A final, os deputados da Renamo proporem no Parlamento um projeto de descentralização prevendo uma autonomia para seis das onze províncias moçambicanas: Nampula, Tete, Zambézia, Manica, Sofala, mas também Niassa, onde o líder da oposição contesta a vitória oficial da Frelimo.

Para ir mais longe nos meses que seguiram as eleições do 15 de Outubro de 2014 e no projeto de lei renamisto: Lei de descentralização em Moçambique: a Renamo entre inconstância e incompetência

Nestes últimos meses, Afonso Dhlakama reiterou várias vezes suas ameaças de recorrer novamente à força para obrigar a Frelimo a reconhecer a sua vitória eleitoral. As multidões que se reuniram durante suas viagens nas províncias do centro e do norte ouviram discursos populistas intransigentes. Aos riscos de instrumentalização das multidões partidárias e de confrontos sangrentos, sucedeu a ameaça de um regresso à uma guerra civil. Assim, a Renamo denunciou desde o início do ano a concentração de tropas do exército nacional perto do Gorongosa, enquanto em Março, o próprio governo acusou a Renamo de movimentar milícias para além da província Sofala, em Inhambane e Gaza. Até um ataque pode ter acontecido pelos homens da Renamo no dia 2 de Abril contra uma posição do exército na província de Gaza, sem causar vítimas, mas essa informação não foi confirmada pela direção da Renamo. Recentemente, a Renamo afirmou que a polícia impede seus veículos por todo o país de mover-se normalmente.

Savana, em 6 de Março de 2015.

A rejeição da lei de descentralização: fim da crise ou impasse?

Dia 30 de Abril deste ano, a proposta de criação de províncias autônomas apresentada pela Renamo foi rejeitada pelos deputados, a 138 votos (Frelimo) contra 98 (Renamo e MDM). A votação parlamentar fechou vários meses de debate público sobre esta reforma. As questões de poder relacionadas à descentralização criaram paixões. O assassinato do advogado e constitucionalista franco-moçambicano Gilles Cistac, no dia 3 de Março, baleado na avenida Eduardo Mondlane em Maputo, ilustra as tensões que existem sobre esta questão. Este professor de universidade, conhecido pelas suas críticas sobre as derivas autoritárias do Estado frelimista, tinha argumentado alguns dias antes que o projeto de províncias autônomas proposto pela Renamo não exigia uma modificação da Constituição e poderia ser adotada por lei, logo que se falasse de « autarquias provinciais ». Quinze anos depois do assassinato do jornalista investigador Carlos Cardoso em 2000, e quase um ano após o do juiz Dinis Silica, o assassinato de Gilles Cistac, provavelmente planeado pelo clã Guebuza, o então presidente da Frelimo e ex-chefe do Estado, causou uma grande emoção na opinião pública, como o ilustrou a marcha do dia 7 de Março em sua homenagem em Maputo. « Frelimo de assassinos », era o título principal do jornal Canal de Moçambique no dia 4 de Março. Fernando Lima, editor do jornal independente Savana, recebeu mensagens dizendo que ele era o próximo da lista. E, a semana antes do assassinato do Gilles Cistac, ameaças de morte foram feitas anonimamente no Facebook contra vários « brancos » em torno de intelectuais da oposição (intelectuais da oposição que no entanto não pertencem à Renamo), nomeadamente Fernando Lima, mas também Fernando Veloso, diretor de Canal de Moçambique, os economistas João Manuel Ferreira dos Santos Mosca e Carlos Nuno Castel Branco… e o próprio Gilles Cistac.

