Na Mauritânia, como evitar o êxodo rural dos jovens? O exemplo da Casa Familiar Rural de Kaedi
Todos os anos, os resultados do baccalauréat mauritano dizem a mesma coisa: são mais ou menos 10% dos alunos que conseguem ganhar o diploma. Esta situação não é só catastrófica do ponto de vista dos resultados e das perspectivas ofertas a toda uma geração de jovens mauritanos (incluídos aqueles titulares do baccalauréat), mas também porque é o resultado de décadas de inação ou de reformas péssimas do sistema educativo.
Estamos longe duma visão apocalíptica transmitida pelos mídias ocidentais sobre as ondas de migrantes que estão chegando à Europa, a tentação é grande no entanto, para muitos jovens, sobretudo em meio rural ou semi-rural, de deixar a sua aldeia, o seu bairro, a sua cidade, para encontrar oportunidades na cidade mais próxima, na capital, ou até no estrangeiro. Esta realidade chama a atenção de muitas famílias mauritanas, et algumas tentam convencer os jovens de procurar oportunidades de inserção profissional no próprio lugar de vida. Na cidade de Kaedi, é o caso duma iniciativa que começou entre 2014 e 2016: a Casa Familiar Rural (CFR) de Kaedi – ou Maison Familiale Rurale (MFR) de Kaedi, em francês. É um espaço de educação e de formação profissional inspirado das Casas Familiares Rurais que acha-se em outros lugares no mundo, e que praticam a pedagogia de alternância como modo de aprendizagem. Olhar sobre esta experiência inovadora.
Os resultados do baccalauréat revelam o nível muito fraco do sistema escolar mauritano – mais ainda nas escolas públicas, que têm às vezes salas de aula com mais de cem alunos, em bairros de Nouakchott. As reformas sucessivas da línguas na escola, sintoma dum amadorismo e duma indecisão crónica dos poderes públicos, produziram gerações de jovens que não falam perfeitamente nem o francês, nem o árabe. Uma aberração, quando realizamos que o multilingüismo poderia constituir uma verdadeira mais-valia em favor das misturas culturais, da coesão national, ou ainda do comércio e da economia. Além da qualidade dos programas e do corpo professoral, o próprio processo de organização dos examens do baccalauréat é contestado: vazamentos de alguns assuntos de examens, trabalho de correção desleixado ou falsificado, etc. Finalmente, o sentimento que o Estado oferece um ensino que perpetua as desigualdades – ainda mais porque as crianças de ministros e de businessmen o contornam para frequentar escolas privadas, o Liceu Francês de Nouakchott ou escolas no estrangeiro. E até para os titulares mauritanos do baccalauréat, as perspetiva não são óptimas: a Universidade de Nouakchott é objeto de muitas críticas sobre o absentismo de certos professores, a péssima qualidade de umas matérias, ou ainda a arabização progressiva dos setores, que torna-se claramente política e exclua estudantes não- arabófonos (em maioria vindos das comunidades pular, wolof e soninké).
Isto tudo, sem falar da economia mauritana, que não cria empregos, não permita inserir todos os jovens titulares de diploma entrando no mercado do trabalho, ainda menos quando se trata de empregos de qualidade. Resultado: em Nouakchott, é frequente achar um jovem titular de diploma desempregado, trabalhando na segurança, em estágio durante mais dum ano no setor no qual ele não quer realmente trabalhar, ou como vendedor inerente. Sobretudo, a maneira como são atribuídos os empregos, na administração pública ou em empregos (como também em ONG), é demais ligado às amizades pessoas, ao clientelismo e a corrupção. Vezes demais, o candidato é aquele que tem a boa rede pessoal, familiar ou tribal, de tal maneira que ache-se muitas vezes pessoas em cargas que não os correspondam realmente, e até alguns conseguem cumular certas cargas e os salários que os acompanham.
