Frente ao fiasco da ajuda pública ao desenvolvimento, para quando a sua desprogramação?
Era há um pouco mais de dois anos, em Maio de 2017 em Strasbourg (França), a Comissão europeia divulgou a sua nova estratégia de ajuda pública ao desenvolvimento para 2030. Seu objetivo oficial: integrar os novos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU nos seus documentos internos. Desde este momento, Oxfam, Caritas, SDG Watch Europe e umas outras organizações não-governamentais exprimiram um certo receio sobre o lugar tomado pelas questões de segurança no texto europeu. Os desacordos, depois de décadas de « cooperação » internacional com resultados contestáveis, limitam-se a discussões sobre o uso de palavras como « segurança » ou « migração » e não cobram o princípio mesmo da ajuda ao desenvolvimento. Apesar dos seus fracassos e dos seus efeitos perniciosos. Apesar das vantagens que regimes corruptos e violentes acham neste sistema. E apesar dos impactos limitados desta ajuda sobre as populações, os famosos « beneficiários ».
Mas será que a situação poderia ser diferente? No seu ensaio O Império e os Novos Bárbaros, publicado em 1990 (reeditado em 2001), o escritor (e antigo diplomata) francês Jean-Christophe Rufin explicava assim a evolução das modalidades de ajuda ao desenvolvimento: « Os projetos faraónicos, os grandes complexos industriais, as barragens imensas ganharam rapidamente uma péssima reputação. [...] Dessas demasiadas amplas perspetivas, passamos a uma escala mais diária, mais modesta: o culto novo é o do micro-projeto. A palavra, no mundo do desenvolvimento, faz figura de poção mágica. Entende-se por micro-projeto uma intervenção pontual, limitada no tempo, realizada ao pedido e com o concurso de uma comunidade identificada (aldeia, cooperativa agrícola, comité de bairro, sindicato de moradores, etc.). » Não quer dizer que a ajuda macro-económica parou, mas entre o micro-projeto e a « cooperação » ou as ajudas aos Estados, não se acha grande coisa. « As grandes instituições internacionais acham no micro-projeto um remédio à dilução na qual desaparece a sua ação, dado o amplor e da inércia das suas máquinas tecnocráticas. A montanha dá talvez a luz de um ratinho mas é um ratinho visível. »
Assim, com de um lado os financiadores que fixam, com milhões e bilhões, as prioridades estratégicas nos « países de intervenção » que eles nem conhecem. E de um outro lado, as ONG que assumam, é o caso de muitas delas, o papel de prestação de serviço para esses mesmos financiadores, e que sobrevivem estruturalmente na base da ajuda externa. Uma tal « economia da ajuda » é concebida de tal maneira que ela não pode ser de forma visível demais contestada. Dum outro lado, ela inscreve-se na vontade de manter-se numa situação desequilibrada e cheia de estereótipos sutis entre países ocidentais e países do Sul.
É preciso parar um instante na (pequena) controversa que tinha aparecido do consenso sobre o desenvolvimento (era há dois anos, como já o dissemos na introdução), suposto definir a estratégia europeia en termos de despesas, de raciocínio e de prioridades para o tempo 2015-2030. As ONG que o criticaram talvez esquecerem que a ajuda pública ao desenvolvimento não é neutra, ela vem diretamente ou indiretamente servir os interesses daqueles que a dão. É preciso guardar na mente que a ajuda, em particular quando ela é entre as mãos da União europeia e dos seus Estados membros – primeiros contribuidores à esta mesma ajuda pública no mundo, mas que generosidade aparente! –, tem dois efeitos perversos que não se podem deixar de lado. Ela leva interesses diplomáticos e económicos (diretos ou indiretos), pois ela serve de objeto de troca nas negociações comerciais com o grupo ACP (África, Caribe, Pacífico), as quais perpetuam sempre os câmbios desequilibrados que conhecemos entre África e Europa desde a colonização: a primeira fornece uma mão de obra e matérias primas (petróleo, uranium, produtos agricoles, etc.) e a segunda produtos transformados (carros, aparelhos da cozinha, etc.) e serviços (de telefone, bancários, etc.). Esta repartição nos papeis na economia mundial evoluiu um pouco, mas ainda é mesma nas grandes linhas. Acrescenta-se a isso um contexto de interferência, em paralelo aos acordos que o Ocidente abre com África – em particular a França, que fez intervenções em três países desde 2011 (ou 4 se contamos também a Operação Unicórnio em Costa-de-Marfím, sob liderança francesa), ou para provocar a queda, ou para salvaguardar um regime político: na Líbia, na República Centro-Africana, e no Mali.
