Moçambique: o MDM, ou a arte das contradições
Para certos cidadãos deste país, o MDM, quando foi criado, devia propôr uma oferta política alternativa credível à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) e à Resistência nacional de Moçambique (Renamo), os dois grandes partidos históricos. Até, no final de 2013, o MDM tinha conseguido manter-se ou ganhar quatro Conselhos municipais nas eleições autárquicas: manter-se no de Beira, confirmar-se em Quelimane, e ganhar Nampula e Gurué. As esperanças eram grandes, naquela altura. Mas as decisões contraditórias do partido, juntas à volta da Renamo na arena política, facilitaram a sua queda eleitoral em Outubro de 2014. A sair das então eleições gerais, não houve uma abordagem crítica da direção do partido, e as propostas que contradizem a ética promovida pelo MDM o deixam cada vez menos credível.
Em Outubro de 2014, o resultado foi sem ambiguidade: com 6,36% dos votos, o candidato do MDM, Daviz Simango, que tinha criado o partido cinco anos mais cedo, faz ainda pior do que em 2009 – e, outro ponto importante, ele faz menos do que o seu próprio partido nas legislativas (7,21%). Daviz Simango saiu desta eleição enfraquecido; ele apenas podia alegar ter aumentado o número de deputados MDM na Assembleia da República (de 8, passaram a ser 17), o que representa, é preciso o sublinhar, um passo pequeno mas sério para desafiar o bipartidarismo moçambicana. Mas, contestado, o presidente do partido não acabou deixando o lugar, como também não propôs uma revista crítica da campanha eleitoral que fez.
Claro, os partidos não têm todos os mesmos meios para fazer campanha. Outra explicação do péssimo resultado do MDM, que chegou em terceiro lugar nestas eleições gerais (enquanto ele tinha esperança de ficar em segundo lugar, a frente da Renamo): as outras duas formações podem ter sido capazes de acordar-se ai ou ali em detrimento do MDM – é um argumento que Daviz Simango usou muito para explicar seu fracasso eleitoral. Será que o MDM não pode explicar com outros elementos o seu fracasso: com elementos que são da responsabilidade do próprio MDM, talvez? Para iniciar a reflexão: Moçambique: Daviz Simango, ou as razões dum fracasso
Votos da bancada MDM: qual é a coerência com os valores democráticos defendidos?
As decisões tomadas pela direção do MDM apareceram ás vezes em contradição com os objetivos de transparência, de justiça e de democracia que o MDM pretende promover. Na Beira onde ele é presidente do Conselho municipal, Daviz Simango concentra muitas críticas, sobretudo por causa de casos de conflitos de interesse relacionados á empresa responsável pela manutenção das estradas – Beira é agora famosa pelos seus buracos nas estradas. A dinâmica política dos primeiros anos de presidência municipal não parece mais ai, enquanto no entanto, Beira, terceiro maior município do país (depois de Maputo e Matola), ainda oferece oportunidades econômicas consideráveis.
Sobretudo, a bancada MDM faz votos em função dos seus interesses, lembrando aos Moçambicanos que o MDM é só um novo partido similares aos outros, e não um símbolo de mudança de fundo. Alguns exemplos permitem esclarecer esta constatação. Em Maio de 2014, os deputados do MDM aprovaram (juntos com a bancada frelimista) uma lei criticada sobre a reavaliação do salário e dos benefícios dos eleitos (incluídos o presidente da República e os próprios parlamentares). Em previsão das eleições de Outubro de 2014, a constituição das listas eleitorais do MDM chocou muitas pessoas, até militantes do partido, pois Daviz Simango colocou em listas fora da sua província natal de Sofala vários próximos ou membros de sua própria família. O próprio Manuel de Araújo, presidente do Conselho municipal de Quelimane desde 2011 e figura em ascensão do MDM, criticou em 2014 o lugar dado aos próximos do presidente do partido... Claro, o Araújo teria provavelmente preferido colocar os próximos dele. Para ir mais longe sobre essas tensões dentro do movimento: Moçambique: no MDM, rivalidades internas surgem cedo demais
Depois disso, a escolha do irmão do Daviz Simango, Lutero Simango, como presidente do grupo parlamentar do MDM, foi objeto de uma controvérsia, pois o edil de Quelimane defendeu publicamente, mas em vão, que esta carga deveria ser reservada a um deputado eleito na Zambézia, pois esta província foi aquela que enviou o maior número de deputados MDM na Assembleia da República. Essa polêmica ilustra sobretudo a vontade de muitos no partido de ver o líder do MDM « abrir » a direção a outras personalidades. De facto, a imagem do partido não é diferente daquela da Frelimo e da Renamo quando se vê um presidente de partido e um chefe de bancada parlamentar tendo o mesmo nome, sendo familiares…
Último exemplo, em 18 de Novembro passado, a Assembleia da República aprovou, com os votos majoritários da bancada da Frelimo, mas também com os dos deputados do MDM, um instrumento que dá espaço para que se executem escutas telefónicas aos cidadãos moçambicanos; a bancada da Renamo votou contra essa pretensão por entender que o mesmo invade a vida privada dos cidadãos e não está claro quem é que pode exercer tais escutas. Aqui também, porquê a Frelimo teve apoio do MDM? Será que, em nome da segurança da sociedade moçambicana, as escutas de cidadãos são necessárias? No contexto moçambicano atual, ninguém pode acreditar isso. Moçambique não conhece risco de terrorismo, mas sim, um risco de opressão política. Então aqui, onde está o MDM para defender os valores relativos à democracia, a vida privada dos cidadãos e aos seus direitos fundamentais?
