Pobreza em Moçambique: será que permanece uma luta de classes?
Um olhar sobre a orientação econômica do Moçambique, ilustrativa sobre vários aspectos de outros casos de países em desenvolvimento caracterizados pelo um crescimento econômico elevado e a dominação de um só partido nas principais tomadas de decisões.
Neste país, o Moçambique,essencialmente rural, e onde o clima difícil é marcado ou pelas secas (como em 1982-1984, ou em 1994-1995) ou pelas cheias terríveis (em 2000, ou de novo em 2015), a perspectiva de um desenvolvimento inclusivo e caracterizado pela justiça social deveria ser a ambição principal de qualquer governo. Ainda mais porque o país levante-se de uma década de guerra de independência e de 16 anos de guerra civil que cansaram o país (900.000 mortes, 5 milhões de deslocados). Mas ninguém tem ilusões sobre as promessas atuais de crescimento e de progresso econômicos. Para ir mais longe sobre os megaprojetos que levam atualmente a economia moçambicana para cima: Mega-projectos e industrias extrativas: em Moçambique, o crescimento económico não assegura o desenvolvimento
« Para que vai servir o gás de Rovuma? Nada, declara, lúcido, Paulo, um pai, em Zona Verde, na periferia de Maputo. Temos barragens em Moçambique, e não pagamos a nossa eletricidade mais barato. Até a pagamos mais caro do que nos outros países à volta. Talvez até pagaremos o nosso gás mais caro. Não vai nos trazer nada. » A realidade é bem diferente do sonho proposto pela propaganda frelimista, em particular quando ela sobre-valoriza os macro-projetos e os efeitos sobre o emprego e o desenvolvimento. A realidade do crescimento moçambicano, é um aumento impressionante das desigualdades, a degradação rápida do meio ambiente, e o enriquecimento indecente das elites (muitas vezes ocidentalizados, sempre corruptas), e voluntariamente desconectadas do povo. Isso tudo, em nome do progresso e do desenvolvimento.
Em Moçambique, nenhuma perspectiva para uma população que sofre
Interrogado no jornal de oposição Savana, em 12 de Dezembro de 2014, o famoso autor moçambicano Mia Couto declarava: « É necessário [...] acordar-se em interno [nos três principais partidos] para entendermos melhor as propostas que eles propõem aos Moçambicanos. Porque no fundo, [...] discutimos dos nomes e das cores políticas, mas não discutimos uma filosofia, uma proposta concreta para ver o que é diferente nas ideias de cada um desses partidos. Em vez de discutir ideias, propostas para o futuro, discutimos nomes, o que não garante um futuro que nos permite ser felizes. » É o drama deste país, de não poder escolher-se uma via de desenvolvimento: ela impõe-se, quase « naturalmente », como se não houvesse outras opções econômicas, como se os interesses convergentes duma elite política e econômica corrupta e egoísta. Neste contexto de crescimento e de investimentos, os partidos disputam-se uma partilha do poder, mas não opõem-se para propor programas alternativos.
A falta de reflexão sobre o modelo de desenvolvimento tem por consequência uma falta de políticas relevantes. As consequências são óbvias nos meios rurais, que conhecem esses últimos anos mudanças enormes, como já o ilustramos no artigo seguinte: Agricultura intensiva: em Moçambique, quem são as vítimas colaterais do « progresso »? A gestão catastrófica do crescimento urbano e demográfico também é ilustrativa, pois o planejamento do território é quase inexistente e muito mal pensado, quando não obedece simplesmente a práticas de nepotismo e de confiscação.
