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O acendedor de lampiões

No Brasil, quando o feminismo junta-se à luta indígena: o exemplo do coletivo Suraras do Tapajós

20 Juillet 2019 , Rédigé par Jorge Brites Publié dans #Brasil, #Identidade, #Género, #Democracia, #Sociedade

Um ritmo rápido ressoa nas ruas de Alter-do-Chão, pequena localidade no rio Amazonas. Misturam-se os sons dos curimbós – um tambor tradicional cavado diretamente no tronco –, das maracás e do banjo, aos quais se junta a voz de uma mulher, para cantar a identidade indígena, em português e na língua nheengtu. Num ambiante relaxado, os risos sucedem às tentativas repetidas da cantora para fazer a apresentação: « E agora, vou vos apresentar o grupo de carimbó Suraras do Tapajós!… » Daqui a alguns dias, elas cantarão frente a um público. Ela recomeça umas vezes, mencionando o nome e a comunidade de cada uma das suas companheiras, e uma vez que acabou a volta das apresentações, a banda segue energicamente para a música.

Repetição do coletivo em Alter-do-Chão, Fev. de 2019.

O população brasileira inclua mais de 900 000 cidadãos indígenas, cujos os direitos são regularmente ameaçados e ignorados. E a chegada à presidência, em 1 de Janeiro de 2019, de um candidato, Jair Bolsonaro, claramente favorável aos interesses da agro-indústria, não ajuda em nada. Porém, há décadas que o movimento indígena se organiza para reivindicar seus direitos e defender seus territórios. O exemplo do coletivo feminino indígena Suraras do Tapajós surgiu há quase três anos no Estado do Pará, no norte do Brasil. O objetivo: o fortalecimento das mulheres indígenas, a luta contra as violências cujas elas são vítimas e contra o racismo. E assim, contribuir à causa indígena. Uma das suas armas: a música.

« Desde a eleição de Jair Bolsonaro, estamos vivendo o começo de um apocalipse ». É com essas palavras que treze representantes de povos indígenas de diferentes continentes (incluindo comunidades da Amazônia) exprimiram-se numa mensagem conjunta, em 10 de Abril de 2019, pedindo para proteger a sacralidade da natureza e para parar com os projetos do presidente da República recém-chegado.

No Brasil, os defensores do meio ambiente tanto como os nativos que lutam para proteger as suas terras, tomam riscos importantes, e até o de ser mortos. Segundo a organização britânica Global Witness, que registrou 57 execuções de ativistas ambientais em 2017, o país foi o primeiro do mundo pelos assassinatos de ativistas ambientais em 2016 e 2017. As Filipinas segam em segundo lugar com 48 mortos, e a Colômbia em terceiro com 24 execuções. Na África, são 19 o número de ativistas assassinados, com 12 só para a República democrática do Congo. Segundo o relatório de Global Winess, os ativistas são executados por ser envolvidos em movimentos de oposição a projetos de exploração florestal, agro-industriais ou contra sociedades mineiras.

Repetição do coletivo em Alter-do-Chão, Fev. de 2019.

Alter-do-Chão é uma pequena cidade turística de 2 000 habitantes, localizada no Estado brasileiro do Pará, uma região no meio da floresta amazônica que conheceu no século anterior uma produção importante da borracha. É numa rua à beira do rio Amazonas que a gente encontra uma pequena dezena de membros do coletivo feminino indígena Suraras do Tapajós, em plena repetição musical. Uma delas, Milena Raquel, uma mulher indígena da etnia Tupinamba (do território Tupinambá do baixo Tapajós), trabalha na comunicação do coletivo e na articulação das ações com outros movimentos ou organizações. Ela nos explica que a banda vem ensaiar aqui pelo menos duas vezes por semana. « A gente tem um espaço emprestado, o que a gente chama "a nossa base", com as nossas coisas, o nosso material. […] O que a gente faz? A gente toca, a gente participa de palestres, de formações, de rodas de conversas ». O coletivo é envolvido no « movimento indígena, na defesa e na luta dos povos, na questão ambiental. Tudo ligado aos Tapajós ativos, que são contra projetos hidrelétricos ».

Milena Raquel (no centro), em carga da comunicação e da coordenação externa no coletivo Suraras do Tapajós, em companhia de duas outras membros (Fevereiro de 2019).

Milena Raquel (no centro), em carga da comunicação e da coordenação externa no coletivo Suraras do Tapajós, em companhia de duas outras membros (Fevereiro de 2019).