Segundo efeito perverso: a ajuda ao desenvolvimento supõe uma visão do mundo e uma ideologia totalmente inadaptados aos países onde ela exista. Em primeiro lugar porque ela é muitas vezes definidas pelas pessoas que mal conhecem realmente os países que eles pretendem « apoiar » (incluído quando eles morram là). Também porque a abordagem deles, sobre o desenvolvimento e a ideia de progresso, obviamente não é nem neutra, nem intemporal. A nova estratégia da Comissão europeia, por exemplo, trata da questão das parcerias público-privado, e por acaso(?), em termos de serviços públicos, esse tipo de parcerias tem um certo sucesso estes últimos anos na Europa. Igual se observamos as ações das cooperações europeias, en termos de apoio às sociedades civis africanas: constata-se que a Comissão europeia pratica uma classificação das organizações segundo seus níveis de organização e de professionalismo (entender: segundo suas capacidades a responder aos concursos de projetos da União europeia), com organizações da sociedade civil « de nível 1 », « de nível 2 », « de nível 3 ». Esta estratificação, até os atores dos países « beneficiários » a usam, com todo o vocabulário que a acompanha (« organizações de base », « quadro lógico », « públicos beneficiários », « objetivo geral », « objetivos específicos », « resultados esperados », « termos de referência », etc.). Verdadeiros professionais da cooperação emergirem, recrutados pelas suas capacidades a responder aos processos administrativos dos financiadores, a usar suas palavras, a preencher os bons formulários, a pensar como eles.
A ajuda pública ao desenvolvimento tornou-se e torna-se ainda um desastre para o continente africano. Ela o coloca na ilusória perspetiva dum desenvolvimento copiado em modelos exteriores, e o feche num quadro lógico claramente ocidental. Assim, não permite a emancipação dos seus povos, e não o permitirá, pois ela é, por definição, a emanação dum paternalismo branco sobre o mundo negro. Não só convencemos os Ocidentais que eles agem, pela via da ajuda ao desenvolvimento, para o bem da África, mas pior, convencemos disso os Africanos, de maneira geral, que os modelos a seguir estão no Norte e que os Brancos têm as chaves dum desenvolvimento harmonioso e sustentável. Resultado: esses mesmos beneficiam dum postulado de competência e de seriedade; pelo contrário, os Negros sofrem muitas vezes dum postulado de sob-qualificação e de falta de rigor.
Aumentar a ajuda... mas com que objetivo?
