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O acendedor de lampiões

Como acabar com os dramas da imigração no Mediterrâneo?

10 Mars 2021 , Rédigé par Jorge Brites Publié dans #África, #Europa

Em 19 avril de Abril de 2015, aconteceu um drama terrível do Mediterrâneo: à noite, um barco virou-se, transportando migrantes clandestinos, provocando a morte de mais ou menos 800 pessoas. Oito centos infelizes que foram embora para sobreviver ou ter perspetivas de futuro. Qualificado de « pior hecatombe jamais vista no Mediterrâneo » pelo Alto-Comissariado pelos Refugiados (ACR) da Organização das Nações Unidas (ONU), essa sequência relançou então na Europa o debate sobre a luta e a gestão, aparentemente ineficientes, dos flucos migratórios ilegais. Desde então, as chegadas vindo da África e do Oriente-Médio conhecerem um forte declínio, no entanto os dramas continuaram a adicionar-se, sejam à chegada da Espanha, da Grécia, da Itália, ou ainda de Malta... Ontem, em 9 de Março, o Conselho da Europa publicou um relatório alarmista que aponta do dedo a « falta de vontade dos Estados europeus » para estabelecer políticas de proteção, provocando assim a morte de « milhares de vidas humanas ». Expulsões de embarcações, aumento dos naufrágios, etc.: a situação dos migrantes que atravessam o Mediterrâneo deteriorou-se ainda em 2020, diz o relatório, que faz o balanço da implementação das recomandações que a instituição europeia já tinha publicado em 2019. Portanto o constato é claro: « A situação dos direitos humanos na região mediterrânica permanece deplorável », e « ainda deterirou-se ». O Conselho da Europa estima que a retirada gradual dos Estados europeus tem como objetivo « aumentar a possibilidade » que as pessoas no mar sejam interceptadas pelos guarda-costeiras líbios e reconduzidos no seu país, apesar das « gravas violações dos direitos humanos » cometidas contra as e os migrantes. Ilustração de uma ausência de reforma da política migratória e de acolhimento desde o drama de Abril de 2015. As « rotas migratórios » mudam, muros são edificados, países intermediários são mobilizados. E o problema permanece.

Podemos começar lembrando que a questão do controle dos fluxos migratórios clandestinos é debatida desde a criação da União Europeia (UE) e do espaço Schengen no início da década de 1990, enquanto observou-se um fortalecimento das fronteiras exteriores. Sem surpresa, para um conjunto de países construindo um espaço comum de livre-circulação das pessoas, e constituindo um área de liberdades políticas, economicamente atrativa. No entanto, esse debate, na Europa, base-se às vezes em exagerações e em mentiras. Segundo a agência europeia Frontex, o número de chegadas ilegais identificadas às fronteiras europeias conheceu uma queda importante nos últimos anos. Muito dependante do contexto internacional, as viajens clandestinas passaram de 160 000 em 2008 para 104 600 em 2009, 104 000 em 2010, conheceu um aumento em 2011, com 141 000, após as revoluções na Tunísia, na Líbia e na Síria, para diminuir de novo com 73 000 chegadas em 2012. Subiu de novo em 2013, com 107 000 migrantes, e de novo um aumento impressionante em 2014: 274 000 entradas ilegais na Europa. Em 2017, já tinha passado a 150 000, o número o mais baixo dos cinco últimos anos. O estudo das estatísticas de Frontex no longo prazo não justifica o barrulho ouvido nas últimas décadas sobre uma suposta invasão contínua de migrantes.

