Equador: anos depois, que lições tirar do fracasso da iniciativa Yasuni-ITT sob a presidência Correa?
Uma iniciativa no âmbito de uma revisão global das políticas equatorianas no mandato Correa
O projeto Yasuni-ITT foi particularmente bem recebido pelos ativistas ecologistas, mas também pelos Huaoranis, uma tribo que vive na área e que ainda tem um território « reservado » na fronteira com o Parque Yasuni. Faz parte de uma série de grandas obras políticas e sociais levadas pelo presidente Correa depois da sua chegada no poder. Favoreceu os investimentos públicos e empreendeu uma política de grandes obras: estradas, escolas, pontes, aeroportos. Projeto icônico, espécie de elo entre os Andes e o oceano: inaugurada em 1908, abandonada há mais de 25 anos, a linha ferroviária que liga Quito a Durán (Sudoeste), abriu de novo, principalmente para fins turísticos.
As reformas multiplicaram-se com sucesso. Expulsão do representante permanente do Banco Mundial (Abril de 2007), contestação da natureza de um terço da dívida do Estado equatoriano (auditoria de Julho de 2007) e suspensão parcial de seu reembolso aos bancos suspeitos de transações financeiras duvidosas (Novembro de 2008), retirada das forças militares norte-americanas na base de Manta (Julho de 2009), lançamento da produção e da importação de mais de 2.000 remédios não-patenteadas por empresas farmacêuticas multinacionais para expandir a acesso público aos cuidados de saúde (Outubro de 2009), aumento da tributação dos lucros do petróleo, aumento dos salários dos professores, luta contra os contratos de subcontratação privados que criam empregos precários, alguns serviços públicos básicos, melhor redistribuição de recursos públicos através da criação ou fortalecimento de programas de educação e saúde social, etc.
Todas são iniciativas muito diversas que, como as políticas adotadas na Venezuela e na Bolívia na mesma altura, têm um duplo objetivo: (i) melhorar o sistema de redistribuição nacional e o diálogo com a sociedade civil; (ii) restaurar a plena soberania nacional em todas as áreas, incluindo económicas, energéticas e militares.
Em 28 de Setembro de 2008, a adopção por referendum de uma nova Constituição, com 63,93% dos votos (75,8% de participação), dedicou essa reorientação geral da política equatoriana. A nova Lei funamental garante mais direitos culturais, económicos e sociais à população. O caráter plurinacional do Estado é finalmente afirmado (o que era uma exigência central das organizações indígenas). Sem precedentes na história das Constituições do mundo, esta Lei fundamental reconhece os direitos à natureza, que leva em conta a contribuição dos povos indígenas e sua cosmovisão.
Essas profundas mudanças obviamente se deparam com interesses especiais muito poderosos, ao nível internacional (diplomacia americana, companhias de petróleo, empresas farmacêuticas, etc.) como nacional, como o ilustrou a tentativa de golpe do 30 de Setembro de 2010 – naquele dia, as forças de segurança equatorianas mantiveram o chefe de Estado em detenção durante várias horas. Prova que o presidente estava na boa direção: em 26 de Abril de 2009 com 51,99% e de novo em 17 de Fevereiro de 2013 com 57,17% dos votos, ele foi eleito logo no primeiro torno da eleição presidencial.
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Quando as necessidades económicas e sociais são privilegiadas, ao custo das considerações ecológicas
A presidência Correa manteve relações instáveis com organizações indígenas, sindicatos e associações populares. Apesar de serem gratos pelas consideráveis conquistas feitas pela Constitiução de 2008, eles acusavam o chefe de Estado de uma série de erros políticos ditados por imperativos de crescimento econômico incompatíveis com suas própris lutas no terreno. Por exemplo a posição de Rafael Correa em relação ao investimento estrangeiro privado na indústria da mineração e do petróleo. De fato, a fim de compensar os danos da crise de 2008 e criar novas receitas, o chefe do Estado assinou em 2009 uma lei sobre as extrações de mineração que autorizou a exploração dos recursos de mineração por multinacionais sem consulta prévia às comunidades que poderiam ser afetadas.