Para o título deste artigo, poderíamos também ter escolhido a palavra « mascarada » em vez de « fiasco ». Pois assistimos claramente a uma vasta peça de teatro, a um mundo do espetáculo. Nesta « representação teatral », o vocabulário especializado na ajuda ao desenvolvimento (que é aquele dos financiadores, que as ONG internacionais apropriam-se sem dificuldade) permite simular uma « perícia ». As ações interessantes são aquelas com as quais se pode apresentar resultados com contabilidade (para mostrar que fazemos coisas), e ao mesmo tempo valorizar grandes conceitos que ninguém pode realmente definir mas que são religiosamente usados. Os Objetivos do Milenário para o Desenvolvimento (OMD), adoptados pela ONU em 2000, são um exemplo muito ilustrativo deste mundo do espetáculo, do número e da comunicação. Os países chamados desenvolvidos declararam subir a ajuda pública ao desenvolvimento para 0,7% do seu produto nacional bruto (PNB). Este objetivo é em si mesmo um problema, porque antes de pensar em definir um número como objetivo, o mesmo para todos, uma reflexão sobre pelo menos dois pontos teria sido necessário. Primeiro ponto: a utilidade e a legitimidade da ajuda em si mesmo, se consideramos que os países do Sul têm meios em termos de recursos para desenvolver-se (falta sobretudo a vontade e a sinceridade das elites políticas). A perfusão da ajuda, injectando artificialmente muito dinheiro nestes países, constitua uma renda que desvia as elites locais do seu dever de reformas, de correcções dos problemas económicos e de proteção social. A ajuda externa torna-se uma incitação a governos corrompidos a não assumir suas responsabilidades. Em 1990, Jean-Christophe Rufin não dizia outra coisa no seu ensaio de 1990, quando ele escrivia que o micro-projeto permanece uma perfusão malsã. A maioria do tempo, formulava ele, « os micro-projetos são eficientes: construir pequenas barragens, cavar poços, sanear pontos de água, constituir dispensários rurais, traz benefícios incontestáveis ». No entanto, ele ainda acrescenta: « A dimensão que eu quero sublinhar nesta religião do micro-projeto, é a resignação. Quase não tenho nenhum exemplo de programa deste tipo que não vem substituir-se a uma autoridade local deficiente, hostil ou corrupto.. [...] O micro-projeto é uma maneira não de corrigir os abusos políticos ou económicas mas de os compensar. »
Segundo ponto problemático, no objetivo de 0,7% do PNB dedicado à ajuda, é sobre as modalidades de realização da ajuda: sobre quais setores ela deve ser prioritária? Quem deve a receber (o governo, as ONG locais, as autarquias, etc.? Isto tudo, um número (0,7%) não o diga. Grandes projetos mal pensados podem ser bem contra-produtivos. Adivinha-se por exemplo que subvenções importantes dadas a uma sociedade civil embrionária e sem experiência de gestão de projeto pode provocar a morte de muitas associações, desvias, um sentimento de concorrência no tecido associativo, etc.
Este objetivo de 0,7% traduz uma visão contabilista do desenvolvimento, que deve servir a comunicação dum mundo generoso (o do Norte) com um mundo em necessidade (o do Sul). A União europeia não é o único financiador a perpetuar este desequilíbrio, mas é um dos exemplos mais caricaturais. Porque frente à inadequação dos atores locais com as normas e os critérios europeus, em vez de perguntar-se se estas mesmas normas são relevantes, a resposta da União europeia é de formar os atores locais aos processos administrativos europeus. Em vez de interrogar-se sobre o carácter inadaptado dessas normas, a resposta é de « profissionalizar » os atores locais, de os modelar à nossa imagem. Entender: tornar os atores locais uns provedores de serviços eficientes, capazes de gerir os fundos europeus prometidos em negociações comerciais.
O mais patético sendo que, continuando a correr atrás das subvenções e da ajuda, as ONG (locais e internacionais) confortam os próprios financiadores nas suas posições. Uma atitude, corajosa mas sã, seria pelo contrário de boicotar os fundos dos financiadores – pelo menos logo que eles impõem processos administrativos demais, e uma concepção própria do vocabulário a usar e do tipo de projetos a propor.
As ONG : provedores de serviços numa « economia do desenvolvimento »
« Beneficiários » de projetos que pedem uma compensação (um « incentivo ») para qualquer hora de mobilização, mesmo quando é para assistir a uma atividade na qual eles são beneficiários gratuitamente, atores locais em perpétua procura de fundos aos pês dos financiadores estrangeiros que impõem suas normas; indivíduos formatados e que adoptaram o vocabulário « projetos de desenvolvimento », conceitos e referências (OMD, OSD, etc.) repetidos como se fossem as Tábuas da Lei… Isto tudo, uma pessoa que já trabalho no setor da cooperação internacional deve o conhecer. E este dia-a-dia da ajuda pública ao desenvolvimento pode deixar um profundo sentimento de mal-estar, por ter colocado os « beneficiários » numa posição de perpétuos requerentes, e por ter criado papagaios, sem espirito crítico, muitas vezes sem honra frente aos financiadores e sem visão além da duração dum projeto e dos seus financiamentos. Quando uma cooperação ou uma ONG oferece uma « compensação » financeira para motivar pessoas a vir assistir a uma atividade ou a uma formação (uma prática generalizada), podemos perguntar-nos: quem ajuda quem? Será que os « beneficiários » não são na verdade os financiadores, que precisam ser visíveis para justificar os orçamentos e mostrar que fazem coisas com resultados que podem ser avaliados.
