Afonso Dhlakama: o desaparecimento deste mastodonte político cria novas incertezas em Moçambique
Em 3 de Maio passado, faleceu o homem que liderou o primeiro partido de oposição moçambicano desde 1979. Volta sobre o balanço de 39 anos de presidência da Renamo e reflexão sobre a situação política que aparece agora.
Afonso Dhlakama nasceu em 1953 em Mangunda, na província de Sofala, no Moçambique colonial. Ele integra a Frelimo por pouco tempo no tempo da independência, antes de juntar-se ao novo movimento criado por André Matsangaíssa, a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), que inicia a guerra civil em 1977. Dois anos depois, a morte do mesmo Matsangaíssa abre uma luta de sucessão, ganhado pelo próprio Dhlakama, com somente 26 anos de idade. Recebe o apoio ativo dos Portugueses retornados – mais de 300.000 tinham fugido entre 1974 e 1976 –, mas também dos Estados-Unidos de América, da África do Sul, e de outros países vizinhos de Moçambique, como a Rodésia neo-colonial (que só tornará-se o Zimbabwe em 1980); fornecerem dinheiro, armas e apoio logístico para os milicianos rebeldes. Praticando inicialmente sabotagens e ataques, as tropas renamistas adotaram com o tempo uma política de guerrilha interior; em 1986, após a morte de Samora Machel e o fim do apoio do Malawi à Renamo, a violência da guerra civil atingiu um novo nível, pois a Renamo estabeleceu-se totalmente em Moçambique, instalou acampamentos e fortificações, e controlou numerosos territórios.
Foi uma das mais sangrentas guerras civis da segunda metade do século XX. Essa violência foi a obra de ambas partes. Do lado da Renamo, suas tropas iniciaram logo no início uma política de terror nas áreas rurais, visando tanto a estabelecer a sua autoridade local como a doutrinar jovens moçambicanos (geralmente adolescentes ou crianças) em sua luta – práticas terríveis descritas em Comédia Infantíl (1995), excelente livro do escritor sueco Henning Menkell. A extrema violência exibida pelos homens da Renamo, chamados de « bandidos » pela propaganda do regime, impressiona por sua dimensão cruel e gratuita. Mãos e narizes cortados durante os ataques da Renamo, logo que se suspeita alguém de colaborar com forças do governo, ou mesmo muitas vezes sem nenhum pretexto. O assassinato de bebés, matados com um pilão, é uma das práticas mais abomináveis que marcaram o conflito. Todos os canais de comunicação foram cortados gradualmente, as linhas de transmissão sabotadas e as infra-estruturas rurais destruídas. Manica, Sofala, Zambézia e Tete foram as primeiras províncias afetadas. Nesta última, a principal barragem do país, Cahora Bassa, foi sabotado e não foi operacional totalmente antes do final dos anos 90.
O conflito acaba afetando todo o país, incluindo as províncias de Inhambane, Gaza e Maputo. A guerra lá é particularmente sangrenta, especialmente porque a Renamo não tem raízes fortes nestes bastiões frelimistas. « Ainda hoje, há um rancor muito forte contra a Renamo nessas províncias, em particular Inhambane e Gaza, onde a população sofreu muito nos últimos anos », explica uma ativista da sub-delegação zambeziana da Liga dos Direitos Humanos (LDH), uma ONG moçambicana. Este artigo de Agosto de 2017 voltava com detalhes sobre as heranças deste conflito: Em Moçambique, as feridas da guerra civil permanecem
Com 900 mil mortos e cinco milhões de deslocados (1,7 milhão refugiados fora das fronteiras), o conflito termina em 1992. Enquanto isso, a Frelimo abandonou a doutrina marxista (1989) e a Constituição foi alterada para permitir um sistema multi-partidário e a liberdade de expressão (1990). Desde então, a paz voltou e cinco eleições gerais foram realizadas, durante as quais o eterno candidato da Renamo, Afonso Dhlakama, e o seu partido sempre foram derrotados pela Frelimo, representado sucessivamente por Joaquim Alberto Chissano (presidente de 1986 a 2005), Armando Emilio Guebuza (2005-2015) e, na última eleição, Filipe Jacinto Nyusi, que tomou posse de chefe de Estado em Janeiro de 2015. O balanço deste conflito, para o qual ninguém nunca foi julgado, nem do lado da Frelimo, nem da Renamo, também deve ser colocado no balanço da ação de Dhlakama em favor (ou desfavor) de Moçambique.
