Um século depois, a história de Moçambique na Primeira Guerra mundial
O continente europeu está comemorando, numa relativamente grande discrição, os cem anos da Grande Guerra, ou Primeira Guerra mundial. Ainda há alguns dias, em 11 de Novembro, celebrou-se o aniversário do armistício que, em 1918, permitiu o fim dos combates na frente francês – a última frente europeu a fechar-se. Mas quem sabe que os últimos combates acabaram-se, na verdade, em África, na região austral das então colónias britânicas, portuguesas e alemãs? Era em 14 de Novembro de 1918, com a abdicação oficial das tropas alemãs em 23 de Novembro. Era á um século.
Iniciado em 28 de Julho de 1914, este conflito durou mais de quatro anos e fez uns 9,7 milhões de mortos. Se o destino da guerra decidiu-se na Europa, houve outras frentes a través o mundo, pois o Império otomano tinha territórios enormes no Próximo-Oriente e na Península arábica, e a Alemanha tinha várias colónias, na Oceânia, na Ásia e em África. É a frente com a atual Tanzânia, e mais especificamente aquele entre a colónia alemã e Moçambique, que será o objeto da nossa atenção. Porque esta história tem que ser lembrada, para lembrar que Moçambique foi também envolvido neste conflito absurdo, onde milhões de homens lutaram sem saber mesmo porquê.
Apesar da sua antiga aliança com o Reino-Unido, Portugal não fazia parte do sistema de coligação que reunia a França, o Reino-Unido e a Rússia, na véspera da Grande Guerra, frente ao outro que ligava a Itália aos Impérios de Áustria-Hungria e de Alemanha. Isso queria dizer que a República portuguesa, e com ela suas colónias de Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Timor-Leste, Macau e Diu, Damão e Goa, numa posição de neutralidade política e militar. Mas logo no início do conflito, Portugal sofreu da ação dos navios alemães que tentavam bloquear o acesso ao Reino-Unido, em um tempo que este país representava um dos mercados principais dos produtos portugueses.
Até 1916, o governo alemão respeitou a neutralidade portuguesa, no entanto a tensão ficou a um tal nível que, depois do golpe do 14 de Maio de 1915 em Lisboa, Portugal teve que envolver-se no conflito. Tudo começou em 23 de Fevereiro de 1916, quando, sobre pedido britânico, os Portugueses confiscaram pela força todos os navios alemães ancorados nos seus portos. Em consequência, em 9 de Março, Alemanha declarou a guerra ao Portugal. A partir desta data, Portugal é considerado como um aliado completa da França, do Reino-Unido e da Itália, e por isso, lhe é pedido um esforço completa como aos outros aliados, em particular pela voz do Reino-Unido, em 15 de Julho de 1916. E logo em 22 de Julho do mesmo ano, o Corpo Expedicionário Português, composto de 30.000 soldados, é criado e instalado em Tancos, no centro de Portugal, sob comando do general Norton de Matos.
A história já está em marcha, no entanto o Parlamento português ainda confirma o envolvimento português pelo um voto, em 7 de Agosto de 1916, quando os deputados aceitam oficialmente a participação do país à guerra, depois do convite britânico. O esforço português deve então atingir 55.000 soldados e 1.000 artilheiros, que devem ser enviados em França, a um ritmo de 4.000 soldados por meses, para assegurar 12 km de frente. Além da frente francês, notou-se também a presencia de soldados portugueses na Macedónia, logo em Agosto de 1916, para ser incluídos nas tropas aliadas no Oriente turco. Em 26 de Dezembro de 1916, é desta vez a França que pede ao Portugal o envio de equipas de artilheiros para gerir entre 20 e 30 baterias de artilharia pesada. Em 3 de Janeiro de 2017, assina-se uma convenção com o Reino-Unido para regular a participação portuguesa em França, e em 7 de janeiro, o Corpo de Artilharia Pesada Independente foi criado para responder ao pedido francês de equipas de artilheiros – os mesmos irão gerir 25 baterias.