A partir de 2016, as mulheres que compõem hoje o coletivo, se reuniram para fazer pinturas corporais tradicionais e para aprofundir a questão da auto-estima. Aos poucos, organizaram-se e constituíram-se em coletivo, « produzindo pequenos eventos, participando nas atividades políticas do movimento indígena, no movimento social na região, por exemplo contra projetos hidrelétricos ou contra o porto, sobre questões de território, áreas de preservação ambiental, contra a especulação imobiliária que é muito forte aqui em Alter-do-Chão ». Em 2016, elas até participaram diretamente da organização de um primeiro grande evento cultural. Mas a parte musical ainda não existia. « No final das reuniões, nos explica Milena Raquel, a gente começava a batucar, a bater no baldo, com as maracás. […] A gente sempre se reunia para extravasar! Porque tudo isso é muito cansativo, não é? Então no final a gente se reunia, fazia um lanche, comia peixe, e com o tempo, foi vindo assim, legal ».

O evento cultural de 2016, uma demonstração da arte indígena, foi repetido em 2018. « A gente precisava de atrações musicais. […] Foi aí que a gente começou a ensaiar, que nem aqui, para poder tocar lá. Essa foi a primeira vez que a gente se apresentou para um público. Tem um ano já, em Abril. E aí, a gente começou a ensaiar músicas de mestres daqui, dos carimbós, e a cantar as músicas indígenas que a gente já canta nos nossos rituais ».

O estilo de música do coletivo: o carimbó, um ritmo amazônico de origem indígena, típico do Estado do Pará, que se construiu com influências africanas e portuguesas. É sobretudo caracterizado pelo uso do curimbó (korimbó, na língua Tupi), o tambor que deu seu nome ao estilo musical, e pelas maracás, cantores e muitas vezes o banjo. « Desde então, continua Milena Raquel, começaram a chamar-nos, não só para articulações políticas mas também, dentro dessas articulações, para a parte cultural. E aí a gente começou a réunir com outras meninas que vinham para o ensaio. E continuou até hoje. De lá para cà, a gente tem quatro músicas autorais, ou seja, músicas próprias, em Nheengatu [língua geral amazônica, derivada do tronco tupi] ou misturadas com português ».

Ensaio do coletivo Suraras do Tapajós na localidade Alter-do-Chão, no Estado do Pará (Fevereiro de 2019).

Ensaio do coletivo Suraras do Tapajós na localidade Alter-do-Chão, no Estado do Pará (Fevereiro de 2019).

Um movimento comunitário que se descobriu feminista

Quando perguntamos-lhe se o movimento se considera feminista, Milena Raquel responde francamente: « Nós temos uma missão. A nossa luta, é combater as violências contra as mulheres indígenas, e o racismo. Dentro disso, a gente trabalha para o empoderamento econômico, o nosso fortalecimento e o das outras mulheres, a partir do acolhimento, da valorização da auto-estima dessas mulheres. Aí, dentro dessa forma de acolher, trabalhar a auto-estima das mulheres, fortalecendo também o empoderamento econômico mais pontualmente esse ano, a gente já fortalece a nossa luta, para poder defender os nossos territórios. Nós somos formadas de três etnias indígenas; todas participam dentro do coletivo […]. Nem todas as mulheres do coletivo tocam no musical. O musical é uma coisa dentro do coletivo ».

Não recusam a ajuda dos homens, mas o papel das mulheres tem que ser bem claro: « A gente não quer ser melhor que o homem, a gente quer tar junto com ele, e fortalecer a mulher. Então é todo bem-vindo qualquer homem, sejam homens indígenas ou não indígenas. Mas o protagonismo é das mulheres ».

Repetição do coletivo em Alter-do-Chão, Fev. de 2019.

A consciência feminista veio ao longo de um processo: « A gente já fez um trabalho de combate à violência contra as mulheres, e a gente trabalhou nisso com mulheres indígenas. A gente conheceu, aprendeu um pouco os dados, os tipos de violências, quais são os lugares aqui na nossa região onde se faz essa denúncia. A gente percebeu que as mulheres, elas não têm ciências, que tomam claro que elas estão sofrendo violência. Elas descobriram isso. Foi um primeiro passo. A gente tenta combater isso. A partir daí, a gente teve um pouco de formação sobre o que é o feminismo. E a gente entendeu que a gente é feminista. Só que não é aquela feminista que fala dentro da universidade; é a feminista que fala dentro da terra, plantando. O que a gente fala aqui, é de "feminismo amazônico", daquela mulher que trabalha dentro do seu território, dentro da sua casa, e que vai ter uma fala política, igual ao homem, com todo o respeito, juntamente com o homem. Uma coisa é cuidado, e uma coisa é igualdade. É isso que a gente quer, o nosso respeito, o nosso espaço. A gente considera-se hoje um grupo feminista, que é um feminismo comunitário ».