Um ressurgimento político de 2014 e a volta à violência, estrategia perdedora
Acostumada a perder as eleições (ou a ver-se roubado a vitória, depende do ponto de visto), a Renamo abordava muito mal o ano 2014. Depois duma votação contestável em 1999 (naquele ano, Joaquim Chissano ganhou com apenas 52,29% dos votos contra 47,71% para Dhlakama), o líder da Renamo levou duas bafadas eleitorais em 2004 e 2009, caindo respectivamente a 31,74% e a 16,41% dos votos. Enquanto isso, a força militar renamista continuou excluída, ao contrário do que tinha previsto o acordo de paz de 1992, dum qualquer processo de integração no exército nacional moçambicano.
É provavelmente em reação a esse declínio eleitoral, e porque ele entendeu que nunca ganharia as eleições, que, em 2012, Afonso Dhlakama ordenou aos seus homens de voltar a pegar as armas, a partir do Parque nacional de Gorongosa (província de Sofala), onde fica a sua sede histórica. Foi na verdade uma estratégia difícil para o líder da Renamo, pois o movimento não tinha em 2012 as mesmas capacidades do que em 1992. Perdeu seus apoios estrangeiros, falta-lhe dinheiro e armas, e, segundo o governo, conta apenas 300 homens – a direção da Renamo recusa-se a divulgar um número oficial.
A ação da Renamo resultou portanto em ataques dispersas, apenas para atirar em chapas, em machibumbos e em militares moçambicanos. Acabou também perturbando a circulação na estrada principal no sul da província de Sofala. O boicote das eleições municipais de 2013 isolou ainda mais a Renamo, ao benefício duma nova formação, o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) criado por um antigo renamista, Daviz Simango. Finalmente, Afonso Dhlakama iniciou a campanha eleitoral após a assinatura, dia 5 de Setembro de 2014, dum acordo assinado em Maputo com o presidente Guebuza, sob mediação estrangeira. As multidões que reuniram-se à volta do Dhlakama durante os seus meetings de campanha, especialmente em Quelimane e Nampula, ilustraram então a implantação do seu partido no Centro e Norte do país, e a ligação especial que o candidato da Renamo conseguiu, ao longo das semanas, recriar com o seu eleitorado tradicional. Muitos dos seus militantes estavam em adoração com o seu tom messiânico, que às vezes aproximava-se mais com um sermão evangélica do que com um discurso político. Eles o viam como um grande líder e « bebiam » suas palavras. Mesmo com somente 36,61% dos votos ganhados em Outubro de 2014, o candidato renamista, com um resultado muito melhor do que em 2009, enviou uma mensagem clara para o resto da classe política: ainda deviam contar com ele por alguns anos. Para voltar sobre esta seqüência, este artigo de Dezembro de 2014: Moçambique: o ressurgimento político da Renamo, e depois?
Com esses bons resultados, mas incapaz de aproveitar da situação para tomar o poder, o líder da oposição, depois de várias procrastinações que ilustraram a inconstância das reivindicações renamistas, exigiu, em nome do seu partido, assumir o poder nas províncias do Norte e do Centro do país onde a Renamo teve a maioria dos votos. Saiu desta seqüência uma proposta legislativa mal construída (como o analisamos neste artigo de Dezembro de 2014: Lei de descentralização em Moçambique: a Renamo entre inconstância e incompetência) com duplo-objetivo dotar seis províncias duma autonomia forte e permitir ao candidato mais votado nas eleições presidenciais de nomear os governadores nestas mesmas províncias. Em 30 de Abril de 2015, este projeto de províncias autónomas foi rejeitado em bloco pela bancada parlamentar frelimista, criando grandes incertezas como jà o tínhamos explicado em Junho de 2015: Será que Moçambique saiu da crise pós-eleitoral? Em Outubro de 2015, uma nova reforma constitucional foi proposta pela bancada renamista, mais coerente, com a criação de Autarquias provinciais, de novo rejeitado pelos deputados frelimistas, em 7 de Dezembro de 2015.