Entende-se bem as frustrações e o sentimento de abandono que pode provocar uma tal situação, ao perfumo de injustiça para os jovens que querem mostrar o que valem, melhorar as suas condições de vida e ser úteis aos seus próximos ou a sua sociedade. Para eles, o trabalho informal constitua o principal criador de empregos. O desejo de deixar o seu ambiante familiar para arriscar a chance é compreensível, e difícil a criticar. No entanto, existem soluções e pistas de trabalho. Esta problemática de êxodo rural, a Europa a conheceu desde o fim do século XIX, durante a Revolução industrial. É neste contexto que emergirem as Casas Familiares Rurais, em França entre as duas guerras mundiais.
As Casas Familiares Rurais: a cultura da educação popular ao serviço da inserção dos jovens do mundo rural
A primeira Casa Familiar Rural nasceu em França em 1937, numa aldeia de Lot-et-Garonne, quando umas famílias capitalizaram na experiência de uns agricultores sindicalistas que desenvolveram uma formação alternativa ao sistema escolar clássico. Tomam juntas a iniciativa de comprar um prédio para instalar là uma « escola », reunam-se em assembleia geral para assumir a portagem e recrutar um formador. A estrutura viu-se reconhecer o estatuto de associação em 1945, e teve uma subvenção do Ministério da Agricultura. Naquela altura, a iniciativa destas famílias já inspirou outras.
O objetivo partilhado: oferecer aos jovens do território perspetivas, permitindo-lhes aceder a uma formação profissional, como também a uma formação humana e cidadã completa. Além dos saberes e dos saber-fazer, elas procuram a transmitir o dever do investimento ao serviço do interesso geral, da responsabilidade e do gosto de empreender. Não é só um espaço de formação profissional, mas um verdadeiro lugar de vida e de aprendizagem da vida social. Por isso, acontece muitas vezes elas terem um internato, que deve constituir um espaço privilegiado de abertura socio-cultural, de compreensão e de respeito do outro, e de iniciação à vida coletiva.
Culturalmente, a iniciativa tome raiz nos movimentos sindicalistas e cristãos progressistas do século XX, enriquecidos pela diversidade na reflexão da Educação popular e da Educação nova. Apoia-se também nos princípios da Economia Social e Solidária (ESS), porque como ela, ela reivindica uma economia baseada em câmbios justos entre parceiros dum mesmo ambiente. Por isso, vários atores intervém no circuito de aprendizagem: as famílias (elas mesmas vindas do mundo rural, e exercendo empregos muitas vezes próximos), os profissionais com quem são criados parcerias para responder à evolução dos empregos, etc. Muitas vezes, os membros da CFR são familiares daqueles mesmos que inscrevam as suas crianças numa formação, e são profissionais, responsáveis ou eleitos. A característica principal das Casas Familiares Rurais, e que constitua a sua originalidade, é de constituir um movimento associativo familiar, enraizado nos territórios e no tecido socio-económico, e um movimento educativo.
A aposta da pedagogia de alternância
É nos anos 1950 que formalisa-se, nas CFR, uma pedagogia novadora à volta da alternância escolar, desconhecida e contestada naquela altura. A França saia então de quase um século que viu, com a IIIeira República, a consagração dum modelo educativo profundamente clássico e vertical, que tinha vocação a criar bons cidadãos-soldados, patriotas e disciplinados. O sistema, hoje em dia, é ainda inspirado e caracterizado por uma concepção autoritária e unilateral da aprendizagem. É só em 1984 que as leias sobre o ensino agrícola reconheceram as escolhas associativas e pedagógicas das Casas Familiares Rurais, a pesar de elas terem-se desenvolvidas rapidamente no mundo agrícola. Mais tarde, as CFR aplicaram os mesmos princípios nos setores do artesanato, do comércio, do BTP, dos trabalhos de madeira, da hospitalidade-restauração, da animação, da mecânica-geral, dos serviços à pessoa e em muitos empregos, abrindo centros de formação para aprendizes em relação com os Conselhos regionais.
