A Europa frente à democracia (1/2): anos depois da rejeição da Constituição europeia e da crise grega, quais consequências a longo prazo, quais responsabilidades?
Ao contrário das suas promessas, as presidências Sarzoky e depois Hollande não reequilibraram o poder na UE em favor da França. Sob o mandato Sarkozy (2007-2012), a União para o Mediterrâneo (2008), mal pensado aos seus inícios, queria redinamisar as relações da França com uma zona de influência onde ela é susceptível de tornar-se predominante: a Europa do Sul e a África do Norte, em primeiro lugar. Mas esse projeto viu rapidamente as suas ambições reduzidas frente às reticiências de Angela Merkel. Sob a presidência Hollande, a renegociação do Pacto orçamental europeu (assinado em 2 de Março de 2012) não demorrou muito. Tal como Sarkozy em 2011, a passividade de Hollande permitiu à Alemanha, ao BCE e à Comissão de manter, em 2015, uma postura inflexível, em particular com a Grécia.
Na União Europeia, as relações de poder prevalecem
Pelo menos desde o seu início, a construção europeia sempre foi promovida em nome de um ideal de paz e de fraternidade entre as nações. Cada povo seria livre e igual nesse projeto bonito cujo alvo é nos unir a cerca de uma estrutura superiora sem no entanto negar as nossas identidades nacionais. Um concerto de nações em paz e organizado num quadro democrático. Uma só voz unida para falar fora do continente.
Obviamente, há uma diferença entre esse ideal e a realpolitik, que impõe-se sempre. Logo nos primeiros anos da construção europeia, o projeto comunitário foi levado principalmente pela França e o seu novo aliado oeste-alemão. Norte-americanos e Britânicos apoiaram a constituição de um Estado federal na parte Loeste da Cortina de Ferro, para melhor enfrentar a ameaça comunista. Naquela altura, do ponto de vista francês, o projeto comunitário deve permitir-lhe controlar melhor a resurreção alemã. Para a Alemanha como para a Itália, o objetivo é duplo, fazer esquecer os seus crimes, e reintegrar a paisagem política europeia pela normalização das suas relações com os seus inimigos de ontem. Durante trinte anos, a França foi a potência dominante dessa Europa nascente. Pois três países sobre seis, entre os fundadores, tinham como língua oficial o francês, a França era então o país o mais povoado da comunidade, e era a potência geopolítica a mais influente desse novo conjunto político; até as normas jurídicas europeias inspiravam-se então muito do direito francês – um legado ainda visível atualmente na área da Justiça europeia. A saída da França do comando integrado da Organização do tratado do Atlântico Norte (OTAN) em 1966 até ilustrava uma vontade de independência em relação ao gigante norte-americano. É para preservar essa situação privilegiada que o presidente Charles de Gaulle recusou duas vezes a entrada do Reino-Unido nas Comunidades.
A França perdeu gradualmente essa vantagem. Dois referendos simbolizam esse declínio relativo, validado pelo corpo eleitoral: o de 1972 que autorizava a integração do Reino-Unido na Comunidade Econômica Europeia (CEE), e o de 1992 que aprouvou (por poucos votos) a ratificação do tratado de Maastricht, permitindo assim a adaopção da moeda única. No contexto da reunificação alemã (1990) e de alargamento para o Leste (queda da Cortina de ferro em 1989, início das negociações de adesão em 1997, adesões em 2004, 2007 e 2013), a maiora parte da classe política francesa, que tinha receios em ver a dominação alemã frente a uma França em declínio industrial, acreditou que podia limitar a potência de Berlim reunificada pelo resforçamento da construção europeia, e que assim, o projeto de moeda única evitaria o jogo da concurrência entre as moedas. Mas os alargamentos têm um impacto sobre a própria essência da União Europeia, porque eles reequilibram as relações de poder no continento, em favor de uma Alemanha mais povoada, maiora, beneficiando de uma posição central na Europa de hoje, e aproveitando uma mão de obra barata, qualificada e agora integrada à economia de mercado. A isso acrescenta-se, claro, a influência cultural que a Alemanha (e a Áustria) tel sobre toda a Europa central, oriental e os Balcãs.
