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O acendedor de lampiões

Em Moçambique, as feridas da guerra civil permanecem

7 Août 2017 , Rédigé par David Brites Publié dans #Identidade, #Moçambique, #História

Cuamba, província de Niassa.

Cuamba, província de Niassa.

Provavelmente em reação aos péssimos resultados eleitorais da Renamo em 2004 e especialmente em 2009, Afonso Dhlakama voltou em 2012 com retórica de guerra, antes de retomar as armas, em 2013, desde o seu quartel-geral no mato do Gorongosa (Sofala). Estratégia difícil a levar, já que a Renamo de 2013 não é a mesma daquela de 1992. A reação dos Renamistas, portanto, resultou em ações espalhadas, como atirar em chapas, machibumbos e alvos militares. Em 2013 e em 2014, vários confrontos com as Forças armadas nacionais aconteceram, e a estrada principal (EN1) ligando o Norte e o Sul do país ficou em parte cortada por causa da presença de forças renamistes, no sul da província de Sofala. Depois do acordo de Setembro de 2014, a Renamo aceitou participar às eleições de Outubro a seguir, mas, frente à sua nova derrota eleitoral, contestada, os confrontos voltaram desde o hiverno de 2015, com uma trégua frágil desde o final de 2016. A visita do presidente Nyusi no Gorongosa, ontem, em 6 de Augosto passado, embora cria grandes esperanças sobre a paz, não permita ainda de afirmar que estas violências fazem parte do passado. Elas fizeram lembrar ao país os tempos terríveis da guerra civil, enquanto ainda não houve um trabalho de memória ou de justiça sobre esse conflito (1977-1992) que foi um dos maiores que conheceu o continente africano no século XX.

Estátua do presidente Samora Machel (Inhambane).

Por lembrança, Moçambique tornou-se independente em 1975, depois duma guerra de dez anos conduzida pela Frente de Libertação de Moçambique, a Frelimo. De 1975 a 1986, a presidência de Samora Machel foi marcado pela introdução de serviços públicos básicos, mas também pela criação de um regime marxista repressivo, pelo estabelecimento de uma burocracia que favoreceu uma corrupção que o próprio chef de Estado condenava, e, em termos de política estrangeira, pela oposição ao regime do apartheid na África do Sul. É importante guardar esses elementos em mente para entender a herança da Frelimo atual. A Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) nasceu em oposição à Frelimo. Inicialmente um grupo armado antes de se converter num partido político, esse movimento lançou o país numa guerra civil terrível, em 1977. Liderada desde 1979 por Afonso Dhlakama, a Renamo recebeu apoio dos ex-colonizadores portugueses, dos Estados Unidos, da África do Sul e de outros países vizinhos de Moçambique.

Com 900 mil mortos e cinco milhões de deslocados, o conflito terminou em 1992. Enquanto isso, a Frelimo abandonou a doutrina marxista (1989) e a Constituição foi alterada para permitir um sistema multipartidário e permitir a liberdade de expressão (1990). Desde então, a paz voltou e cinco eleições gerais foram realizadas, durante as quais o eterno candidato da Renamo, Afonso Dhlakama, e o seu partido sempre foram derrotada pela Frelimo, representado sucessivamente por Joaquim Alberto Chissano (presidente de 1986 a 2005), Armando Emilio Guebuza (2005-2015) e, na última eleição, Filipe Jacinto Nyusi, que tomou posse de chefe de Estado em Janeiro de 2015. Assim, o mesmo partido governa o país desde a independência, e a vida política é caracterizada desde os anos 90 por uma forte polarização política à volta dos dois principais partidos.

Ao largo da Ilha de Moçambique.

Voltar às raízes.

Para entender o Moçambique de hoje, é preciso lembrar-se do que é este país. A sua história pesada, pelo menos desde as premícias da colonização, até o final da guerra civil. Moçambique, é um tempo de colonização longo de quatro séculos e meio, na costa inicialmente, depois ao longo das rotas fluviais e pelo meio dos prazos, essas vastas terras exploradas desde o século XVII por aventureiros portugueses independentes, no centro e no norte do país. A implementação portuguesa foi muito lente, mas foi uma realidade para muitos povos ao norte do rio Zambeze muito cedo. A história acelera-se no século XIX, quando os Europeus decidem a partilha do continente.