A crítica do sistema de cooperação internacional, cada um pode o entender, é complicado porque toda uma economia existe à volta dele. Sem tomar em conta todos os « serviços e produtos derivados » do mundo da cooperação: bandeiras, crachás, mochilas, blocos de cadernos, canetas, locação de hotéis, serviços de restauração, etc. Será que uma ONG típica, cujos empregos, os custos de funcionamento e a visibilidade dependem das subvenções de financiadores como as agências ou os serviços de cooperação ou de desenvolvimento (AFD, GiZ, JICA, SCAC, etc.) ou a Comissão europeia, será que ela terá interesso em criticar explicitamente as modalidades de aplicação da ajuda pública ao desenvolvimento? Será que ela até tem interesso em ver o seu país sair do sistema de ajuda externa, e ver a ajuda diminuir? Os países chamados subdesenvolvidos constituem mercados a partilhar-se, e as ONG são provedores de serviços. Entende-se perfeitamente que os atores duma tal economia não podem ser os artesãos da sua desaparição, e então duma desprogramação da ajuda, que no entanto seria desejável se queremos uma emancipação real destes países. Aliás, seria interessante avaliar, no total da ajuda pública ao desenvolvimento, a proporção que volta de fato, pelos salários e outros custos de funcionamento, nos bolsos de atores trabalhando nas estruturas financiadores (ONG, serviços de cooperação e institucionais, gabinetes de consultoria, etc.). Provavelmente uma parte considerável, que permitiria relativizar os valores da ajuda apresentadas pelos generosos financiadores.
Muitos exemplos, qualquer seja as escalas, atestem do paradoxo da ajuda pública, suposta servir o desenvolvimento dos países « beneficiários », mas muitas vezes definida fora das fronteiras dos próprios, avaliada por iniciativa dos financiadores e por eles. Tomamos o exemplo das políticas de apoio ao desenvolvimento local, num país relativamente estável como a República islâmica de Mauritânia: a lei sobre a descentralização prevê a criação de Conselhos de Concertação Cidadã (CCC) em todas as autarquias municipais (para representar a sociedade civil ao nível local) e a sua contribuição ao plano de ação do Município – declinado no Plano de Desenvolvimento Comunal (PDC). O simple fato que uns CCC sejam ligados a tal ou tal ONG (por exemplo vai se falar do « CCC World Vision » ou do « CCC Ecodev ») que supervisou sua criação; ou que a produção do PDC seja quase sempre enquadrado por consultores externas ou uma ONG; isto tudo já é problemático. E a aparição de novos conceitos como o de « apropriação » pelos atores locais, são ironicamente reveladores deste paradoxe: se é preciso uma boa apropriação dum projeto de apoio pelos próprios beneficiários, quer dizer que o problema já começa desde o início, pois os projetos não nascem onde e como deve ser.
Os efeitos perversos veem-se nas grandes estruturas como o Programa Alimentário Mundial (PAM), a União europeia, as cooperações, etc. mas também nas ONG de desenvolvimento como Save the Children, Ação Contra a Fome, Oxfam, etc. Ou até em ONG menores. Só os valores mudam, mas até as ONG que pretendem ter uma forte implantação local adaptam seus objetivos e suas práticas às exigências e às normas dos diferentes financiadores, profissionalizam seus modos de ação e de funcionamento, e favorecem carreiras no setor da ajuda externa.