Em 9 de Dezembro de 2013, Emmanuel Todd, convidado num canal público francês (France 2), explicou assim que « as coisas inverterem-se. Antigamente, a Europa tinha sido construido com a ideia de uma coletividade de proteção. [...] A Europa, com no seu coração o euro, recriou situações de competição [...] máxima. Algo um pouco parecido com o efeito do padrão-ouro antigamente. » O etnólogo e historiador francês acredita que essa situação se deve a uma dupla política europeia, validade pelas instituições europeias mas também, claro, pelas classes dirigentes nacionais: o desaparecimento das fronteiras comerciais comuns, que faziam da Europa uma área de proteção para os seus cidadãos; e o euro, que consagra a dominação econômica e financeira de Berlim, num contexto em que as empresas alemãs instalaram-se muito na Europa de Leste, a sua zona de influência privilegiad
. « A rigidez das concepções europeias, a rigidez do euro, faz que a Europa lança as nações europeias, que permanecem muito diferentas, umas contra as outras. [...] O princípio da concurrência, do livre-comércio generalizado, dramatizado pela criação do euro e a rigidez monetária, fez da Europa uma espécie de terreno de batalha onde nações [...] enfrentam-se em termos de potência. [...] A Europa tornou-se exatamente o oposto do que ela era no início. Há uma potência dominante que é a Alemanha. Há o seu brilhante segundo, cujo o acordo permite à Alemanha de controlar e de martirizar os paises do Sul... Tornou-se um mundo hierárquico. Falar da relação à União Europeia é ridículo. Deveríamos falar da relação da França à Alemanha. » Pessoas na classe política francesa já falam a alguns anos disso, por exemplo em França, Jean-Luc Mélenchon, à esquerda, ou ainda Nicolas Dupont-Aignan, à direita. Claro, o ex-Primeiro ministro grego (Europa central e oriental, Balkãs), a França se concentra laboriosamente na sua dupla zona de influência: o espaço do Mediterrâneo, e mais amplamente a África francófona.Mal pensado logo no seu início, o projeto de
proposto por Nicolas Sarkozy em 2008 ia nessa sentido, mas quase foi nati-morto diante da relutância da chefe do governo alemão, e foi definitivamente esquecido após as revoltas da Primavera árabe. Para não se atolar numa lógica de blocos que consistaria em opor-se a Paris, a Alemanha deve rever um mínimo a sua política econômica e aceitar de revisitar a política monetária. Ela deve entender que o empobrecimento avançado da « Europa do Sul » não é no seu interesse, primeiro porque o essencial do seu comércio fazem-se no âmbito da União Europeia; segundo, porque esses paises importam muitos produtos alemãos; e finalmente porque, claro, uma subida do ódio anti-alemão em paises como a Grécia, a Espanha e o Portugal não é, a longo prazo, uma vantagem. Nem para as empresas alemãs, nem para os cidadãos alemãos. Mas o executivo alemão não modificará as suas práticas de governo nem o seu dogmatismo a cerca dos critérios de Maastricht (que impõe a todos um certo rigor orçamental) sem pressão da única das três potências europeias que, tal como a Alemanha e o Reino-Unido, tem a força de fazer efeito de alavanca sobre os outros Estados membros, ou seja, a França. A democracia europeia não será uma realidade enquanto relações hierárquicas entre as nações existêm, pois o próprio ideal europeu, se quiser ser democrático, é incompatível com essa realidade.União Europeia e Zona euro em 2015. Desde a sua criação, a Zona euro alargou-se. Depois da adesão da Slovênia em 2007, de Chipre e Malta em 2008, e da Slovaquie em 2009, os três países bálticos adoptaram o euro: a Estônia em 2011, a Letônia em 2014 e a Lituânia em 2015. Membro em 1 de Janeiro de 2001, a Grécia constitui apenas 3% da população da Zona euro, e uns 2% do PIB. A França representa mais de 19% do PIB da Zona euro, a Alemanha 28% do PIB.
