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O acendedor de lampiões

Presidência Nyusi (1/2): em Moçambique, a continuidade de práticas políticas e financeiras opacas

30 Juin 2016 , Rédigé par David Brites Publié dans #Moçambique, #Democracia, #Economia

Forte dos seus 57,03% de votos, Filipe Jacinto Nyusi ganhou a eleição do 15 de Outubro de 2014, logo no primeiro torno. Era há um ano e meio. O estilo mais aberto e relaxado adoptado pelo novo presidente rompeu com o do seu antecessor Guebuza, enclausurado no palácio presidencial caríssimo que ele havia construído durante seu segundo mandato. Mas quase ao meio do seu mandato, o chefe do Estado está desiludindo os Moçambicanos que acreditaram que ele podia trazer a « mudança », como o prometiam uns cartazes eleitorais da Frelimo em 2014.

Em todos os aspectos, o presidente Nyusi não trouxe mudança significativa com o seu antecessor, Armando Emílio Guebuza. Sobre a relação com a oposição no contexto pós-eleitoral: ele adoptou nos primeiros meses de mandato uma postura conciliadora, mas só para convencer o primeiro partido de oposição de não boicotar a tomada de posse da Assembleia da República e das Assembleias provinciais. Isto explica-se facilmente: um gesto de abertura com a Renamo seria, do ponto de vista da Frelimo, admitir a verdade das alegações de fraude relativas à eleição de 2014.

Uma mudança nas práticas de poder e nas escolhas políticas e econômicas não é para já, como o ilustrou também o fracasso do projeto de lei apresentado por deputados do MDM em Fevereiro de 2015 para limitar o papel dos partidos (nomeadamente o papel da Frelimo) nas instituições do Estado – trata-se aqui da famosa despartidarização do Estado. Deve ser provavelmente o assunto onde esta presidência modificou menos as práticas: o relacionamento entre área política e o setor económico e financeiro. A crise do metical e agora a crise da dívida « escondida » revelaram recentemente o tamanho do problema. E não é a recente remodelação do governo, no mês passado, que irá melhorar realmente esta situação.

Província de Inhambane.

Província de Inhambane.

Canal de Moçambique - 06-04-2016.

Uma gestão económica péssima

A queda do metical esses últimos meses deixam o país enfrentar a sua pior recessão dos 25 últimos anos: só na terceiro trimestre de 2015, a economia regrediu por 4,5%. Esta queda traduzia-se por um aumento dos preços. A queda dos preços das matérias-primas e o aumento da dívida pública contribuíram para aumentar as taxas de juros que Moçambique tem de pagar pela nova dívida. Sem a degradação da taxa de juro, o pagamento já era uma ginástica complicada para o governo, uma vez que o orçamento é deficitário. Por isso, numa altura em que a economia está em baixo, com a forte desvalorização do metical e a queda dos preços das matérias-primas, das quais a economia depende muito, o peso da dívida no orçamento do Estado « aumenta significativamente » e isso em várias implicações, afirmou no início de Março Nuno Castel-Branco para o mídia alemã Deutsche Welle. « Estamos a começar a entrar em armadilhas de dívidas, alerta o economista moçambicano. Estamos a contrair dívida para pagar dívida, passamos essa dívida um bocadinho mais para o futuro, provavelmente com juros mais altos, para pagar a dívida corrente. » A terceira consequência é a cotação negativa de Moçambique no mercado financeiro internacional, finalizava o especialista, lembrando que a dívida pública cresceu meteoricamente nos últimos dez anos. O valor total da dívida é de 850 milhões de dólares contraídos em 2013, dos quais já foram pagos 105 milhões de dólares, na primeira tranche, em Setembro de 2015. Cerca de 77 milhões eram relativos à dívida em si, mais cerca de 27 milhões de juros.