Com esses fracassos, o chefe da Renamo fechou-se então numa retórica de guerra, enquanto os seus anúncios de vitória e de governação, declaradas aos seus eleitores e militantes em reuniões públicas, ficavam sem conseqüências. Dhlakama denunciou em Setembro de 2015 uma vontade de o assassinar para acabar com a oposição política; falou-se então duma « operação Savimbi », como isso fez-se em Angola em 2002, quando o chefe da oposição nacionalista Jonas Savimbi foi matado – a morte dele fez-se acabar a guerra civil angolana. Os eventos aceleram-se a partir de Setembro de 2015. As forças especiais policiais realizaram perquirições contra homens da Renamo, enquanto Afonso Dhlakama ficou sumindo várias semanas (em « parte incerta »), provavelmente escondido no mato do Gorongosa. Em 9 de Outubro de 2015, a Força de Intervenção Rápida (FIR) invadiu a casa do próprio Afonso Dhlakama, na cidade de Beira. O ano 2015 acabou-se então com uma subida da violência, a Renamo querendo pressionar o governo para chegar a um compromisso.
O ano de 2016 foi caracterizado pela ameaça duma volta à guerra civil. Os confrontos e ataques notificados em Sofala, Manica, Tete e na Zambézia, que aumentaram com a promessa do Dhlakama de impor pela força a autonomia das províncias renamistas com prazo Março de 2016, criaram então uma crise humanitária. O arredores do Parque Nacional de Gorongosa, na província de Sofala, mas também os distritos de Moatize, na província de Tete, e de Morrumbala, na Zambézia, são as zonas mais afetadas. Dia 15 de Março de 2016, enquanto jà se contabiliza mais de 12.000 refugiados concentrados no campo malawite de Kapise, o governo de Malawi anunciou a criação de mais um campo para albergar refugiados moçambicanos, em Luwani.
A responsabilidade desta volta à violência era dupla. De um lado, os abusos da Frelimo durante as eleições gerais (durante a campanha eleitoral como no dia das eleições) e o seu recuso estrito a conceder qualquer partilha do poder à Renamo, como as tentativas de acabar com a vida do próprio Dhlakama, eram claramente condenáveis, e ilustravam o nível de intolerância do Estado-Frelimo. De um outro lado, a Renamo aceitou participar a uma eleição cujos disfuncionamentos já eram bem conhecidos, e adoptou uma postura meio-agressiva, meio-incompetente, alternando as declarações belicosas e as propostas políticas absurdas ou, no melhor dos casos, que refletiam os interesses próprios do partido muito mais do que uma vontade de democratizar o país.
É provavelmente porque as suas promessas de tomada do poder pela força foram todas fracassos que o Dhlakama acabou aceitando negociar com o governo – o próprio Nyusi também estava numa situação complicada, sem sucesso nas tentativas de reprimir o braço armado da Renamo. A sua estratégia não lhe permitia vencer e impor suas condições, apesar de multiplicar os ataques a partir de Maio (Moçambique: a Renamo e a subida da violência, uma estratégia perdedora, Agosto de 2016). Desta seqüência, o líder renamista saiu fragilizado porque pareceu descreditado, mas paradoxalmente, o regime também porque mostrou-se incapaz de afirmar sua autoridade. Abrir negociações ia a servir as duas partes, isto na perspetiva de futuros prazos eleitorais.
Sua herança: a oposição numa posição incerta
A perspectiva que representa desde certos meses, para a Renamo, a futura governação de algumas províncias, deve questionar sobre a resiliência deste partido, e a sua capacidade a « produzir » elites políticas e administrativas (incluindo jovens); e também sobre a visão de Afonso Dhlakama e dos seus colegas para Moçambique, e em particular para as províncias potencialmente afectadas pela alternância política.