A democracia europeia não renasceu em Atenas
Em 2014 como em 2019, alguns partidos tentaram revitalizar a democracia europeia durante as eleições do Parlamento europeu, por exemplo organizando alguns debates entre representantes das listas europeias, mas essas confrontações foram (muito) pouco seguidas pelos cidadãos, e certos debates (por exemplo os entre Jean-Claude Juncker, conservador do Luxemburgo, e Martin Schulz, socialista da Alemanha, em 2014) foram marcados por a sua baixíssima qualidade. Além disso, a campanha eleitoral de 2019 conclui-se pela nominação de Ursula von der Leyen, em vez de Manfred Weber, embora foi esse que conduziu a lista conservadora do Partido popular europeu (PPE); foi o resultado da pressão do presidente francês Emmanuel Macron, o qual, deixando de lado o princípio que é o partido vitorioso que designa o novo presidente da Comissão (tinha sido o caso pela primeira vez em 2014 com Jean-Claude Juncker, do PPE), privilegiou a discussão entre chefes de Estado e de governo europeus para escolher uma pessoa mais consensual
embora Weber e von der Leyen são ambos membros do PPE. Os resultados mostraram a desilusão dos cidadãos, primeiro com níveis de participação fracos: 43,10% em 2009, 43,09% em 2014, 50,63% em 2019. Segundo, com o sucesso crescente dos partidos opostos à União Europeia, ou até à construção europeia, por exemplo Podemos na Espanha e Syriza na Grécia em 2014, o partido UKIP (em 2014) e o Partido do Brexit (em 2019) no Reino-Unido, a Frente nacional (FN) que chegou em primeiro lugar em 2014 e 2019 em França, ou ainda a Liga na Itália em 2019... Pior, quando a participação aumentou um pouco, entre 2014 e 2019, isso traduziu-se com uma fragilização dos dois partidos centrais, o Partido popular europeu e o Partiso socialista europeu, em número de eurodeputados.Além das insatisfações em relação a um modelo político que só convem aos partidos do bloco central (conservadores, socialistas, liberais), esses resultados ilustram também o fato que o nível nacional permanece, do ponto de vista dos povos, a escala relevante através o qual a democracia deve exprimir-se e ser vivida, e onde a soberania popular tem sentido. É probabelmente também por isso que os Gregos deram ao partido de esquerda radical Syriza uma maioria, em 2015. Devido às humilhações e aos planos de rigor impostos, o povo grego, consciente no entanto que o novo governo não resolveria todos os problemas, enviou uma messagem forte a Bruxelas, a Francfort e aos parceiros europeus: a sua dignidade e a sua capacidade a decidir coletivamente o seu destino estavam em jogo. Os dirigentes europeus, e em primeiro lugar o governo alemão, não quiserem ouvir. Por isso abriu-se um confronto durante a maiora parte do ano de 2015, entre as instituições europeus e Atenas. Ou seja, entre o símbolo da burocracia que impõe-se em todo lugar, em nome de um ideal confiscado e de imperativos financeiros contestáveis, e a expressão da soberania popular, os representantes de um povo que tinha multiplicado os sacrifícios desde 2009-2010.
As negociações eram sobre o desbloqueio, para o fim do mês de Junho, de uma parcela de ajuda de 7,2 bilhões de euros, enquanto o governo tinha que reembolsar 1,6 bilhões de euros na mesma altura. O presidente da Comissão Europeia recomandou então à Grécia cortos orçamentais de um valor de 3 bilhões de euros, e excedentes primários elevados. Os debates concentraram-se sobre os cortos, a redução da função pública e o regime das reformas. Atrás: a questão ainda não resolvida da viabilidade da dívida grega (180%). Muitos economistas denunciaram então a ineficiência econômica e orçamental das medidas de rigor, o risco de incumprimento da Grécia sobre a Zona euro, e os impactos da intransigência dos credores sobre a democracia, na Grécia mas também no resto da Europa. Em 5 de Julho de 2015, Aléxis Tsípras consultou por referendo os Gregos sobre o novo (e terceiro) plano de rigor que queriam impor os credores da Troïka: BCE, Comissão Europeia, FMI. Por 61,31% dos votos (com 62,50% de participação), os Gregos disseram então um « não » claro aos credores europeus e internacionais.
Em 13 de Julho de 2015, foi finalmente aprovado o famoso terceiro « plano de ajuda » entre a Troïka e a Grécia, com um valor de 86 bilhões de euros, uma primeira parcela sendo dada logo no outono de 2015. O antigo ministro das Finanças grego (2015) Yánis Varoufákis, na Grécia, e Jean-Luc Mélenchon, líder da esquerda soberanista em França, denunciaram, a seguir dessa sequência, Nós imaginamos criar, clandestinamento, contas de reservas ligadas a cada número fiscal, sem o dizer a ninguém, explicou então Varoufákis. Ele acrescentou que era uma obrigação para ele, dadas a responsabilidade do ministério grego das Finanças naquela altura, e as pressões da Troïka relativas às liquidezes.
