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O acendedor de lampiões

RDC, terras raras, smartphones: qual é o preço da nossa indiferença?

4 Janvier 2025 , Rédigé par David Brites Publié dans #Economia, #Sociedade, #Europa, #África

É uma crença profundamente ancorada no discurso político em geral (com excepção um esquerda ecologista e socialista que permanece uma minoria no electorado): os desafios ambientais e climáticos devem encontrar uma resposta, não no descrescimento dos setores poluentes, nem numa reflexão sobre as noções de abundância, de escassez, de sobriedade, mas nas « inovações tecnológicas ». A nossa salvação passará pela tecnologia, a qual nos permitira não questionar o modelo de sociedade erguido pelo Ocidente como o cunjunto de padrões ideais que a humanide deve adoptar e manter – modelo de sociedade baseado no crescimento do PIB. Esta crença é portanto levada pelos que chamamos às vezes os tecno-otimistas (ou techno-solucionistas).

O lugar dos telefones inteligentes, ou smartphones, é emblemático deste assunto. Qualquer seja o sistema de exploração que o alimenta (iOS ou Android, para o essencial), o smartphone ganhou um espaço determinante nas nossas vidas, como um bom amigo que se tornou indispensável para várias funções. Contudo, a produção de telemóveis, tal como o consumo de smartphones (e da conexão Internet que os acompanha), não é anódina. Ela tem um impacto muito pesado em termos social como ambiental. Uns elementos de análise para nos esclarecer.

Após a crise dos Coletes amarelos em 2018-2019, o presidente francês Emmanuel Macron anunciu, entre outras coisas, convocar uma Convenção Cidadã para o Clima, ou seja, um assembleia de 150 cidadãos sorteados, a qual reuniu-se em Outubro de 2019 com objetivo de « definir as medidas estruturantes para conseguir, num espírito de justiça social, a reduzir as emissões de gás com efeito de estufa por pelo menos 40% até 2030 em relação e 1990 ». As recomandações da Convenção, partilhadas na concluisão do seu trabalho em Junho de 2020, foram muitas (149), e entre elas, uma moratória sobre a implementação da tecnologia 5G, pelo menos enquanto não foram conhecidos os resultados da avaliação do 5G na saúde e no clima.

Contudo, em 14 de Setembro de 2020, o chefe do Estado francês afirmou deixar de lado aquela proposta (como finalmente muitas outras das 149), e confirmou que a França ia a implantar o 5G, reduzindo os seus oponentes ao « modelo Amish » e da « lâmpada de óleo ». Nenhuma reflexão sobre o consumo, que não deve conhecer limites, só é aceitado uma discussão sobre o quadro tecnológico que deve permitir o crescimento deste consumo. Qualquer seja o custo ambiental ou social. Em nome de uma certa concepção do progresso e da liberdade, é preciso « acelerar » a transição numérica! Porém este custo ambiental e social só é igualado pela nossa indiferença coletiva (a nossa, consumidores, utentes, cidadãos) sobre o assunto. Pegamos o caso de um objeto que tornou-se central nas nossas vidas, o smartphone, para ilustrar os impactos ecológicos e sociais das nossas novas tecnologias.

O que esconde o nosso « telefone inteligente »?

Mais de 300 peças compõem um smartphone, a maioria com base minerais. Tem entre 50 e 55 segundo os casos, o número de metais presentes dentre. O ecrã é feito a partir de alumínio (vindo por exemplo da Austrália), as soldaduras do circuito imprimido de estanho (Malásia), os fios condutores do circuito integrado (ou chip) de cobre (Chili), a bateria de lítio (Bolívia), os condensadores (três por smartphone) em tântalo (80% das reservas mondiais achariam-se na RDC), e o ímã de neodímio (China). Os condensadores estoquam a energia e resistem perfeitamente ao calor; graças ao tântalo, conserva-se os dados, mesmo em caso de extinção do telefone por falta de bateria.