Em direção da Europa como de outras regiões da África, a emigração clandestina africana criou um mercado lucrativo para o tráfico de seres humanos, estimada a 765 milhões de dólares por ano na única rota transaariana. Uma parte considerável deste valor alimenta os grupos extremistas criminais e violentos que usam os fundos para destabilizar os governos. Além disso, as rotas migratórias constituem um teatro permanente de violências, de maltratamento e de extorsão dos migrantes, sem esquecer os muitos mortos por causa das condições de viagem e das estratégias de evitamento das autoridades. Em Dezembro de 2019, contava-se uns 17 000 mortos registrados no Mediterrâneo desde 2014, o que mostra que a situação não melhorou desde o naufrágio do barco em Abril de 2015. Contudo, sabendo que segundo a ONU, a mortalidade nas rotas migratórias terrestres em África seria duas vezes mais elevada que aquela observada nas rotas marítimas, a ausência de debates nas sociedades africanas sobre a gestão dos fluxos migratórios intra-africanos e sobre o tratamento dos migrantes clendestinos pelas suas forças de ordem, tem como deixar perplexo. Ainda mais nos países do Magrebe, onde os testemunhos de racismo e de violência contra os moradores e os migrantes subsaarianos são frequentes. De maneira muito emblemática, lembra-se de cenas relatadas de Marrocos por Médicos sem fronteiras (MSF) em Outubro de 2005, de centenas de clandestinos (entre 500 e 2 400, segundo as fontes) que acampavam à borda dos presídios de Ceuta e Melilla, e que as autoridades tinham trazidos em autocarro até Al-Auina Sauatar (aldeia localizada a mais ou menos 500 km de Ujda, perto da fronteira argelina), antes de os abandonar em pleno deserto, sem água nem comida. Ou ainda, mais recentemente, as imagens de verdadeiros « mercados de escravos », na Líbia, relatadas por jornamistas de CNN em Novembro de 2017. Na Mauritânia, por fim, as políticas de Estado com alvo oficial favorecer o emprego de nacionais em certos setores profissionais são regularamente a causa de tensões diplomáticas com o Senegal, país cuja os cidadãos morando na Mauritânia são de fato os mais em vista das medidas discriminatórias adoptadas por Nouakchott (na área da pesca por exemplo).

A ideia de uma Europa paradisíaca que seria sempre desejada pelos Africanos é por grande parte alimentado pelo barrulho mediático. O número impressionante de chegadas de migrantes entre 2014 e 2016 explica-se pela multiplicação e a permanência de conflitos à volta do Mediterrâneo (Líbia, Síria, e um pouco mais longe Iémen, Iraque, Somália...). A resolução desses mesmos conflitos teria provavelmente reduzido muito as partidas, pelos países vizinhos em primeiro lugar (Líbano, Jordánia, Tunísia, Turquia, etc.) e pela Europa finalmente. Pois, dadas as condições de viajem, são raros aqueles que vão-se embora por prazer.

Se Bruxelas tentou várias vezes pretender essencial a cooperação com os países de partida e intermediários, de fato, os Estados-membros concentram-se principalmente e antes de tudo sobre o resforço das suas fronteiras. Após tomadas de medidas ao nível do Mediterrâneo (Espanha, Itália, Grécia principalmente), os Europeus satisfazem-se e eles o fazem à muito tempo  da delagação do controle dos fluxos migratórias a países autoritários situando-se às margens geográficas do espaço Schengen. Porque não temos diretamente as mãos sujas, temos a consciência tranquila. A criação do centro de retenção de Nouadhibou, o acordo de repatriação dos imigrantes ilegais assinado em 2003 entre a Mauritânia e a Espanha, e o acordo « de regulação e de gestão dos fluxos migratórios » de Agosto de 2007, também assinado entre Nouakchott e Madrid, constituiram um primeiro exemplo desse tipo de processo, enquanto a partir de 2007-2008, a implantação da Guardia Civil espanhola, a qual formou muitos guarda-fronteiras mauritanos, permitiu diminuir drasticamente o número de partidas em canoa desde o Senegal e a Mauritânia. (Contudo, podemos notar que recentemente, o fortalecimento dos controlos no Mediterrâneo motivaram novos migrantes a tentar a rota pelas Canárias, dado que os barcos saiam de cada vez mais longe, desde o Senegal, para evitar as autoridades espanhóis, portanto com um amento dos riscos de drama.) Outro caso famoso, em Novembro de 2010, Mouammar Khadafi tinha negociado o seu papel de guarda-fronteiras da União Europeia contra um cheque de 5 bilhões de euros. Desde Março de 2016, a União, na continuidade de Berlim, troca com a Turquia o acolhimento dos Sírios e dos Iraquianos por três « presentes »: 6 bilhões de euros de ajuda, um acordo sobre os vistos para os Turcos que querem ir no espaço Schengen, e a continuação das negociações de adesão de Ankara à UE. (Um acordo que nos deixa muito vulnerável em relação à Turquia, como o ilustrou, em Março de 2020, quando o presidente turco Recep Tayyip Erdogan ameaçou de abrir as fronteiras e até deixou naquela altura passar migrantes em direção à Grécia chantagem com alvo obter um apoio dos países europeus para conter a ofensiva que estava então conduzindo o regime de Bachar el-Achad contra os grupos rebeldes apadrinhados por Ankara e presentes na província síria de Idlib.)