O processo de decisão totalmente vertical dentro da própria Renamo confirmava a personalidade clientelista e autoritária do Afonso Dhlakama. As deserções sucessivas da Renamo esses últimos anos também o comprovavam: a ruptura de Raul Domingos em 2004 e de Daviz Simango em 2008 foram as mais famosas, mas não as únicas. De fato, o Dhlakama impediu desde 1979 a emergência de outras personalidades em interno da Renamo. Além do porta-voz do movimento, António Muchanga, do Secretário geral e deputado da Renamo, Manuel Bissopo, ou talvez do chefe de gabinete de Afonso Dhlakama, Augusto Mateus, ou do advogado da Renamo, Arnaldo Tivane. Sem esquecer, claro, a própria sobrinha do Dhlakama, Ivone Soares, ainda relativamente jovem (39 anos); ela assuma, desde a tomada de posse da nova Assembleia em 2015, os cargos de chefe da bancada parlamentar da Renamo, vice-presidente da Juventude no continente africano, e membro da Comissão permanente de Justiça e direitos humanos no Parlamento pan-africano. E quem sabe, um dia, Afonsinho, filho de Dhlakama, mas que é ainda muito jovem. Como já o tínhamos visto em Novembro de 2016 (Moçambique: Afonso Dhlakama, ou a falta de visão de logo termo), Dhlakama não preparou realmente sua sucessão. Por enquanto, quem está a gerir o ínterim da presidência do partido é Ossufo Momade, nascido na Ilha de Moçambique (província de Nampula) em 1961, que juntou-se à Renamo em 1978; para lembrar um pouco o seu papel na guerra civil, ele participou à primeira missão renamista na província de Tete, en 1979, dirigida pelo próprio Dhlakama, e depois a missões em Manica e Sofala, antes de liderar tropas em Manica e Zambézia, em 1981, e de liderar a abertura do frente de Nampula, em 1983. Ele foi eleito na província de Nampula nos anos 90 e em 1999 deputado.
No jornal O País, em 15 de Fevereiro de 2016, Afonso Dhlakama, à pergunta de quem ele estava vendo como possível sucessor, respondeu: « Não sei, não sei. Cabe a cada membro mostrar trabalho suficiente para conquistar simpatia dos membros e chegar à presidência do partido. Não posso indicar ninguém, porque não se trata de poder tradicional. O meu pai, o régulo Mangunde, está a preparar um dos meus irmãos para lhe substituir. Eu fui eleito e o próximo presidente também deverá ser eleito de acordo com os estatutos do partido. » E no mesmo jornal, em 8 de Agosto de 2016, ele respondia assim à questão da sua sucessão, e de como ele a preparava: « Não sou régulo. o meu pai é régulo e já sei que quando morrer um dos filhos vai substitui-lo, porque é o poder tradicional. No poder político não se fala de quem vai substituir, quem vai decidir é o partido. [...] Tal como afirmei, nós somos um partido democrático, realizamos congressos, temos os órgãos e eles é que deliberam. »
O fato de Dhlakama não ter preparado realmente a sua sucessão, e de ele ter-se mantido na liderança do partido tanto tempo, nos diz algo sobre ele. « O pouco da democracia que existe em Moçambique é graças à luta da Renamo. É um projecto que vem desde 1977, dizia o mesmo ao jornal O País, numa entrevista publicada em 8 de Agosto de 2016. A Renamo forçou a Frelimo a ir até Roma para assinar os acordos de paz. Infelizmente, a Frelimo não aceitou o projecto político da Renamo, mas continuamos a lutar por uma democracia multi-partidária, Estado de direito. » É uma ideia constante defendida pelos renamistas: « A Renamo é garante da democracia em Moçambique », declaram eles. « Há democracia hoje em Moçambique graças a Dhlakama », etc. Ou seja, as poucas conquistas democráticas realizadas em um quarto de século seriam o resultado da ação da Renamo – incluído a ação armada; este argumento « esquece » todas os horrores cometidos pela Renamo durante a guerra civil. E sobretudo, esta teoria merece ser revista. Primeiramente porque a existência da Renamo nem impede a Frelimo de dominar todos os órgãos de decisão nacionais e locais (fora dos 4 Conselhos municipais que pertencem ao MDM ou a Renamo), e de controlar toda a vida administrativa e econômica do país; pior, através a sua participação nas eleições, a Renamo legitima um sistema profundamente clientelista que torna quase impossível uma alternância. Em cima de tudo, as aspirações « democráticas » da Renamo estão mais parecidos com um desejo de tomar o poder, ou pelo menos de o compartilhar com a Frelimo, do que com uma vontade sincera de democratizar o país.