A exploração do Parque nacional de Yasuni, e depois?
Quando em Agosto de 2013, Rafael Correa decidiu confirmar a exploração do Yasuni, menos de 1% das promessas tinham sido realizadas pelos doadores; a população indígena conta 11.000 pessoas, Huaoranis e Quechuas morrando nesta terra, sem esquecer o ecosistema ameaçado. Enquanto muitos tinham visto a iniciativa Yasuni-ITT como um renascimento das discussões ambientais na âmbito internacional, na hora dos fracassos das grandes conferências sobre as mudanças climáticas, incluindo a de Copenhague em 2009, o abandono do projeto é revelador da falta de fundos dedicados à proteção da biodiversidade no mundo. du projet est révélateur du manque de fonds dédiés à la protection de la biodiversité dans le monde. Com a exploração do petróleo de Yasuni, são uns 400 milhões de toneladas de dióxido de carbono que estavam em risco de serem lançadas na atmosfera.
A presidência da República equatoriana defendeu a sua decisão explicando que a exploração serviria a lutar contra a pobreza no país. Um argumento contestável, pois as conseqüências negativas da exploração iriam impactar a saúde e os recursos naturais dos marradores a redor do Parque. Precisa-se que 500.000 barris de petróleo já eram exportados então pelo Equador e representavam 40% dos recursos do Estado. Depois de ter autorizado a exploração num outro território indígena, no sul de Yasuni, a decisão du 15 de Agosto de 2013 ilustrou a mudança de paradigmo da presidência equatoriana na gestão dos recursos naturais. Essa escolha só podia reativar as revindicações indígenas.
A população já tinha constatado os impactos da exploração de petróleo sobre o seu ambiente. Pois na província ao lado, Sucumbíos, situada ao norte do Parque Yasuni, : as devastações de Texaco (subsidiária do gigante do petróleo, Chevron) são evidentes, e traduzem-se por paísagens de desolação. O derramamento de resíduos de petróleo deixou lá solos e rios contaminados em mais de um milhão de hectares de superfície. Em Janeiro de 2012, a confirmação, em segundo julgamento, da multa recorde ordenada pela Justiça equatoriana contra Chevron-Texaco aparecia como um sucesso na luta contra os abusos da companhias de petróleo. A decisão sobre Yasuni representou então um paso para trás no combate para um mundo sem petróleo. As garantias verbais do presidente Correa não convencerem, apesar de só uma porção limitada do Parque ser prevista para a exploração (um hactare por mil). Os especialistas temiem especialmente os impactos dramáticos sobre a flora e a fauna locais, bem como sobre a saúde dos habitantes do Parque.
Abandonando o espírito do projeto Yasuni-ITT, que defendia a ideia de deixar o petróleo no subsolo – a França por exemplo, decidiu fazer o mesmo com o gás de xisto, mas por quanto tempo? –, as autoridades equatorianas poderiam ter desempanhado um papel vanguardista nesta questão, e acabaram então de adiar por vários anos o desafio da era pós-petróleo e a busca de energias alternativas.
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E desde o fim da presidêndia Correa?
Lenín Moreno sucedeu em 24 de Maio de 2017 a Rafael Correa e tornou-se presidente da República. Logo então, os dois entraram em conflito. Naquele dia, Correa disse ser seguro que na eleição presidencial de 2017, a oposição tinha sido vencida, mas que não estava seguro que a « Revolução cidadã » tinha ganhado... Lenín Moreno abriu o governo a personalidades de direita e do mundo económico. O ministério da Economia sendo por exemplo dado ao « patrão dos patrãos », Richard Martínez. Durante o verão de 2017, Lenín Moreno conseguiu destituir o vice-presidente Jorge Glas, acusado de corrupção e que contestava a liderança política do chefe do Estado, suspeito de romper com as políticas de Correa. Em 31 de Outubro de 2017, a direção nacional de Alianza País, o então partido do poder, decidiu por unanimidade a destituição de Lenín Moreno da carga de presidente do movimento, rompendo com a presidência da República; Ricardo Patiño, próximo de Correa, foi então escolhido para dirigir o movimento.