O Níger também está no centro das estratégias anti-terrorismo e de controle dos fluxos migratórios. Uns 13 000 policiais, guarda-fronteiras e guardas nacionais foram formados lá por uma missão da UE, Eucap Sahel Niger, desde 2012; no centro do país, em Agadez, intersecção à entrada do deserto, a Organização internacional para as migrações (OIM) e o Alto-comissariado da ONU pelos Refugiados (ACR) instalaram, respectivamente, um centro de acolhimento dos migrantes expulsos da Argélia e da Líbia em 2016, e um acapamento para Sudaneses que pedem asilo e que foram maltratados na Líbia. A lei do 26 de Maio de 2015 relativa ao tráfego ilegal de migrantes, votada em Niamey sob pressão europeia (e por parte redigida por funcionários franceses), e que destabiliza os trafégos de migrantes no norte do Níger, é o resultado da agenda de 2015 da Uniao Europeia em termos de migração e da cimeira de Valetta aquele ano. Podemos lembrar que, na capital de Malta, os Vinte e oito confirmaram então querer externalizar a sua luta contra a imigração, em troca de valores consideráveis (dois bilhões de euros); por isso foi criado o Fundo fiduciário de urgência (FFU), por o qual o Estado do Níger, dirigido desde 2011 por Mohamadou Issoufou, recebeu 266,2 milhões de euros em três anos.

As evoluções frequentes das rotas migratórias ilustram esse fenômeno de luta contra os fluxos por medidas puramente de segurança. Das ilhas Canárias na década de 2000, passamos por Lampedusa, na Itália, e depois pela fronteira entre Grécia e Turquia. Quando os controles foram resforçados lá, os migrantes passaram pela Bulgária vizinha, ou pelas ilhas do mar Egeu. Em 2012, o caminho o mais usado pelos migrantes indo para a Europa passava da Turquia pela Grécia. Aquele ano, recenseou-se 37 224 migrantes a passar por lá, entre os quais contava-se uma maioria de Sírios e de Afegãos. A seguir, era a rota do Mediterrâneo central, que liga a África e a Itália e Malta, com, em 2012, 10 379 chegadas contadas. A rota pelos presídios de Ceuta e Melilla, antigamente muito usado, conheceu só 6 397 entradas ilegais em 2012, ou seja, menos do que então os Balkãs, Croácia e Grécia sobretudo, que totalizaram 11 893 entradas. No entanto, a pressão migratória não se evalua só às entradas ilegais. Pois muitos migrantes morrem antes de atingir a Europa. Desde 1992, até recentemente, o número sempre aumentou cada ano. Entre 1992 e 2000, a organização não-governemental (ONG) United Against Racism identificou 2 150 mortos desse tipo. Entre 2000 e o início de 2015, a iniciativa Migrant Files recenseou 23 258 mortos no Mediterrâneo, ou seja, dez vezes mais. E ainda recentement, segundo a OIM, apenas no ano 2020, são pelos menos 1 200 migrantes que afogaram-se, tentando entrar por via marítima para a Europa.

Os migrantes são desumanizados para tornar-se estatísticas

Os desastres como o naufrágio do barco em Abril de 2015 nos fazem lembrar que atrás das estatísticas que nos são comunicados constantemente, escondem-se milhares de seres humanos com percursos individuais diversos e muitas vezes trágicos e infelizes. Por isso, essas pessoas têm direito ao respeito e à dignidade. A atitude adoptada pelos Vinte e oito nos últimos anos é assustadora. Alguns elementos permitem esclarecer isso: após a tragédia de Lampeduza em 3 de Outubro de 2013, ou seja, o naufrágio de um barco com 500 migrantes (366 morreram), a Itália lançou uma operação militar e humanitária Mare Nostrum, em 15 de Outubro do mesmo ano 2013. O objetivo: salvar os migrantes clandestinos no mar. Depois de um ano, ela foi substituida pela operação Triton, dessa vez implementada por Frontex mas muito menos ambicioso. Contentava-se de patrulhar nas águas territoriais italianas, e não tinha mandato nem equipamento para proceder a operações de busca e de salvamento em alto mar. A lógica atrás dessa mudança: Mare Nostrum foi julgada caro demais por uma parte da classe política italiana, por ser quase só assumida pela Itália. Sobretudo, as operações de salvamento era denunciadas pelos Vinte e oito como constituindo um incentivo à partida dos migrantes.