Por lembrança, o coltan é um dos principais metais raros atualmente explorados na República Democrática do Congo (RDC). O seu verdadeiro nome é columbita-tantalita. Da columbita, é extraido o nióbio, chamado também columbium, e da tantalita. Em liga-aço, o nióbio torna ele mais ligeiro como também mais resistante; os seus mercados são portanto na indústria de construção metálica em geral, incluido a indústria automóvel. Bom condutor de calor e de electricidade, o tântalo tem uma incrível resistância à corrosão. Se ele serve portanto na fabricação dos condensadores, para os instrumentos cirúrgicos , e para os motores de avião, ele conheceu sobretudo um boom considerável com o desenvolvimento do electrónico. O coltan é portanto indispensável na composição dos microprocessadores, dos mini-condensadores e dos chips dos telemóveis, smartphones e outros iPad e iPhone. Dado o lugar dessas novas tecnologias nas nossas vidas, o coltan tornou-se uma componente essencial da nosso estilo de vida.

Problema, o coltan é principalmente transformado e comercializado no Ruanda, o qual não tem, porém, reservas significatives daquele metal. Curiosamente, o Ruanda exporta 80% da produção mundial de coltan, depois de ter procedido a uma primeira refinação do minério. Reservas de coltan, acha-se essencialmente num país vizinho, a República Democrática do Congo (RDC), cuja história moderna é marcada pela colonização e as guerras. De fato, a maioria dos Estados vizinhos, entre os quais o Ruanda, são pelo menos tão implicados nos conflitos na RDC do que os próprios atores congoleses. A implicação de Kigali nos negócios congoleses não tem a ver com filantropia, a o abastecimento em coltan tem um papel óbvio nesta ingerência. Bandas armadas, às vezes vindas dos grupos genocidários ruandeses de 1994, destabilizam a região do Kivu, no Congo, tomando possessão das terras dos camponeses – numa área agrícola de altos planaltos muito fértil –, rivalizando de brutalidade contra as comunidades locais, submetendo os homens, e às vezes muitas crianças e adolescentes, à escravidão para introduzir-se nas minas onde eles arriscam as suas vidas – a ONU estima a 40 000 o nómero de crianças, às vezes com 4 ou 5 anos de idade, trabalhando nas minas de RDC, para um salário de menos de um euro por dia. A violação (ou estupro, em português du Brasil) de massa e as torturas e mutilações são praticados como armas de guerra, no contexto de luta para o acesso aos recursos mineiras. Uma realidade por parte posta em luz revelada pela banda desenhada de Simon e Van Hamme, Kivu, publicada em 2018 e da qual são tiradas muitas das informações presentes neste artigo; mas também por o filme documentário O homem que repara as mulheres (2015), que revelou ao público o trabalho do ginecologista congolese Denis Mukwege, vencedor do Preço Nobel da Paz em 2018 para o seu combate contra as violações e as mutilações genitais praticadas nas mulheres no seu país.

A linha de produção de um smartphone, desde a extração mineira na República democrática do Congo, até a distribução pelo mundo, passando pela montagem na China, é opaca. Muitas vezes, as grandes marcas de telefone não querem divulgar os seus fornecedores nos países de fabricação. Na China por exemplo, em Nanchang, no Jiangxi, uma província do sudeste do país, crianças e adolescentes trabalham nas fábricas para construir e montar. De um lado para o outro da linha, o nosso smartphone esconde condições de produção contestáveis. Igualmente, podemos voltar à realidade da exploração dos recursos mineiros que permitem e garantem o pequeno conforto material concretizado pelo smartphone. No Congo, as minas de extração do tântalo constituem muitas vezes o túmulo dos mineiros, por exemplo quando acontecem deslizamentos. Sem contrato de trabalho, nenhum sinal vem manchar a atividade das sociedades que compram, depois, o tântalo que transita pelo Ruanda – e claro, as famílias não ganham nenhuma indemnização, nem apoio, nem das próprias autoridades do seu país. Sem esquecer as pessoas feridas ou que terão sequelas respiratórias do trabalho na mina.

Em termos de meio ambiente, o setor numérico tem um impato dramático. Para o ilustrar, podemos lembrar essas estatísticas (tiradas de uma série documentária Data Science vs Fake produzida pelo canal franco-alemão Arte): para obter a quantidade de terras raras (ou metais raras) necessárias à fabricação de um computador de 2 kh, é preciso extrair 800 kg de rochas, usar 240 kg de combustíveis fósseis, 22 kg de produtos químicos, e uma tonelada e meia de água. E para recolher apenas 6 das 50 terras raras necessárias à fabricação de um smartphone, é preciso extrair o equivalente de 40 vezes o seu volume de rochas.

