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O acendedor de lampiões

Guiné-Bissau: o olhar das migrantes apaixonadas sobre o país do caju

2 Juillet 2018 , Rédigé par Jorge Brites Publié dans #Guiné-Bissau, #Identidade, #Sociedade, #História

« Sinceramente, hoje em dia eu não era capaz de ir viver em outro lugar. » Essas palavras são da Gabi, uma Romênia de mais ou menos 50 anos, que morra em Guiné-Bissau há mais de 30 anos. Como muitas pessoas originárias do Bloco socialista, ela viu passar nos anos 70 e 80 estudantes e trabalhadores africanos, no âmbito de acordos de cooperação. Com uma diferença: ela apaixonou-se por um deles, a tal ponto que o seguiu no seu retorno em Guiné-Bissau para viver com ele. E ao ponto de ligar-se sinceramente com o país.

Paramos um tempo sobre o olhar original de duas migrantes apaixonadas, sobre a Guiné-Bissau – um país que habitualmente faz pouco a actualidade, fora dos seus golpes de Estado (6 tentados ou conseguidos desde a independência), do seu nível de pobreza e da sua reputação de centro de tráfico de drogas.

País de África ocidental grande como a Bélgica e situado entre o Senegal e a Guiné-Conakry, a Guiné-Bissau é uma antiga colónia portuguesa, tornada independente em 1974 depois duma década de guerra de libertação que acabou com a Revolução dos Cravos em Portugal. Logo durante a luta de descolonização, os independentistas bissau-guineenses, cujo líder era Amílcar Cabral, orientaram o país na via do socialismo, como aliás muitos dos movimentos de emancipação nas antigas colónias portuguesas.

Motivada pela conjunção de interesses e por uma proximidade ideológica, a aliança com o Bloco socialista permitiu-los de beneficiar do apoio logístico e humano da União soviética e de Cuba durante a guerra. Permitiu também a ida de muitos Bissau-Guineenses na Europa de Leste ou em Cuba para formar-se. Já apresentamos num artigo de Maio de 2017 o caso dos trabalhadores moçambicanos retornados da República Democrática Alemã em 1989-1990: « Madgermanes »: em Moçambique, a injustiça dos retornados da Alemanha de Leste permanece

Essas trocas de estudantes e trabalhadores, tal como qualquer experiência humana tão importante, criaram mudanças profundas na vida de muitas pessoas, encontros, surpresas, decepções... e histórias de amor. Escolhemos apresentar o testemunha e o olhar de duas mulheres que o amor conduziu neste país tão pouco conhecido fora do continente africano: uma é da Romênia e veio em Agosto de 1984; a outra é de Cuba e chegou pela primeira vez em Janeiro de 1986.

Gabi Cassama em Buba, em 08-08-2017.

Da Romênia às lagoas de Cufada : o gosto da tranquilidade para pour Gabi Cassama

Uma pousada com boas condições, à beira das lagoas de Cufada, no Sul do país… É neste quadro que cruzamos Gabi, nossa hospedeira. Era em Agosto de 2017, pouco antes de ela celebrar seus 33 anos de residência no país. Tendo seguido um jovem bissau-guineense que tinha ido estudado em Romênia no âmbito da cooperação entre países do Bloco socialista, ela nos explica: « Meu marido é economista […]. E foi assim que nós decidimos vir para cá. Ele foi para estudar na Roménia. Depois de duas ou três semanas, a Guiné-Bissau conquistou a independência. Porque naquela altura, países do bloco de Leste apoiavam as causas da independência. »

Ela nos explica que sua partida para África tinha então deixado sua família com muitas reservas: « Achou muito estranho mesmo, muito estranho mesmo. Mas paciência. É aquela juventude, "aventureira" ! Porque se era hoje em dia, não sei se eu era capaz. » A incompreensão e a distância cultural permanecerem além dos anos: « Desde 84, ninguém [me visitou]. Tem aquela ideia "ah África não sei que". […] Na Romênia, quase não há [Africanos]. Se numa grande cidade, existe um Africano ou dois, jà é muito. Porque aquela mistura, aquela tendência de migração, é para Ocidente… »