Repetição do coletivo em Alter-do-Chão, Fev. de 2019.

O desafio: manter a luta no contexto político e social atual no Brasil

Como já o tinhamos analisado o mês passado (Presidência Bolsonaro: no Brasil, as comunidades indígenas no impasse), a chegada ao poder em Janeiro de 2019 do novo presidente da República Jair Bolsonaro, que não esconde o seu apoio ao agronegócio, já teve efeitos concretos, a começar pela aceleração da desflorestação – o desmatamento, nunca interrompido, já conhecia uma retomada ativa desde a presidência Temer, entre 2016 e 2018. O chefe do Estado nega os dados relativos a este drame ecológico. Ontem, em 19 de Julho, frente à imprensa estrangeira, ele acusou o organismo público brasileiro encarregado de avaliar o desmatamento, o Instituto nacional de persquisas espaciais (INPE), de exagerar as estatíticas, ao custo da imagem do Brasil no resto do mundo. Em Maio, o INPE, com base imagens satélites, estimou a 739 km² a superfície desflorestada, ou seja o equivalente de dois terrenos de futebola destruidos por minuto. Em Junho, o número era de 920 km² (ou seja, uma subida de 88% em relação com a mesma altura em 2018), e em Julho deveria ultrapassar os 1 800 km², ou seja mais de 200% comparado com a mesma altura em 2018. A Amazônia No final de Julho, a Amazônia terá perdido quase 4 700 km² de florestas desde o início do ano, quase duas vezes o que já tinha perdido em 2018 na mesma altura. Sobretudo, a maior parte aconteceu em áreas privadas, preservadas e ocupadas por nativos, o que significa que houve fraquezas do controle governamental, bem como uma parada da demarcação e uma corrida ao desmatamento. Além disso, a erosão dos solos e o desmatamento traduzam-se por uma multiplicação dos incéndios; dezenas de milhares (mais de 60.000 pelo menos) de queimadas já foram notadas em todo a Amazônia desde o início do ano.

Durante a campanha eleitoral, Jair Bolsonaro anunciou claramente que não concordava com o programa socio-ambiental implementado por seus antecessores. Logo que assumiu o cargo de presidente no dia 1 de Janeiro, o governo transferiu a responsabilidade da identificação, delimitação, reconhecimento e demarcação das terras indígenas ao ministério da Agricultura, atualmente liderado pela ministra Sra Tereza Cristina Dias, chefe da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e fervorosa defensora da indústria agrícola. A Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a organização suposta coordenar e executar a política indigenista do Governo Federal para proteger e promover os direitos dos povos indígenas no Brasil, perdeu o pouco poder que possuía e está agora subordinada ao novo ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O executivo não quer parar ai. Depois de ter desmantelado os organismos encarregados de verbalizar os crimes ambientais, Bolsonaro reafirmou que queria abrir as « terras indígenas » de Amazônia à exploração mineira e legalizar a pesquisa e exploração de ouro apesar de ela ser acusado de poluir os rios por mercúrio. Com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, o chefe do Estado validou o uso maciço de pesticidos altamente tóxicos para os seres humanos e os solos, e modificou a reglementação sanitária para exibir um perigo menor.

Localidade de Alter-do-Chão, Fev. de 2019.

No entanto, muito consciente da situação, o coletivo adota uma estratégia construtiva, identificando os aliados e os meios de fortalecimento que lhes permitiriam exercer a melhor pressão para proteger seus direitos e suas terras. « A minha análise geral, diz Milena Raquel, falando dos povos indígenas, é que dentro de trinta anos, a gente conseguiu construir a luta pelos direitos dos povos indígenas. Esse governo atual, ele está desconstruíndo isso em pouco tempo. Está destruindo tudo, massacrando. Não tem o menor respeito, não leva consideração a auto-afirmação, não considera a Constituição federal. Está bem mais escancarado esse racismo, esse massacre. Mas a gente está tentando se articular, continuamos nessa luta e o povo brasileiro ainda não tinha percebido isso. Aos poucos, ele está se despertando ».

E acrescenta: « O que a gente pensa é que podem se unir os povos tradicionais: com os Quilombolas [habitantes dos quilombos, comunidades de afro-descendentes cujos os ancestrais tinham fugido a escravidão], com os grupos minoritários… Porque, até se a pessoa não se considera parte de nenhum desses grupos, ela precisa da mãe-natureza, da mãe-terra para sobreviver. Precisa comer, se alimentar, de um ar puro, de uma cidade minimamente saudável. […] A gente já se juntou com o Coletivo Negro Caripuna, que também está nesse Estado. Por enquanto, a gente atua muito localmente. Mas a gente já participou de eventos nacionais, e algumas já participaram de eventos internacionais ».