Os reinos locais não sobrevivam a esta « corrida » que opõe os Portugueses e os Britânicos na região: o poderoso reino dos Ngunis (etnia Zulu), no extreme-sul, entra em colapso logo em 1979; os povos do vale do Zambeze e do Lago Niassa são conquistados nos anos 1880 e 1890, ao preço de vivas tensões diplomáticas e militares entre Londres e Lisboa; o Império de Gaza (etnia Tsonga), no sul, cai em 1895; a singular República militar de Maganja da Costa, construída por escravos-soldados dum antigo prazo na Zambézia, é destruída em 1898; e o glorioso reino do Monomotapa (etnia Shona), já mais ou menos submetido ao Portugal desde 1629, desaparece oficialmente em 1902. A etnia Makonde, localizada nos planaltos do nordeste, à fronteira com a Tanzania alemã, é conquistada nos anos seguintes. O Moçambique precolonial morreu. Em 1898, a capital é transferida da Ilha de Moçambique, no norte do país, para Lourenço Marques (a actual Maputo), uma cidade criada do nada no extreme-sul de Moçambique para consolidar a presença portuguesa frente ás ambições britânicas e aproveitar as oportunidades comerciais que oferecia a nova realidade sul-africana.

A imigração portuguesa antiga na região e os fluxos comerciais que já existiam há muito tempo através do Oceano Índico, com os Árabes mas também com o resto do Império português da Índia (a cidade de Goa em particular), têm levado misturas de populações importantes, que se traduzam, perto da costa e às vezes até mesmo no interior, por cruzamentos marcantes (entre Portugueses, Indianos e Árabes), e até por uma sobrevivência da língua Swahili no nordeste moçambicano. Apesar de uma componente bantu muito forte (que representa a coluna vertebral da sua população), Moçambique é um país com grande diversidade. E esta realidade étnica coexista com uma coabitação pacífica entre religiões, em uma terra onde há cerca de um terço de muçulmanos e um terço de cristãos (estimativas oficiais mas totalmente inverificáveis), e onde o animismo e outras crenças locais centrados na figura do feiticeiro se misturam com as religiões do Livro.

Esta foto, muito conhecida pelos Moçambicanos, serviu a propaganda da Frelimo. Ela mostra os dois primeiros líderes do movimento armado de libertação do país, Eduardo Mondlane (à direita) e Samora Machel.

Esta foto, muito conhecida pelos Moçambicanos, serviu a propaganda da Frelimo. Ela mostra os dois primeiros líderes do movimento armado de libertação do país, Eduardo Mondlane (à direita) e Samora Machel.

Josina Machel (1945-1971), outra figura da luta.

A história de Moçambique, é também a revolta de Mueda, o nome desta pequena localidade na região de Cabo Delgado, violentamente reprimida pelos Portugueses em 1960. A etnia Makonde tornou-se depois um pilar do braço armado da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), criada em 1962 por Eduardo Mondlane. A história de Moçambique, é, claro, a guerra de independência iniciada em 1964, que vai durar dez anos, até a Revolução dos Cravos em Portugal. Em 1974, os acordos de Lusaka acabam com a guerra e iniciam o processo de independência, que terminará no ano a seguir. Uma independência que deve muito ao apoio da União Soviética e de Cuba, uma aliança que tornou-se possível após o IIndo Congresso da Frelimo na qual os seus membros adotaram a doutrina marxista. Enquanto isso, Eduardo Mondlane foi assassinado em 1969 na Tanzânia, vítima de uma bomba. Samora Machel, que o sucedeu como chefe da Frelimo em 1970, foi o primeiro presidente da República de Moçambique em 1975, e ocupou esta carga até sua morte, em Outubro de 1986, em um acidente de avião cuja origem é atribuída pelos Moçambicanos ao regime sul-africano, Moçambique sendo um grande adversário á política de apartheid implementado por Pretória.