Claro, a herança da presidência Guebuza (2005-2015) foi péssima, sobretudo por causa da má gestão das finanças públicas no seu segundo mandato. A dívida pública externa tinha disparada de 4,8 bilhões de dólares em 2012 para 7 bilhões em 2014. Ou seja, em apenas dois anos, o governo atravessou as fronteiras e foi buscar mais 2.2 biliões de dólares. Desse valor, cerca de 1,5 bilião resulta do endividamento para financiar três projectos: ponte Maputo/KaTembe (mais de 700 milhões de dólares), a Estrada Circular (mais de 300 milhões) e a protecção costeia (uns 500 milhões). Os dados foram apresentados pelo então ministro da Economia e das Finanças Adriano Maleiane, numa reunião organizada pelo Grupo Moçambicano da Dívida, em Novembro de 2015, em Maputo. O crescimento da dívida privada também é preocupante; em 2012, a dívida privada externa cresceu de 4.5 biliões dólares para USD 4.7 biliões, e, entre 2012 e 2014, a dívida pública cresceu 55,3%, enquanto a privada cresceu 11,3%. Quando se inclui o endividamento interno, o total da dívida privada dispara para 9.1 biliões de dólares, contra 8.0 biliões do total da dívida pública.

Jornal Savana - 25-03-2016.

Dia 17 de Fevereiro, o web-jornal África Monitor publicava um artigo muito crítico sobre as dívidas e clientelas, o « cálice envenenado » deixado por Guebuza a Nyusi: « Moçambique triplicou o endividamento entre 2000 e 2015, sobretudo nos anos de administração Armando Guebuza. Muitos dos gastos estão ligados a projetos de interesse duvidoso e, de acordo com alguns analisas, serviram sobretudo para enriquecer clientelas ligadas à Frelimo. [...] As tarefas de Nyusi são agora cortar gastos, lidar com o FMI e gerir uma elite que "engordou" com a política clientelista dos últimos anos. [...] Os projetos incluem a ponte de Catembe (725 milhões de dólares) e o novo anel viário de Maputo (300 milhões de dólares). Ambas obras promovidas por empresas chinesas. Entretanto, a China já se tornou maior credor de Moçambique. [...] Mas o maior "buraco" é a Ematum. » E entretanto também, o setor do carvão, determinante para as exportações, entrou em crise depois da queda do preço nos mercados internacionais – a empresa australiana Rio Tinto acabou com suas atividades no país em 2014, e o ramo local da empresa brasileira Vale do Rio Doce apresenta regularmente um prejuízo de 500 milhões de dólares por ano, e, só para o primeiro semestro de 2016, de 212 milhões. E a exploração dos 180 trilhões de metros cúbicos de gás natural descobertos em offshore na foz do rio Rovuma, não trará dinheiro nas caixas do Estado antes de, no melhor dos casos, o ano 2020. Até, na sua edição do 6 de Abril de 2016, Canal de Moçambique explicava que « afinal Guebuza não pediu emprestado apenas 850 milhões de dólares para a Ematum. Endividou o Estado em 1,6 bilhões de dólares. Só no dia 24 de Março de 2016, um dia depois da aprovação da reestruturação da dívida dos 850 milhões do Ematum, é que o banco "Crédit Suisse" informou da existência de uma outra dívida, de 787 milhões de dólares. »