Claro, este esforço não se faz « de graça », portanto em 9 de Junho de 1916, Afonso Costa, ministro das Finanças, e Augusto Soares, participam à conferência econômica dos Aliados, onde já é formulado, no caso duma derrota alemã, a transferência do « triângulo de Quionga » (um pequeno território incluída desde 1894 à África oriental alemã), no norte da então colónia portuguesa de Moçambique, ao benefício de Portugal. Em 2 de Fevereiro de 2017, finalmente, as primeiras tropas portuguesas chegam no porto francês de Brest, e em 23 de Fevereiro, um segundo contingente saia de Portugal para França. Em 4 de Abril, as tropas portugueses chegam na zona dos combates; em 30 de Maio, a primeira brigada de infantaria da Primeira divisão do Corpo Expedicionário Português ocupa um setor na frente francês; e em 17 de Outubro de 1917, o Corpo de Artilharia Pesada Português chegue em França. Passamos os detalhes do que segue, mas duas datas marcam a intervenção portuguesa: em 5 de Novembro de 1917, o comando português assuma a responsabilidade no seu setor, enquanto até ai, ele era sob comando do general da Primeira Armada Britânica; e em 16 de Março de 1918, a bateria de artilharia portuguesa entra em ação.
No entanto, em 27 de Março a seguir, uma ofensiva alemã afeta profundamente as tropas portuguesas, que nunca receberam do próprio governo de Lisboa o apoio da terceira Divisão, pois esta nunca chegou a ser enviada em França, porque naquela altura, a expedição das tropas norte-americanas reduzia radicalmente a capacidade de transporto dos Aliados. Em 6 de Abril de 1918, o estado dos soldados portugueses é tão crítico que os Britânicos decidiram os mandar para linhas de trás, o que à final nunca aconteceu por causa dos ataques repetidos dos Alemães. Finalmente, a batalha de Lys colocou à frente dos 20.000 soldados uns 100.000 Alemães... Os Portugueses perderam então 327 oficiais e 7.098 soldados do Corpo Expedicionário Português, ou seja, uns 35% das capacidades de combate efetivas. Espalhado, e depois subordinado na quinta Armada britânica, em Julho de 2018, os Portugueses acabam finalmente sob comando do general Tomás António Garcia Rosado, em 25 de Agosto. Em 11 de Novembro de 1918, Berlim aceita um armistício, e os combates acabam no continente europeu. O Portugal registra então 8.145 mortos, 13.751 feridos e 12.318 prisioneiros ou desaparecidos. Os submarinos destruíram 96 navios portugueses.
A colônia de Moçambique quando chega a guerra (1916-1917)
A chamada colônia de Moçambique foi constituída ao longo dos séculos, com uma certa aceleração da conquista no século XIX, numa corrida contra os Britânicos, presentes na Rodésia e no Malawi vizinhos. Já desde certas décadas, empresas fretados, como a Companhia de Moçambique, a Companhia de Zambézia, ou a Companhia do Niassa, governam de fato esta terra, e são controladas e financiadas principalmente por Britânicos. A Companhia da Zambézia por exemplo, a empresa mais rentável, assumiu uma série de participações em prazeiros menores e estabeleceu postos militares para proteger as suas propriedades. As companhias construíram estradas e portos para levar os seus produtos ao mercado, incluindo uma ferrovia que liga até hoje o Zimbabwe ao porto moçambicano de Beira. Enfim, na véspera da guerra, o Estado português ainda não controla bem o território enorme que compõe Moçambique. Sobretudo, antes da declaração de guerra, era pouco conhecida a fronteira norte desta colónia.