Em 4 de Fevereiro de 2018, o governo organizou um referendum incluindo sete perguntas, entre as quais era previsto proibir os reponsáveis políticos de candidatar-se mais de duas vezes à mesma carga, e permitir ao chefe do Estado de destituir funcionários nomeados ao Conselho de Participação cidadã e de controlo social. Duas outras das perguntas eram então: « Será que concorda com o cancelamento da lei orgánica que impede a especulação sobre o Valor de Terras e a especulação dos capitais, conhecida como Lei sobre os benefícios de capitais [...]? » e « Será que concorda para aumentar por pelo menos 50 000 hectares a zona intangível e reduzir a área de exploração petrolífera autorizada pela Assembleia Nacional no Parque Nacional Yasuní de 1 030 hectares para 300 hectares? » Finalmente, o « sim » ganha com 67,5% (82% de participação), impedindo assim uma candidatura de Rafael Correa na presidencial de 2021.
O governo Moreno adoptou uma política liberal: diminução das despesas públicas, liberalização comercial, flexibilização do código do trabalho, política de rigor limitando a redistribuição da riqueza nacional, diminução dos impostos sobre os lucros das grandes empresas, facilitações das privatizações, etc. O governo adopta o sistema internacional de arbitragem dos conflitos para todos os investidores estrangeiros, o que proiba em teoria a Constituição equatoriana. O primeiro artigo da Lei orgánica de defesa dos direitos do trabalho, que permitia às autoridades de cobrar proprietários de empresas que afectaram os interesses dos salariados por dissimulação dos recursos ou exfiltrando os meios de produção, foi suprimido.
Em Agosto de 2018, Lenín Moreno anunciou retirar o Equador da Aliança bolivariana para os povos da América (ALBA) e da União das nações sul-americanas (Unasur), e propôs a entrada do Equador na Aliança do Pacífico, uma organização de livre-comércio juntando países latino-americanos governados por conservadores. E em Fevereiro de 2019, ele anunciou um empresto de mais de 10 bilhões de dólares do Fundo monetário internacional (FMI) e do Banco Mundial, com os quais o governo Correa tinha rumpido. Agora, o governo está pensando em permitir a presença de aviões militares americanos no arquipelago dos Galapagos em troca de obras de renovação do aeroporto daquela ilha por Washington; as organizações ambientais denunçam o impacto negativo que esta decisão poderia ter na biodiversidade, enquanto a Constituição de 2008 proibe a instalação de bases militares estrangeiras no território equatoriano.
Num contexto global de agravação da exploração florestal e mineral na América latina, em particular na Amazônia (Presidência Bolsonaro: no Brasil, as comunidades indígenas no impasse), esta mudança de orientação no Equador pode deixar com receios. Serão preservidos no futuro os interesses das comunidades indígenas e os ecosistemas? Dado os laços entre o governo atual e o Fundo Monetário Internacional, e ainda com interesses capitalistas domésticos e estrangeiros, há como duvidar, e as comunidades indígenas terão que ficar vigilentes e reativas.
