O papel do MDM na democracia moçambicana: o fruto ainda deve amadurecer
Gurué, na província de Zambézia. O município de Gurué chegou a ser o quarto onde o MDM ganhou as autárquicas, depois de Beira, de Quelimane e de Nampula. Em Novembro de 2013, a contagem dos votos na segunda cidade da Zambézia tinha causado uma grande confusão por causa das tentativas de fraude da Frelimo, o que levou ao cancelamento dos resultados pelo Conselho constitucional; uma nova eleição organizada em 8 de Fevereiro de 2014 confirmou então a vitória do MDM (com 55% dos votos). Num contexto de boicote das autárquicas pela Renamo, era então o tempo das esperanças e da expensão eleitoral para o MDM.
Dia 1 de Junho de 2016, foi publicado no jornal O País um comunicado de imprensa enviado por Daviz Simango, onde o próprio apresenta suas reflexões sobre a descoberta, estas ultimas semanas, de valas comuns criados no âmbito dos combates entre os homens da Renamo e as Forças armadas. Ele declarou considerar « absurdo » o fato do governo negar a existência de valas comuns: « Negar que não há vala comum é um contra-senso, pois onde houver mais que dois corpos é vala comum ou se trata de massacre. » Também criticou o tratamento dos corpos encontrados, negando que os mesmos tenham sido enterrados.
Esta intervenção do presidente do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), por ser relevante, não deixava de ser inútil em termos de proposta concreta. E de fato, no âmbito da crise pólitica atual, o terceiro partido de Moçambique tem grandes dificuldades a impôr-se como um ator decisivo, como o explicava, em 29 de Setembro de 2016, Egídio Vaz, entrevistado pela mídia Deutsche Welle (DW): « Não há pã para o MDM [no] processo [de negociações], definitivamente, para a minha infelicidade e para os demais por causa da Renamo que não gosta de trazer a mesa outros atores, inclusive os atores não partidários como a sociedade civil. Segundo a Renamo, esse é um assunto que tem apenas a ver com as duas partes interessadas [Renamo e governo frelimista] nesse caso. »
O partido MDM está cheio de contradições, entre uma imagem de partido « jovem » mais democrático do que a Renamo ou a Frelimo; e uma dominação da família Simango no partido, a repetição de práticas clientelistas, as lutas de poder dentro do poder (como já o tinhamos visto em 2015: Moçambique: no MDM, rivalidades internas surgem cedo demais), etc. Suspeitas recentes (aparecidas semana passada) de desvio de fundos por Daviz Simango para construção duma vila privada em Beira, onde ele é presidente do Conselho municipal, vêm acrescentar-se a outras contradições, que já tinhamos analisádas este ano: Moçambique: o MDM, ou a arte das contradições. No entanto, o papel global de MDM, por quebrar o bipartidarismo moçambicano, pode qualificar-se de positivo. Mas o partido ainda deve trabalhar para tornar-se um concurrente sério aos dois grandes partidos históricos.
Em Fevereiro de 2016, o edil do município de Quelimane foi visto no canal STV, levando consigo seus vereadores, os desafiando a passarem pela mesma ponte onde todos dias cidadãos quelimanenses passam apesar do risco de afogamento; o vereador de Infra-estruturas não se arriscou, e muitas pessoas que olharam esta cena pela televisão aprovaram esta vontade de Manuel de Araújo de entender os problemas dos habitantes. Um bom exemplo de ação que podem fazer lideres do MDM, no entanto é preciso este tipo de « propaganda » ser seguido de reformas e de investimentos (aqui por exemplo, da reconstrução da tal ponte em questão). Até um cidadão moçambicano escreveu, na página Facebook do grupo Olho do Cidadão (uma plataforma de web-cidadãos ativos), que, « ao nível central », seria necessário « mandar o ministro dos Transportes voltar a casa de "My-Love" », para, assim, os dirigentes do país entenderem a vida do dia-a-dia dos Moçambicanos. Outro exemplo em Quelimane: a elaboração, junto com a cooperação francesa em Moçambique e com um conjunto de associações zambezianas (LDH-Zambézia, NAFEZA, AMME, Cecohas, FONGZA, LDC, etc.), duma « Casa do Direito e do Cidadão », lugar de informação e de troca aberto a todos sobre os direitos dos cidadãos quelimanenses.