O aumento das desigualdades e a emergência das periferias empobrecidas no Grande Maputo é causa do aumento da criminalidade. Recentemente em fraca redução, o número de raptos, um problema que atinge sobre tudo homens de negócios asiáticos e suas famílias, foi de 42 ano passado. Em 2015, pelo menos oito raptos foram observados só em Maputo no primeiro semestre (e nestes oito, três só em Junho). As cidades de Beira, Inhambane e Nampula conhecem também este problema. O número de pessoas matadas por crime aumentou de 10% em 2014, e um grande número de assassinatos são realizados por criminosos « contratados ». Aliás, os partidos de oposição criticaram o pouco de sinceridade observada no seguimento, pelas autoridades, de dois assassinatos que fizeram muito barulho, aquele do juiz Dinis Silica, em 8 de Maio de 2014, enquanto ele pesquisava sobre esta própria onda de raptos, e aquele de Gilles Cistac, constitucionalista crítica com o poder, em 3 de Março passado. Dia 28 de Agosto, ainda, o jornalista Paulo Machava, editor dum jornal eletrônico, foi assassinado por razões mais obscuras mas da mesma maneira, ou seja: baleado em pleno dia, numa avenida do centro de Maputo. Outro caso: Momad Bashir Suleman, homem de negócios poderoso e suspeito de trafico de droga, foi raptado em Novembro de 2014 pelo um grupo não identificado (composto de Moçambicanos, de Zimbabuenses e de Nigerianos, segundo o próprio raptado), e liberado depois de 38 dias em cativeiro. Em 8 de Dezembro de 2015, o jurista e analista político Carlos Jeque, próximo da Renamo, foi baleado, na rua, de manhã, em Maputo – ele sobreviveu. E o ano 2015 acabou com uma nova vaga de raptos.
É preciso lembrar uma realidade que a gentrificação de Maputo faz um pouco esquecer: classificado ao 180º lugar mundial (em 2014) em termos de desenvolvimento humano (segundo a classificação IDH publicada em 2015), Moçambique ainda é um dos países mais pobres do mundo, o que traduz-se por necessidades básicas consideráveis que os mega-projetos não permitem reduzir. Uma grande maioria da população vive numa situação de pobreza importante, a esperança de vida não ultrapassa os 50 anos, e mais dum terço da população seria em situação de subalimentação, segundo o Programa alimentar mundial – uma situação agravada em tempo de chuvas, entre Dezembro e Fevereiro. A xima, feita de farinha de milho ou de mandioca, permanece o prato principal duma grande maioria da população – às vezes é o único elemento de consumo – e que é muito pobre em nutrimentos.
A esta questão alimentaria coloca-se um outro desafio: o desafio. Entre 2000 e 2014, mais ou menos 127.000 crianças de menos de 5 anos falecerem por não ter um acesso frequente a latrinas básicas. Pois, sem infra-estruturas sanitárias de base, as crianças vivem e brincam em zonas marcadas pelo fecalismo a céu aberto; e, segundo muitas ONG deste setor, entre 70 e 80% das crianças em Moçambique ainda não tem acesso a uma latrina básica, o que acompanha-se por um consumo de água insalubre. Em total, 19,9 milhões de pessoas em todo o país ainda não beneficiem de latrinas. Esta falta contribua a três das principais causas de mortalidade infantil em Moçambique: a desnutrição, a pneumonia e a diarreia. Em Novembro passado, a representação de UNICEF em Moçambique declarava que « se observamos as categorias mais pobres da população, a utilização de latrinas está perto de zero ». Este problema gravíssimo impacta todo o país, mas o nível de pobreza no Norte e as chuvas violentes que são observadas lá, aumentam, claro, os riscos sanitários. Em Inhambane por exemplo, no Sul, 25% dos 1,4 milhões de habitantes não tem acesso a latrinas; este número ultrapassa os 50% em certos distritos das províncias do Cetro como a Zambézia, ou do Norte como o Niassa. A UNICEF observa também casos de violações no mato quando mulheres vão lá para suas necessidades básicas.
Aos problemas de acesso a sistema de saneamento digno, acrescenta-se mais globalmente faltas de serviços públicos de base, que impactam consideravelmente a vida dos cidadãos. A saúde é o primeiro sector a necessitar de investimentos públicos. Postos de saúde e hospitais faltam, e quando existem, faltam de infra-estruturas, de médicos, de enfermeiros e de material para cuidar dos doentes e dos feridos, como também das populações mais vulneráveis. A final, são cerca de 85.000 crianças que morrem cada ano por causa de falta de serviços básicas de saúde. O nível de educação também é catastrófico. A penas 80% das crianças são escolarizados (estatística oficial provavelmente sobre-estimada), o que supõe apenas 3 ou 4 horas de aula por dia, para turmas muitas vezes sobre-lotadas e sub-equipadas (às vezes as próprias paredes da escola nem existem). Pelo menos 30% dos professores não são formados. E segunda estimações, mais de 35.000 escolas deveriam ser construídas para responder às necessidades. Ainda aqui, é óbvio que os problemas, desafios e necessidades não foram antecipados, enquanto a explosão demográfica é observada à mais de uma década.