Mesmo se a extração de coltan (e das outras terras raras) não tinha nenhuma consequência no plano ambiental, será que podemos nos satisfazer de um conforto baseado na exploração e na miséria de indivíduos que tiveram a infelicidade de nascer em áreas do mundo onde se acha os minerais que permitem a fabricação das nossas tecnologias? Desde a década de 1990, dezenas de milhares de pessoas migraram para a região de Kivu para tornar-se « escavadores » e investir os antigos sites mineiros da SOMINKI, a ex-Sociedade mineira e industrial do Kivu. Isso traduz-se concretamente, nas famílias, com a partida de braços que poderiam ter contribuido ao trabalho da terra, à subsistência da casa. Em torno disso, as pessoas vão procurar renda em uma das áreas as mais instáveis e perigosas do planeta. E isso é apenas um dos sintomas da miséria ao serviço do nosso pequeno conforto material.

Esta questão ultrapassa amplamente o único assunto do coltan. De fato, o Kivu tem muitos outros mineras: cobre, cassiterite, cobalto, zinco, manganês, ouro, diamantes, urânio, germânio. A exploração mineira nasceu lá em 1920 com a descoberta do outro e da cassiterite, antes de conhecer um boom em 1960-1970. Agora, a procura en terras raras não deve diminuir mais. Primeiramente porque, como o dissemos, o tântalo serve à fabricação de produtos eletrónicos, que tornaram-se os pilares do estílo de vida ocidental. Mas até os minerais são muito procurados. Pois os consumidores do Norte, tal como os das classes médias e ricas dos país emergentes, não tencionam, de forma nenhuma, questionar o seu nível de vida ou os seus pequenos hábitos.

Caricatura representando a Conferência de Berlim, em 1885.

A miséria dos Congoleses, preço do nosso conforto material

A história da República Democrática do Congo, Estado criado pelo próprio fato da colonização, é totalmente ligada às matérias primas que ela « exporta » (a bem ou a mal). Por lembrança, após a viagem do sem escrúpulos descobridor Henry Morton Stanley (estabelecimento de uma série de feitorias ao longo do rio Congo entre 1879 e 1884), o território congolese cedeu ao título de propriedade pessoal ao rei de Leopold II (o qual reinou sobre a Bélgica entre 1865 et 1909), ou mais especificamente à sua « Associação internacional africana », pretensa filantrópica. Cessão consagrada em 25 de Fevereiro de 1885 pela assinatura do ato final da Conferência de Berlim, que organizaou a partilha do continente africano pelos Europeus. Muito tempo uma terra de captura e de partida dos escravos pretos durante o tráfico com destino o continente americano e as Antilhas, entre os séculos XVI e XIX, é o marfim que abriu o caminho da exploração e das exportações, na década de 1880, antes de ser substituido, no início do século CC, pela borracha, necessária aos pneus das bicicletas e dos primeiros carros; e pelo cobre, indispensável à produção de balas e de armas (no contexto da corrida armamentista que ia a conduzir o mundo à Primeira Guerra mundial). A exploração de urânio congolese seguiu uns anos mais tarde. Enquanto isso, em 1908, sob a pressão internacional nascida do escândalo do trabalho forçado, das violências, das torturas e das mutilações de massa infligidos aos Congoleses para acelerar a exportação de matérias primas, o território torna-se oficialmente uma colónia belga, saindo assim do domínio pessoal.

É entre outras coisas porque ele pretendia questionar os interesses económicos ocidentais no seu país que Patrice Lumumba, primeiro chefe do governo pós-independência entre Junho e Setembro de 1960, foi afastado pela força, no contexto da secessão da região do Katanga, rica em minerais e cuja revolta foi então amplamente manipulada pelos Ocidentais, em particular os Belgas e os Franceses. O assassinato de Lumumba, em 17 de Janeiro de 1961, permanece marcante no meio das fracassos das independências africanas. Ai é que Mobutu Sese Seko, chefe do comando militar responsável da queda de Lumumba, entre em cena. Depois de ter retomado o controlo dos territórios congoleses em rebelião graças ao apoio decisivo dos Estados-Unidos, inclusive para reprimir a insurreição conduzida por próximos de Lumumba, Antoine Gizenga e Pierre Mulele (esse último morre torturado em Outubro de 1968), ele torna-se presidente em 1965. A coberta de um retorno à autenticidade africana (zairinização) essencialmente folklórico, ele instaura uma verdadeira ditadura ao serviço dos interesses ocidentais. As suas raras tentativas de emancipação foram desajeitadamente conduzidas e contra-produtivas, em particular quando ele propôs à Sociedade Geral de Bélgica a criação de uma sociedade mista belga-congolese de gestão das minas, recusada por Bruxelas. Mobutu deixou então as negociações e nacionalisou a União Mineira em 1967, rebatizada Gecamines (Générale des carrières et des mines).