O processo de decisão totalmente vertical dentro da própria Renamo confirma a personalidade clientelista e autoritária do Afonso Dhlakama. As deserções sucessivas da Renamo esses últimos anos também o comprovam: a ruptura de Raul Domingos em 2004 e de Daviz Simango em 2008 são as mais famosas, mas não são as únicas. Dhlakama impediu desde 1979 a emergência de outras personalidades dentro da Renamo. E de fato, enquanto liderava o partido, a figura dele serviu o poder, porque a Frelimo, por medo de perder tudo o que tem, como por receio da vingança do velho chefe da guerrilha dos anos 80, nunca teria permitido a vitória deste « espantalho » que lembrava a todos os eventos da guerra civil. De uma certa forma, a permanência na liderança do seu partido de Dhlakama bloqueou a vissa política moçambicana, focalizando todas as intenções sobre ele. Para o Frelimo, é o inimigo ideal, que nunca ganhará as eleições, mas também que impede outras personalidades de propor uma alternativa séria. O líder da Renamo não impediu uma democratização « institucional » mas uma abertura real do sistema político moçambicana, que continuou num bipartidarismo apenas fragilizado pela chegada do MDM desde 2009. Este post publicado numa página de bloguistas-cidadãos ativos (O Olho do Cidadão), por um bloguista chamado « Periclés Maquiavel », depois da morte do mesmo, significava algo semelhante: « Dhlakama não era a árvore da liberdade e da democracia moçambicana mas era apenas a semente que precisava morrer para gerar muitos e bons frutos! »
E agora, Moçambique?
Para a Renamo como para o país todo, esta seqüência toda deixa o povo moçambicano numa grande incerteza. Como o tínhamos explicado em Março de 2017 (Crise pós-eleitoral, descentralização e confrontos militares: 2017 será o ano da paz em Moçambique?), o final do ano 2016 tinha-se terminado com uma acalmia nos confrontos entre forças renamistas e tropas governamentais. Depois de vários meses de discussão lenta e difícil, as delegações da Renamo e do governo chegaram a um consenso que abriu um mínimo de esperança para o alcance duma paz efectiva. Portanto, em 25 de Agosto de 2016, as delegações aceitaram a proposta dos mediadores da Comissão Mista de suspender temporariamente as hostilidades e todas as formas de violências em todo o território nacional. Os trabalhos desta Comissão Mista retomaram depois em 12 de Setembro de 2016.
Em 27 de Dezembro de 2016, finalmente, os Moçambicanos assistiram a um cessar-fogo proclamado pela Renamo, para uma duração de uma semana, prolongada depois a dois meses, e finalmente, em 3 de Março de 2017 (na véspera do prazo), Afonso Dhlakama anunciou em teleconferência o alargamento das tréguas por um período de dois meses, ou seja até o dia 4 de Maio. Logo em 28 de Dezembro, sinal de apaziguamento, a polícia moçambicana suspendeu o acompanhamento sistemático de veículos civis, imposto menos dum ano antes sobre alguns troços das estradas principais, no centro do país. Só na primeira semana de Janeiro de 2017, pelo menos 30 famílias deslocadas voltaram na sua aldeia, no distrito de Mopeia (Zambézia), onde os combates tinham sido os mais violentes em 2016. No primeiro trimestre de 2017, milhares de habitantes de árias zonas que ficaram desertas na seqüência dos confrontos regressaram, como em Mossurize ou em Báruè, distritos da província de Manica.
Entretanto, em 3 de Fevereiro de 2017, nova surpresa: enquanto ele sempre reclamou a presença de mediadores internacionais às discussões de paz, Afonso Dhlakama decidiu, de acordo com o chefe do Estado, despedir os mediadores e de abrir um novo processo de discussões, sob um outro formato. Em 6 de Fevereiro, o presidente Nyusi e Dhlakama nomearam novos representantes, para a criação de novos grupos de discussão sobre a descentralização e a questão militar. E finalmente, chegou aquele momento onde, a conversar horas e horas, dias e dias, semanas e semanas, meses e meses, governo e Renamo chegaram a um compromisso sobre o assunto de descentralização. Em 22 de Janeiro de 2018, o presidente Nyusi anunciou o novo Acto de descentralização que deve entrar em vigor em 2018, ao nível das autarquias locais, em 2019 ao nível provincial, e em 2024 ao nível dos distritos. É criado duas novas escalas de descentralização, o Distrito, cujo o Administrador Distrital é o chefe executivo, e o presidente da Província. Os dois não são eleitos diretamente pelo povo, mas escolhidos pelo partido chegado em primeiro lugar nas eleições provinciais ou distritais. Também acrescenta-se a criação de um Secretário do Estado, que vai exercer as funções de soberania ao nível das província. Os consensos deste novo pacote da descentralização foram feitos tendo em conta a partilha do poder, não como um mecanismo para permitir o desenvolvimento da nação, o empuderamento das comunidades, ou reforçar a democracia.