Era então necessário limitar os salvamentos (ou seja: deixar as pessoas afogarem-se) para dissuadir os migrantes de tentar a travessia. Em 24 de Abril de 2015, a autora franco-senegalese Fatou Diome, convidada num canal TV público francês (France 2): « A União Europeia, com as suas frotas de guerra, com a sua economia [...] se quiséssemos atacar os nossos países, aqui no Ocidente, haveria maneiras de se defender. Portanto se quiséssemos salvar as pessoas no Altântico, no Mediterrâneo, faríamos isso. Porque os meios que colocamos para Frontex, poderíamos os usar para salvar as pessoas. Mas esperamos que eles morram primeiro. Acredita-se que deixar morrer é uma ferramenta de dissuasão. E vou vos dizer uma coisa: isso não dissuade ninguém. Porque alguém que vai e que considera a eventualidade de um fracasso, esse pode achar o perigo absurdo, e portanto evitá-lo. Mas aquele que vai pela sobrevivência, que considera que a sua vida não vale nada, esse, a sua força é incrível porque ele não tem medo da morte. »

Como acabar com os dramas da imigração no Mediterrâneo?

Claramente, essa abordagem limitou a política europeia a uma função absurda de simples vigilância passiva, e a tornou então cúmplice de possíveis desastres. Uma não-intervenção criminosa. E foi preciso a morte de quase 800 pessoas, em 19 de Abril de 2015, para finalmente ver os Estados membros da União Europeia revisitar a sua estratégia. No entanto, muitas sequências, como o governo que juntou na Itália, em 2018-2019, o Movimento 5 Estrelas (M5S) e a Liga, com o ministro do Interior Matteo Salvini, mostraram que a questão do acolhimento dos migrantes cria muitos debates e polémicas; o referendo organizado na Hungria em 2016, que exprimou um grande receio em relação à imigração, foi um outro exemplo disso. Perdida entre um discurso muito anti-imigração e um outro indignado por causa do destino trágico de certos migrantes, é preciso constatar que a Europa, esquizofrênica, não encontrou uma resposta revelante ao desafio migratório. Ainda hoje, as lógicas nacionais prevalecem nas iniciativas coletivas, deixando muitas vezes os partidos populistas e anti-UE dominar o debate.

Para lutar contra a prosperidade dos circuitos clandestinos de migração, a urgência dos Vinte e oito foi de formular uma resposta para responder ao fenômeno de forma direta e brutal. Em 23 de Janeiro de 2015, em Bruxelas, a decisão foi tomada: haverá uma operação europeia no Mediterrâneo para tentar desmantelar as redes de traficantes. Os ministros europeus dos Negócios estrangeiros validaram sem esperar uma eventual resolução da ONU. A operação iniciou-se em 2015, com o quartel-general localizado em Roma. No entanto, a sua base jurídica permaneceu frágil enquanto o Conselho de segurança das Nações Unidas não se pronunciou. Antes disso, foi necessário a validade das autoridades líbias, que permanecem divididas entre um governo instalado em Tobrouk e um outro com sede em Tripoli. Em Fevereiro de 2017, foi o próprio governo italiano que concluiu com os guarda-costas líbios um acordo permitindo à Itália de enviar os refugiados neste país, onde, contudo, as ONG denunciam regularmente torturas e exacções.

Nessa cimeira europeia, quatro objetivos foram definidos em relação à política migratória. Primeiro, o fortalecimento dos meios financeiros e materiais das operações de vigilância marítima Poseidon (implantada na Grécia para vigiar os fluxos migratórios vindo da Turquia) e Triton, com « pelo menos um dobramento em 2015 e 2016 », segundo um projeto de texto publicado pelo jornal francês Le Monde em 24 de Abril de 2015. Segundo objetivo: um projeto-piloto de acolhimento de 5 000 refugiados, atualmente nas acapamentos pertos da Síria. Nesses dois primeiros objetivos, a questão do grau de participação de cada membro foi problemático. Terceiro objetivo: « Impedir os fluxos de migrantes », trazendo um apoio ao Egito, à Tunísia, ao Sudão, ao Mali e ao Níger. O quarto eixo tem a ver com a luta contra os traficantes e as suas redes. O texto, muito vago nesse ponto, evocava um « esforço sistemático para identificar, capturar e destruir » os barcos, no âmbito de uma operação « de acordo com as leis internacionais ». Uma eventualidade que suscitou muitas críticas das ONG que trabalham nessas questões, que afirmavam que tais operações colocam em perigo a vida dos migrantes.