Numa abordagem econômica ultra-liberal, as autoridades moçambicanas vão pouco a frente dos problemas de base que vivem a maioria da população. A miséria e o empobrecimento não são problemáticos do ponto de visto das mesmas, pois eles não impedem (ou até favorecem) o enriquecimento duma elite política e econômica. « A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos »: essas palavras do autor moçambicano Mia Couto aplicam-se totalmente ao Moçambique. Pior, os grupos os mais vulneráveis não tem nenhum meio de pressão sobre os poderes públicos. As associações mobilizadas em favor de mais transparência e de igualdade existem, e tem que lidar com um Estado cuja coluna vertebral ainda é este velho partido da Frelimo. A várias níveis, as organizações da sociedade civil conduzem ações de advocacia e e informação para defender os direitos das famílias frente aos investidores. Entre elas, pode-se citar certas de dimensão nacional, como o Centro de Identidade Pública (CIP), Justiça ambiental (JA), Fórum Mulher, a Liga dos Direitos Humanos (LDH) ou Centro Terra Viva (CTV); mas também associações que trabalham ao nível de certos distritos ou de certas províncias, e que têm um papel determinante de laço com as comunidades e os cidadãos, como a Associação do Meio Ambiente (AMA) em Cabo Delgado, Kuwuka Jda na província de Maputo, o Centro de Coordenação para Higiene, Água e Saneamento (CECOHAS) na Zambézia, ou ainda a União Províncial dos Camponeses de Tete, e a Associação de Apoio e de Assistência Jurídica ás Comunidades (AAAJC), na província de Tete. Sem contar as pessoas de boa vontade que, nas aldeias, nas comunidades afetadas, organizem-se para defender seus direitos, seja para defender-se frente a investidores agressivos, seja para levar reivindicações ou ações de advocacia em direção das autoridades públicas. É preciso também homenagear esses homens e essas mulheres que lutam pela justiça e pela democracia, em condições muito complicadas, e sem apoio do Estado.
Em 1975, no seu famoso discurso na Beira, durante a sua volta nacional post-independência, o presidente Samora Machel anunciava, com relevância no que ia a acontecer: « Vão tentar nascer aqui em Moçambique capitalistas pretos, que vão tentar explorar outros pretos. Estudou um pouquinho ou licenciou -se, tem o seu diplomo, pronto! Está pronto, está autorizado a explorar... É o Senhor Doutor, ele não produz, senão uma repetição daquilo que foi inculcado pelo capitalismo. […] Vocês todos são pobres aqui! Pobres! Daqui a três anos, nós vamos ver alguns a levantarem edifícios de 15 andares. Onde arranjou esse dinheiro? Se eu levantar um prédio, façam favor de me perguntar. Ouviram? Perguntar: "Então, camarada Samora, onde arranjou o dinheiro?" » Hoje, estes « capitalistas pretos » e esses « exploradores » vêm em maioria do seu próprio partido, e até suas crianças (as próprias crianças de Samora Machel) investiram no setor mineiro, criando com outras grandes figuras da Frelimo a sociedade Montepuez Ruby Mine, que explora a única mina de rubi do Moçambique, no distrito de Montepuez, em Cabo Delgado – um projeto que provocou o fim da extração mineira artesanal, que praticavam as comunidades locais. Em conformidade a estas palavras pronunciadas pelo primeiro presidente deles, desejamos aos Moçambicanos de boa vontade de ter, no futuro, a possibilidade de questionar a responsabilidade pública da classe política. O caminho para isso ainda é muito grande.