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O acendedor de lampiões

Cabinda, espinho no pé da paz em Angola

8 Janvier 2019 , Rédigé par Jorge Brites Publié dans #Angola, #Democracia, #História, #Identidade

Em 8 de Janeiro de 2010, há exatamente 9 anos, o mundo do football conhecia um evento trágico, com tiros no enclave de Cabinda, cujo alvo era o transporte da seleção nacional do Togo, na âmbito da Copa Africana das Nações (CAN). Foram matados duas pessoas (o treinador-adjunto e o encarregado de comunicação) e feridos vários jogadores e membros da equipa técnica.

Este assalto, reivindicado pelos rebeldes da Frente para a Libertação do Estado de Cabinda (FLEC), lembrou um instante ao mundo a existência deste pequeno território secessionista, situado entre a República Democrática do Congo (RDC) e o Congo-Brazaville, e rico em recursos naturais – o petróleo em primeiro lugar. Num país que saiu da guerra civil em 2002, a violência persista em Cabinda. Mais recentemente, ainda em 14 de Fevereiro de 2017, os rebeldes independentistas reivindicaram a morte de 9 militares das Forças Armadas Angolanas (FAA), e antes disso, quatro outras ataques, que já tinham feitas 18 mortes do lado das tropas angolanas. Um olhar sobre a situação em Cabinda e seus desafios.

Preso entre os dois Congo, aliás antigamente chamado o « Congo português », o território angolano de Cabinda é considerado hoje como um « Koweït africano » por causa das suas reservas de petróleo imensas off-shore e de reservas on-shore promissoras. Mas a vontade de independência  com motivos antigos de Cabinda vêm precisamente da questão do petróleo, vital para Angola desde o fim da guerra civil (1975-2002). O desafio é grande: com apenas 600.000 habitantes para menos de 1% do território nacional, Cabinda representa 60% da produção angolana de petróleo. As receitas representam 42% do Produto Nacional Bruto de Angola, e 90% do orçamento do Estado. É preciso ainda acrescentar a longa lista de recursos naturais cuja existência alimenta as tensões sobre o estatuto da província e a repartição das riquezas: gás, potássio, fosfato (cujas reservas totalizam 100 milhões de toneladas), manganês, madeira, ferro, ouro, e claro, diamantes.

As origens da questão de Cabinda: um estatuto distinto dado pelo colonizador português

Historicamente, as populações ibinda que povoam Cabinda pertencem ao vasto mosaico etno-linguístico e cultural da foz do rio Congo. Mas em sua configuração geográfica atual e com todos os problemas que o caracterizam desde a independência de Angola em 1975, esta entidade territorial é a infeliz herdeira da divisão colonial entre as potências europeias no século XIX, consagrada na Conferência de Berlim em 1884-1885. O evento decisivo para entender os problemas atuais remonta ao 1eiro de Fevereiro de 1885, quando o governador de Angola, Ferreira do Amaral, concluiu na localidade de Simulambuco, em Cabinda, um tratado de « protectorado » com chefes africanos que reinavam nesses territórios. Este conjunto de terras, desde esta data unidas, ficou depois, a pesar de mudanças de estatuto, uma entidade separada nas possessões portuguesas da costa atlântica. Além disso, a Constituição portuguesa de 1933 reconheceu o enclave como uma entidade territorial distinta de Angola, colônia portuguesa desde o século XV.

Bandeira da FLEC.

O tratado de Simulambuco tornou-se a peça fundamental das reivindicações atuais dos movimentos independentistas de Cabinda, para distinguir-se de Angola, a pesar de uma história colonial marcada pela mesma potência ocupante, o Portugal. Os independentistas sublinham também que Cabinda foi gerido de maneira autónoma até sua integração à Angola em 1956. Os acordos de Alvor em Janeiro de 1975 entre o Portugal e os três movimentos de libertação angolanos (FNLA, MPLA, Unita) que decidiram a descolonização de Angola e consagraram Cabinda como parte integrante do novo Estado, acabaram de construir o puzzle do conflito atual. Em Novembro de 1975, Cabinda é ocupado por Angola, com o apoio das forças armadas soviéticas e cubanas e a cumplicidade do governo português. Um governo em exílio do FLEC, a Frente para a Libertação do Estado de Cabinda, dirigido pelo comandante António Luis Lopes, reivindica a independência de Cabinda, e os diversos movimentos independentistas de Cabinda formados nos anos 1960 tentam fazer-se ouvir, incluindo pela luta armada. Mas faz-se na divisão. E com a derrota da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola) e o fim da guerra civil em 2002, o governo angolano pode concentrar os seus esforços militares neste enclave. Em maioria pro-independência, o episcopado cabindês também é vítima da violência e das divisões. Em Cabinda, as práticas e os abusos que fazem obstáculo à transição política em curso em Angola são agora  exacerbados. O que deixa no enclave um clima de violência política e militar e de ameaças ecológicas.

A problemática energética e a questão de Cabinda

Durante as três primeiras décadas da área pós-colonial, Cabinda fornecendo 60% da produção de petróleo angolano – além das riquezas da floresta e subterrâneas que ainda ficam para explorar –, a questão secessionista apresenta um desafio essencial. O futuro deste território é questionado desde 1975 a pesar, primeiramente dos desafios regionais e da situação interna dos país à fronteira (os dois Congo), em segunda lugar da estratégia do governo angolano que procurou dividir o movimento independentista e ao mesmo tempo exigindo, anos e anos, um « interlocutor válido » para negociar. O problema de Cabinda é que estão reunidos aqui, ao contrário do resto da Angola, e de maneiro contínua e intensiva, a violência política, a violência militar e policial, e conflitos de interesses ligados à uma economia de renda com o petróleo – que conheceu nos anos 2000 um boom histórico com mais de 4 bilhões de dólares por ano. Isto justifica tudo, incluindo os riscos de extensão do conflito nos países vizinhos, por exemplo nas acusações constantes de Luanda contra as autoridades dos dois Congo, suspeitadas pelas autoridades angolanas de apoiar os independentistas de Cabinda.