A pedagogia da alternância associa, numa mesma dinâmica educativa, lugares diferentes que tradicionalmente ignoram-se: a escola, o mundo do trabalho, a família, os lazeres. Ou seja, os adultos que um jovem encontra no seu percurso. Além disso, o jovem é responsabilizado na sua procura do saber e de saber-viver, alternando de maneira empírica entre estágios e passagens à escola. O monitor que enquadra os alunos tem sobretudo um papel de « animador »; acontece ele nem ser especialista do assunto no qual ele « ensino », o que não é problemático pois o aluno é que vai coletar os saberes no terreno e na CFR. A pedagogia da alternância apoia-se tanto nas experiências profissionais em situação real, sobre atividades pedagógicas permitindo de ligar os tempos em meio profissional e familiar e os tempos à escola, na tomada em conta do ambiente da pessoa, e sobre a ausência de competição e de seleção. Antes de ser uma acumulação de conhecimentos, a aprendizagem é vista como um fator de desenvolvimento do indivíduo. O sistema educativo construído à volta da pedagogia de alternância deve permitir de abordar as pessoas em formação em todas as suas dimensões.
Empreender para a emergência dos territórios!
A iniciativa dos jovens no desenvolvimento das aldeias necessita um acompanhamento das famílias e das autoridades locais. A CFR de Kaedi convida todos os jovens a investir-se no território para descobrir as suas potencialidades enormes e as explorar, para o bem-ser da Mauritânia e da humanidade.
Os primeiros pasos da Casa Familiar Rural de Kaedi
Em 2014, Roughiyatou Haidara Chérif, uma notável da cidade mauritana de Kaedi, descobre numa viajem em Marrocos, uma estrutura de formação profissional original, com um internato e cujo objetivo é oferecer perspetivas profissionais aux jovens marroquinos. É uma Casa Familiar Rural (CFR), nascida sobre o modelo das Casas Familiares Rurais em França. É rapidamente interessada pela experiência, de tal maneira que ela volta ao país e convence umas famílias de juntar-se ao projeto de criação duma CFR em Kaedi – a primeira em Mauritânia. Ela é que assuma, hoje em dia, a presidência da Casa.
Desde esta altura, um primeiro ciclo de um ano de formação iniciou-se em 2016, ao benefício de uns 20 jovens de Kaedi, sobre dois canais: agricultura e criação de gado. Para isso, dois monitores, formados a estas duas disciplinas na Escola Nacional de Formação e de Vulgarização Agricoles (ENVA), foram recrutados para os enquadrar com sucesso.
Eu aprecio muito a CFR, pois é uma escola que permita lutar contra a delinquência. A CFR recupera alunos que abandonaram os estudos muito cedo, para os educar e os formar a saber viver.
Eu convida todas as jovens e todos os jovens kaedienses que estão desempregados a interessar-se à CFR de Kaedi, para seguir uma formação profissional e ter a chance de ser independentes.
Para a experiência-pilota em Mauritânia, o caminha ainda é grande, apesar de muito ter sido feito graças ao dinamismo e à contribuição das famílias membros e dos monitores. Os seus meios ainda são limitados: material pedagógico, ferramentas de trabalho (material veterinário por exemplo, para realizar trabalhos práticos na área da criação de gado), etc. E o modelo económico da estrutura é para construir. Além disso, a CFR de Kaedi perpetua certas práticas infelizmente presentes demais no tecido associativo mauritano, e que podem ter impacto, a termo, nas suas chances de sucesso: ausência de transparente do orçamento com os parceiros, concentração das despesas nos recursos humanos em vez de investir no material necessário ao ensino, etc.
A instituição não dispõem ainda do estatuto de organismo de formação, certificado pelo Ministério do Emprego, da Formação profissional e das TIC, a pesar disto não constituir um grande obstáculo. Igual, se certas famílias já tinham uma certa experiência da vida associativa, outros aprendem os mecanismos na prática.
Os monitores, eles, formam-se e apropriam-se progressivamente a noção da pedagogia de alternância, mas ainda é novo e pede tempo e prática. Por exemplo, os tempos de estágio são curtos, quando deveriam constituir uma verdadeira imersão do jovem num meio profissional real. Igual com a articulação entre mestres de estágio, referentes pedagógicos (que são pessoas-recursos, uns sendo membros da CFR), ou ainda monitores, ainda deve ser afinada.