É também com esta herança de dívidas, de opacidade das contas públicas e de corrupção que o presidente Nyusi deve lidar. Na mesma edição, Canal de Moçambique até acrescentava, sobre o Guebuza e Ematum: « O segundo empréstimo foi para comprar armas e outro material para apetrechar uma empresa criada por Guebuza e Manuel Chang em Dezembro de 2012 no Cartório privado do Ministério das Finanças. » No entanto, a presidência Nyusi está na continuidade das políticas anteriores. E fora das medidas de Novembro 2015 para controlar melhor os fluxos de meticais e de dólares, que não trazem resultados significativos, o executivo parece bem incapaz de responder à crise. Consequência dramática das práticas governamentais em termos de política económica: dia 15 de Abril de 2016, o FMI suspendeu, de maneira provisória, a cooperação com Moçambique, até que o governo esclareça um empréstimo no valor de mil milhões de dólares contraído junto dum banco suíço e um banco russo. Logo a seguir esta decisão, o FMI cancelou o pagamento da segunda tranche, no valor de 155 milhões de dólares, do empréstimo que tinha acordado no final de 2015 com Moçambique, no total de 285 milhões. « É provavelmente um dos piores casos de entrega de dados errados por parte de um governo que o FMI viu num país africano nos últimos tempos. Eles esconderam deliberadamente de nós pelo menos mil milhões de dólares, possivelmente mais, em empréstimos escondidos », disse então uma fonte do FMI. Entender: a presidência Nyusi herdou de contas públicas catastróficos – nos quais o próprio Nyusi, naquela altura ministro da Defesa, não pode ser totalmente « limpo » –, no entanto, o governo dele escondeu esta dívida opaco aos parceiros financeiros internacionais, uma vergonha revelada ao nível internacional.

Desde esta data, Moçambique está claramente ameaçado duma crise financeira ligados à poupança dos cidadãos, à produtividade e à produção moçambicana, ao direito relativo à terra, etc. e sobre todos estes assuntos, a ação do governo é igual a zero. E com a descoberta, em 2010, dos 180 trilhões de metros cúbicos de gás na bacia do rio Rovuma, na província de Cabo Delgado, Moçambique está indo tranquilamente no sentido de uma economia rentista, baseado nos hidrocarbonetos, cujos lucros, permitindo de « comprar a paz social », podem confortar o regime e as suas práticas de confiscações e de exploração abusiva. Enfim, aqui também não há mudança. Daqui um mês, dados avançados pela FITCH, agência estrangeira de notação internacional, irão indicar que Moçambique ocupa a segunda posição no pódio da lista dos países mais endividados no mundo (é o segundo, em proporção do seu PIB!).

« Moçambique está num caminho certo, não se preocupem com a subida do dólar, não há nenhum alarme por causa da crise, declarava à imprensa em Novembro de 2015 o antigo general Alberto Chipande, "padrinho" político do atual chefe do Estado (e tio dele). É verdade que se fala de roubo ou desvio de dinheiro, mas isso não pode ser motivo de alarme... Os roubos vão continuar porque somos humanos e, como se não bastasse, não somos santos. » Enfim, os dirigentes de ontem e de hoje saiam dessa sem uma ferrida, e com total impunidade. Pior, os Moçambicanos sabem bem que eles é que vão pagar a opacidade das contas públicas​​​​​​​ destes últimos anos. Dia 8 de Junho, passado, em sessão extraordinária da Assembleia da República, e então ministro da Economia e das Finanças Adriano Maleiane (que acabou saindo do governo no mês de Junho) declarou que o reembolso da dívida pública pelo governo levaria 10 anos e 9 meses... ou seja, se Felipe Nyusi for reeleito em 2019, terá passado quase os seus dois mandatos com um governo pagando e gerindo dívidas. Linda mudança!

Em Abril, as notícias relativas à herança da presidência Guebuza revelam finanças públicas em péssimo estado, e um governo incapaz frente aos novos desafios económicos e financeiros. Amanhã, em 1 de Julho, o antigo Ministro das Finanças (2010-2014) e actualmente deputado na Assembleia da República, Manuel Chang, será ouvido pela Procuradoria-Geral da República, no âmbito da recolha de informação sobre a dívida oculta.

Em Abril, as notícias relativas à herança da presidência Guebuza revelam finanças públicas em péssimo estado, e um governo incapaz frente aos novos desafios económicos e financeiros. Amanhã, em 1 de Julho, o antigo Ministro das Finanças (2010-2014) e actualmente deputado na Assembleia da República, Manuel Chang, será ouvido pela Procuradoria-Geral da República, no âmbito da recolha de informação sobre a dívida oculta.