Outros esforços eram pedidos aos membros da União Europeia: essencialmente, era para melhorar a coleta de informações sobre as organizações criminais que prosperam no comércio migratório. O papel de Europol (a agência europeia de polícia) seria fortalecida, começando com a sua missão Jot Mare cujo objetivo era desmantelar as redes. A coordenação entre diferentes agências europeias (entre as quais Frontex, para a segurança marítima, ou também Eurojust, para a cooperação judiciária) também foi debatida. O objetivo da UE é entender melhor as redes de contrabandistas, identificar as suas modalidades de ação para os desmantelar, atacar os seus bens e julgar os seus responsáveis.

Além da questão militar, colocou-se a « questão dos cotas » (ainda, o vocabulário dos nossos dirigentes, reutilizado pelas mídias sem questionamento crítico, traduz uma abordagem puramente contábil), ou seja, da repartição dos requerentes de asilo entre países europeus. A Comissão propôs a instauração de cotas obrigatórios com alvo uma certa solidariedade entre Estados-membros para o acolhimento dos refugiados. Esse mecanismo toma em conta a população, o PIB, a nível de desemprego, o número de requerentes de asilo recebidos desde 2010, ou ainda o número de refugiados reinstalados em cada Estado. Só funcionaria em caso de chegadas muito importantes de requerentes de asilo (noção que fica para definir), para pessoas cuja necessidade de proteção é claro. Nesse âmbito, a França, por exemplo, acolheria 14,17% dessas pessoas (2015).

O sistema de repartição tem a ver com candidatos que supostamente têm grandes chances de ganhar o estatuto de refugiados. Os Sírios e os Eritreus, entre outros. Essa maneira de organizar o acolhimento de potenciais refugiados acontecia pela primeira vez na Europa. Até então, só o regulamento Dublim III de Junho de 2013 prevalecia. Um regulamento muito criticado porque ele colocava a carga toda nos países do Sul da Europa: os primeiros onde chegam as requerentes de asilo são responsáveis pelo exame do pedido. O sistema de cotas proposto pela Comissão instaurou portanto um quadro derrogatório ao regulamento de Dublim, mais virado na solidariedade pois ele supõe a repartição da carga do acolhimento à escala comunitária.

Outra inovação representando um passo importante na solidariedade « Norte-Sul »: Bruxelas desejava igualmente que os Estados envolvessem-se em programas de reinstalação que permitem transferir na Europa pessoas já refugiadas em países pertos das áreas de conflito. Pensa-se, claro, no Líbano que acolhe quase 1,3 milhões de refugiados sírios. A Comissão propôs de apoiar a reinstalação de 20 000 refugiados por ano, e estava pronta a colocar para isso 50 milhões de euros em 2015-2016. A repartição faria-se na mesma lógica das cotas, mas com base voluntária.

Claro, vários países recusaram então, em 2015, o sistema de cotas, como o Reino-Unido (pela voz da sua então ministra do Interior, Theresa May, futura Primeira ministra), com a França, a Espanha, o Dinamarca, a Hungria, a Polônia, a República tcheca e a Eslováquia. O argumento principal sendo que os migrantes que tentam vir na UE atravessando o Mediterrâneo devem ser retornados, e que capacitar-se para melhor receber migrantes incentivaria mais pessoas a arriscar a sua vida.

Certamente, com a base jurídica usada pela Comissão (artigo 78 – parágrafo 3 do tratado sobre o funcionamento da UE) para elaborar sua proposta, ela podia limitar-se a uma maioria qualificada dos Estados membros para adoptar o sistema de cotas, a negociação política foi muito difícil, e aliás, os países membros do grupo de Visegrád: Polônia, Eslováquia, Hungria e República tcheca, sempre o recusaram. Os países que recebem mais requerentes de asilo como a Grécia e a Itália, mas também a Alemanha, apoiaram esse sistema.

Dois eventos foram muito ilustrativos das dissensões entre Estados membros. O primeiro foi a cimeira europeia do 26 de Junho de 2015, que ilustrou de novo a falta de solidariedade entre Estados membros e a estratégia « torre de marfim » da União Europeia. De fato, foi decidido limitar ainda as condições de acolhimento, e que as pessoas que terão uma reposta negativa ao pedido de estatuto de refugiado seriam trazidos de volta no seu país de origem. Além disso, a Comissão não conseguiu então impor a sua lógica e a repartição vinculativa dos 40 000 que pediam o estatuto de refugiado, na Itália e na Grécia. Essa repartição foi portanto organizada, mas sem nenhuma obrigação – embora a formula vale envolvimento vinculativo, segundo as fontes europeias então citadas pelas agências de informação. O segundo evento ilustrativo, foi a organização pelo governo de Viktor Orbán de um referendo, em 2 de Outubro de 2016, sobre o sistema de cota previsto pela UE; os votantes negaram esse sistema por 98,36% (com 44,08% de participação).