De fato, as terras indígenas são sempre mais pressionadas por causa das riquezas e do potencial econômico que representam. O número de invasões de terras já havia aumentado significamente entre 2016 e 2017, de 59 para 96 casos. A causa: a falta de demarcação de terras e de proteção das comunidades. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 110 índios foram assassinados no país em 2015, dos quais 17 no Mato Grosso do Sul, e 118 em 2016 – a maioria durante conflitos sobre a desflorestação e invasão de terras.

Vista sobre Alter-do-Chão, em Fev. de 2019.

A presença de um forte grupo de interesse em favor do agronegócio ao nível da presidência tanto como no Congresso Nacional (com as suas três famosas bancadas transpartidárias, chamadas os « BBB »: pró-Bíblia, pró-Bala e pró-Boi) ainda junta-se a uma marginalização antiga dos Índios e a um desprezo geral da sociedade consumidora para as culturas e o modo de vida dos nativos. A visão globalmente negativa de muitos Brasileiros sobre as comunidades indígenas brasileiras, cujos os interesses são no entanto profundamente ligados aos direitos da floresta, torna mais complicado a luta.

No mês de Fevereiro de 2018, ainda durante a campanha eleitoral, o candidato Bolsonaro declarou que se chegasse ao poder, « Índio não terá mais um centímetro de terra », e prometeu acabar com todas as reservas indígenas e parques nacionais. Acrescentou numa outra declaração: « Você tem que integrar o Índio à sociedade. Eu estive em Roraima vendo os problemas lá. O Índio quer energia elétrica. Quer um dentista para arrancar o "toco" de dente, lá na boca dele. Ele quer um médico para curar uma doença. Ele quer ver televisão. Quer jogar futebol, quer vir no cinema. Ele quer plantar soja também, plantar arroz. Ele quer ser alguém, tá? Ele então precisa disso. E não o governo via ONG, via FUNAI muitas vezes. […] Estimular o pessoal a levar o terror ao homem do campo. […] Falam tanto que o Índio é um pobre coitado. Não é assim, não é? Nós temos um Índio presidente da Bolívia. Por que é que nosso Índio aqui tem que estar confinado numa terra indígena? […] Eu não tenho obsessão. Eu tenho o que os outros não têm: eu tenho o povo comigo, e tenho Deus no comando ». Um discurso que o filho do atual presidente, Eduardo Bolsonaro, comentou nas redes sociais com essa frase : « Índio não quer terra, quer dignidade ». Milena Raquel, do coletivo Suraras do Tapajós, responde: « Dignidade, a gente já tem. A gente tem muito orgulho. Sou contra o que ele afirma. É bem racista, bem desrespeitoso. Porque ele fala num olhar de fora, num olhar colonizador, euro-centrista. Ele fala do jeito como ele vê. Ele não conhece a nossa realidade. Ele julga. Mas a gente tem dignidade. E a gente precisa, sim, dos territórios para sobreviver, para a gente manter a nossa cultura. A gente não quer a terra de ninguém, a gente só quer o que é nosso, por direito. Como qualquer um. Nós somos cidadãos, nós também pagamos impostos. Temos direitos e estamos aí na luta. A gente não vai desistir. A gente continua firme, […] a gente está fortalecendo nossos jogos, nossas crianças, nossas mulheres. Estamos buscando esse espaço, e as mulheres estão muito aí a frente. As articulações também, com outras lideranças ».

E um espaço que tentam ocupar, é o espaço político, com o Congresso Nacional: « Estamos buscando os espaços de tomada de decisão. Hoje, a gente tem uma mulher que é a primeira deputada federal [Joenia Wapichana, do partido Rede Sustentabilidade, eleita durante as legislativas de Outubro de 2018]. Ela está tentando fazer a representatividade, na comissão do Congresso sobre os direitos humanos por exemplo. Através dessas articulações, e estando lá dentro, na máquina, é que a gente pode fazer a diferença. E toda a luta indígena é legítima. Seja numa música, seja dentro da universidade se formando, seja ele doutor, seja ele só plantando dentro do seu território. A gente está na luta. A gente está em resistência. Seja numa pintura [corporal], quando a gente sai aqui na cidade e que ninguém gosta, ou acham estranho. Ou que a gente sai noutra cidade onde nem existem indígenas. Então toda forma que a gente usa, é buscando essa "territorialidade", essa luta dos povos ».