O problema de Aléxis Tsípras é que ele procurou negociar com os meios de um país que representa menos de 2% do PIB da Zona euro, ou seja, servindo-se da ferramenta do referendo para pressionar os seus interlocutores da Troïka. Mas, encurralado, ele não quiz assumir o risco de uma saida precipitada da moeda única, muito perigosa para a economia grega, com potencialmente faltas de pagamento em séries e um colapso do sistema bancário grego. Isso mostrou que um país como a Grécia, sozinho, não pode reorientar a política econômica da União Europeia e os seus regulamentos orçamentais estabelecidos desde o tratado de Maastricht (1992). Diante da impensa grega, Tsípras declarou então: « Eu assume a responsabilidade dos meus erros e omissões. Mas assinar aquele acordo, era a minha responsabilidade. Embora eu não concordo com ele, pessoalmente. Eu não tinha escolha. » A nenhum momento, o governo alemão, a Comissão Europeia, o BCE ou o FMI mudou a sua postura em relação à Grécia
3 de Abril de 2016, Wikileaks revelou uma conversa entre dois responsáveis do FMI, que explicam estarem prontos, para conseguir um acordo europeu e impor a Atenas as reformas desejadas, a colocar o país numa situação de incumprimento. Além disso, muitos denunciaram o autoritarismo do que foi ministro das Finanças alemão entre 2009 e 2017, Wolfgang Schäuble, que pressionou de maneira incrível o governo grego para impo-se nas discussões.
Menos de um ano depois dessa sequência dramática para a democracia europeia, na noite do 24-25 de Maio de 2016, após umas dez horas de negociações, um novo acordo tinha sido definido em Bruxelas entre o governo grego e a Troïka sobre duas questões importantes: o desbloqueio de novas parcelas de empréstimo a Atenas, e uma redução da dívida grega. Em consequência, uma parcela de empréstimo de 7,5 bilhões de euros foi dada logo em Junho de 2016, uma outra no outono do mesmo ano, portanto um total de 10,3 bilhões. O objetivo foi novamente de evitar o incumprimento do Estado grego, que tinha que reembolsar em Julho de 2016 mais de três bilhões de euros ao Banco Central Europeu. Ainda ai, nas condições dessa « ajuda », havia a privatização de muitos ativos públicos pelo governo Tsípras, em particular no setor da energia. Desta vez, o governo grego podia pelo menos anunciar ter conseguido uma redução da gigantesque dívida nacional (180% do PIB), concedida pelo Eurogrupo, mas que só era então garantida até o final do ano de 2018, ou seja até o final do calendário do terceiro plano de ajuda
o processo anunciava-se muito complexo, com compras e captas obrigatárias europeias. Obviamente, isso não compensava as novas medidas de rigor impostas ao povo grego desde 2009. Por lembrança, quando tinha sido negociado o segundo « plano de ajuda » à Grécia, em outubro de 2011, a Troïka já tinha negociado com o governo de Atenas, então dirigido pelo socialista Giórgios Papandréou, um abandono pelos bancos privados de 50% da dívida pública que eles detinham. Passos importantes mas sempre insuficientes, enquanto a extrema-esquerda grega reclama há anos uma restruturação profunda da dívida do país, e a sua anulação parcial.Por lembrança, em Março de 2015, Zoé Konstantopoulou, então presidente do Parlamento grego, lançou uma comissão de auditoria para « analisar a origem e a história da dívida grega ». Composta por péritos e representantes da sociedade civil e dos movimentos sociais, ela tinha como objetivo analisar o raiz da dívida e as razões do seu aumento, determinando em particular se uma parte estava ligada a casos de corrupção, a taxas de juro excessivos, ou a decisões que não iam na direção do interesse geral. Um ano mais tarde, em 1 de Março de 2016, um encontro chamado « Restruturação da dívida
Encontro da democracia » aconteceu em Bruxelas, na presença de muitos membros dessa comissão. Enquanto todos os paises submetidos a « memorandums » (planos de austeridade) eram obrigados a auditar a sua dívida pública (Regra 472/2013 relativo ao resforçamento da supervisão econômica e orçamental dos Estados, imposta pela UE), Zoé Konstantopoulou declarou-se decepcionada por ver o governo grego, agora submetido à Troïka, adoptar uma postura negativa em relação a essa comissão de auditoria sobre a dívida, constatando que « o relatório da Comissão para a verdade sobre a dívida grega assustou os credores ». Ironicamente, a Grécia é o único Estado que realizou uma tal auditoria, enquanto a Comissão Europeia nunca menciona essa obrigação. « Uma parte [da] dívida é ilegítima ou ilegal, concluiu ainda Konstantopoulou, logo em Junho de 2015. Em relação a casos de corrupção, certos casos já são conhecidos e implicam os governos gregos anteriores. Mas muitas vezes, têm a ver também com empresas alemãs », como Siemens, acusada por ter pago subornos a muitos partidos políticos.A União Europeia, uma grande máquina esclerótica
O contexto de planos de austeridade impostos em muitos países da Europa deveria ter incentivado alguns deles a pressionar a Comissão Europeia e os Estados como a Alemanha para aceitar uma reforma das regras orçamentais em vigor, ainda mais num contexto econômico mundial que induzia a necessidade de investimentos públicos importantes para compensar os então reduzidos investimentos privados. Mas à pusilanimidade da classe política desses países, acrescentou-se um dogmatismo absurdo relativo aos critérios de Maastricht, teoricamente obrigatórios na Zona euro. Entre os Estados que entraram naquela Zona desde a sua criação, em 1999, os que recorrerem à Troïka conhecerem todos mudanças políticas profundas na década de 2010: na Irlândia (colapso dos trabalhadores e dos conservadores ao benefício dos critãos-democratos liberais); na Itália (sucesso do Movimento 5 Estrelas que acabou chegando ao poder em 2018, e da extrema-direita representada pela Liga); na Grécia (onde, entre outras coisas, Syriza governou entre 2015 e 2019 e substituiu-se ao PASOK como grande partido de esquerda); e ainda na Espanha (onde durante alguns anos a coligação Unidos Podemos concurrenciou o Partido socialista, onde se viu pela primeira vez um partido de extrema-direita, Vox, entrar no Parlamento, e onde o principal movimento conservador, o Partido popular, é claramente concurrenciado pelo partido Ciudadanos).