Vitória pírrica, pois o Congo permaneceu dependente do estrangeiro para explorar e comercializar os minerais. A Sociedade Geral, paga para explorar as minas, continuou de acumular enormes benefícios, e para reembolsar a nacionalização, o país teve que pagar montantes astronômicos à empresa belga. Além disso, a Gecamines foi intrumentalizada e esvaziada da sua vocação pelos dirigentes congoleses, em particular Mobutu, o qual serviu-se dela para pagar os seus apoios e manter o seu regime. Como o lembra o jornalista belga Erik Bruyland, autor de Cobalt Blues, numa entrevista de Outubro de 2021 no jornal francês Le Monde (do qual nos inspiramos para redigir essa passagem): « O dinheiro entrava e desaparecia imediatamente, sem ser reinvestido na ferramenta mineira. A tal ponto que, por falta de manutenção, a maiora mina subterrânea do país, a de Kamoto, desabou em 1990. Essa catástrofa, que afetou 250 000 pessoas e imobilizou a produção de Gecamines, acelerou as privatizações selvagens e o desmembramento do setor mineiro. »

Mobutu permaneceu chefe do Estado até Maio de 1997, ano do golpe de Laurent-Désiré Kabila, o qual tomou então o poder com o apoio dos exércitos do Ruanda e da Uganda. O próprio golpista será assassinado em Janeiro de 2001, isolado depois de ter rompido com os seus antigos aliados estrangeiros e de ter adoptado uma postura autocrática. O seu filho Joseph Kabila, que lhe sucedeu no mesmo ano, só deixou a presidência em 2019, após eleições gerais organizadas o ano anterior. Enquanto isso, foi sob Kabila pai, o qual beneficiou na sua tomada de poder do apoio de certas sociedades estrangeiras em troca de uma « entrada » nas minas, que pequenas companhias, num contexto de privatizações exigidas pelo Banco Mundial, apropriaram-se as minas as mais importantes do país. « Neste Far West congolese, detalhava ainda Erik Bruyland na entrevista ao Monde, Augustin Katumba Mwanke [um conselheiro de Laurent-Désiré e depois do seu filho Joseph] assumiu um papel chave introduzindo ao pé de Laurent-Désiré Kabila personagens sulfurosos como Dan Gertler, um bilionário israelense igualmente implicado nos meios diamantíferas israelenses e antuérpias e acusado de corrupção. »

Quanto a Joseph Kabila, ele provavelmente deve a sua longevidade à sua postura particularmente conciliadora com as empresas multinacionais. Ele fez adoptar uma fiscalidade muito generosa em relação a elas, como também um Código mineiro liberal, ditado pelo Banco Mundial e entrado em vigor em 2002. Além disso, desde a sua presidência, a China tornou-se muito presente no setor mineiro com a assinatura em 2008 de uma convenção China-Congo qualificada de « contrato do século » e que previa em contrapartida a construção de infra-estruturas. Na realidade, tudo aconteceu em segredo a cerca de Katumba, já mencionado mais cedo neste artigo, e de próximos de Joseph Kabila, desprovidos de conhecimento sobre o assunto mineiro. Recentemente, uma ONG congolese estimou, após investigação, que o acordo representava « um prejudício sem precedentes na história do país ».