A presença de petróleo e as interferências das sociedades de petróleo no caso de Cabinda vieram também perturbar a percepção da causa independentista. O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), o partido no poder, desde a independência adoptou uma visão quase esquizofrênica deste dossier, deixando de lado a dimensão identitária da luta cabinda (real no entanto) e puxando na teoria da conspiração exterior permanente, alegando tentativas de apropriar-se as riquezas do enclave ou simplesmente de o anexar, orquestradas pelos dois países vizinhos. Conseqüência: fortes blocagens na resolução deste conflito, cujas originas são anteriores à exploração de petróleo na região.

Cabinda, espinho no pé da paz em Angola

Que perspetivas para Cabinda?

O governo angolano enfrenta agora uma guerrilha, a pesar de ser pequena comparando com os 27 anos de guerra civil, que tem um impacto sobre a imagem que ele quer deixar sobre a situação no enclave. Mais do que qualquer outra parte do « Estado-Nação » angolano na sua configuração pós-colonial atual, Cabinda é o símbolo do tríptico economia de renda-restrições das liberdades políticas-ameaças ecológicas. Restrição da área político, como o demostrou o caso Mpalabanda. Esta associação, criada em 2004 e reunindo uma larga coligação dos actores da sociedade civil de Cabinda que apresentavam uma certa simpatia para o movimento independentista, foi proibida em 2007 pelas autoridades provinciais. Um testemunho das dificuldades do processo de transição político angolano em geral. Um processo que não atinge o país da mesma forma, pois as detenções de jornalistas e militantes para os direitos cívicos, que acontecem em Luanda e em outras zonas do país, são uma banalidade em Cabinda.

As ameaças ecológicas têm conseqüências, elas, sobre um ecossistema que sofre com força dos efeitos da industria de petróleo, tanto como sofrem também os setores socio-económicos tradicionais abandonados ou em declino comparando com a industria extrativa – como a pesca e a agricultura.

A pesar de uns raros progressos, como a assinatura de um memorandum pela paz e a reconciliação no enclave de Cabinda, assinado em 1 de Agosto de 2006 entre o Estado e o Forum cabindês pelo diálogo, a situação parece bloqueada, pelo fato das divisões em Cabinda (entre autonomistas e independentistas). Pelo fato também de uma presença militar e de uma tensão política exacerbada pelos interesses económicos que representa este território. Sempre dominado pelo espectro da guerra, Cabinda beneficia agora, em teoria, de um estatuto particular, materializado pela instalação de um governo provincial.

Os Estados africanos não vêem positivamente as tentativas de modificação das fronteiras herdadas da colonização, segundo o princípio de direito internacional Uti possidetis juris (« Serão donos do que já possuíam ») que proclama a sua intangibilidade. Este princípio, já usado pelos países de América latina nas independências do século XIX, e segundo o qual as fronteiras administrativas dos antigos impérios coloniais devem legitimamente tornar-se aquelas dos novos Estados, pode no entanto estar em contradição como o direito à autodeterminação dos povos. No seu julgamento do 22 de Dezembro de 1986, o Tribunal Internacional de Justiça reconheceu o princípio Uti possidetis juris como geral e logicamente ligado à independência para evitar que a estabilidade dos novos Estados seja contestada. A causa cabinda, quando ela não foi instrumentalizada no contexto das rivalidades regionais ou pelas questões económicas, não tem espaço e visibilidade ao pé da comunidade international. O que pode explicar o ataque sobre o autocarro da delegação do Togo, durante a CAN de 2010. Os Togoleses não tinham nada a ver com a questão de Cabinda, no entanto o FLEC achou ai um meio de puxar a atenção sobre um conflito que demora há quase 4 décadas na indiferença geral. O secretário geral do FLEC, Rodrigues Mingas, declarou naquela altura, para justificar esta ação violenta: « Estamos em guerra e todos os golpes são permitidos. Angola quer fazer acreditar em uma paz efectiva em Cabinda, mas a paz não existe. »

A independência, está claro, não será uma opção aceitável no olhar de Luanda. A questão da autonomia e aquela da repartição dos recursos do petróleo são, então, essenciais, pois é este último ponto que faz que o poder angolano nega a própria existência do problema cabinda. E há poucas esperanças que esta situação seja afectada pelas eleições gerais que aconteceram em Agosto de 2017, há um ano e meio, que no entanto tinham acabado com 38 anos de presidência de José Eduardo dos Santos. Aquele deixou sim o seu lugar, em 26 se Setembro de 2017, em favor de João Lourenço, que era antes disso ao carga de vice-presidente, no entanto dos Santos fica à presidência do partido no poder, e os seus próximos controlam setores inteiros da economia, incluindo claro o petróleo.

Mas do que nunca, Cabinda simboliza as contradições e as tensões que caracterizam hoje a transição política em Angola, pois o tratamento deste enclave diz muito do estado da democracia angolano. Cabinda é ao mesmo tempo um poço de riquezas para as elites políticas e económicas nacionais, e um desafio e uma vergonha para o poder. Desejamos que o caminho da paz se acha num futuro perto no labirinto dos afluentes da bacia do Congo, para o descanso e a tranquilidade dos seus habitantes.

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