Um exemplo disto é, como já o tínhamos visto o mês passado (Os desafios da democracia moçambicana (3/3): a descentralização, um tabu finalmente questionado), a desaparição da eleição direta dos presidentes dos municípios. Este prerrogativo popular foi tirado sem razão, só por decisão bilateral da Frelimo e da Renamo. Agora, tal como será escolhido o presidente provincial (pelas Assembleias regionais), o presidente municipal será escolhido pelo primeiro partido presente no Conselho municipal. Como o escreveu o mesmo bloguista já mencionado, « Periclés Maquiavel », no grupo Facebook O Olho do Cidadão: « Será que a eleição directa dos presidentes dos municípios punha/colocava em causa a paz em Moçambique e estava relacionada com os conflitos militares entre o governo e a Renamo? O novo pacote de descentralização aumenta/consagra os poderes do chefe do Estado, do conselho dos ministros, dos líderes partidários mas reduz o poder do povo. Há mais dois orgãos autónomos na organização e funcionamento (Província e Distrito) mas menos poder decisório para o povo. » E o bloguista até acrescentava: « O presidente Nyusi e o líder da Renamo não devem se aproveitar do problema da paz para mudarem o que não lhes agrada a bel-prazer. »
Finalmente, este pacote peca por ser motivado por questões puramente políticas. E isto, também é o balanço de Afonso Dhlakama, a sua última herança. As novas estruturas que serão criadas respondem mais à questão de partilha do poder. A Renamo, garante da democracia... mas de uma democracia feita para ela própria, condicionado por interesses de uns e outros, e não pelo bem comum.
A pesar disse tudo, é a prioridade da paz que está em jogo. Enfim, a proposta de descentralização de Dhlakama e Nyusi era mais um passo importante pela paz do que pela democracia. Paradoxalmente, enquanto acabou de desaparecer o líder da Renamo, ele jà não está na famosa « parte incerta », mas deixe sim o seu país, Moçambique, numa grande incerteza. Assim, enquanto está em processo de negociação legislativa o pacote parlamentar suposto atuar o próximo ato de descentralização, as coisas complicam-se, agora que a Renamo fica sem liderança clara. Citada por MediaFAX no início do mês, Ivone Soares sublinhou que o impasse do processo de descentralização reside na consensualização do tópico que diz respeito à figura que deverá assumir a competência de indicação dos administradores distritais. A Frelimo defende que o administrador distrital seja indicado pelo ministro que superintende a área da Administração Estatal, enquanto a Renamo quer que o administrador distrital seja obrigatoriamente indigitado pelo governador provincial eleito. Como o lembrou o mesmo jornal, Ivone Soares recordou que esta foi, desde o início, a lógica defendida por Afonso Dhlakama, não sendo, por isso, verdade a acusação de que a bancada renamista quer colocar « debaixo da mesa » novos pontos não consensualizados no diálogo entre Nyusi e Dhlakama. A chefe da primeira bancada de oposição qualificou a reforma levada pela Frelimo de « descentralização centralizada », tendo em conta que, sendo indicado pelo ministro de tutela, o administrador irá continuar a responder centralmente, o que escapa à lógica da descentralização. « Apelamos à toda sociedade a não se acobardar-se. Todos nós temos de ser Dhlakama. Senão teremos uma descentralização centralizada. Um doce envenenado. Senão teremos uma situação em que o governador só está aí para enfeitar. Temos de ser sérios em relação a isso », exigiu Ivone Soares.
A carreira política de Afonso Dhlakama acabou-se com esta seqüência e este « sucesso » sobre a descentralização, mas este necessita ser confirmado pela via do Parlamento nos próximos meses. Se a Renamo parece ter mantido o cabo da moderação e do compromisso, olhando também nas autárquicas deste ano e nas eleições gerais do ano que vem – e as negociações entre e Renamo e o MDM com vista uniões nos próximos prazos eleitorais ilustram bem que estão a decidir-se coisas importantes para o futuro da oposição moçambicana –, o risco de volta atrás está mais ligado à Frelimo; já que certas decisões tomadas pelo Nyusi no âmbito do acordo com Afonso Dhlakama eram contestadas em interno do partido no poder, pode acontecer os caciques da Frelimo quererem aproveitar da morte do velho líder da oposição para reduzir o tamanho da reforma atualmente discutida. Os próximos meses já trarão primeiros elementos de resposta.