Conciliador com as potências estrangeiras, Kabila filho o foi também com ois grupos armados que, desde o conflito no Kivu (1998-2003) cujo número de mortos permanece desconhecido – as estimações variam entre 183 000 e uns milhões –, financiam as suas atividades com a exploração dos recursos locais, ou seja, com o controlo das carreiras de minas e com a venda a intermediários (ruandeses e ocidentais em particular) os preciosos minerais. Por exemplo, enquanto sob Mobutu, quando as minas do Katanga funcionavam plenamente, a produção de cobre atingiu no melhor dos casos 450 000 toneladas por ano, ela ultrapassou no meio da última década o milhão de toneladas... Claro, dos lucros dos operadores mineiros, nada voltou às províncias de Leste da RDC (nem às populações), onde a exploração provocou, porém, uma destruturação do tecido económico local e uma explosão da violência, que nunca acabou desde um quarto de século.

Infelizmente, essa história não é acabada. Ainda nos últimos anos, o governo congolese levou a ambição louca de fazer do seu país um centro mundial para a exploração de lítio, essencial à fabricação de baterias elétricas – essas últimas, antes mesmo dos telefones inteligentes, servem antes de tudo aos carros elétricos cuja produção conhece um boom. O país tem os maioras reservas de lítio de roca dura inexploradas do mundo. No final de 2021, apenas uns dez kilómetros do seu subsolo tinham sido estudados, sobre a centena na qual encontraria-se esse mineral. Contudo então, já, uma reserva de 132 milhões de toneladas exploráveis de forma sustentável, tinha sido descoberta em Manono, na província do Tanganyika – hoje em dia o maior depósito revelado do mundo. Isso faz dele o país com maior potencial do continente africano; amanhã talvez, esterá a frente da Austrália, a qual permanece ainda o primeiro produtor de lítio do mundo. (Por lembrança, a RDC já é o primeiro produtor mundial de cobalto, usado para as baterias e as turbinas eólicas, e o quarto de cobre, que entra na montagem dos carros elétricos e das infra-estruturas da maioria das energias renováveis.) Aliás, quem lançou em 2023 a exploração do depósito de Manono, é uma empresa australiana, AVZ Minerals. O grupo chinês Contemporary Amperex Technology Ltd (CATL), líder mundial da fabricação de baterias, também decidiu participar na sua exploração, a través de uma co-empresa chamada Suzhou CATH Energy Technologies.

Esta realidade ilustra as contradições do famoso e ilusório « crescimento verde » que induz que a permanência do nosso estílo de vida (inclusive o uso em massa de telemóveis com um acesso Internet ilimitado e o de bicicletas, trotinetes e sobretudo carros elétricos) pode fazer-se sem degradação do meio ambiente, sem esgotamento dos recursos, sem assimetria nas relações comerciais pelo mundo. A procura mundial de baterias elétricas, por exemplo, devia ser multiplicada por quatorze daqui a 2030 (mais ou menos em uma década), segundo Statista, contando com uma triplicação das necessidades em lítio.

Para quando uma verdadeira tomada de consciência e uma mudança para uma maior sobriedade energética?

Claro, o coltan não é o único mineral extraido para as nossas ferramentas digitais e eletrónicas, nem a RDC é o único país a conhecer este grau de exploração – com a cumplicidade, por lembrança, da classe política nacional, a qual não esquece de reservar-se uma parte do bolo. Contudo, o caso deste país é emblemático, em muitos aspetos, do custo ambiental e humano deste pedaço de globalização representado o ciclo de produção de um smartphone. Entre as outras componentes dos nossos smartphones, podemos ainda mencionar os ímãs: tem no modo vibratório, no microfone, no alto-falante e na câmera. São feitos com base neodímio, o elemento químico o mais magnético do mundo. A maiora mina (97% da produção mundial em 2014) encontra-se na província chinesa, à fronteira da Mongólia, de Baotu. Lá, uma das primeiras consequências desta extração é a poluição pelos banhos de ácido, de metais pesados e de sódio. Como o lembrava a reportagem de Cash Investigation mencinado acima, « para uma tonelada de neodímio produzido, uma tonelado de resíduos e 75 000 litros de água ácida rejeitados ». Um imenso lago de resíduos – com extensão de 11 km² – até constitui-se, e são lá derramados seiscentos mil toneladas de resíduos cada ano. Claro, nenhum dos habitantes da aldeia vizinha nunca foi indemnizado pelo proprietário das minas de neodímio, Baogang Groupe. Tiveram como opções ou deslocar-se, ou pôr-se a viver numa área com águas e solos fortamente poluidos e atingidos pela radioatividade.