Os anos da presidência Machel (1975-1986) foram marcados pela luta contra o analfabetismo, que caiu de 97% para 75% da população entre 1975 e 1980; pelo estabelecimento de serviços públicos básicos, pela uma política de racionamento que procurou lutar contra a fome, mas também através da criação de uma burocracia muito pesada e que incentivou a corrupção, no entanto denunciada pelo chefe do Estado. O apoio do Moçambique aos combatentes do ANC sul-africano também trouxe uma série de dificuldades económicas: a interrupção das relações comerciais com Pretória custou muito ao país cujos portos, incluindo o de Maputo, destinavam-se a servir de ligação entre as exportações sul-africanas e seus destinos para o oceano Índico.

Propagândia frelimista de 1977.

Os anos da presidência Machel, é também um sistema de partido único, e uma propaganda delirante que ainda está presente nas práticas da Frelimo – abusos burocráticos e clima de opressão política descritos em Pequena crônica moçambicana (1987), novela da autora suíça Claudine Roulet. A oposição é eliminada, e todos aqueles suspeitos de ser inimigos do partido são matados ou enviados para campos de trabalho ou de re-educação, no norte do país. Tensões aparecem logo em 1976 com a Rodésia vizinha (o atual Zimbabue), onde se tinham exilados Luso-moçambicanos e ex-Frelimistas depois da independência. A guerra civil inicia-se no mês de Maio de 1977, sobre iniciativa de um movimento, oficialmente anti-comunista, a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo). Fundada por André Matsangaíssa, recebe o apoio ativo dos Portugueses que tiveram que deixar a colônia na altura da independência – mais de 300.000 tinham fugido entre 1974 e 1976 –, mas também dos Estados-Unidos de América, da África do Sul, e de outros países vizinhos de Moçambique, como a Rodésia neo-colonial até 1980 (tornou-se o Zimbabue naquele ano); fornecerem dinheiro, armas e apoio logístico para os milicianos rebeldes.

Em 1979, logo depois da morte de André Matsangaíssa, Afonso Dhlakama tornou-se chefe da Renamo, e os seus homens, até agora praticando sabotagens e ataques, adotaram uma política de guerrilha no interior; em 1986, após a morte de Samora Machel e o fim do apoio do Malawi á Renamo, a violência da guerra civil atingiu um novo nível: a Renamo estabeleceu-se totalmente em Moçambique, instalou acampamentos e fortificações, e controlou numerosos territórios.

Após uma colonização muito dura, e uma década de guerra de independência, a guerra civil de dezesseis anos deixou o país num estado desastroso; ainda mais, os Moçambicanos conhecerem naquela altura tempos particularmente difíceis para a agricultura, com secas em 1982-1984, e novamente em 1994-1995, mas também inundações, especialmente em 1985 e em 1988. Em 1991, mais uma fome atingiu várias áreas urbanas, e durou até 1992. O conflito e as dificuldades económicas agravadas pela corrupção crescendo e o boicote sul-africano obrigam a Frelimo a abrir gradualmente o regime: logo nos anos 80, o poder em Maputo concluiu um tratado bilateral com Pretória, chamado acordo de Nkomati, que nunca será aplicado (1984); ele trata com o Banco Mundial (1980) e o Fundo Monetário Internacional (1982), assinando com essas duas instituições financeiras um acordo iniciando a liberalização econômica do país (1987); renuncia ás machambas estatais; o partido abandona a doutrina marxista em 1989, e em 1990, a Constituição é alterada para permitir um sistema multipartidário e adoptar a liberdade de imprensa.

André Matsangaíssa (1950-1979).

A paz é assinada com a Renamo em Outubro de 1992, em Roma. Desde então, o país pacificou-se, e cinco eleições gerais foram realizadas – as primeiras em 1994. Elas sempre viram a derrota da Renamo e de Afonso Dhlakama contra a Frelimo, representada sucessivamente por Joaquim Alberto Chissano (presidente de 1986 a 2005), Armando Emílio Guebuza (2005-2015) e Filipe Jacinto Nyusi, chefe do Estado desde Janeiro de 2015. Assim, o mesmo partido governa o país desde a independência, e a cena política é caracterizada desde a década de 1990 por uma forte bipolarização que ainda hoje não deica de ser a coluna vertebral da vida política moçambicana.