Nas questões de assunto nacional, o MDM já ilustrou-se de maneira positiva em favor duma maior transparência na vida política e nas finanças públicas. O caso de Ematum é emblemático. Por lembrança, em Junho de 2015, o MDM propôs no Parlamento a criação de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar a Ematum, mas esta foi chumbada pela bancada frelimista. O MDM decidiu então usar uma prerrogativa regimental do Parlamento. Enviou um ofício à empresa Ematum, em Junho de 2015, e em 2016 voltou a fazê-lo, a pedir mais informação, documentação sobre a empresa e estudos de viabilidade. « A Ematum simplesmente recusou-se a conceder os documentos exigidos, contou no início de Março 2016 à empresa de comunicação internacional alemã Deutsche Welle (DW África) o deputado MDM Fernando Bismark. A alegação para nos negarem esse direito é que é uma empresa de direito privado. Mas há fundos do Estado. »
A recusa representa uma violação ao regimento do Parlamento, já que os deputados têm a prerrogativa de fiscalizar instituições com participação financeira do Estado. É o caso da Ematum, que é participada pela SISE, a polícia secreta moçambicana, e pelo Instituto de Gestão das Participações do Estado (IGEPE). Por isso, o MDM já efetuou diligências junto da Procuradoria-Geral da República. Neste caso, MDM assuma um papel positivo em favor da democracia, e neste artigo que mostra-se crítica em relação ao MDM, a honestidade intelectual exige de lembrar também o que a bancada parlamentar deste partido faz de positivo, mesmo se o MDM muitas vezes ainda não se revela « força de proposta ».
O MDM deve se tornar força de proposição na questão da descentralização
O MDM deve provar que não é só um ramo exterior da Renamo, como o pensam alguns na Frelimo. Mas é preciso ser coerente com os valores defendidos (tipo no caso da valorização dos subsídios parlamentares em 2014, ou das escutas telefónicas em Novembro de 2015), e não privilegiar os seus interesses particulares. A existência mesma do MDM traz a certos cidadãos uma esperança de ver políticos trabalhar de maneira diferente, e com alvo o interesso geral. Em 2014, o presidente do Conselho municipal de Quelimane recebeu um prémio em África do Sul, atribuído por Southern Africa Trust – Mail & Guardian, promotores de mudanças em África austral na categoria de boa governação (Drivers of Change Award – Government Category); e antes disso, em 2006, o edil de Beira, presidente do partido, tinha recebido três Prémios de Liderança, Boa Governação e Boa Acção na questão da Segurança, pela revista Professional Management Review-Africa (PMRAfrica). Provas que a ação municipal do MDM é reconhecida por ser eficiente.
Mas ao nível nacional, o MDM tem também de tornar-se força de proposição. No âmbito da crise política entre Renamo e Frelimo por exemplo, não basta dar umas propostas orais de vez em quando, como o fez o Daviz Simango em Maio de 2015, quando falou para o jornal Savana: « Solução é [o chefe do Estado] nomear governadores da Renamo. » Ou ainda quando ele declarou, citado pela Lusa, sobre a descoberta no Gorongosa duma vala comum com uns 120 corpos em Abril de 2016: « Vi as imagens e são choquantes. [...] Agora que temos imagens, a grande questão que se coloca é saber quem matou aquelas pessoas. [...] Se [as autoridades locais e nacionais] não têm culpa no cartório, então porquê desmentem? », reiterando que é preciso uma investigação aos fatos, após ter exigido o envolvimento do Parlamento e do Ministério público – Lutero Simango, chefe da bancada MDM, tinha declarado antes disso: « O governo tem apetite para matar. » Os deputados estão em responsabilidade para propor leis ou mudanças constitucionais, e para pressionar o governo para investigar sobre potenciais crimes de guerra, então é papel dos deputados MDM de o fazerem.
O MDM, ausente da oposição Frelimo-Renamo, tem que impor-se nesta rivalidade estéril, para a democracia moçambicana sair fortalecida pela esta sequência política. Por exemplo, quando a Renamo trouxe no Parlamento, em Março de 2015 uma proposta de autonomia das seis províncias onde estimava ter ganhado as eleições de Outubro de 2014, e em Dezembro de 2015 um projeto geral de descentralização do país), o MDM os aprovou (enquanto a Frelimo votava contra) sem tentar melhorar as tais propostas.
Quando aprovou o projeto de mudança constitucional em Dezembro de 2015, ignorando suas fraquezas jurídicas óbvias, a bancada MDM explicou que esta seria uma forma de amenizar a crise político-militar e aprofundar a descentralização. Mas será que este partido pode satisfazer-se em seguir uma proposta imperfeita, isso só por... amenizar a crise? A responsabilidade política, não é seguir os outros na urgência, mas fazer propostas com paciência, com calma, e as mais relevantes possíveis. Seria bom o « terceiro » partido de Moçambique ter senso de iniciativa nesta história, porque: 1) há mais chance da Frelimo aceitar uma proposta vindo do MDM do que uma vindo da Renamo; e 2) uma proposta MDM pode ser menos o resultado de cálculos políticos do que uma vindo da Renamo ou da Frelimo. Numa entrevista publicada no Canal de Moçambique em 5 de Janeiro de 2016, Daviz Simango defendeu o princípio da eleição dos governadores provinciais. Em 17 de Fevereiro de 2016, Lutero Simango defendeu em cessão parlamentar que a paz em Moçambique não devia ser assunto apenas de dois partidos mas de todos os Moçambicanos... Então, porquê o MDM não se torna força de proposta? Só palavras. Se os deputados MDM acham que a descentralização tem que se fazer, então porque não propõem uma Lei de descentralização?
