Durante as revoluções da Primavera árabe em 2011-2012 (em Tunisia, Egípto, etc.), bem como nos últimos eventos em África nas manifestações durante as eleições no Senegal em 2012, durante o golpe de 2014 no Burkina Faso, ou na contestação na Gâmbia e no Togo em 2017, só para mencionar uns exemplos, o papel da juventude foi imenso, pela via da mobilização dos estudantes, dos bloguistas e outros atores sem os quais essas seqüências históricas não teriam sido possível (como os sindicatos). Em particular nos países norte-africanos, a palavra contestação faz agora parte do vocabulário político e social usual. Há no entanto um país que parece fora desta contagião: a Mauritânia. E no entanto, ele tem uma população muito jovem, com quase 62% dos seus cidadãos com menos de 25 anos. Então porquê esta passividade aparente? Como essa juventude, afetada pelas dificuldades sociais, pode levar este vento de câmbio que já trouxe mudanças em tanto países na região?
Podemos começar por dizer que jovens mauritanos tentaram organizar-se na altura da Primavera árabe, com um sucesso igual a zero. Uma primeira manifestação aconteceu em 13 de Janeiro de 2011 em Nouakchott, a capital, e reuniu uns milhares de jovens. Frente a esta mobilização, o governo prometeu um redução de 30% dos preços dos produtos alimentares de base. Em 17 de Janeiro, um homem de 43 anos de uma família rica, Yacoub Ould Dahoud, queimou-se, tal como o Mohamed Bouazizi na Tunísia em Dezembro de 2010; Yacoub o fez frente ao palácio presidencial, em protestação contra as políticas do presidente mauritano Mohamed Ould Abdel Aziz, que chegou ao poder em Agosto de 2008 depois dum golpe militar. Uns movimentos sociais emergirem depois, apoiados por sindicatos, mas foram rapidamente reprimidos e foram só seguidos de uns programas sociais de emergência com impactos limitados. As contestações de tipo política foram levados por jovens reunidos no Movimento do 25 de Fevereiro, criado no Internet. As suas reivindicações, descritas num programa concreto em 28 pontos, previa sobretudo a evicção dos militares do poder, um sistema eleitoral mais justo e uns pedidos sociais (criação de empregos, aumento do salário mínimo a 73.000 ouguiyas).
As ideias dos jovens não devem ser marginalizadas.
Os movimentos de jovens criam-se para opor-se ao conservatismo, ao sistema militar e tribaliste, e à corrupção.
Mohamed Abdou, bloguista e activista no Movimento do 25 de Fevereiro.
Tendo em conta o número de pessoas insatisfeitas do poder em Mauritânia, é estranho que este movimento nunca conseguiu ser mais importante: os Haratinos, comunidade discriminada e ainda vítima de situações de escravidão apesar do seu peso demográfico (entre 40 e 50% da população, segundo estimações); os Pulaares, Wolofs e até os Soninkés, vítimas de violências inter-comunitárias entre 1989 e 1991, e nos quais muitos esperam ainda recuperar suas terras no vale do rio Senegal, ou até recuperar sua nacionalidade; os criadores e agricultores (de todas as comunidades) vítimas da política de confiscação das terras pelo Estado, que as venda depois a empreendedores do Golfe; as mulheres, cuja a condição é péssima e que são vítimas duma subida das violências estes últimos anos (e é preciso lembrar que a criminalização da violação (ou estupro em português du Brasil) ainda não é clara na lei, e de fato não é aplicada); os democrates opostos à presencia dos militares na vida política; a oposição política histórica... Toda esta gente constitua, à final, muitas pessoas insatisfeitas. Mas é assim; em 25 de Fevereiro, o sit-in anual do Movimento, que realiza-se na Rotunda Madrid, em Nouakchott, já não reúne mais de umas dezenas de pessoas. E quase só Mauros brancos – apesar de ser a comunidade a mais privilegiado do país (uma realidade que é preciso contextualizar com a situação dos clãs e das castas).