No entanto, à questão da sua integração em Guiné-Bissau, ela declara claramente que não teve dificuldades: « Não! É um povo tão simples, é tão simples. Nada disso, nada disso. Os nossos problemas aqui são os políticos, os militares, a guerra para o poder, mas o povo não tem nada, é tão humilde, tão hospitaleiro… Tudo de bom! Embora que tens que respeitar a tradição dele, a cultura dele, e quem sou eu para me meter na vida dele? É verdade, né? Eles pelo contrário têm um certo respeito pelos Brancos. A única coisa que eu não gosto, é quando eles me chamam "Branco! Branco! Branco!" » Ela continua a descrição dos seus primeiros anos em Guiné-Bissau, evocando a aprendizagem duma outra língua: « Foi o crioulo que eu aprendi primeiro. Meu marido estava a estudar na Romênia, ele falava romeno perfeito, e ele fez todos os cursos na Romênia. Mas aqui, a língua do dia a dia e até que se fala no Parlamento é o crioulo. Eu fala crioulo melhor do que muitos Guineenses. Porque muitos Guineenses têm um sutaco por causa da língua materna. Mas eu não tendo língua materna aqui, o meu crioulo é o crioulo de verdade. »

Sua maneira de viver traduz a afeição que ela tem para o país: « Sinceramente, hoje em dia eu não era capaz de ir viver em outro lugar. Eu vou para Europa, dá para ir passar férias. » Esta ligação vale não só pelo seu país de adopção, mas também pelo modo de vida e a concepção da existência que parecem ter os Bissau-Guineenses: « Hoje em dia, aquela vida maluca de Europa, uma corrida de um lado para o outro, ah não! Eu começa a ficar com vertigem, e não sei que. Faço o que? Para ir ficar fechada num quarto de 3 ou 4 m²? Ah não! Eu ia a ficar doente, eu não aguento. Eu gosto aqui, das minhas flores, da floresta ao lado, do mar, faço a minha vida, e eu não tenho um dia para dizer "eu não tenho nada para fazer", mesmo que eu não tenho clientes [na pousada]. Tenho obras là, tenho plantas aqui... Temos por de trás da casa um pequeno pedaço de terreno onde eu cultivo qualquer coisa. É muito agradável para mim, me ajuda muito na saúda. […] Um Branco [vindo de Portugal] um dia apareceu, viu-me aqui, Branca: "Mas o que que faz aqui, no fim do mundo?" E eu: "Mas quem disse que é o fim do mundo? Você está muito enganado. Vamos falar amanhã de manhã e vai ver que aqui, é o início do mundo." Estávamos na época seca. On était à la saison sèche. Outro dia de manhã, quando acordamos, era tão lindo. A água estava aqui em cima, o sol a nascer, os pássaros a cantar… Então o homem olho para mim: "Senhora, você tem razão, aqui é o início do mundo." Eu disse: "Você é que saiu do fim do mundo, là, aquela poluição, aquela vida a correr..." »

Parque Nacional das Lagoas de Cufada.

Parque Nacional das Lagoas de Cufada.

Para Gabi, a Guiné-Bissau mudou pouco desde sua chegada nos anos 80. Além das fraquezas da classe política, ela explica isto por uma simplicidade no modo de vida da aldeia, camponese ou da floresta: « Não pode comparar Romênia, um país de Europa, com Guiné-Bissau. [...] Não tem nada a ver. [...] Muitas aldeias não têm eletricidade. […] A presença do Estado quase não se nota em Guiné-Bissau. Além disso, vamos, por exemplo, apreciar as casas, olhando as pessoas. Ás vezes, é o desleixo das pessoas assim... É o hábito deles, é a cultura deles. Olham por exemplo este ano. Temos aqui um produto que é muito procurado, par ser comercializado: a castanho de caju. A castanho de caju este ano teve muito bom preço (1 000 francs CFA o kg, contra moitié moins en 2016). Há pessoas que fizeram em cima de 100.000 ou 50.000 euros, uma família assim. Pessoas da tabanka [palavra local para designar o mato, as zonas rurais], da aldeia! Mas eles vão continuar naquele ritmo de vida, porque é a cultura deles. »

A nossa interlocutora acrescenta ainda: « E depois há um fator clima. Você tem um edifício, você vai dizer que está presto a cair. Mas não é bem assim. Depois de seis meses de chuva, não ajuda nada! E a minha impressão, quando eu vou para Europa e volto, vejo tudo pintado em coros escuros, mas é o fator clima que não ajuda. »

O lago de Cufada, no Parque Nacional epónimo.