A continuidade da administração colonial, ou a marca dum paternalismo persistente
Questionamo-nos sobre o papel dos cooperantes na configuração da ajuda pública ao desenvolvimento: a França, cujos funcionários do antigo Ministério da Cooperação tinham ficados entre os murros do Ministério das Colônias, não tinha mais « agentes coloniais ». Em vez disso, o que tem? Uns expatriados, que beneficiam ainda dum estatuto privilegiado (financeiramente e socialmente), e que têm por função de enquadrar a organização dos serviços públicos das antigas colônias (ou até de assumir a gestão desses mesmos serviços, se o Estado não o faz). A exploração dos recursos do país pelo seu antigo colonizador não mudou fundamentalmente, excepto de ela ser um pouco mais aberta à competição com outras potências que reclamam seu pedaço no bolo africano.
Sejam os expertos técnicos da cooperação institucional ou as ONG de desenvolvimento (que muitas vezes dependem das subvenções destas mesmas cooperações institucionais), todo este pequeno exército trabalha em vez das autoridades locais, dá-lhe lições, influença a ação pública, acompanha sistematicamente qualquer reforma setorial e qualquer reflexão estratégica sobre o futuro do país, assume missões de serviço público (ou os enquadra). Esta presença questiona, porque é a reminiscência (ou a continuidade?) da administração colonial que já enquadrava, há décadas, a ação pública, os serviços de base e o desenvolvimento local nas colônias. É pelo menos o caso na ideia de « desenvolver » o país, de ajudar-lhe a « entrar na História », na ideia que os habitantes precisam obviamente da nossa presença e que ela é neutra, sincera e legítima. A perspectiva do desenvolvimento substitui-se simplesmente à da « missão civilizadora ». Aliás, uma parte do vocabulário da cooperação é o mesmo daquele usado no tempo colonial, até a primeira metade do século XX; com a sua conotação religiosa ou que pretende-se intemporal: fala-se de missões, de missionários, de seminários, de cooperantes, de objetivos do milenário. Até a expressão « ajuda ao desenvolvimento » pode questionar-se, porque ela impede a crítica: pois como se pode, por princípio, criticar a « ajuda » ? Por definição, ajudar as pessoas constitue uma ação louvável. No entanto, esta missão « desenvolvimentista » que nos atribuímos supõe incontestavelmente uma forte representação paternalista, ou racista, que não mudou realmente desde o tempo colonial.
No seu livro O estranho destino de Wangrin (1973), o escritor Amadou Hampaté Bâ descreve os colonizadores europeus como pessoas de poder mas que não controlem o país conquistado (a história situa-se em África ocidental, em particular no Mali) e que têm que apoiar-se nos colaboradores locais que abusam deste desconhecimento para enriquecer, influenciar, etc. Esta configuração não mudou muito: muitas vezes, os cooperantes baseiam suas ações em agentes locais nos quais eles não confiam realmente, que eles pensem manipuladores (ou sabem que são), mas eles precisem ainda deles porque mal conhecem a sociedade (e suas línguas) na qual eles cheguem.
A presença de milhares de cooperantes em África não parece questionar muito. E, coisa mais estranha ainda, quase ninguém propõe a solução contrária, ou seja, enviar estudantes, trabalhadores ou funcionários africanos, asiáticos ou latino-americanos para Europa formar-se, aprender um emprego, ganhar competências. Esta abordagem foi bastante usada pelo bloco socialista durante a Guerra Fria: muitos africanos tiveram a oportunidade, antes de 1991 e a queda da União soviética, de ir morar em Europe central ou de Leste, e cada um descreve esta experiência como muito rica, apesar dos resultados económicos não serem bem avaliados e que eles mudam de um país para o outro – uma constatação que já tínhamos feito num artigo de 2017: « Madgermanes »: a injustiça dos retornados da Alemanha de Leste permanece. Acrescenta-se muitas vantagens que apresenta em si mesmo a viajem: a descoberta duma outra cultura, a experiência profissional ou universitária num âmbito diferente, os encontros humanos, a aprendizagem duma outra língua, a oportunidade de criar-se uma rede de contactos ao nível internacional, etc. Porquê estas vantagens são reservadas a cooperantes de países do Norte? Cooperantes que, muitas vezes, fortes do seu sentimento de superioridade, não aproveitam plenamente da sua presencia num outro continente, e interessem-se mais em curtir como se fosse um ano de troca universitária (com noites a beber e voltas turísticas) do que a descobrir o país (que, ironia, eles são supostos « ajudar »).