O economista Carlos Castel-Branco denunciava em 17 de Dezembro de 2015 a incapacidade das autoridades públicas (Banco central de Moçambique e governo) em atacar as causas de fundo da crise e inverter a depreciação do metical. « O banco central não sabe o que fazer, não está a tocar nas questões de fundo, e está apenas a tomar algumas medidas clássicas para conter o valor da queda e a fuga de capitais, mas os mecanismos que estão a ser usados incidem apenas sobre as coisas pequenas », dizia então o economista, em entrevista ao jornal Lusa em Lisboa. Até a política governamental é contra-produtiva, como o explicava há alguns meses no jornal @Verdade o economista António Francisco: « Consciente ou inconscientemente, [o Estado] optou por não investir na sua poupança mas em usar a poupança dos outros. » Segundo ele, « o presidente é o principal latifundiário », pois a terra ainda pertence oficialmente ao Estado. Os funcionários tornam-se então negociantes da terra. Do seu ponto de visto, o papel do Estado para defender os direitos dos moradores e agricultores contra os investidores estrangeiros é « nulo »: « [criou-se] um Direito de Propriedade ilegítimo, no sentido que não reconhece a legalidade aos legítimos donos, que são os cidadãos e as comunidades, porque diz: "você não tem direito à Propriedade (da Terra), só tem Direito ao Uso". Converte o povo em inquilino do Estado, se você é inquilino não pode fazer grandes melhorias sem pedir autorização. » Para ir mais longe sobre a situação econômica moçambicana, e sobre a crise do metical: Crise do Metical: em Moçambique, o fim das ilusões económicas?

O professor Francisco não tem dúvidas de que tudo isto impede o desenvolvimento da produção privada do cidadão e não contribui para aumentar o nível de produção da economia moçambicana, que é muito baixo. E ele acrescenta mesmo que « em 1996, Moçambique produzia num ano o que a África do Sul produzia em sete dias. Neste momento, Moçambique produz num ano o que África do Sul produz em 15 dias. » Ou seja, há problemas estruturais profundos que devêm ser resolvidos, e que não o são. Ainda hoje em dia, os preços dos produtos de consumação básica ficam muito mais altos do que antes da crise do metical, pressionando a população de maneira injusta.

Na província de Nampula.

Na província de Nampula.

Práticas políticas na continuidade dos abusos anteriores

Pior é que a continuidade com a política guebuzista não se verifica só na economia, mas também no comportamento do próprio pessoal político. Enquanto o vizinho tanzaniano acabou de reduzir de maneira drástica os gastas da presidência da República e dos ministros (com compra de carros de trabalho mais baratos, redução das viagens profissionais, etc.), em Moçambique, ainda estamos longe disso. Em 2016, o Ministério da Economia e Finanças está gastando milhões de meticais na aquisição de viaturas de função, em tempo tão difícil para os cidadãos moçambicanos. Outro exemplo, uma viagem presidencial ao exterior custa em média ao Estado entre 300.000 e 500.000 dólares; no entanto, as viajens se multiplicam, sem consideração para os gastas que representam para o povo moçambicano. Em 2015 por exemplo, Nyusi foi a Malta participar num evento, The Commonwealth Heads of Government Meeting (CHOGM), uma cimeira de chefes do governo da Commonwealth, organização da qual Moçambique é membro; e na mesma altura, o Primeiro-ministro fez uma visita a França, onde a estadia da delegação moçambicana em Paris durou 17 dias(!), entre ministros, jornalistas e assessores...