A capital colonial transferiu-se de Ilha de Moçambique para Lourenço Marques (futuro Maputo) em 1898. Na altura da Grande Guerra, o estatuto de indígena baseava-se numa clara distinção entre os cidadãos, considerados como civilizados, sujeitos do direito europeu, e os indígenas, definidos como os indivíduos de raça negra ou dela descendentes. Apesar da propaganda portuguesa que justifica então a sua ação colonial pela uma « missão civilizacional », na prática, há uma consciência do fosso entre o discurso do Estado (a Primeira República, e mais tarde o Estado Novo) e as leis e discriminações, entre a pseudo-legitimidade e a realidade de ter civilizado tão pouco, e só pelo benefício da exploração portuguesa. Por lembrança, Moçambique conta então mais ou menos 4 milhões de Africanos e 20.000 Portugueses brancos.
As forças coloniais alemãs são então dirigidas pelo tenente-coronel Paul Emil von Lettow-Vorbeck, que tornará-se general-major (um título militar especificamente alemão) antes do final do conflito. A colônia alemã tem uma superfície de 994.000 km² e uma geografia complicada, entre zonas secas, florestas, montanhas férteis, savanas, etc. O recenseamento de 1913 contabiliza 5.330 Europeus e 7.645.000 Africanos na colônia alemã. No plano militar, as forças do corpo de proteção da África oriental alemã são compostas de 260 soldados alemães e 2.472 indígenas, e vão reforçar-se até ter, em 31 de Dezembro de 2015, 2.712 Alemães, 11.367 indígenas, 2.591 auxiliários, e 45.000 porta-malas africanos. Em termos de armas pesadas, conta-se 78 metralhadoras, e 40 canhões de campanha. Isto é para as forças terrestres. Em termos de forças navais, só possuem um cruiser ligeiro moderno e uns navios auxiliários.
Do lado dos Aliados, conta-se 360.000 soldados, nos quais, claro, os Britânicos são uma maioria considerável. Incluindo o pessoal administrativo, a marinha mercante e os engenheiros, até se fala de 400.000 soldados (europeus e africanos), com 600.000 porta-malas africanos. Nesse total de 400.000, os historiadores pensam que deve haver mais ou menos 200.000 Britânicos que fizeram então falta aos frentes europeus. A marinha britânica, sobretudo, é muito forte. Ela tem pelo menos 4 cruisers ligeiros, que vieram rapidamente apoiar 3 outros sul-africanos, em 1914, e dois outros, em 1915. Isto, só na costa, sem falar das forças presentes no lago Tanganyika e no lago Vitória. A Bélgica apresenta, ela, duas brigadas do Congo belga, incluindo, no início de 1916, 719 Belgas, 11.698 Congoleses e 260.000 porta-malas. Os portugueses, eles, mobilizam nesta colônia cerca de 39.000 soldados, indígenas e brancos confundidos.
Antes da entrada em guerra de Portugal, o conflito na colônia alemã já iniciou-se há dois anos. Concentraram-se nos lagos Tanganyika, Kivu e Vitória, e numa linha ferroviária perto do monte Kilimanjaro. Tropas do Império das Índias britânicas chegam rapidamente em apoio. Os Alemães vencem em Tanga, primeira grande batalha nesta colônia. O general britânico Aitken é substituído por Richard Wapshare. Em 2015, ainda há confrontos no oceano Índico e à volta do lago Tanganyika. Entretanto, as colônias de Togolândia, logo em Agosto de 1914, e da Sudoeste alemão (atual Namíbia), entre Maio de 2015, e de Kamerun, em Fevereiro de 1916, capitulam, cercadas por forças aliadas. Só a África oriental alemã permanece então.
Logo no verão de 1914, um ataque alemão contra o posto-fronteira de Maziua, à beira do rio Rovuma, tinha motivado o envio pelo governo português duma força de 1.527 homens nesta zone, mas sem declarar guerra... No entanto, este contingente, chegado em Outubro de 1914, ficou desorganizado e vítima de doenças, de tal maneira que, depois de alguns meses, sem nenhum confronto, já tinha perdido uns 21% dos seus afetivos. Em Novembro de 1915, segunda expedição, desta vez de 1.543 pessoas: ela tinha como objetivo recuperar a ilha de Quionga (que será depois negociada pelo governo com os Aliados), mas a mesma desorganização teve as mesmas consequências, ou seja, depois de 4 meses, perdeu, por doença, metade dos seus efetivos.