Neste mundo do espetáculo, a postura superiora, convencida, paternalista, de « pequeno chefe local » adoptada por muitos cooperantes, fortes das suas posições de intermediários entre os financiadores e os « beneficiários », é obviamente choquante. Cooperantes cuja motivação pode claramente ser questionada, além do salário sobre-elevado que eles recebem (em particular se é comparado com o nível de vida local), contando com a opinião muitas vezes detestável que eles têm sobre os países onde eles morram – eles às vezes os « locais » que nem selvagens preguiçosos. É revelador constatar a contradição entre o discurso, o espírito apresentado pela cooperação internacional, e o comportamento no dia-a-dia dos agentes desta mesma cooperação, em relação aos habitantes do país hospedeiro: práticas visando a evitar no quotidiano o contacto com os habitantes do país (nos lugares de consumo ou de lazer, nos transportes públicos, etc.), péssima integração e recuso de aprender as línguas do país (isto até vale quando o conhecimento dum dialeto local ajudaria a carreira em ONG ou em cooperação), prática mal escondida de prostituição, etc.
Consolidar as crenças dos Ocidentais, sobre a uma suposta superioridade do Norte
A diferença salarial tem um papel importante, mas não se pode excluir uma outra possibilidade, o fato de muitos « expatriados » e outros agentes da cooperação serem predispostos a abusar da sua posição (geralmente como Brancos), em sociedades não-ocidentais onde os estereótipos permanecem. É o mesmo racismo sutil que justifica que nesses países, um Branco será recrutado mais facilmente que um outro. O setor do ensino privado em África é emblemático, pois acha-se lá muitos jovens vindos de Europa ou de América do Norte, sem qualificação apropriada, ensinar a turmas de pré-primária, de primária ou de colégio – onde os diplomas e uma sólida experiência são pedidos aos Africanos. O postulado de competência, de rigor, e até de honestidade dos Europeus é muito bem instalado nas mentalidades.
No entanto, Europa e Estados-Unidos têm seus problemas e precisariam desta energia que constituam os atores da cooperação. Constata-se projetos de apoio inovadores, sobre a participação dos habitantes à vida pública local, sobre a expressão da juventude, nos países chamados sob-desenvolvidos, que até em Ocidente mal se realizam. Ninguém imaginaria ver Africanos vir partilhar tal experiências ou saberes em Europa. A imagem do mundo não-ocidental é ainda muito aquela dum universo onde a tradição, o folclore, as crenças ancestrais persistam e dominam. Então estamos longe de imaginar os habitantes do Sul vir nos aprender coisas!
Outro sintoma deste complexo: é óbvio que o principal ou até o único modelo dos países africanos e do mundo da cooperação ainda é demasiado limitado à Europa, em termos de desenvolvimento. Os Estados africanos foram construídos sobre o exemplo dos Estados europeus, as orientações políticas africanas sucedem em geral de alguns anos aquelas observadas na Europa; exemplo ilustrativo, ao processo de descentralização em França nos anos 1980 sucedeu processos similares nas antigas colônias francesas desde os anos 1990. E no entanto, países asiáticos ou latino-americanos desenvolveram desde muito tempo iniciativas e soluções inovadores sobre questões políticas, sociais e ambientais, que responderiam provavelmente duma melhor forma às preocupações dos países de África, quebrando este monopólio de « mundo ideal » simbolizado pelo continente europeu.