O que podemos notar, é que é preciso haver um sistema de solidariedade vinculativo para que o esforço seja mais partilhado entre os Estados membros. Por lembrança, o Reino-Unido (até a sua saída da UE), a Irlândia e o Dinamarca tinham de qualquer maneira a possibilidade de não participar a esse sistema. À final, esse sistema, mesmo quando foi adoptado, nem foi implementado realmente por muitos países, inclusive a França, que no entanto não tinha muitas pessoas a acolher, em relação ao seu peso demográfico e econômico na UE. Os episódios com barcos como o Aquarius ou o Lifeline, em 2018 ou 2019, num contexto de política migratória fechada organizada pelo ministro do interior italiano Matteo Salvini (2018-2019), ilustraram mais recentemente as dificuldades sempre consideráveis para coordenar as estratégias de acolhimento na UE.

O tratamento da imigração clandestina: o perfumo nauseante da insinceridade e do racismo

Claro, há muitas exagerações sobre as chegadas de migrantes na União Europeia. E é preciso lembrar que 80% do acolhimento de refugiados é assumido por países africanos e asiáticos. Por exemplo, quase um milhão de pessoas fugiram a Líbia após a revolução de Fevereiro de 2011, mas só 18 000 delas atingiram a Europa, o resto sendo repartido entre a Tunísia (530 000) e o Egipto (340 000). Néao houve solidariedade dos Europeus em relação aos Árabes que tinham realizado insurrecções democráticas ou fugido ditaduras e conflitos. Os países vizinhos como a Tunísia, a Turquia, a Jordánia e o Líbano é que suportaram a maioria da carga do acolhimento, alguns deles sendo ao mesmo tempo num processo revolucionário semelhante. Isso, enquanto certas ditaduras tinham sido apoiadas pelos próprios países europeus.

Esse tratamento mediático e político inadaptado acrescenta-se de uma falta de meios de acolhimento dos migrantes. Construir muros e arames farpados, colocar câmeras de vigilância com detedores de calor e de movimentos, caçar pessoas que fugem a miséria ou a guerra e atravessam distâncias incríveis, expostas às violências e aos abusos dos traficantes, tudo isso é obviamente indigno e remove toda a humanidade aos pessoas em questão. Ainda mais porque o prismo « racial » está, claro, em questão, como o sublinhava, de novo, a autora Fatou Diome, no mesmo canal TV já mencionado: « Certamente, há mortos, mas eu queria sublinhar uma coisa. O discurso [anti-imigração] permanece legítimo enquanto a África fica em silêncio. E eu hoje, eu queria indignar-me pelo silêncio da União africana. As pessoas, que morrem nas praias – e eu medo as minhas palavras –, se fossem Brancos, a Terra inteira estaria tremendo. São Negros e Árabes. Então eles, quando morrem, custa menos. » A incapacidade de acolhimento na Sicília, em Lampeduza, nas Canárias, em Ceuta e em Melilla, não deve esconder o trabalho importante dos salvadores e das autoridades locais que pedem a ajuda dos parceiros europeus, no entanto a situação deve chamar a nossa atenção sobre a vontade real ou não da Europa de gerir essa questão sem esperar novos dramas.

De fato, as tragédias afetam relativamente pouco as agendas políticas e mediáticas, dado o número de mortos e os dramas individuais que o contexto induz. O ambiente instaurada pelos discursos e o tratamento político das questões migratórias é execrável. Nisso, a presidência francesa de Nicolas Sarkozy (2007-2012) foi muito ilustrativa, pois, além da criação de um Ministério da Imigração, da Integração, da Identitade nacional e do Desenvolvimento solidário entre 2007 e 2010, o antigo chefe do Estado multiplicou sob o seu mandato os discursos provocadores: o de Dakar sobre « o homem africano » em 2007, ou ainda o de Grenoble sobre a imigração (em particular a dos Roma) em 2010, cujo o fio condutor foi uma sutil mistura de amálgamas grosseiros e de observações xenófobas emprestadas à extrema-direita. Um ambiente péssimo estabelecia-se.