Só em Abril de 1916, com a declaração oficial de guerra à Alemanha, a ilha de Quionga será recuperada. Mas as primeiras iniciativas portuguesas são logo difíceis. Em 27 de Maio de 1916, as forças expedicionárias portuguesas, reforçadas pela Guarda Republicana de Lourenço Marques, tentaram a passagem da Rovuma, sendo rechaçados violentamente pelas forças alemãs. No final de Junho de 1916, chega em Moçambique a terceira força enviada pelo Portugal desde o início do conflito, com 4.642 homens comandados pelo general Ferreira Gil, que tem como objetivo passar o rio Rovuma a atacar as tropas alemães ao mesmo tempo que os Britânicos no Tanganíca, na Rodésia, no Quénia, no Congo belga, etc. Este terceiro contingente consegue passar o rio e conquistar Nevala mas, logo de seguida, é derrotada e deve retirar-se para Moçambique.
A fronteira do Rovuma: as conquistas portuguesas em Abril e Junho de 2016. Nevala, logo abandonado, é recuperado em Outubro, e de novo perdido em Novembro de 2016. Em verde, uma agressão alemã em 1914.
Quando a frente teleporta-se em Mozambique (1917-1918)
Finalmente, inicia-se uma ofensiva portuguesa em 15 de Setembro de 1916, com uns 120 oficiais e 4.000 soldados africanos bem mal equipados, enquanto os aliados britânicos e belgas, na mesma altura, já estão progredindo no centro da colônia alemã. Em 19 de Setembro, os Portugueses atravessam o Rovuma pelos Portugueses. Os combates concentram-se, em Outubro, em Maúta, onde os Portugueses retiram-se, e na Robeira de Nevala, onde os Alemães retiram-se. Após a queda de Nevala, os Portugueses, liderados localmente pelo major Leopoldo da Silva, iniciam uma ofensiva no Quivambo em 8 de Novembro, com alvo a cidade portuária de Minkidani, mas a oposição das forças alemãs torna esta tentativa em desastre; da Silva morre nos combates, e, após uma ofensiva alemã em 22 de Novembro, o fortim de Nevala é abandonado em 28 de Novembro.
Os meses a seguir são relativamente calmos, e apenas marcados por ataques esporádicos, como tiros por artilharia contra a posição portuguesa de Nangadi. Em 1917, Portugal envia uma quarta força para Moçambique, desta vez constituída por 9.786 homens, comandada por Sousa Rosa, mas, por enquanto, os Portugueses ficam atrás das suas linhas e, temerosos, têm esperança que os Alemães ficam também atrás das linhas deles. Vários campos são organizados ao longo do Rovuma, incluindo aquele de Negomano, dirigido por João Teixeira Pinto, e que terá um papel importante aquele ano. A final, os portugueses têm muito pouco impacto no conflito. Mais no norte, as frentes evoluam rapidamente. Pois, desde a vitória belgo-congolese de Tabora, em 19 de Setembro de 1916, os Alemães perderam definitivamente o controlo do norte da África Oriental Alemã. As tropas de Lettow-Vorbeck ficam então confinadas certos meses na parte sul da colônia, mas desentendimentos e divergências entre os Aliados (os Britânicos querendo limitar as pretensões dos Belgas nesses territórios) não permitam ainda ao Reino-Unido, que reorganiza suas tropas a fim de substituir as tropas indianas e rodesianas por leste-africanas, de obter uma vitória definitiva.
Entretanto, em 1917, o general van Deventer, sul-africano, substitua na liderança das tropas britânicas Jan Smuts, antigo comandante bôer que tinha sido nomeado chefe das tropas de África de Leste britânica em 1916. Enfrentando dificuldades para acabar com os Alemães, van Deventer tem que coligar-se de novo com os Belgas para operar uma ofensiva decisiva, em Julho de 1917.