Este olhar sobre a África, as suas sociedades, sobre a ajuda externa, base-se numa visão etnocêntrica caracterizada por uma forme de desprezo e de paternalismo. Além do racismo intrínseco que ela supõe, esta leitura questiona, e deve até questionar o Ocidente: pretendendo sair a África da sua situação, a ajuda pública ao desenvolvimento nos permite em grande parte evitar uma reflexão ou uma auto-crítica sobre nós mesmos. Ela consolida o nosso sentimento segundo o qual o nosso sistema política, económica e social é bom, pois ele inspire outros povos, pois ele ainda é um modelo para todo um continente.
O fiasco da ajuda pública ao desenvolvimento: a ilusão dum emancipação possível
Pode-se dizer sem abuso demais que a maioria dos países africanos não são realmente independentes, e que a ajuda externa contribui muito a esta situação. Ela constitui uma renda fácil para muitos regimes corruptos, que não se incomodem por deixar atores estrangeiros explorar os recursos da nação, na base do desprezo pelas populações e pela meio ambiente. É vergonhoso ver todos anos celebrar as independências de tantos países, sem reflexão nenhuma sobre o carácter real da emancipação. Em antigos artigos, já tínhamos tratado das razões da situação complexa, alimentada pela realidade das fronteiras herdades da colonização, de economias ancestrais destruídas, de modelos políticos importados (Desenvolvimento e identidades na África: a chave não entra na fechadura!); os Europeus têm uma responsabilidade histórica, mas é preciso também sublinhar o papel catastrófico assumido pelas elites africanas neste sistema global, onde elas participam ao desenraizamento do seu povo e à exploração do seu país.
Cheios de boas intenções, os projetos financiados pelas agências da ONU e outras cooperações estrangeiros multiplicam-se desde décadas em todo o continente, africano. Aqui na região de Maputo, em Moçambique, um projeto de látrinas financiado pela cooperação francesa em 2014.
O que aconteceria amanhã, em caso de desprogramação da ajuda pública ao desenvolvimento? Advocacias neste sentido aparecem cada vez mais, mesmo vindo de Africanos. Podemos mencionar o livro Dead Aid (2009), escrito pela economista zambiana Dambisa Moyo. Apesar de ela limitar-se a chamar a uma integração total da África ao sistema económico e financeiro mundial – e não a ver o continente sair deste sistema –, ela traduz um cansaço sobre a situação, que não permite a este continente de acabar com seus problemas estruturais mais violentes, nem de inventar-se um destino.
O caso do Ruanda é interessante. Em 2012, os Estados-Unidos e o Reino-Unido, apesar de serem aliados de Kigali, e a seguir a Alemanha, a Holanda, a Suêcia e a Comissão europeia, suspenderem suas ajudas a esse país. Em causa, o apoio de Kigali ao grupo armado M23 que cria uma situação de terror em República Democrática do Congo (RDC). Esta decisão provocou logo a falta, neste pequeno país, apenas saido das consequências do genocídio de 1994, de uns 75 milhões de dólares (57,8 milhões de euros), enquanto as despesas do Estado eram assumidas por 48% por transferências externas. O Ruanda escolheu então, sob pressão (com a perspetiva dum déficit enorme) criar um fundo de desenvolvimento, chamado Agaciro, e de pedir a contribuição do povo ruandese por via bancária ou por SMS. O resultado está longe de ser perfeito, se observamos as fortes desigualdades sociais e o intervencionismo do país na RDC vizinha, mas o Ruanda é hoje apresentado como um exemplo em vários setores, por exemplo no digital. Além disso, é um dos Estados do continente os menos corruptos, no quarto lugar segundo a classificação de Transparency International de 2017; no entanto, não deixa de estar no 48° lugar ao nível mundial – a trás do Botswana (34° lugar ao nível mundial) as Seicheles (36° lugar) e o Cabo Verde (47°). Enfim, isso tudo mostra que a saída da ajuda não significa necessariamente um desastre humanitário, inclusivo quand ela se faz de maneira brutal, num contexto pós-conflito e num país geograficamente encravado, sem litoral.