Vemos bem que há aqui práticas de gastos e de « amizades » subvencionadas que podem ser mais assimiladas a abusos do dinheiro público e a irresponsabilidade crônica. Esta situação não vai sem incoerências: por exemplo, em 2015, o Ministério do Mar, Águas Interiores e Pescas ficou (referente ao mês de Novembro) com salários em atraso. As prioridades não têm como foco o bem-ser dos cidadãos. Outro exemplo de gasto inútil, quando em 8 de Junho passado, foi realizado uma sessão extraordinária da Assembleia da República, cuja organização representou um custo de 14 milhões de meticais... para debater da famosa dívida pública escondida(!) – um gasto evitável se a bancada da Frelimo tinha aceitado o convite para chamar o governo ao Parlamento na altura dos fatos, ou seja algumas semanas antes. Para aprofundar o assunto das práticas de gastos, abusos, corrupção e clientelismo do partido Frelimo, que impedem uma mudança de política: Moçambique: a hegemonia da Frelimo, um freio à redistribuição das riquezas

As próprias personalidades próximas do novo presidente da República, que no entanto não é muito envolvido na economia, criaram no passado alianças comerciais decisivas com certos próximos de Guebuza. Por exemplo, Adelaïde Anchia Amurane criou em 2002 a empresa de comercialização de água mineral Fontemagica, em parceria com um antigo general e conselheiro de Guebuza, Eduardo da Silva Nihia ; ela é também em possessão de ações financeiras em várias sociedades (de pesca, de automóvel, de construção e de agro-indústria). Do seu lado, o ministro dos Transportes, Carlos Mesquita, é diretamente associado na Beira Grain Terminal SA a Valentina Guebuza, a própria filha do ex-presidente. O antigo governador de Banco de Moçambique, Adriano Afonso Maleiane, que acabou de sair da sua carga de ministro da Economia e das Finanças, ficou liderando várias firmas de conselho, e tendo participações numa sociedade sul-africana, enquanto ele assumiu cargas tão importantes.

E a lista dos membros do governo tendo um pê no setor privado e beneficiando de facilidades do Estado para prosperar ainda é enorme. O ministro do Mar e das Pescas numa sociedade imobiliária, o ministro do Interior nas áreas farmacêutica e mineira, o ministro da Justiça no setor dos transportes, na hotelaria e na logística comercial, o ministro da Indústria e do Comércio no imobiliário, na comunicação e no marketing, e ministro das Obras públicas na criação de gado... Todos têm participações importantes ou dirigem empresas privadas, em setores diversos, mas quase sempre ligados ao Estado.

A mudança anunciada pelo Nyusi na sua campanha eleitoral faz-se demorar. Em vários aspectos, a presidência dele inscreva-se na continuidade dos seus predecessores, sem democracia real e luta sincera contra a corrupção e o clientelismo.

A mudança anunciada pelo Nyusi na sua campanha eleitoral faz-se demorar. Em vários aspectos, a presidência dele inscreva-se na continuidade dos seus predecessores, sem democracia real e luta sincera contra a corrupção e o clientelismo.

As crianças do próprio Alberto Chipande não ficaram de lado da vida econômica do país. Felicia, Joana, Nkutema Namoto, Alberto Junior e Doroteia Chipande registraram recentemente em Maputo a sociedade Sakudimba Segurança Pro, que trabalha em várias áreas (segurança, logística, imobiliário, prospecção mineira…), e isto só representa uma parte dos investimentos deles. Em 2014, Muilene, filho do general Lagos Lidimu, igualmente próximo do atual chefe do Estado, e Simbili Alberto Puchar Mtumuke, filho du general Atanásio Salvador Mtumuke, tinham criado juntos o Grupo Namatil (logística comercial); o próprio irmão do presidente da República, Casimiro Cosme Nhussi, que até aqui tinha ficado longe dos negócios e da vida política do seu país, junto-se no inicio do ano á propriedade financeira desta sociedade. E, informação que saiu em Novembro passado no Canal de Moçambique, Florindo Jacinto Nyusi, filho do actual presidente, é um « menino rico de um país pobre », ou seja, em menos de um ano de mandato do papai, o filho do Nyusi já tem uma Maclaren e uma Ferrari... É preciso haver uma certa transparência sobre este tipo de aquisição. Como falava em 1975, em Beira, Samora Machel, primeiro presidente da República de Moçambique: « Onde arranjou esse dinheiro? Se eu levantar um prédio, façam favor de me perguntar. Ouviram? » Então, presidente Nyusi: quando haverá em Moçambique prestação de contas e monitoria das finanças públicas, com um trabalho sincero de condenação dos abusos (passados, na presidência Guebuza, e presente), e devolva do dinheiro que pertence à nação?