Na atualidade recente, duas decisões merecem ser lembradas. Em 12 de Julho de 2018, a Justiça equatoriana deu razão a um coletivo de Índios da Amazônia contra a multinacional Chevron-Texaco, reconhecida culpada de gastos ambientais irreversíveis e condenada a pagar uma multa de 9,5 bilhões de dólares. Era uma batalha judiciária aberta desde 1993. E em 26 de Abril de 2019, o povo indígeno chamado Waorani, uns 2 000 habitantes presentes nas províncias de Napo, Orellana e Pastaza, ganharam de novo com a garantia que o seu território permaneceria protegido contra os riscos de extração do petróleo no chamado Blobo 22; a decisão, formulada pelo tribunal de Puyo (capital de Pastaza), baseou-se nos problemas no processo de consulta prévia, tendo em conta que o Equador aplica esse mecanismo de participação com base o artigo 6 da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, o qual prevê a autodeterminação popular como condição inevitável. Na América latina, existe uma contradição muito forte entre os discursos ambientais dos lideres de esquerda e a incapacidade deles a acabar com a dependência do país em relação às industrias extrativas. Os renunciamentos políticos e a influência dos poderes económicos (nacionais e internacionais) deixam as formas de resistância muito diffíceis. No entanto, o caso Chevron-Texaco ilustra a importância de continuar a organizar-se e lutar apesar da disproporção das forças em presença e dos disfuncionamentos do Estado de direito.
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O texto seguinte é tirado do livro Colapso: Por que umas sociedades perduram e outras desaparecem (2005), do biologista Jared Diamond. O autor, grande defensor de um desenvolvimento sustentável e da preservação dos ecosistemas, trata no capítulo 15 (« A grande empresa e o meio ambiente: situações diferentes, resultados diferentes ») do papel do setor privado no futuro do mundo e nas reflexões ecologistas. Ele menciona casos de empresas que aprenderam dos seus erros para adoptar uma postura mais respeitosa do meio ambiente, em varios setores, como a pesca, a exploração florestal, os hidrocarbonetos, e a extração mineira. Um dos exemplos que ele descreve é o caso de um setor de exploração de petróleo na Nova Guiné por Chevron-Niugini, onde a empresa coopera com World Wildlife Fund (WWF) para assegurar uma área de preservação da floresta e da biodiversidade a cerca dos poços de petróleo.
É fácil e barato culpar uma empresa que faz lucro prejudicando o ambiente e os morradores. Não muda muita coisa. Essa crítica ignora o fato de que as empresas não são caridosas, mas orientadas pelo lucro. Essa crítica às empresas também ignora a responsabilidade final do público. [...] No longo prazo, é o público, indiretamente ou por meio de políticos, que tem o poder de tornar políticas destrutivas ao meio ambiente não lucrativas e ilegais e de fazer, ao contrário, políticas favoráveis ao ambiente novas fontes de lucros.
O mesmo Jared Diamond continua assim: « Pode fazer isso processando empresas que danificaram um ecossistema e seu habitat [...]; preferindo comprar produtos coletados de forma sustentável [...]; incentivar os empregados de empresas com produtos de péssima rastreabilidade sobre sua direção; preferindo que os governos assumem contratos com empresas cuidando do ambiente [...]; fazendo pressão sobre os governos para promulgar e aplicar leis e regulamentações que exijam boas práticas ambientais [...]. Em retorno, as grandes empresas podem pressioar com força os seus fornecedores que ignoram as pressões do público ou do governo. [...] O papel dos consumidores consiste em identificar quais laços no processo de distribuição são sensíveis a sua pressão [..]. » Após esse desenvolvimento, ele acrescenta ainda:
Isso quer dizer que os custos criados por práticas respeituosas do ambiente são assumidos pelo o consumidor, tal como qualquer custo ordinário quando há produção e trocas. Estou ciente do imperativo moral de que as empresas devem seguir princípios virtuosos, sejam eles lucrativos ou não. [...] A invocação de princípios morais é um primeiro paso necessário para criar um comportamento virtuoso, mas não é suficiente.
Concluir que é a opinião, o público, o consumidor que tem a responsabilidade última no comportamento das empresas em relação ao ambiente [...]. No futuro, como no passado, as mudanças de atitude do público são essenciais para mudar as práticas das empresas em matéria de meio ambiente.