Acrescentou-se depois o « crime de solidariedade », ainda sob a presidência Sarkozy. Inscrito na lei sobre a entrada e a estada dos estrangeiros, é aplicado a toda pessoa « que teria, por ajuda direta ou indireta, a entrada, a circulação ou a permanência irregulares, de um estrangeiro em França », proibindo assim a todo mundo de ajudar um clandestino no território, mesmo permitindo-lhe simplesmente recarregar o seu telefone ou dando-lhe comida. Enfim, essa lei, que previa uma sentença de até cinco anos de prisão e uma multa de 30 000 euros, tinha a ver tanto com as redes de contrabandistas como com voluntários e cidadãos lambda. Essa disposição, introduzida de fato nos regulamentos franceses por um decreto-lei de 1938, tinha sido adoptada num clima histórico particularmente xenofóbico. O alvo não era só perseguir os « comerciantes » da imigração clandestina, mas também de intimidar as pessoas que frequentem os estrangeiros em situação irregular e que escolhem simplesmente de os ajudar no dia a dia. Tal como as leis proibindo a ajuda aos escravos que fugiam nas colônias norte-americanas, ou aos judeus durante a Segunda Guerra mundial, uma tal medida contribuiu à desumanização das pessoas que estão em situação irregular no espaço Schengen, e cria de fato uma forma de caça aos clandestinos e incentiva a denunciação. Ela foi teoricamente suprimida por uma lei oficialmente efetiva em 1 de Janeiro de 2013 (pelo então ministro francês do interior Manuel Valls). E a decisão do Tribunal de cassação que abandonou parcialmente as cargas judiciárias sobre Cédric Herrou, que tinha ajudado em 2016 uns 200 Sudaneses e Eritreus (entre os quais, uns com menos de 18 anos) que tentavam passar a fronteira franco-italiana, baseava-se num princípio de direito francês estabelecido pelo Conselho constitucional francês em 6 de Julho de 2018, o « princípio de fraternidade », que permitiu desde então outras libertações do mesmo tipo.

Mas os problemas de fundo não eram resolvidos, e associações continuaram mesmo depois a denunciar decisões arbitrárias das prefeituras. Além disso, todos os governos franceses permanecerem numa dupla lógica de abandono em relação a muitos imigrantes, legais e ilegais, no solo francês, e de dinâmica ativa de expulsões. A situação dos barcos (e das centenas de passageiros clandestinos) que são obrigados a andar de um porto para o outro até que os Estados europeus decidem-se a « partilhar-se » a carga do seu acolhimento, é simplesmente um vergonha para o continente europeu, que tem amplamente as capacidades humanas, materiais e financeiras de os receber e de tratar administrativamente o seu caso. Uma vergonha, tal como foi, em 25 de Outubro de 2019, a rejeição pela União Europeia de um texto resforçando o resgate dos exilados, notavelmente os no Mediterrâneo e que previua implementação de corredores humanitários e a abolição do « crime de solidariedade ». Um vergonha, tal como tinha sido também, em Junho de 2015, a decisão do governo da Hungria de construir arames farpados de 4 metros de altura sobre 175 quilômetros na fronteira com a Sérvia – uma decisão vergonhosa, mais também absurda, pois não impediu a passagem dos migrantes, apenas modificou de umas centenas de quilômetros a rota migratória dos Balcãs. Para o Primeiro ministro da Hungria Viktor Orbán, foi sobretudo uma ação de comunicação óbvia, para confortar o seu eleitorado. No final de Julho de 2014, é a Bulgária que acaba de erguer uma barreira de 33 quilômetros no longo da sua fronteira com a Turquia. A Grécia e a Espanha construirem muros similares para assegurar as suas fronteiras. Por lembrança, em 17 de Dezembro de 2020, a Hungria foi condenada pelo Tribunal de justiça da União Europeia por ter violado o direito europeu em matéria de asílio, com a implementação desde 2015 de « áreas de trânsito » à sua fronteira com a Sérvia – o Tribunal estimou que « a limitação de acesso ao processo de proteção internacional, a retenção irregular dos requerantes desta proteção em áreas de trânsito tal como a recondução numa área frontaleira de cidadãos de país terço em estadia irregular, sem respeitar as garantias relativas a um processo de retorno, constituem faltas ao direito da União », segundo um comunicado.