A ausência de uma frente de contestação unificada
Então, o que falta? Muitas coisas, claro. Olhamos de uma lado nos jovens mauritanos, que como sempre representam ao mesmo tempo o presente e o futuro do país. Eles não são afastadas das dificuldades quotidianas e dos freios ao desenvolvimento pessoal. Podemos citar em primeiro lugar a situação social deles, que oferece poucas perspetivas profissionais sérias por causa do sistema de educação escolar de péssima qualidade e dum desemprego importante. De fato, aEscola pública mauritana tornou-se um factor de exclusão e de desigualdades: o analfabetismo afeta um terço dos 15-24 anos; a educação secundária melhora, mas fica inacessível para muitos jovens (só 24% de escolarização), sobretudo as raparigas pobres e saindo do meio rural. O acesso ao ensino superior é ainda embrionário (menos dum jovem sobre 20), e lá também, as raparigas são em minoria. Conseqüência desta realidade: muitas dificuldades a aceder a um emprego qualificado e a melhorar as condições de vida. As estatísticas variam muito duma fonte à outra, mas é muitas vezes evocado um desemprego afetando um jovem sobre dois, ou talvez dois sobre três. Muitos deles só têm acesso a empregos precários e pouco profissionalizante como estágios, às vezes não remunerados em Mauritânia.
Essas dificuldades afetam todos os jovens ou quase, qualquer seja a comunidade étnica. Privilégios existem para umas famílias pertencendo a umas castes e uns clãs, uns tribos, mas globalmente, esses problemas que enfrente a juventude afetam todas as comunidades. No entanto, um olhar sobre a composição do Movimento do 25 de Fevereiro, ou de qualquer outra iniciativa reivindicando direitos para a população, deixe perplexo. As organizações políticas, militantes ou associativas onde a mistura das comunidades seria observada, são raras. Os Mouros brancos, dum lado, os Pulaares e o Wolofs dum outro, os Soninkés do seu lado, e os Haratinos afastados. E em geral, as pessoas concordam para dizer que esta separação acentuou-se nos vinte últimos anos. Apesar do fato que o cumulo de todos os grupos insatisfeitos poderia ameaçar o poder, cada um deles (com raras excepções) trabalha do seu lado, defende os seus próprios interesses, sem real concertação com os outros. Um movimento tipo aquele do 25 de Fevereiro tinha no entanto a ambição de levar as reivindicações políticas de todos, mas é preciso reconhecer que ele atraiu muito pouco.
O exemplo do coletivo Não mexe à minha nacionalidade é bem ilustrativo deste comunitarismo ambiente. Nascido em 2011, esta organização queria protestar contra as modalidades do censo então em curso, que era julgado discriminatório com as populações negras de Mauritânia. Essas reivindicações eram e são ainda legítimas frente a um processo de dissuasão com os pulaares, wolofs e soninkés que queriam regularizar sua situação e ter de volta sua nacionalidade depois dos eventos de 1989-1991. Ainda mais porque a questão do censo veia acrescentar-se ao tratamento degradante, e às vezes racista, que conhecem já há muito tempo as comunidades negro-mauritanas neste país. Mas o coletivo Não mexe à minha nacionalidade nunca tentou criar pontes entre o seu combate e as reivindicações, por exemplo, dos Haratinos contra a escravatura e para o fim das discriminações. Enquanto muitas famílias ainda num estado de escravidão tradicional não têm papeis, o que deixe difícil sua emancipação, a escolarização das crianças, etc. Esta ausência de diálogo entre grupos discriminados só pode penalizar, à final, todos os combates. Tal como a ausência de diálogo com os Mouros brancos de boa vontade que querem viver em paz com as outras comunidades. Ou com os Mouros brancos de baixas castas (como aquela dos ferreiros) e que pedem também uma igualdade efetiva entre os cidadãos. Já que os Mouros, ao contrário do que muitos pensam, não constituem uma comunidade socialmente homógena, mas com suas desigualdades. Um olhar no município de Dar Naim, que concentra uma grande pobreza em Nouakchott como também muitos Mouros brancos, basta a convencer-se disso.
As causas de um fracasso
O Estado mauritano soube com sucesso, logo em 2011, dividir o Movimento do 25 de Fevereiro atraindo alguns dos seus lideres, em particular oferecendo para eles cargas oficiais. O movimento sofreu então da imagem dos seus próprios militantes, por causa do oportunismo daqueles que saíram. Mas sofreu também da imagem daqueles que ficaram. Com razão ou por erro, os membros são vistos como jovens privilegiados, fora das realidades. Podemos citar Yacoub, um Mouro branco trabalhando em ONG mauritana na capital, que os qualifica de « pequenos burgueses »; ou ainda Yacouba, Soninké trabalhando no setor social no município de Dar Naïm, em Nouakchott, que fala deles como de crianças com caprichos. Esta percepção talvez não é justa (ainda mais porque num país como a Tunisia ou outros, provavelmente haviam bloguistas e estudantes na rua que não eram pobres, isto não tira nada ao envolvimento deles), mas é a realidade que eles conhecem em termos de imagem.