A história acelera quando, em 21 de Novembro de 1917, o dirigente das tropas alemãs, Lettow-Vorbeck, encurralado, atravessa o Rovuma com a maior parte das suas tropas, e penetra no Moçambique. Aproveitando da fraqueza das tropas portuguesas na região, ele ficará no território moçambicano quase um ano! Logo em 28 de Novembro de 1917, a vila-fronteira de Negomano é teatro de combates: os Alemães surpreendem os 1.200 Portugueses desta guarnição, massacrados. Morrem 5 oficiais, 14 soldados europeus, e 208 soldados africanos. Acrescenta-se 70 feridos, e 500 prisioneiros. E o inimigo recupera um monte de provisões e de armas dos Portugueses, que só têm 300 sobrevivendos.
Entre o 3 e o 8 de Dezembro de 1917, as forças comandadas pelo capitão Francisco Pedro Curado, compostas por uma bateria de artilharia e uma companhia de tropas africanas, resistem na serra Mecula à coluna alemã comandada pelo general Wahle, separada então da coluna principal alemã, que estava dirigindo-se mais para o interior de Moçambique – este capitão ficará conhecido pelo nome de « Condestável do Rovuma ». Mas a coluna do Lettow-Vorbeck penetra no território, e, durante mais de seis meses, vai andar na província de Niassa, e à volta das províncias de Nampula e de Zambezia. Este estratego alemão repete ai a táctica usada antes contra os Britânicos, ou seja, a guerrilha. Não lhe interesse manter ou conquistar posições, mas sim manter o inimigo ocupado, de modo que este não pode libertar soldados para os enviar de volta à Europa. Estratégia ainda mais fácil a fazer em Moçambique, porque os Portugueses são, no plano militar, mais fracos que os Britânicos, e que eles controlam menos o território da colônia. Fugindo ou derrotando as tropas inglesas e portuguesas que operam no norte de Moçambique, Lettow-Vorbeck também favoreça a revolta das populações locais contra os Portugueses.
Em Moçambique como antes na colônia alemã entre 1914 e 1917, as operações fazem milhares de vítimas, aliás uma maioria é por doenças. Lettow-Vorbeck consegue manter sua capacidade combativa. As tropas dele sofrem ataques e emboscadas, e elas respondem pela mesma táctica de perseguição. Uma vez na colônia portuguesa, Lettow-Vorbeck reorganiza-se, dividindo suas tropas em três colunas durante os meses que segam. Recusando-se a multiplicar os confrontos diretos, ele evita danos decisivos, mas essas movimentações também impedem suas tropas de recuperar realmente.
As ofensivas alemãs em Novembro e Dezembro de 1917. Segue a descida pelo Sul, em direção ao Niassa e à Zambezia.
Entre o 1eiro e o 3 de Julho de 1918, ou seja, nos últimos tempos da guerra, as tropas alemãs, chegadas a 40 km da cidade de Quelimane(!), no centro de Moçambique, iniciam combates em Namacurra. Lá, eles atacam o depósito de uma grande companhia açucareira, defendido por tropas britânicas e portuguesas, dirigidas pelo tenente-coronel britânico Brown, que morreu nestes confrontos. Depois da batalha de Negomano, em Novembro de 1917, esta batalha de Namacurra é o outro grande confronto que conhece Moçambique durante a Primeira Guerra mundial. Depois de Namacurra, os Britânicos ficam surpresas de ver Lettow-Vorbeck mudar totalmente de direção.
Em 28 de Setembro, enfim, as tropas alemãs atravessam de novo o Rovuma, abandonando Moçambique. Nem foi porque elas não conseguiam manter-se por mais tempo por ai, mas porque Lettow-Vorbeck ambicionava organizar uma ofensiva na África Oriental Alemã. Esta tentativa tornou-se complicada, por isso as tropas, mantendo a mesma estratégia de guerrilha, saiu de novo da colônia alemã, para entrar desta vez na Rodésia, em Novembro de 1918. Quando opera esta manobra, Lettow-Vorbeck nem sabe ainda que a Alemanha está encurralado na Europa. Em 14 de Novembro, ou seja, três dias depois do armistício alemão, avisado do fato por telegrama, o então general-major Lettow-Vorbeck aceita um cessar-o-fogo, sem ter sido vencido realmente (mas tendo recuado várias vezes). A rendição oficial é assinada em 23 de Novembro.