A campanha contra os adversários do Guebuza, fora como dentro do partido no poder, foi coordenada pelo um grupo de homens políticos, o G40, co-dirigido por um ex-porta-voz da presidência, Edson Macuácua, e por um ex-ministro dos Transportes, Gabriel Muthisse. O nome deste grupo inspira-se de uma lista de observadores aprovados pelo partido e transmitida aos órgãos de imprensa qui tiveram obrigação de interrogar somente as pessoas desta lista. Antes mesmo de atacar a oposição, o G40 focalizou-se nos adversários internos á Frelimo, em particular brancos ou mulatos como Jorge Rebelo e Sérgio Vieira, dois velhos líderes frelimistas.

A Frelimo, e sobretudo o clã Guebuza – por lembrança, sobre a vida interna na Frelimo: Em Moçambique, Nyusi e a saída do Guebuza: de pequenino é que se torce o pepino –, recusou-se a fazer concessões sobre a questão da descentralização, pela simple razão que uma reforma sobre esta questão levaria a um questionamento de todo o controle político e econômico da Frelimo no país. Se a eleição das Assembleias provinciais não tem qualquer consequência real, já que elas só têm um papel deliberativo, ao contrário, os governadores de província gerenciam todos os serviços públicos e maioria das empresas do Estado, desconcentrados, em todo o país. Eles têm portanto um peso fundamental nas políticas e na gestão das finanças públicas. A Frelimo é por grande parte financiada pela corrupção baseada no desvio de fundos das empresas estatais descentralizados, e pela via de empresas intermediárias que trabalham para as administrações e as empresas públicas.

Centro de Maputo.

Centro de Maputo.

Sem oferecer a final um cenário como aquele visto no Quénia em 2007 ou no Zimbabwe em 2008, com a formação de um governo de unidade nacional liderado pelo líder da oposição, as eleições de Outubro 2014 abriram varias possibilidades em termos de partilha « vertical » do poder. Mas a descentralização proposta pela Renamo, e aprovado pelo MDM, foi resolutamente rejeitada pela Frelimo. Uma transição suave para a alternância poderia ter passado por este cenário. As eleições municipais de 2013, boicotadas pela Renamo mas durante as quais o MDM conseguiu vencer em quatro grandes cidades (Beira, Quelimane, Nampula e Gurué), têm demonstrado que este tipo de experiência obriga os Frelimistas a « acostumar-se » à ideia de alternância, bem como a gestão local amadurece os partidos de oposição – mesmo o MDM tendo decepcionado por certos aspectos: Moçambique: no MDM, rivalidades internas surgem cedo demais. E oferece a possibilidade de ver novas figuras aparecer na cena política (como é o caso por exemplo de Manuel Araújo, presidente MDM do Conselho municipal de Quelimane), em um país onde novos rostos faltam muito na vida política, incluindo nos dois partidos da oposição.

Após a votação parlamentar do 30 de Abril, a chefe da bancada parlamentar renamista, e sobrinha de Dhlakama, Ivone Soares, disse que « o futuro de Moçambique é incerto ». E por uma boa razão: a postura a adotar pela Renamo não é óbvia. O partido de oposição está enfrentando um dilema: enquanto Afonso Dhlakama repetiu nas últimas semanas que os seus homens iriam tomar o poder pela força nas províncias do centro e do norte no caso a Assembleia rejeitar o projeto de lei, o partido não tem a capacidade para concretizar suas ameaças – até talvez nem está com vontade de voltar a fazer guerra. Apenas os homens da Renamo podem conduzir ataques nas províncias do centro e assim preocupar os investidores estrangeiros, o que teria um impacto sobre a economia moçambicana. Mas as declarações do líder renamista são agora contraditórias. Depois de ter afirmado que não iria a pegar as armas de novo, voltou a impor a Frelimo um ultimato de dois meses para implementar o seu projeto de descentralização.

Difícil dizer agora se, na multitude de reclamações do velho Dhlakama, Moçambique está agora a sair de uma longa sequência política que viu a Frelimo evitar uma partilha do poder, ou se pelo contrário, Moçambique, este grande país que conheceu tanta guerra, entrou num impasse que vai levar de novo a violência.

Província de Nampula.

Província de Nampula.

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