A desafio de substituir a ajuda não está resolvida, mas é preciso questionar-se e procurar pistas de desenvolvimento, outras que ou a ajuda externa, ou o acesso aos mercados financeiros. Mal pensado, o debate que apareceu em 2017 sobre a saída dos países da África ocidental da zona do franc CFA é necessário e até pode permitir a criação duma moeda ainda comem mais melhor para as economias locais. Soluções existem. Há apenas mais dum ano, Stella Agara, militante do Kenya envolvida na luta contra a evasão fiscal e vice-presidente da organização African Youth Trust, estava em Bruxelas onde, referindo-se a um relatório da União africana (produzido pela Comissão Mbeki) relativo aos fluxos financeiros ilegais que saiam da África; lá, ela lembrou que o continente perde o equivalente de três vezes a ajuda ao desenvolvimento que recebe. O principal problema é a evasão fiscal das multinacionais, pois o fenômeno representava então 60% das percas – contra entre 12 e 15% para a corrupção, e o resto para as péssimas praticas comerciais. A Uganda por exemplo perdeu mais de 350 milhões de dólares da empresa Heritage Oil, registrada na Ilha Maurice... Um valor mais elevado que o próprio orçamento da Saúda do país.
Os sistemas alternativas, no Norte como no Sul, oferecem-nos pistas à escalas de proximidade: moedas locais, sistemas de troca, etc. Outros ainda são para inventar, e o gênio humano nos dá o meio de o fazer. A final, nenhum país emancipará-se e melhorará a situação dos seus habitantes de maneira sustentável, na harmonia, se certas condições endógenas não são reunidas: um governo e autoridades públicas estáveis e tendo uma visão clara e séria para o país; uma segurança jurídica (para os investidores nacionais e estrangeiros); uma geração de jovens educados (e então um sistema de educação eficiente e adaptado às realidades locais); um certo grau de liberdades individuais e coletivas; etc. As ajudas externas, uma vez estas condições reunidas, aparecem secundárias.
Pessoas envolvidas na cooperação internacional sempre vão achar exemplos de projetos que, ai e ali, permitiram melhorar a vida das pessoas. A questão não é esta. O inferno é pavimentado com boas intenções, e a colonização no século XIX até o ilustrou. A realidade é esta: o sistema de ajuda, junto com a exploração dos recursos naturais da África, representa um freio profundo à emancipação dos povos deste continente e mantém uma administração local corrupta. Cooperantes e outros « militantes » de ONG podem sair da Europa com uma grande sinceridade (mas como o fizeram também certos colonizadores ou missionários há um século), no entanto, a ajuda perpetua uma situação onde se observa empregos com nível de vida sobre-elevado, ocupados por pessoas que têm interesso em a manter (e então em ver os países beneficiários precisaram do nosso « apoio »).
Se analisamos os valores da ajuda pública ao desenvolvimento, aparece obviamente que os resultados não são bons... E não o serão amanhã. Quase 60 anos depois das independências, pensar a desprogramação da ajuda tornou-se uma necessidade para (começar a) sair desta situação desequilibrada, construída já faz tanto tempo entre o Ocidente e os países ditos do Sul. Nos anos recentes, apenas o presidente Nana Akufo-Addo, chefe do Estado do Gana desde 2017, exprimiu, em Dezembro de 2017, durante a visita do presidente francpes Emmanuel Macron no seu país, a sua rejeição da permanência da ajuda pública ao desenvolvimento, chamando a uma emancipação da África do sistema desequilibrado atual. De fato, o Ruanda já emancipou-se bastante da dependência em relação à ajuda externa, e apresenta-se como um modelo por muitos Africanos, embora a prosperidade desse pequeno país tem bases geopolíticas que poderiam ser analisadas com um olhar muito crítico, em particular em relação à situação da República democrática do Congo vizinha. Por enquanto, geralmente, estamos longe de uma perspetiva concreta e global de saída do sistema implementado desde as indepêndias africanas.