Outro caso, muito mais recente: o Centro de Integridade Pública exprimiu suas dúvidas sobre o novo consórcio que pretende, para um custo de seis mil milhões de dólares, construir um gasoduto para transportar gás de Palma (província de Cabo Delgado) para o Gauteng, uma região da África do Sul (onde ficam Johannesburg e Pretória); e o CIP manifesta receio de « promiscuidade entre negócios do Estado e privados », até porque foi essa a « marca de governação » do anterior presidente, Armando Emílio Guebuza. Por lembrança, a proposta foi feita ao governo moçambicano por um novo consórcio, composto pela empresa sul-africana de gás e petróleo SacOil e a China Petroleum Pipeline Bureau (CPP) – detida pela China National Petroleum Corporation (CNPC). No negócio estão também envolvidos parceiros moçambicanos: a estatal Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH) e a Profin Consulting, SA, empresa de capitais privados criada em 2015. Este caso ilustra uma continuidade entre as presidências Guebuza e Nyusi nos casos de negócios lidados às matérias primas, pois a lógica no setor de grandes infra-estruturas sempre envolva um « local content » que no entanto nunca é genuíno, porque é sempre ligado a figuras da Frelimo. Neste caso, o próprio Alberto Chipande participa no negócio.

Notícia recente: em 4 de Maio passado, o presidente do Conselho municipal de Lichinga (maior cidade da província de Niassa) Saíde Amido, foi detido por motivos de má gestão e desvios de fundos – desde 2014, esta figura influente do partido Frelimo, tal como outras, tinha sido acusado de usurpar terrenos onde deviam ser construídas casas para populações carentes. No entanto, numa reportagem de ontem (em 29 de Junho) no canal moçambicano STV, a ministra da Administração Estatal e Função Pública, Carmelita Namashulua, defendeu que a condenação por corrupção do edil de Lichinga não configura um problema de governação porque a pena aplicada não o impede de continuar a exercer o seu trabalho (legalmente não, mas moralmente...); segundo ela, Saíde Amido só vai sofrer medidas administrativas. Na qualidade de responsável pela tutela dos municípios, a postura da ministra é altamente criticável, por causa da tolerância exprimida em relação a práticas de corrupção. Ainda estamos longe duma transparência e dum respeito pela coisa pública. Último exemplo, informação de ontem, dia 29 de Junho: as 450 câmaras de vigilância que estão a ser montadas nas cidades de Maputo e de Matola são da empresa do filho do ex-presidente, Armando Emílio Guebuza. Segundo Canal de Moçambique, o projeto, baseado na Casa Militar, é do Comando Nacional de Intercepção de Informação, e inclui escutas telefónicas.