O lago de Cufada, no Parque Nacional epónimo.

A afeição manifesta que Gabi forjou com este país não basta a ocultar a distância cultural, sempre parcialmente real depois de 30 anos bissau-guineenses. Aliás, é totalmente assumida, sobretudo na área da concepção do tempo e do trabalho: « Aqui, a natureza dá tudo. Você sabe qual é o problema da Guiné-Bissau? É a preguiça, antes de tudo é a preguiça. […] Há aqueles que trabalham, mas pronto, não é aquele trabalho que estamos habituados. […] Você não imagina como isso para mim parecia estranho, eu que saiu dum país comunista. Você não tem ideia como é um país comunista! Era trabalho, e mais trabalho, e mais trabalho. Mas graças a Deus, naquele trabalho onde eu fui criado e habituada a fazer, não me cansei muito na vida. Porque para mim, trabalho é normal. Sem trabalho, não se faz nada. Só cai chuva, mais nada cai do céu. Mas aqui, as pessoas levantam de manhã, e você vai ver elas sentadas, à espera, à espera de não sei que. Mas à espera de não sei que! À espera, à espera, à espera. Eh pá, isto fazia-me impressão: será que eles não têm nada para fazer? Enquanto que, na Europa... Mas mesmo eu aqui, quando eu levanto de manhã, eu estou com uma pressa, [e rapidamente] olho para o relógio: "estou a passar da hora, estou a passar da hora!" Estão a ver? Porque tenho tudo planificado. » Ela acrescenta que « mesmo depois de 33 anos na Guiné, este hábito de levantar, de sentar, com lixeira da volta da casa, tudo assim com os lixos a volta da casa, e tudo em bagunça », continua a deixando perplexa. « A pobreza, é uma coisa, arrumação é outra coisa, não tem nada a ver. Depois de 33 anos na Guinée, eu ainda não me mentalizei com isso... Gostava de ver coisas bonitas, coisas simples. […] Aqui, as pessoas choram trabalho, mas há muitas possibilidades de trabalho. » Ela menciona atividades que ela identificou como potencialmente criadora de ganhos, como a recuperação de folhas de palmeira para a fabricação de vassouras tradicionais, ou a venda de frutos tropicais.

Ela acrescenta ainda, sobre os Mouros originários da Mauritânia: « Tem este hábito de beber chá, o "ouargâ", que os Nars [palavra usada em África ocidental para falar dos Mouros] introduziram. E comer carne de cabra! »

No entanto, a perspectiva de deixar a Guiné-Bissau e o seu âmbito tranquilo não é uma opção: « Vontade de voltar, tenho sempre, mas de ir ficar... Para jà, eu não aguenta o clima [da Romênia]. […] Você não imagina como é o clima do meu país. Tem dias no inverno que faz menos 30 ou menos 40. Imaginem, ano passado, eu cheguei là dia 15 de Abril, eu fiquei doente 15 dias. […] Eu sai daqui, era 40 positivos, cheguei là era 15 graus. Adoeci tanto, adoeci tanto. Eu gosto de passar là alguns meses, mas aqueles "bons" meses, de verão. […] Dia 22 de Agosto, vou completar 33 anos na Guinée-Bissau. Eu não digo que a balanço é positiva, mas não digo que é negativo. Que posso dizer? É pena, sinceramente, com este potencial. Como eu disse, hoje em dia eu não era capaz de ir viver num outro sítio, isto é mais do que certo. Com todas as dificuldades – porque aqui também temos muitas dificuldades –, eu não era capaz de ir viver num outro lugar. O ritual é o ritmo do dia a dia. »

Adelaïda D'Almeida, no porto de Bissau (13-08-17).