Mata perto de Alter-do-Chão (Fevereiro de 2019).

A música, uma arma na luta para transmitir mensagens e promover a identidade indígena

Ainda informal e com uma organização interna horizontal, o coletivo está progredindo passo a passo. « Por enquanto, a gente prefere que ele seja informal, porque tem pouco tempo. A gente está amadurecendo toda essa ideia. A gente está se construindo juntas: o que é que cada uma quer, o que é que cada uma pode contribuir. Se uma mulher entende mais de música, ela vai ficar no musical; se uma mulher entende mais de articulação e da parte política, ela vai ficar nesse espaço… É potencializar a mulher no que ela pode fazer e sentir mais a vontade ». Por enquanto, nenhuma chefe, nenhuma presidente: « A gente ainda não tem. A gente organiza-se assim mesmo, naturalmente. Quando uma não pode, outra vai. Quando uma precisa ajuda, vamos lá se ajudar. Mas lá na frente, quem sabe. Acho que vai precisar, quando se formalizar como uma associação, vai ter que mexer coisas mais detalhadas e burocráticas ».

O papel da música? Uma arma complementar na luta: « Isso é uma forma de fortalecer a parte cultural, nos explica Milena Raquel, porque na música, dentro dessa musicalidade, a gente consegue adentrar espaços que a gente não adentraria só com o discurso político. Através da música, a gente consegue falar de uma maneira suave da nossa luta, da questão da demarcação dos territórios. […] Por exemplo, cantando em Nheegatu, é o fortalecimento cultural, identitário da nossa língua. Ainda mais esse ano que é Ano Internacional das Línguas Indígenas, pela ONU ».

No Brasil, quando o feminismo junta-se à luta indígena: o exemplo do coletivo Suraras do Tapajós
Ensaio do coletivo Suraras do Tapajós na localidade de Alter-do-Chão, no Estado do Pará (Fevereiro de 2019).

Ensaio do coletivo Suraras do Tapajós na localidade de Alter-do-Chão, no Estado do Pará (Fevereiro de 2019).

As mulheres do coletivo acabam de arrumar os instrumentos e o material no espaço, na « base ». Milena termina a entrevista com um conselho às mulheres que, em outros lugares, querem se organizar para lutar pelos seus direitos: ‘‘Dentro do coletivo, a gente inspirou-se por outras mulheres, que estão a muito mais tempo nessa luta. E quando vem uma nova mulher e que ela não sabe, que acha interessante, isso é motivador. Então multiplicar esse acolhimento, esse empoderamento entre mulheres […]. Então mulheres que querem,[…] falar de alguma coisa […], tipo tirar dúvida, aprender, falar sobre política, ou falar sobre música, ou falar sobre algum cargo que na maioria das vezes é ocupado só por homem, falar sobre a saúde da mulher […] ; ou buscar uma renda para ganhar um dinheirinho, e se réunir com outras mulheres, o que é bom porque quando uma não sabe, outra sabe e uma vai aconselhando a outra. E as três ou as quatro, vai juntando mais, e aí quando vejam, é um grupo maior, pede ajuda a alguma outra organização que vai se fortalecendo. Quando a gente consegue se juntar, a gente sente-se mais seguro, com menos medo, mais forte. E nunca se sente sozinha ». Multiplicar o acolhimento das mulheres, as ocasiões de solidariedade, e manter as ações no tempo para permitir ao movimento crescer.

Vista no rio Tapajós, afluente do rio Amazonas, na localidade de Alter-do-Chão, no Estado do Pará, no Norte do Brasil (Fevereiro de 2019).

Vista no rio Tapajós, afluente do rio Amazonas, na localidade de Alter-do-Chão, no Estado do Pará, no Norte do Brasil (Fevereiro de 2019).

Uma chuva tropical está pronta para cair, enquanto está anoitecendo nas ruas de Alter-do-Chão. Relâmpagos espetaculares atravessam as nuvens, encima do rio Amazonas que carrega nas suas águas séculos de história indígena. O som do carimbó parou de ressoar para deixar lugar à trovoada que se aproxima. Através da música ou dos movimentos sociais, a luta continua para manter de pé a dignidade das comunidades indígenas e da floresta, que garante a qualidade de vida dos Índios – e também a nossa.

*   *   *

Mais informação na página Facebook do coletivo Suraras do Tapajós:

Para ouvrir uma parte da entrevista com Milena Raquel, em 14 de Fevereiro de 2019:

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