Em 22 de Junho, a procuradora-geral da República, Beatriz Buchili, afirmou que não foi encontrada matéria para abrir um processo-crime contra Armando Emílio Guebuza, num alegado caso de corrupção envolvendo a petrolífera italiana ENI. Talvez a queda do antigo presidente chegará com um outro caso... há quem ainda tem esperança de justiça? Perseguir os corruptos e pôr na mesa a questão da responsabilidade política, claramente, não é uma prioridade da presidência Nyusi. Assim, em Dezembro de 2015, a bancada parlamentar da Frelimo rejeitou a possível constituição de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar a Ematum. Por lembrança, esta empresa foi constituída sem clareza pelo poder Guebuza, com a co-responsabilidade do ex-ministro das Finanças, Manuel Chang, e do ex-ministro da Defesa... Filipe Jacinto Nyusi. Aquela empresa, que a Frelimo não quer ver investigada, endividou, como já foi dito, o Estado em 850 milhões de dólares, enquanto alegadamente há um processo em instrução preparatória na Procuradoria-Geral da República. O partido no poder afirma que não se pode criar uma comissão parlamentar de inquérito, sob o risco de ferir o princípio da separação de poderes, mas ninguém é cego sobre a opacidade desta história toda, que ilustra bem a continuidade das práticas de corrupção entre as presidências Guebuza e Nyusi; e a própria oposição parlamentar declarou que a Frelimo quer evitar a exposição da podridão em volta da empresa e uma consequente pressão para a responsabilização dos mentores da empresa. « Os barcos enferrujam-se no porto, o dinheiro foi gasto e ninguém é capaz de explicar por que serviu », resumia em Janeiro passado Ivone Soares, a líder da bancada parlamentar da Renamo. Na verdade, confirmou-se rapidamente que o essencial do dinheiro do empresto foi usado para adquirir armas. E sob pressão dos credores internacionais, o Estado reinjetou 500 milhões de dólares de despesas no orçamento da Defesa, aumentando automaticamente a dívida pública, que atingiu 62% do PIB em 2015, contra 38% em 2011, segundo a agência Moody's.

E é bom colocar os 850 milhões de dólares de empresto ligados a Ematum em perspectiva com o empresto de 283 milhões de dólares decido, em 18 de Dezembro de 2015, pelo Fundo Monetário Internacional ao governo moçambicano, oficialmente para apoiar a atividade económica e reequilibrar as finanças públicas, fragilizadas pela queda do Metical... enfim, um empresto que agrava ainda a dívida do Moçambique, a sua dependência com os credores internacionais, e que não teria sido necessário se não tinha acontecido a caso Ematum. Em Julho, a Procuradoria-Geral da República (PGR) deve ouvir os gestores de Ematum, MAM (State-owned Mozambique Asset Management) e ProIndicus, mas não se deve esperar grande coisa desta instituição, cujos laços com o governo e o partido do poder são grandes demais para garantir um verdadeira independência de ação e de reflexão – a dívida das três empresas, objeto de investigação da PGR, é respeitivamento de 850 milhões de dólares para Ematum, 622 milhões para ProIndicus, e 535 milhões para MAM.

A corrupção atinge todos os níveis de administração e de serviços, ao nível político como ao nível do pequeno administrador... Em Novembro de 2015, a greve dos chapas (transportes públicos) na cidade de Maputo veio o ilustrar: os transportadores de passageiros da rota Baixa-Benfica/Malhazine e Zimpeto decidiram paralisar as suas actividades para protestar contra a extorsão praticada em conjunto pela polícia Municipal e pela polícia de Trânsito. Nem os My Love (carrinhas de caixa aberta) conseguiram então dar vazão à demanda. Neste assunto também, a corrupção da polícia, o povo moçambicano não viu grande mudança. A campanha liderada pelo Conselho municipal de Maputo (cuja própria integridade do seu presidente pode levantar dúvidas...) em Fevereiro de 2016 para lutar contra a corrupção policial ao nível do cidadão ilustra o desafio que representa esta questão.

Em Março deste ano, um relatório produzido pelo Centro de Integridade Público sobre a corrupção no ambiente de negócios em Moçambique deu ao país uma pontuação de zero numa escala de 0 a 100 para a sua aplicação das leis que proíbem o suborno de funcionários públicos, e argumenta que as empresas moçambicanas têm pouco incentivo para promover a transparência graças a ligações historicamente estreitas com o governo. De fato, diz o relatório, Moçambique tem regras geralmente fortes que proíbem o suborno de funcionários públicos, mas que « não há evidência de eficácia » da implementação das regras; destaca-se também a falta de incentivo para abordar práticas de negócios opacos no país, porque grande parte do setor de negócios continua a beneficiar de laços estreitos com políticos. « Um número significativo de empresas de sucesso hoje têm desfrutado de um acesso privilegiado à cadeia de fornecimento do setor público, devido às suas ligações políticas. [...] Como resultado, os incentivos para promover a integridade pública [...] são bastante limitadas. » Seria tempo abordar de maneira crítica o trabalho do Gabinete Central de Combate à Corrupção, que obviamente não faz bem o seu trabalho.