Acrescentamos que o movimento é o fato, sobretudo, duma juventude urbana. Maioria das dificuldades encontradas pelos jovens (descolarização, desemprego, droga, roubos, etc.) são acentuadas em zona rural e nos bairros periféricos das cidades, onde se desenvolverem diversas formas de violências (violações, agressões, operações policiais, etc.).
O próprio poder m cada vez mais consciência do carácter potencialmente explosivo duma juventude marginalizada, e ele leva iniciativas regulares em direção dos jovens. O presidente Abdel Aziz tinha prometido a criação dum Alto Conselho da Juventude; inicialmente previsto para ser confiado a um grupo de jovens independentes, é finalmente supervisado por um Conselho inter-ministerial... Para os poderes públicos, a juventude não deve ter direito à palavra, não deve adquirir espaço de reflexão e de expressão. Deve ser enquadrada, orientada. É isso o objetivo das autoridades e de muitos idosos que não conseguem ainda deixar o lugar.
Os desafios ligados à juventude são vivos e muitos dos actores são hoje conscientes disso. Até a França, a Alemanha, a União europeia e umas ONG nacionais e internacionais (Grdr, Caritas Mauritanie, EcoDev, etc.) começam a concentrar as suas atividades de cooperação nessa temática há dois ou três anos. Mas as preocupações dos jovens são sobretudo sociais. E além disso no mundo norte-africano em geral, as reivindicações políticas conseguirem porque elas juntavam uma contestação que era, antes de tudo, social. Problema, o Movimento do 25 de Fevereiro não consegue cristalizar as frustrações sociais para poder falar em nome de todos os habitantes para pretender melhorar a vida deles. Fato revelador, ele não desenvolveu nenhuma relação com os sindicatos de trabalhadores, enquanto esses tinham um papel importante na Revolução em Tunisia. Nem com a CGTM, principal sindicato da Mauritânia, que pretende ter uns 35.000 membros. A greve há uns anos dos salariados da Sociedade Nacional Industrial e Mineira de Mauritânia (SNIM), em Zouérate, no norte do país, mostrou no entanto que um movimento social eficiente, num sector chave da economia, podia incomodar realmente o poder.
A Mauritânia não resume-se a um país árabe!
O nome mesmo do movimento fazia alusão à contestação da Primavera árabe, em 2011. Era inadaptado. Composta por mais ou menos 30% de Mouros « brancos » (os árabo-berberes chamados de Beydane, ou Bidan); por um terço de comunidades chamadas negro-mauritanas (Pulaares, Wolofs, Soninkés), vivendo em maioria na metade sul do país, no vale do rio Senegal; e por mais de 40% de Mouros « negros » (nos quais muitos deles são antigos escravos, chamados de Haratinos), a Mauritânia não é, obviamente, um país árabe. Ou pelo menos não é só isso. Da mesma forma, não é só um país subsaariano. É um condensado destas influências todas, da presença berbere pré-islâmica, da arabização, do reinado dos Almoravidas, do Impêrio do Gana, etc. É e não deixe de ser um país inclassificável. É o que faz o seu charme, como também sua complexidade. O que faz dele, como dizia Moctar Ould Daddah, primeiro presidente do país depois da independência, um « hífen entre o Maghreb e a África negra».
Entende-se então que a referência a movimentos especificamente árabes não mobilizam todas as comunidades – em particular as comunidades negro-mauritanas. Essas foram, estes últimos anos, provavelmente mais sensíveis por exemplo a movimentos de protestação que acontecerem em 2012 em Senegal (em reação à candidatura do presidente Abdoulaye Wade a um terceiro mandato), ou ao em 2014 em Burkina Faso no âmbito da queda de Blaise Compaoré (depois de 27 anos no poder, ele queria modificar a Constituição para apresentar-se de novo às eleições), ou em 2017 em Gâmbia, quando eleições livres e a intervenção senegalese permitiram a alternância, ao custo de Yahya Jammeh, que ocupava a carga de presidente há mais de 22 anos e recusava a derrota eleitoral.
Tendo em conta a configuração mauritana, qualquer movimento político querendo ser realmente inclusivo e procurando apresentar uma frente larga e unida de contestação tem que achar as suas próprias referências nacionais. Referências acessíveis a todas as comunidades, e respeitosas das reivindicações de cada um e do multilínguismo, claro. Nenhum experiência estrangeira terá unanimidade num mosaico ao mesmo tempo tão reduzido (menos de 4 milhões de habitantes em Mauritânia) e tão complexo.