Não nos enganemos, a exploração de trabalhadores (adultos ou menores), nem a degradação dos ecossistemas provocada pela exploração mineira, em África ou na Ásia, para ter o luxo de poder usar Internet de forma móvel, 24 hores sobre 24, 7 dias sobre 7, não significa que pagamos os smartphones abaixo do seu preço real... Pois em média, as marcas só gastam 2,38 euros por telefone em mão de obra (chinesa sobretudo), enquanto em paralele, elas constituem-se uma margem que ultrapassa, em geral, os 300 euros por produto (sobre 500 a 900 euros por telefone, mais ou menos). Resultado, não só os nossos telefones são caros, mas o dinheiro vai no bolso dos grandes grupos que asseguram a concepção e a distribuição. Por lembrança, vende-se 57 telefones por segundo no mundo, 1,8 bilhões por ano (estatíticas de 2015). Apple, Nokia, Samsung, LG, Sony, Huawei, HTC... Graças ao smartphone, Apple tornou-se mais bem cotado do que Coca-Cola, ou ainda Google e IBM, com 37 bilhões de euros de benefícios em 2013. O ramo móvel de Samsung pesava na altura 152 bilhões de euros por ano de volume de negócios.

O smartphone faz em média quatro vezes a volta da Terra antes de encontrar-se nas mãos do consumidor. É um puro produto da globalização neoliberal (o resultado de uma organização dita em cadeia de valor global), e revela as falhas dessa mesma globalização, em cada passo da sua « vida ». Contudo, somos bem longe de questionar o nosso uso dos smartphones e mais geralmente das novas tecnologias (computador, táblete, etc.) e de Internet. À escala individual, a tomada de consciência é lenta, e a reação quase inexistante. Por lembrança, os Franceses por exemplo guardam o seu smartphone dois anos em média antes de cumprar um novo – a estatística cai a 18 meses para os Parisienses. Claro, o fenômeno dos telefones e dos computadores recondicionados já oferece uma pista de solução interessante e em crescimento, mas como muitas vezes, vemos bem que os atos individuais não serão suficientes. Problema, à escala dos decisores políticos, não é mais glorioso, à escala nacional como da União Europeia: nenhuma regulação do comércio internacional, que torna possível a cadeia de valor global atual do smartphone, nem das empresas e das suas estratégias de menor exigência ecológica e social. Claro, nenhuma forma de proteccionismo é prevista, que permitiria tributar os produtos « não éticos » para favorecer a relocalização das cadeias de produção nos países consumidores. Nenhuma forma de pressão dos poderes públicos sobre os grandes fabricantes de smartphones para propor telefones menos obsolescentes, por exemplo com menas aplicações, o que permitiria uma maiora duração de vida dos aparelhos.

Também nenhuma tomada de consciência sobre o impacto de Internet sobre o clima ou o meio ambiente. É forte, o mito segundo o qual a desmaterialização permitida pelo Web não polui. Por lembrança em 2017, estima-se entre 1,7 e 2 bilhões o número de computadores fixos, móveis ou tábletes, entre 4 e 5 bilhões o de smartphones, e entre 6 e 7 bilhões o número de objetos conectados – estatísticas que conhecerem, desde então, um boom no contexto do Covid e do confinamento, com a prática do teletrabalho e da visioconferência por exemplo. Ou seja, mais aparelhos usando Internet do que seres humanos no mundo. É preciso ainda acrescentar 800 bilhões de equipamentos de rede, como os roteadores e a tecnologia ADSL, para os fazer funcionar, e mais ou menos 60 milhões de servidores hospedados nos data centers. Pegando apenas em conta a fabricação e o uso dos equipamentos, o setor do digital representa mais ou menos 4% das emissões de gás com efeito de estufa (com um crescimento de 8% por ano), ou seja, mais do que os 2% do setor da aéreo. Representa também 3% do consumo energético mundial. Nos usos cotidianos, sabe-se que o envio de um e-mail com um elemento em anexo de 1 megabyte (MB), é equivalente ao uso de uma lâmpada de 60 watt durante 25 minutos; e que assistir a um filme Alta Definição de uma hora no smartphone equivale a deixar essa mesma lâmpada acesa durante 250 horas. (O conteúdo é aqui tirado da série documentária Data Science vs Fake de Arte.) De fato, Internet (e o material que torna possível o uso de Internet) tem um impacto considerável sobre o clima e o meio ambiente.