De Cuba a Bissau: uma vida de jurista numa capital africana

É não barco saindo de Bissau, com destino o arquipélago dos Bijagos frente à capital, que encontramos Adelaïda D'Almeida. Originária de Cuba, este advogada e consultora jurista tem hoje seu próprio gabinete em Bissau, e vai para Bubaque onde comprou uma casa secundária. Chegada no país com 22 ou 23 anos de idade, em Janeiro de 1986, Adelaïda nos descreve seu percurso: « Eu tava graduada em direito em La Havana. Com o meu marido, trabalhamos um ano na Guiné, para administração pública; e depois um ano em Lisboa, antes de voltar de novo em Bissau. » Antes de acrescentar com um sorriso: « Tenho três crianças hoje, que são grandes: o primeiro nasceu em Cuba quando ainda estávamos lá com o meu marido, o segundo em Lisboa, e o terceiro em Bissau. »

Num país que juntou-se em 1997 a Comunidade dos Estados da África ocidental (CEDEAO), adoptando pela mesma ocasião o Franc CFA, o que ela conta sobre os seus primeiros tempos em Bissau nos traz longe para trás na História: « Cheguei de noite, e primeiro trouxeram-me numa aldeia onde moravam membros da família do meu marido. E como não havia eletricidade, não havia alcatrão, nem infra-estruturas, eu pensei: "realmente, era a ideia que eu tinha da África". É depois, quando cheguei em Bissau, que vi que havia uma cidade, moderna, com infra-estruturas. […] A moeda estava tão fraca que estávamos remuneradas com sacos de arroz. Tínhamos demais, porque sempre nos pagávamos com sacos de arroz. Mas o arro é um bem de consumo muito procurado, então podíamos os trocar com muitas outras coisas. »

A questão de saber se a sua ida, há três décadas, criou reações da sua família, sua resposta é mais equivocada do que a de Gabi: « A distância cultural com Cuba não é assim tão grande. Talvez se o meu marido não tinha sido cristão, teria sido um pouco complicado. Mas globalmente, não houve problema. » No entanto, nenhum membro da sua família, ela também, veia a visitar nesses anos todos. « Minha mãe quiz vir em 1998. Mas depois houve uma tentative de golpe e seguiram muitos meses de guerra civil, e isto a desencorajou. »

Ao contrário da Gabi, Adelaïda afirma que a Guiné-Bissau mudou muito. « Ao contrário de Cuba! », acrescenta ela, antes de explicar-se: « Cuba progrediu muito nos anos que seguiram a Revolução, mas não avança hà muito tempo. As últimas reformas, não são nada, e é só sob a pressão americana. Não é a classe política atual que trará uma mudança. As crianças daqueles que fizeram a Revolução não herdaram em nada as suas valores. »

Porto de Bissau.

Porto de Bissau.

Quando perguntamos para ela se ela teve, desde a sua chegada e a sua instalação em 1986, decepções, Adelaïda leva primeiramente a questão sobre a sua vida pessoal: « Meu divórcio. Porque era o meu casamento que me tinha trazido aqui. Mas não é realmente uma decepção... É a vida. » Antes de vestir a sua capa de jurista: « Aqui, o verdadeiro problema é a corrupção. Mais ainda do que a polícia, que é muito fraca, são as alfândegas, os tribunais e os municípios que são realmente caracterizados pela corrupção. » Ela vai mais longe na sua leitura da realidade bissau-guineense: « Sabem, a corrupção no setor da Justiça, é como o Sida na administração do país. Porque como este virus, ela destrói as proteções, as defesas imunitárias. É realmente uma das evoluções negativas que eu vejo. »

Retrato do líder da independência Amílcar Cabral, nas ruas da cidade de Gabú.

Retrato do líder da independência Amílcar Cabral, nas ruas da cidade de Gabú.

Admira-se agora o pôr-do-sol, e o céu bissau-guineense oferece aos moradores do arquipélago dos Bijagos um horizonte que ilustra toda a plenitude e a tranquilidade da Guiné-Bissau. Amanhã de manhã, o sol nascerá sobre as águas e o dossel de Cufada, lembrando aos habitantes da região de Buba que eles têm o privilégio de viver no « início do mundo ». Deixamos no seu dia-a-dia a Gabi e a Adelaïda, a primeira frente às suas lagóas na sua pousada, a segunda entre a sua vida em Bissau e a sua residência insular. Como diz o provérbio pulaar (uma das línguas do país): Ko woni yesso dadani guite (« o que está a frente de ti não escapará ao olhar »). O futuro está então frente à Guiné-Bissau, e todo o potencial está ai para que seja sinónimo de prosperidade como o desejavam os líderes da luta pela independência.

Crepúsculo visto de Bubaque, a ilha a mais povoada do arquipélago dos Bijagos.

Crepúsculo visto de Bubaque, a ilha a mais povoada do arquipélago dos Bijagos.

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