Uma das mais violentas guerra civil que conheceu o continente africano

É preciso recordar-se que Moçambique conheceu uma das mais sangrentas guerras civis da segunda metade do século XX. E que essa violência foi a obra de ambas partes. Logo no início, a Renamo iniciou uma política de terror nas áreas rurais, visando tanto a estabelecer a sua autoridade local como a doutrinar jovens moçambicanos (geralmente adolescentes ou crianças) em sua luta – práticas terríveis descritas em Comédia Infantíl (1995), excelente livro do escritor sueco Henning Menkell. A extrema violência exibida pelos homens da Renamo, chamados de « bandidos » pela propaganda do regime, impressiona por sua dimensão cruel e gratuita. Mãos e narizes cortados durante os ataques da Renamo, logo que se suspeita alguém de colaborar com forças do governo, ou mesmo muitas vezes sem nenhum pretexto. O assassinato de bebés, matados com um pilão, é uma das práticas mais abomináveis ​​que marcaram o conflito. Todos os canais de comunicação foram cortados gradualmente, as linhas de transmissão sabotadas e as infra-estruturas rurais destruídas. Manica, Sofala, Zambézia e Tete foram as primeiras províncias afetadas. Nesta última, a principal barragem do país, Cahora Bassa, foi sabotado e não foi operacional totalmente antes do final dos anos 90.

A própria Frelimo orquestra massacres que depois atribuía à Renamo, e também acaba entrando nas escolas para recrutar crianças-soldados. « Para mim e meu irmão, eles fizeram a mesma coisa, diz Renato, um cidadão de Quelimane, na província da Zambézia. Eles vieram para a nossa escola e fomos forçados a juntar-nos ao exército. » À medida que o conflito se intensifica, o isolamento, problemas logísticos e condições difíceis de racionamento convidam os militares a adoptar um comportamento cada de vez mais ilegal, multiplicando os roubos, as confiscações e os massacres. O exército fica cada vez mais impopular, em particular no Centro e no Norte do país. de fato militares, cujas condições de vida estão se deteriorando, a adoptar um comportamento cada vez mais ilegal, multiplicando roubos , confiscos e extorsões que fazem o exército cada vez mais impopular, especialmente nas áreas de países do centro e norte. « Soldados de dia, bandidos à noite » torna-se uma máxima famosa para descrever os homens das Forças armadas nacionais. « Minha mãe estava vendendo milho que ia buscar fora de Quelimane, ainda conta Renato. Um dia, foi esfaqueada por um soldado do exército que lhe roubou a sua mercadoria. »

Primeira bandeira da Renamo.

Em primeiro lugar, também chamados de « bandidos » pelo povo, as forças da Renamo conseguem, na segunda metade dos anos 80, a ocupar e controlar certas partes do território, especialmente em Sofala, Tete e Zambézia. Aproveitando da péssima imagem dado pelo exército nas províncias do Norte e do Centro, a Renamo recruta mais e mais amplamente, e logo, uma ruptura ocorre no país, alguns grupos étnicos do centro e do norte do país – Ndaus, Nianjas e Machuabos no centro, Macuas-Lomués no norte, para mencionar apenas os principais – aderam mais do que outras na luta contra a Frelimo.

O conflito acaba afetando todo o país, incluindo as províncias de Inhambane, Gaza e Maputo. A guerra lá é particularmente sangrenta, especialmente porque a Renamo não tem raízes fortes nestes bastiões frelimistas. « Ainda hoje, há um rancor muito forte contra a Renamo nessas províncias, em particular Inhambane e Gaza, onde a população sofreu muito nos últimos anos », explica uma ativista da subdelegação zambeziana da Liga dos Direitos Humanos (LDH), uma ONG moçambicana. Mesmo sair da cidade de Maputo torna-se um perigo. Algumas estradas são muitas vezes cortadas ou sob os tiros renamistas, como o corredor entre Beira e Chimoio, no centro, ou a caminho de ferra entre Maputo a Ressano Garcia, á fronteira sul-africana (uma ligação capital para os Moçambicanos que, então, trabalham nas minas sul-africanas) – contexto terrível descrito com detalhes pelo autor holandês Adriaan van Dis no seu Em África, publicado em 1993.