Mudar a orientação orçamental da Europa necessita uma ampla coligação capaz de pressionar o governo alemão. E só a França é que tinha uma capacidade de criar uma tal coligação, devido ao peso demográfico, econômico e político que ela tem na UE. Após a presidência Sarkozy (2007-2012), o presidente socialista François Hollande falhou uma ocasião excepcional de renegociar os tratados europeus. Ele logo capitulou em 2012, quando foi eleito, aceitando sem realmente o contestar o Pacto orçamental europeu (tratado sobre a estabilidade, a coordenação e a governação, assinado em Março de 2012). O ano 2015 poderia ter sido um momento chave: com a chegada no poder de Aléxis Tsípras, em Janeiro, a aliança das esquerdas portuguesas (Partido socialista, Bloco de Esquerda, Coligação Democrática Unitária) em Outubro, e o bom resultado de Unidos Podemos (que poderia logo ter escolhido uma aliança com o Partido socialista obreiro espanhol) na Espanha em Dezembro
na Itália, Matteo Renzi, presidente do Conselho de centro-esquerda liberal (Partido democrata) entre 2014 e 2016, não aparecia então como um aliado seguro para pressionar a Alemanha, apesar da austeridade imposta ao povo italiano.Mas nada disso. Em França, a maioria socialista não soube basear-se na sua potencial influência numa « rea » de influência mediterrâneo para balançar a dominação da Alemanha e dos seus aliados da Europa central e do Norte (Finlândia, Holanda, Áustria, Eslováquia, etc.). Com a reeleição de Angela Merkel em 2017, e a eleição em França de Emannuel Macron, adepto da austeridade orçamental e do liberalismo, obviamente podemos considerar a configuração de 2015 como excepcional
e como fazendo parte do passado. Isso, apesar da chegada no poder do Movimento 5 Estrelas na Itália, da aliança das esquerdas espanhois (socialistas com Unidos Podemos), ambos em 2018, a reeleição do governo socialista em Portugal em 2019. Sem pressão sobre a Alemanha para mudar as regras, não há refundação democrática possível.É preciso reconhecer que as linhas moverem-se (um pouco) após a crise. Desde o final do ano 2015, o BCE iniciou uma mudança de política monetária, e em Março de 2016, o então presidente do BCE
É todo o sistema europeu que tem que ser revisitado, além das urgências orçamentais que impõem-se na atualidade, como foi o caso em 2011 com a Grécia, o Portugal e a Itália por exemplo, ou ainda com a Grécia em 2015. A crise da democracia europeia tem pouca chance de ser resolvida com os dirigentes atuais. A consequência direta é a subida dos « populistas », o que se traduz às vezes por um novo fôlego democrático, como na Grécia e na Espanha com Syriza e Podemos (apesar das limitas encontrados por esses dois movimentos desde 2015, e sobretudo desde 2019), e outras vezes com um sucesso crescente de partidos nacionalistas e até xenófobos, como em França ou na Itália. Sem mudanças anunciadas, podemos supor agora que as situações de desesperança social e a degradação das relações entre governos e cidadãos vão acentuar-se, afectando a própria ideia de democracia, como também o ideal da construção europeia.
Para aceder à segunda parte do artigo: A Europa frente à democracia (2/2): França em 2005, Reino Unido em 2016: quais lições tirar do voto das categorias populares sobre a União Europeia?