Contudo, continuamos a penetrar com mais velocidade no impasse do nosso modelo de desenvolvimento. Com a digitalização crescente das atividades, as problemáticas de produção são muitas e bastante estratégicas no contexto de concorrência económica internacional. Por exemplo, enquanto a economia mundial conheceu no início da nossa década uma escassez de semicondutores, a Comissão Europeia adoptou em 2022 um plano com alvo quadruplicar a produção europeia de microchips daqui 2030. Financiado por parte com fundos europeus, esse Chips Act estabelece « um novo quadro para facilitar as ajudas de Estados para a produção dos semicondutores », segundo as palavras do então comissário ao Mercado Interior Thierry Breton, o qual pretendia fazer da UE o « líder sobre as próximas gerações de chips de menos de cinco nanômetros, e até de menos de dois nanômetros ».

Por lembrança, em Dezembro de 2020, os dirigentes de todos os países da União Europeia, o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia aprovaram um Plano de relançamento para enfrentar os danos económicos e sociais provocados pela pandemia de Covid-19 (Plano de relançamento de 2020 da União Europeia: a dicotomia entre « países frugais » e « Clube Med », qual a parte de realidade, qual a parte de fantasia?). Com um montante impressionante de 750 bilhões de euros (o qual vem acrescentar-se ao orçamento de longo prazo da UE), ele tem como alvos os países os mais impactados pela crisa sanitária, e como bases dois setores: a transição ecológica, e a transição digital. Depois de tudo o que já dissemos neste artigo, podemos, porém, questionar a coerência no fato de erguer essas duas temáticas em pilares das polítivcas comunitárias apoiadas por um tal fundo de investimentos públicos. Essa escolha ilustra a ausência de pensamento crítico, de recuo em relação às ferramentas digitais. Em França – como no Reino-Unido e muitos outros países europeus –, os processos de desmaterializaçãodos serviços públicos estão em marcha; foram acelerados sob a presidência de Emmanuel Macron, e vão exatamente no mesmo sentido. A ideia por trás, é que o digital é sinónimo de « desengorduramento » das administrações, de eficiência, de progresso e de modernidade, e que contribui à luta contra a mudança climática (reduzindo as viagens domicílio-trabalho com o teletrabalho, por exemplo).

A promessa de um mundo onde o nosso conforto material e tecnológico, e a relação viciada ao tempo que ele induz necessariamente (Como repensar a nossa relação ao tempo?), são apenas ilusões. Entre o sacrifício de vidas humanas, invibilizadas porque localizadas a milhares de kilómetros de distância, a tensão sobre os recursos que a procura crescente de metais e de terras raras supõe inevitavelmente, e o impato em termos de emissão de gás com efeito de estufa, obviamente esse modelo não é sustentável. O digital deveria ser uma ferramenta de resiliênça para a humanidade – e é apresentado como tal pelos decisores políticos. A realidade é outra: apressa o colapso. A tudo o que foi dito neste artigo, sobre os metais e as terras raras, acrescentam-se as matérias primas não mineiras que não foram evocadas aqui, mes que tornam-se cada vez mais preciosas à medida que a predação capitalista e extrativista expande-se pelo mundo inteiro: a água, a mata equatorial e a sua madeira, as terras aráveis, sem esquecer a biodiversité.

Não tratamos também do poder das grandes empresas do digital (os GAFAM), a sua influência nas nossas vidas, no nosso consumo, na nossa vida pública e democrática. Nem tratamos do nosso uso das ferramentas digitais, em particular o fenômeno de dependência crescente observada nas nossas sociedades em relação ao smartphone e às tablets. Usos sobre os quais já tínhamos produzido uma reflexão neste artigo de 2022: Dos smartphones às redes sociais, das ondas aos ecrãs, quais são os impactos das novas tecnologias sobre as nossas vidas? Será que ainda podemos nos libertar do nosso telefone inteligente e questionar os nossos hábitos de consumo, o nosso conforto material? Este artigo não traz respostas prontas a um problema complexo, mas ambiciona informar e alertar. É legítimo e sã de interrogar-se, de ficar atento e de tomar consciência dos nossos impatos sobre o mundo. Aliás, um suporte online como O acendedor de lampiões não seria credível se não levava essas questões.

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