Esta observação vala para este assunto como para muitos outros, incluindo a crise do metical e as subidas de preços. Dia 8 de Junho de 2016, em sessão extraordinária da Assembleia da República onde se tratou dos escândalos relativos à divida moçambicana herdada pela presidência Guebuza e escondida pela presidência Nyusi, o deputado MDM Silvério Ronguane pediu, com toda legitimidade, a retirada de deputados que fizeram parte do anterior governo para que se discuta com liberdade a questão da dívida do país, visto que na mesma sala (plenária), havia quem estava implicado no processo das dívidas – um pedido que foi, claro, rejeitado pela Frelimo. O MDM faz poucas propostas concretas no Parlamento, considerando como inútil proposições que serão sistematicamente recusadas pela Frelimo. Podemos mencionar pelo menos um projeto de lei apresentado por deputados do MDM, em Fevereiro de 2015, que tinha como objetivo limitar o papel dos partidos (nomeadamente o papel da Frelimo) nas instituições do Estado (a famosa despartidarização do Estado). Mas esta proposta de lei foi recusada pela bancada frelimista, que fica ainda com maioria no Parlamento. Outro evento, em 2016: o assassinato, por linchamento (o corpo sendo regarado com gasolina, com instrumentos contundentes, com fogo, etc.), de Sousa Matola, antigo chefe de informação do MDM na Delegação política da cidade de Tete, morto na sede do partido, constituiu um grave retrocesso à convivência política para todo o país... Ai, gostaríamos ver uma « resposta » política à medida do ambiente político global no país. Esta formação tem a chance de poder o fazer, sendo a única no Parlamento a não ter sido envolvido na Guerra civil (e a ter nascido depois do Acordo de Roma de 1992).
Em 24 de Fevereiro de 2016, convidado a um debate sobre a situação política, organizado pelo NIMD (Instituto Holandês para Democracia Multipartidária), Manuel de Araújo declarou: « Temos primeiro que assumir que estamos em guerra para podermos encontrar as saídas para a estabilidade. A estabilidade pode ser alcançada através da articulação do trinómio: Desenvolvimento, Justiça, Paz. [...] É importante revistarmos as razões que levaram que os chefes escolhessem os actores da negociação do AGP, isso pode ajudar-nos a posicionarmo-nos na resolução dos impasses e conflitos actuais. » Os discursos que visam a esclarecer a situação global são bons. Mas depois de ter « revistado as razões » e entendido as raízes das clivagens políticos em Moçambique, talvez o MDM poderá passar à fase das proposições pela paz.
O diálogo iniciado em 25 de Maio de 2016, no âmbito duma Comissão mista (Renamo-governo) para o diálogo e a paz, excluia de novo o MDM das discussões relativas à paz, à democratização e à despartidarização do Estado, e à descentralização. Enquanto eram convidados, a partir de Junho, mediadores internacionais (África do Sul, União europeia, Igreja católica, e alguns outros), e, a partir de Agosto, representantes da sociedade civil, o MDM aparecia como o grande ausente dessas discussões entre oposição renamista e governo frelimista. Em Agosto, até certas organizações da sociedade civil: o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), o Mecanismo de Apoio à Sociedade Civil (MASC), o Centro de Integridade Pública (CIP) e o Observatório do Meio Rural (OMR), entregaram um documento de reflexão sobre a descentralização. Este partido, o MDM, relativamente jovem, tem que voltar a frente da arena política com proposições relevantes e sérias, e com uma visão para o país. Por isso, é preciso ir além das declarações ou dos comunicados de imprensa enviados aos jornais, como o do dia 1 de Junho de 2016, onde Daviz Simango exprimiu-se sobre valas comuns – dia 7 de Junho de 2016, o MDM afirmou também a existência dum enésima vala comum no distrito de Macossa, na província de Manica. Este tipo de intervenção, claro é necessário, mas é totalmente insuficiente para participar às soluções políticas atuais. É preciso atuar na área decisional! É só assim que este partido poderá aparecer como maduro politicamente, e convencer os cidadãos que a sua presencia no Parlamento (8 deputados em 2009, 17 desde 2014) pode mudar qualquer coisa à vida política moçambicana, dominada, já há tempo demais, por um bipartimo esmagador, herdado da guerra civil.
A cidade de Beira, na província de Sofala, é o reduto eleitoral de Daviz Simango (eleito presidente do Conselho municipal em 2004 como candidato da Renamo, reeleito em 2009 como candidato independente e em 2014 como candidato do MDM). Se o novo Ato de descentralização acaba sendo aprovado, em Novembro, poderá ter consequências negativas pelo MDM nas próximas autárquicas de 2018, pois a Renamo, governando províncias do centro e do norte, será numa posição mais confortável para fazer campanha nestas mesmas províncias.