E o papel da juventude?
A Mauritânia é cheia de paradoxos. Apesar do peso demográfico que eles têm, o nível de participação e de influência dos jovens, rapazes e raparigas, é muito fraco. Vale tanto na vida familial como na via público. Esta exclusão é óbvia nos espaços e mecanismos de gestão da sociedade (partidos políticos, conselhos municipais, e até em associações e organizações da sociedade civil). Por exemplo, jovens ausentes das assembleias eleitas e menos de 10% seriam ativos em associações (qualificamos de « jovens » os menos de 35 anos, segundo a definição da Carta africana da Juventude, adoptada em Julho de 2006 pela Organização da União africana).
Acrescentamos que o peso das tradições e a permanência dum certo determinismo social não ajudam a liberdade de expressão juvenil. Conseqüência: suas necessidades, suas esperanças, não são ouvidos e tratados, tanto pelos poderes públicos como pela sociedade, e as suas dificuldades perpetuam-se num estado de frustração social e individual. As jovens mulheres em particular. Elas são objeto dum controle social mais forte do que com os rapazes, e ficam muitas vezes reduzidas ao casamento, o que deixe complicado uma autonomização e uma real liberdade de expressão. O carácter tabú de alguns assuntos, como a sexualidade, sobretudo em meios conservadores, complica ainda mais o tratamento de algumas questões como o casamento precoce ou esforçado, a violação, ou também a excisão.
Observa-se no entanto dinâmicas positivas levadas por jovens ao nível local com um ativismo associativo e cidadãos envolvidos em ações voluntárias em favor da coletividade: apoio escolar, atividades e clubes culturais ou desportivos, ações de saneamento nos bairros, etc. As associações ou grupos de jovens multiplicaram-se nos últimos anos. Claro, eles conhecem fraquezas similares aos mais velhos: divisão e clivagem do tecido associativo, falta de trocas de boas práticas e de solidariedade, uma liderança que perde-se entre figuras que considerem-se em concorrência, falta de estratégia de ação e de comunicação, recursos técnicos, em material e financeiros insuficientes, etc. Mas há uma dinâmica, real, e muitos jovens contribuem sinceramente. Até sem reconhecimento das autoridades, as associações de jovens organizam-se e constroem sua legitimidade em relação aos habitantes, na base das suas ações concretas, atestando ao mesmo tempo dum senso das responsabilidades e de uma forte motivação e capacidade e enfrentar os desafios. São os jovens, com as suas qualidades e as suas fraquezas, que representam a esperança dum câmbio real no país, no longo termo. São eles que permitem ficar optimista sobre o futuro.
Sem ser respeitado, não há vento favorável para uma juventude que não sabe onde vai, que não envolve-se e que não partilha valores.
Oumar Niass, porta-voz da associação Houb al-Watane (município de Sebkha, Nouakchott).
As mulheres mauritanas têm as competências e a vontade de assumir as suas responsabilidades para melhorar a situação atual.
A luta continua, não só para melhorar as suas condições de vida mas também para defender os seus direitos.
Mekfoule Ahmed, bloguista e ativista feminista na iniciativa eTkelmi.
É preciso o envolvimento e a participação de todos os jovens, sem marginalização e sem discriminação, para construir um futuro melhor para a Mauritânia.
Moussa Tall, encarregado de comunicação na associação Eu envolve-me!
Acrescentamos que a juventude exprime-se também pela voz dos artistas. O sucesso dos artes urbanos, e sobretudo do rap na juventude de todas as comunidades, ilustra a necessidade e a capacidade de expressão além dos quadros políticos ou tradicionais. Esta conscientização pela cultura é factor de mudanças positivas das mentalidades. Por exemplo, as questões ligadas à escravatura ou às relações inter-comunitárias são menos tensas lá, apesar de ainda estar presentes.
Enfim, a liberalização dos mídias e o desenvolvimento recente das redes sociais virtuais (monopolizadas pelos jovens em Mauritânia) oferece a eles novos espaços de expressão. A multiplicação e a forte frequentação dos blogs o ilustra perfeitamente. Além disso, a existência de 14 canais de televisão e a perspetiva da liberalização dos rádios permitem pensar projetos de canais ou de programas destinados aos jovens (ou levados por eles).
A Mauritânia de amanhã será o que a juventude de hoje ferá dela.
A juventude ativa, incluindo os artistas de rap, pode conseguir onde os outros fracassam e fracassaram.