Até 1990, há pelo menos 900.000 mortos do conflito (por causa dos confrontos, das atrocidades, das minas terrestres ou da fome), e cinco milhões de pessoas deslocadas (1,7 milhões são refugiados no exterior). Várias províncias, particularmente aquelas de Inhambane e de Sofala, são atingidas pelo drama das minas que deixam milhares de Moçambicanos com deficiência – em 1998, o território moçambicano continuava sendo um dos quatro países com mais minas no mundo. O paradoxo é que, no final da guerra, o governo frelimista acaba estando numa situação militar muito complicada – a cidade de Maputo está cada vez mais afastada do resto do país, enquanto a economia esta numa situação catastrófica, o país sendo um dos três mais pobres do mundo –, mas o contexto do fim da Guerra Fria, resultando em uma queda dos fluxos financeiros e logísticos da Renamo, obrigam o movimento armado a aceitar a perspectiva de um acordo de paz que não lhe garanta o poder, somente a promessa do pluralismo e de eleições livres.

Os dois últimos anos do conflito são os mais violentos. « O dia onde Dhlakama assinou o acordo de paz [era dia 4 de Outubro de 1992], as armas se calaram, explica uma ativista feminista de 40 anos, em Maputo, enquanto a grande presença de armas no país poderia ter criada uma situação de instabilidade e insegurança propícia ao banditismo e à emergência de grupos mafiosos autônomos. A velocidade com que a situação se acalmou explica-se com a cultura do chefe em Moçambique, em particular nos grupos que apoiaram a Renamo. Dhlakama tem uma verdadeira autoridade nesses grupos, no seu partido. Até esta autoridade se sinta ainda hoje, ele não deixa nenhuma nova figura aparecer na Renamo. » A explicação do Renato completa essas palavras: « Ao longo dos anos, a Renamo controlava territórios inteiros, e atraiu muitas pessoas, no Centro e no Norte do país. As pessoas muitas vezes obedeciam á Renamo mas ficavam perto das suas machambas, e em muitos casos, as pessoas jà estavam em casa quando a paz foi assinada. Por isso, não foi necessário convencer as pessoas de deixar as armas para voltar nas suas machambas, muitas vezes eles jà estavam là. » A essas duas explicações vem acrescentar-se o trabalho difícil operado pelo Conselho Cristão de Moçambique para recuperar as armas, muitas vezes em troca de ferramentas de agricultura.

Bandeira do partido Frelimo de 1962 a 1993.

A guerra civil: entre tabu e impunidade

Uma grande parte do acordo de paz, incluindo aquelas que prevêem a integração dos homens da Renamo nas Forças armadas nacionais, nunca foi aplicada, razão pela qual a força armada da Renamo ainda permanece – embora o número de pessoas que a compõem é desconhecido. Provavelmente em reação aos péssimos resultados eleitorais da Renamo em 2004 e especialmente em 2009, Afonso Dhlakama voltou em 2012 com retórica de guerra, antes de retomar as armas, em 2013, desde o seu quartel-geral no mato do Gorongosa (Sofala). Estratégia difícil a levar, já que a Renamo de 2013 não é a mesma daquela de 1992. A volta à luta dos Renamistas, portanto, resultou em ações espalhadas, como atirar em chapas (transporte público), machibumbos (autocarros) e alvos militares. Em 2013 e em 2014, vários confrontos com as Forças armadas nacionais aconteceram, e a estrada principal (EN1) ligando o Norte e o Sul do país ficou em parte cortada por causa da presença de forças renamistas, no sul da província de Sofala. Desde o inverno de 2015, esses confrontos recomeçaram, mais perigoso ainda para a estabilidade ao longo termo de Moçambique.