Em 18 de Janeiro de 1919, a delegação portuguesa, dirigida pelo professor Egas Moniz, assina com os outros países vitoriosos o tratado de Versailles que trata do caso da Alemanha. Relativamente ao Portugal, Berlim, perdendo todas as suas colônias, deve ceder o « triângulo de Quionga » ao Portugal.
Itinerário das tropas de Paul Emil von Lettow-Vorbeck (1870-1964), durante a Primeira Guerra mundial.
A realização de Lettow-Vorbeck conheceu uma grande propaganda na Alemanha, e porque o seu itinerário fez-lhe passar por zonas tropicais estranhas e exóticas, e porque ele não foi capturado pelos Britânicos. O seu papel no destino da Grande Guerra é bem pequena, no entanto ele foi decisivo no teatro de operação da África Oriental Alemã. O objetivo dele era simplesmente guardar os Britânicos na região o mais tempo possível, usar o maior número de soldados inimigos, de armas e de reservas alimentares possível, e ai, ele atingiu seu alvo. Os Aliados mobilizaram uns 400.000 militares e 600.000 porta-malas, entre 1914 e 1918, ou seja mais ou menos um milhão de homens, para lutar na frente leste-africano e conseguir encurralar Lettow-Vorbeck e seus 20.000 soldados, marinheiros, e seus 45.000 porta-malas.
Do lado português, constata-se grandes incapacidades, grandes faltas, grandes fraquezas. Um constato que era óbvio já no contingente português presente na frente francês. Em Moçambique, o fracasso da ofensiva portuguesa de Novembro de 1916, tanto como o sucesso alemão de Novembro de 1917, à custa dos Portugueses, ilustrou a fraqueza do exército português. Aliás, a escolha dos Alemães de ir refugiar-se na colônia portuguesa basta a mostrar que era o inimigo mais fraco na região.
A guerra deixou traças. Ainda pode-se ver marcas de comemorações e de lembranças, como na praça frente à Estação rodoviária em Maputo. Estima-se a uns 100.000 o número de mortos em África durante a Primeira Guerra mundial. Este dado aparece ainda mais absurdo se consideramos que este conflito era protagonizado por potências europeus, não africanas, e que até na Europa, as razões da guerra nunca apareceram óbvias, depois de quatro anos de combates de mais de 8 milhões de mortos. Guerra pela independência (1964-1975) e guerra civil (1977-1992) colocaram, na memória coletiva moçambicana, em segundo plano a participação de Moçambique na Grande Guerra. No entanto, e o centenário da Primeira Guerra mundial serve para isso, é importante lembrar-se e manter um trabalho de memória. Isto serve para memória coletiva duma nação (e à final, foi uma grande parte de Moçambique que foi afetada pelo conflito), mas também para procurar evitar novas guerras, e, também, lembrar-se que os Moçambicanos, como muitos povos africanos, foram usados de maneira brutal e arbitrária pelas potências europeias para fazer guerras absurdas.
Monumento aos mortos da Primeira Guerra mundial, em Maputo. (Crédito foto © Suzana da Rocha Toniato, 2014)
Monumento aos mortos da Primeira Guerra mundial, em Maputo. Da autoria do escultor Ruy Roque Gameiro, em colaboração com o arquitecto Veloso Reis, foi inaugurado em 1935 na então chamada Lourenço Marques. Está situado na praça dos Trabalhadores (antiga praça Mac Mahon), em frente à famosa Estação de caminho de ferro. (Crédito foto © Julie Burneleau, 2015)