O MDM tem capacidade de ter papel positivo na vida política moçambicana
A existência mesma do MDM traz a certos cidadãos uma esperança de ver políticos trabalhar de maneira diferente, e com alvo o interesso geral. Em 2014, o presidente do Conselho municipal de Quelimane recebeu um prémio em África do Sul, atribuído por Southern Africa Trust – Mail & Guardian, promotores de mudanças em África austral na categoria de boa governação (Drivers of Change Award – Government Category); e recentemente, o edil de Beira, presidente do partido, ainda recebeu três Prémios de Liderança, Boa Governação e Boa Acção na questão da Segurança, pela revista Professional Management Review-Africa (PMRAfrica). Provas que a ação municipal do MDM é reconhecida por ser eficiente.
Se o MDM não quer destabilizar sua imagem de integridade, tem que fazer esforços e renovar seus laços com os cidadãos. Em Fevereiro passado, o edil do município de Quelimane foi visto no canal STV, levando consigo seus vereadores, os desafiando a passarem pela mesma ponte onde todos dias cidadãos quelimanenses passam apesar do risco de afogamento; o vereador de Infra-estruturas não se arriscou, e muitas pessoas que olharam esta cena pela televisão aprovaram esta vontade de Manuel de Araújo de entender os problemas dos habitantes. Um bom exemplo de ação que podem fazer lideres do MDM, no entanto é preciso este tipo de « propaganda » ser seguido de reformas e de investimentos (aqui por exemplo, da reconstrução da tal ponte em questão). Até um cidadão moçambicano escreveu, na página Facebook do grupo Olho do Cidadão (uma plataforma de web-cidadãos ativos), que, « ao nível central », seria necessário « landar o ministro dos Transportes voltar a casa de "My-Love" », para, assim, os dirigentes do país entenderem a vida do dia-a-dia dos Moçambicanos. Outro exemplo em Quelimane: a elaboração, junto com a cooperação francesa em Moçambique e com um conjunto de associações zambezianas (LDH-Zambézia, NAFEZA, AMME, Cecohas, FONGZA, LDC, etc.), duma « Casa do Direito e do Cidadão », lugar de informação e de troca aberto a todos sobre os direitos dos cidadãos quelimanenses.
Nas questões de assunto nacional, o MDM já ilustrou-se de maneira positiva em favor duma maior transparência na vida política e nas finanças públicas. O caso de Ematum é emblemático. Por lembrança, em Junho de 2015, o MDM propôs no Parlamento a criação de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar a Ematum, mas esta foi chumbada pela bancada frelimista. O MDM decidiu então usar uma prerrogativa regimental do Parlamento. Enviou um ofício à empresa Ematum, em Junho do ano passado, e este ano voltou a fazê-lo, a pedir mais informação, documentação sobre a empresa e estudos de viabilidade. « A Ematum simplesmente recusou-se a conceder os documentos exigidos, contou no início de Março 2016 à empresa de comunicação internacional alemã Deutsche Welle (DW África) o deputado MDM Fernando Bismark. A alegação para nos negarem esse direito é que é uma empresa de direito privado. Mas há fundos do Estado. »
A recusa representa uma violação ao regimento do Parlamento, já que os deputados têm a prerrogativa de fiscalizar instituições com participação financeira do Estado. É o caso da Ematum, que é participada pela SISE, a polícia secreta moçambicana, e pelo Instituto de Gestão das Participações do Estado (IGEPE). Por isso, o MDM já está a efetuar diligências junto da Procuradoria-Geral da República. Neste caso, MDM assuma um papel positivo em favor da democracia, e neste artigo que mostra-se crítica em relação ao MDM, a honestidade intelectual exige de lembrar também o que a bancada parlamentar e os edíles deste partido faz de positivo, mesmo se o MDM muitas vezes ainda não se revela « força de proposta », em particular na questão da descentralização. Limita-se a declarações, não a propostas de leias ou de reformas constitucionais. Esta ausência dos principais conflitos Renamo-governo terá conseqüências sobre os resultados eleitorais do MDM nas próximas eleições autárquicas, em 2018, como já teve em 2014 nas eleições gerais. MDM ainda deve amadurecer um pouco para aparecer como um partido tão credível como a Frelimo e a Renamo.