Para ler a segunda parte do artigo, e ir mais longe sobre a situação de Moçambique sob a presidência atual: Presidência Nyusi (2/2): o povo moçambicano ainda está à espera da « mudança » prometida

Escândalos diversos de corrupção ou de abuso de fundos públicos aparecidos na imprensa moçambicana esses ultimos meses. Aqui só aparece um título relativo ao escândalo Ematum, mas claro, este caso generou vários artíclos e reportagens estes ultimos meses. Em relação ao ex-presidente da República Armando Emílio Guebuza, a justiça parece bem parada: em 22 de Junho, a procuradora-geral da República, Beatriz Buchili, afirmou que não foi encontrada matéria para abrir um processo-crime contra Armando Emílio Guebuza, num alegado caso de corrupção envolvendo a petrolífera italiana ENI.

Escândalos diversos de corrupção ou de abuso de fundos públicos aparecidos na imprensa moçambicana esses ultimos meses. Aqui só aparece um título relativo ao escândalo Ematum, mas claro, este caso generou vários artíclos e reportagens estes ultimos meses. Em relação ao ex-presidente da República Armando Emílio Guebuza, a justiça parece bem parada: em 22 de Junho, a procuradora-geral da República, Beatriz Buchili, afirmou que não foi encontrada matéria para abrir um processo-crime contra Armando Emílio Guebuza, num alegado caso de corrupção envolvendo a petrolífera italiana ENI.

« O dever de cada um de nós é dar tudo ao povo, sermos os últimos quando se trata de benefcios, primeiros quando se trata de sacrifícios, dizia no seu tempo o primeiro presidente de Moçambique. Isso é que é servir o povo » Entrevistado em 1980, foi perguntado a Samora Machel: « O Senhor Presidente diz que ainda há corrupção em Moçambique. Mas a opinião geral em todo o mundo é que o seu país é dos menos corruptos em África. O que tem a dizer sobre isto? » A essa pergunta, o chefe do Estado respondeu o seguinte.

Penso que a podemos afirmar com satisfação no termo de cinco anos de independência, que avançámos muito mais no combate à corrupção de que muitos países africanos independentes há mais tempo. Simplesmente, julgamos que ainda não avançámos o suficiente, que estamos ainda muito longe dos nossos objectivos. [...]

No Ocidente, em especial, formou-se uma certa imagem dos países africanos. Dessa imagem fazem parte a corrupção, a desorganização, a incompetência, o desleixo. São coisas já consideradas « normais » em África. Assim, quando aparece um país como o nosso, onde há um combate consequente contra esses males, os observadores estrangeiros têm tendência a dizer que, « comparado com outros países africanos », o nosso não é assim tão mau. Pensamos que esta perspectiva é incorrecta e revela paternalismo, mesmo quando é assumida por observadores simpatizantes do nosso processo. [...]

O nosso termo de comparação são os países mais avançados, onde foi construída uma sociedade mais justa e onde esses males foram eliminados ou quase eliminados, a ponto de já não constituirem um problema sério. É com esses países que queremos comparar-nos. O nosso objectivo não é sermos um país africano menos corrupto do que os outros; o nosso objectivo é eliminar radicalmente a corrupção do nosso país. [...]

Queremos demonstrar, neste processo, que a corrupção, a ineficiência, não são características africanas; são sim características da ideologia do subdesenvolvimento.

Entrevista de Samora Machel, em 1980.

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