Surpreendentemente, dada o nível de violência conhecida em Moçambique durante a guerra civil, a paz de 1992 não permitiu nenhum trabalho de memória, nenhuma retrospectiva sobre os acontecimentos que assolaram o país e colocaram a nação moçambicana numa situação econômica e social desastrosa. Enquanto alguns países, incluindo uns em África, estabeleceram uma Comissão Verdade e Reconciliação no âmbito duma justiça de transição a seguir duns tempos de instabilidade ou de repressão, e na perspectiva duma reconciliação nacional e duma vontade de transparência – foi o caso em África do Sul em 1995, ou até no Brasil em 2014 –, Moçambique não criou nenhuma forma de justiça, de reparação, de espaço de diálogo ou de trabalho histórico ligado aos 16 anos do conflito. E por uma razão muito simples: os protagonistas do conflito, a Frelimo e a Renamo, continuam a ser os atores mais importantes da vida política moçambicana. Ambas partes acreditam legítimo de exercer o poder, uma pensando-se legítima porque liderou a luta pela independência, outra porque está a espera disso há 40 anos e acredita que foi roubado a cada eleição desde as primeiras realizadas em 1994 – a isto deve-se acrescentar a ambição sem limites dum Afonso Dhlakama que sonha de ser presidente desde 1979.

Cada um dos lados considera que o conflito de 1977-1992 foi principalmente a culpa do outro. Não há nenhum trabalho de auto-crítica, nenhuma revisão da propaganda desenvolvida por cada um. Aí, o surgimento de uma terceira força política, o MDM, ajuda um pouco a vida política do país a sair desta eterna divisão herdada da guerra civil, embora muitos Frelimistas continuam a considerar o MDM, criado em 2009, como um simples ramo dissidente da Renamo. Embora já convenceu além dos eleitores habituais da Renamo, o MDM dirigido por Daviz Simango não conseguiu, em 2014, provar que é capaz de suplantar a Renamo como segundo partido do país.

Bandeiras actuais da Frelimo e da Renamo.

Bandeiras actuais da Frelimo e da Renamo.

Um jornal anglófono, em Julho de 1979.

« Os da Frelimo, eles cometeram 100% dos crimes. 100%! » Assim fala um cidadão de Quelimane que suporta à várias décadas a Renamo. « A Renamo, eles fizeram muito mal. Eles só sabem matar », diga uma vendedora hambúrgueres, no centro de Maputo. Todo mundo coloca suas viseiras para não tentar pôr-se no lugar da outra parte. Esta falta de diálogo dá um partido da oposição, a Renamo, cuja direção não consegue renovar-se, é alimentada por uma profunda frustração e por ambições insatisfeitas, e incapaz de abandonar definitivamente a cultura da violência para levar uma visão alternativa e credível para o país. Também dá um partido-Estado, a Frelimo, que ainda pensa representar o povo inteiro em nome da luta para independência que a maioria dos Moçambicanos, muitos jovens, nem conhecerem... Do lado da Frelimo, a configuração política traduz-se por um regime, pluralista sim, mas sem alternância, por um nível de corrupção e de clientelismo sobrelevado, e pela uma malta de antigos militares reconvertidos na política e na economia, que controlam todos os níveis de decisão e de desenvolvimento do país, e que se consideram legítimos para levar o país nesta direção – aí, a Frelimo moçambicana apresenta fortes semelhanças com o ANC sul-africano e, mais ainda, com a FLN argelina.

Entrevistado em 10 de Junho de 2015 pela Lusa, a agência de informação portuguesa, o escritor moçambicano Mia Couto resumiu muito bem a situação: « Nós ficamos muito tempo cativos de uma guerra e essa guerra não terminou totalmente. Quem fez a guerra não terminou totalmente. Quem fez a guerra continua armado e aceitou uma situação estranha e inaceitável, que é a ideia de uma força política com um braço armado. [O país] merecia uma governação melhor e também uma oposição melhor. »

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