Amadou Aly Ba, conhecido como Am'Dit Lya, artista de rap no grupo Yonta Men.
Nós, jovens, somos o futuro deste país.
Os jovens têm que acreditar em eles, tomar as suas responsabilidades e livrar-se de todos os seus complexos.
Fatimata Nena Ly, jornalista e animadora na Rádio Juventude, membro du Clube dos Jovens Jornalistas.
Será que grandes mudanças são desejáveis no contexto atual?
Se devemos lembrar-nos duma coisa sobre a Primavera árabe, é que qualquer movimento que quer mudar os equilibres do poder deve questionar-se antes de o fazer sobre quem domina a quem e sobre as relações gerais, no plano político, econômico, e social, para antecipar que ator(es) uma mudança de regime pode servir em primeiro lugar. No caso da Mauritânia, a realidade da oposição política não deixe optimiste. Por enquanto, só um único partido, movimento, realmente estruturado e ativo no terreno, consegue reunir à sua volta pessoas na base de valores visíveis e entendidas. Esta força, são os islamistes do Reunião Nacional para a Reforma e o Desenvolvimento (RNRD), mais famoso por o seu nome de Tawassoul (o equivalente dos Irmãos muçulmanos em Mauritânia) e que beneficiam do apoio dos países do Golfe. Num prisme de mudança de regime (que é pedida pelos jovens do 25 de Fevereiro), aqueles que não partilham as ideias de Tawassoul têm, antes de reclamar a queda do poder dos militares, pensar a relação complicada que irá criar-se depois. Como preparar esta situação?
Tal como o Partido comunista francês nos anos 1960 e 1970, como a Irmandade muçulmana em Egipto até sua acessão ao poder em 2012, e como os partidos gregos Syriza e Aurora Dourada hoje, a popularidade de Tawassoul base-se sobretudo e em primeiro lugar no seu ativismo no setor social. Claro, o movimento pode contar num contexto favorável: em primeiro lugar porque a oposição histórica boicotou as últimas eleições autárquicas, deixando os islâmicos sozinho frente ao partido do poder, a União pela República, o que o permitiu tornar-se o primeiro partido de oposição. Também porque o Estado mauritano mostra-se tolerante com eles, com objetivo uma radicalização e preservar seu estatuto de « bom aluno » na luta contra o terrorismo jihadista aos olhos dos seus aliados ocidentais. Enfim, é preciso lembrar-se que a base ideológica já estava fértil: apesar da Mauritânia contar com uma componente sufí já antiga, ela não deixe de ser uma república islâmica, e a religião constitue um dos principais vetores (o principal?) de unidade nacional.
No entanto, são ações ao serviço dos habitantes, e sobretudo das classes mais pobres, que Tawassoul base a sua credibilidade para promover os seus valores, as suas ideias, e impor os seus interesses.
Se, frente ao ativismo dos islamistas, os jovens que pretendem aceder à democracia, à mais liberdade, mais próximos de ideologias de esquerda ou « seculares »(oponentes ao conservatismo e ao obscurantismo religioso, pois felizmente, as opiniões não resumem-se ao islamismo dum lado e aos militares do outro), se esses jovens querem ter um papel amanhã, se eles reivindicam uma mudança de regime e querem anticipar os riscos que ocorrem atrás, é preciso eles concentrarem as suas ações no social para ganhar em legitimidade com a população. É ai que haverá uma concorrência (ou uma colaboração) com os islamistas (porque os identificar só como adversários também não é nem desejável não construtivo). E muitas organizações de jovens já trabalham nisso, ganham nos seus bairros em legitimidade. Somente elas coordenam-se pouco e não levem uma ideologia particular, nem um projeto global de sociedade. É preciso sempre lembrar-se desta citação de Amílcar Cabral, líder da independência da Guiné-Bissau e das ilhas do Cabo-Verde, num seminário em Conakry en 1969: « Devemos sempre nos lembrar que as pessoas não lutam por ideais ou por o que não os interesse diretamente. As pessoas lutam para coisas práticas: pela paz, para viver melhor em paz, e para o futuro das suas crianças. A liberdade, a fraternidade e a igualdade não deixam de ser palavras vazias [...] se elas não significam uma melhoria real das suas condições de vida. » Os jovens ativistas « democrates », e os partidos democrates em geral, deveriam lembrar-se disso, apropriar-se estas palavras, e associar-se com aqueles que, no terreno, já são ativos no setor social. E deveriam pensar juntos, sem caricaturas nem tabú, no modelo de sociedade que eles querem, hoje e no futuro, construir juntos.