Para isto tudo, a CFR não é sozinha, pois ela receba um apoio metodológico de certas das suas homólogas em França, sobretudo na Federação departamental das CFR de Indre-et-Loire – conformo o espírito de partilha, de parceria e de trabalho em rede levado pelo movimento das CFR pelo mundo. No entanto, na prática, uma iniciativa como uma Casa Familiar Rural impõe de tomar em conta o contexto específico mauritano, a vários níveis. Os dois monitores, originários das comunidades pulaar e soninké, não falam hassanya (o dialecto árabe mauritano), e então não podem animar ou dar aulas nesta língua. A termo, a capacidade da Cada Familiar Rural a acolher jovens de todas comunidades, e então constituirá claramente un fator de sucesso desta estrutura em favor da coesão social e da inserção. Outro exemplo: o estabelecimento dum internato, ao longo termo, como isto se faz em muitas outras CFR no mundo, vai pedir provavelmente planejamentos, tendo em conta a dificuldade que têm certas famílias a enviar as raparigas fora da casa antes do casamento, por razões religiosas e tradicionais.
Outro desafio, o nível escolar particularmente baixo de certos alunos da CFR de Kaédi obriga a estrutura a assegurar um apoio, incluindo en termos de alfabetização. O ambiente familiar ás vezes precário de onde vêm os alunos, e a distância dos seus bairros ou aldeias da CFR ou do lugar de estágio, criam um custo de transporte que não se deve ignorar. Assumir o custo do transporte, ou dotar-se dum transporte coletivo, seriam opções de curto termo que poderiam responder a esses desafios.
Essas primeiras dificuldades são normais, sobretudo se lembramo-nos que a CFR de Kaedi está no seu começa – e os primeiros ciclos de formação foram assumidos com sucesso. Essas dificuldades não escondam o trabalho importante que a CFR de Kaedi livrou desde 2014, e que devia constituir uma inspiração para muitas famílias em outras zonas da Mauritânia, e uma esperança para os jovens que querem contribuir ao desenvolvimento económico e social do território. Elas constituem desafios a tomar em conta e a transformar em sucesso. As pessoas implicadas mostram que têm a motivação para isso: as famílias que mobilizam os recursos, os monitores que trabalham com aplicação, a direção que procura desenvolver e capacitar da associação, e até os alunos que saiam dos primeiros ciclos de formação, que constituíram recentemente em associação para organizar melhor as suas iniciativas futuras em favor de atividades agricoles e de criação.
A direção da CFR de Kaedi tem agora a carga de melhorar a sua eficiência em termos de gestão e a transparência e a rastreabilidade na utilização dos fundos que a estrutura receba – sobretudo no âmbito das parcerias estruturais com as CFR francesas, que ela desenvolveu e que podem a ajudar a assegurar a sua durabilidade, ou pelo menos a sua viabilidade ao começar. Se ela pode aproveitar a dinâmica observada sobre o terreno desde a sua criação, e responder de maneira inteligente e responsável. O apoio da União europeia à CFR, no âmbito dum projeto gerido pela ONG Grdr entre 2017 2019, constitua atualmente uma grande oportunidade para dotar-se de material novo e reequilibrar as suas finanças, no entanto a chegada de dinheiro pela via dum doador cria também reflexos que não incitem a melhorar a gestão económica. Iremos ver, depois de 2019, como está evoluindo o projeto de CFR de Kaedi.
As Casas Familiares Rurais simbolizam, duma certa maneira, a mobilização duma sociedade civil capaz de agir sem esperar as autoridades públicas, para melhorar a situação, e trazer alternativas de qualidade aos poderes públicos inativos. É particularmente verdade em Mauritânia. Por isso, é importante que o projeto de criação duma CFR basa a sua ação e o seu desenvolvimento no seu território e ajuda a alimentar, em retorno, este território. Desejemos que o tempo confirma rapidamente este primeiro teste, em algo sólido e sustentável.