Certamente, em 23 de Setembro de 2020, a Comissão Europeia fez uma proposta de refundação completa da sua política migratória, em particular sobre a vigilância fortalecida das fronteiras externas da UE, sobre a reforma do asilo, sobre as reinstalação e os retornos, mas este novo pacto, resultado de longas negociações entre os Vinte e Sete cujos desentendimentos são no entanto óbvios (o ilustrou desde 2015, a incapacidade da Comissão a implementar uma política de cotas de reinstalações), não inclui o princípio de repartição obrigatória dos migrantes através toda a União. Além disso, pelo menos este plano apresenta a vantagem de reformar o princípio dito de regulamento de Dublim consistando a confiar ao primeiro país no qual o migrante penetra a responsabilidade de tratar o seu pedido de asilo  este princípio apresenta entre outros problemas a grande desvantagem de deixar à carga dos únicos Estados localizados à fronteira do espaço comunitário (Espanha, Itália, Grécia...) o essencial do tratamento das chegadas e dos pedido de asilo (no plano proposto pela Comissão, o país responsável do pedido de asilo poderia ser aquele no qual uma ou um migrante teria uma irmã ou um irmão, no quel ele trabalhou ou estudou, ou poderia ainda ser aquele que deu um visto a um migrante, fora desses casos, os países de primeira chegada permaneceriam encarregados de gerenciar os pedidos). Mas o acordo ainda é longe de ser adoptado por todos os Estados membros, em particular pelos países du grupo de Visegrád. (De fato, certas disposições do projeto de reforma da Comissão suscitam vivos debates, por exemplo o fato que é previsto que os migrantes secorridos no mar deverão ser acolhidos na UE e não mais retornados nos países de ida ou de origem; a Comissão recomanda também que os Estados membros não perseguem mais as ONG conduzindo missões de secorro no Mediterrâneo.)

Como acabar com os dramas da imigração no Mediterrâneo?

Num ensaio de 1990 reeditado em 2001, O Império e os Novos Bárbaros, o escritor francês (e antigo diplomata) Jean-Christophe Rufin tentou uma comparação entre os limites Norte-Sul (em particular o Rio Grande, no sul dos Estados Unidos, e o Mediterrâneo, no sul da Europa, e os muitos muros e barreiras que prolongam aquelas « fronteiras » naturais) e o limes romano, ou seja, o sistema de fortificações que estabeleceu às suas fronteiras o Império romano, entre os séculos I e V da nossa era. Fala mais globalmente de « ideologia do limes », constatando o seguinte: « Ao homem do Norte, a ideologia do limes oferece a coisa que ele deseja a mais no mundo: a segurança. Mas trata-se de um pacto. O norte, novo Faust, se ele quer a vida eterna deve o pagar por um renunciamento. Pode se tranquilizar, diz a voz tentadora, é pouca coisa. O sacrifício pedido não é bem considerável pois é a felicidade, a saúde, a vida dos outros, daqueles do Sul, que o pacto exige em troca. Quem não seria pródigo de um valor tirada na conta de um desconhecido? Se escrúpulo há, só pode ser moral. É exatamente isso o pacto. De um lado a segurança para o Norte, uma forma de eternidade e de o outro o simples abandono da justiça. »

O tratamento mediático e político da questão migratória é choquante, também porque a relativa prosperidade e atratividade da Europa base-se na relação desequilibrada que a Europa tem com muitos países africanos e do Oriente Médio. De fato, a riqueza do continente europeu base-se em grande parte na exploração antiga, ainda atual, dos recursos dos outros continentos, principalmente África, Ásia, e América latina. Importação de urânio, minerais e hidrocarbonetos, acordos comerciais desiguais, apoio a regimes políticos corruptos, permanência de bases militares franceses ou britânicas... A prosperidade e a potência da Europa alimentam-se das riquezas naturais e das fraquezas políticas do Sul. A força de trabalho dos próprios migrantes (clandestinos ou não) contribui a essa riqueza, todos os dias, na Europa mesmo. No entanto, na Europa, claramente não há nenhum reconhecimento em relação ao papel dos migrantes (e dos Africanos em geral).

Além disso, convem lembrar que muitas das situações de crises ou de guerras foram causadas, diretamente ou indiretamente, pelo Ocidente. A Europa, pelas suas pretenções pós-coloniais, seu intervencionismo diplomático e militar, e muitos dos seus apoios geopolíticos, contribui ativamente a alimentar os conflitos que provoquem a partida dos refugiados. O sistema auto-alimenta-se: as intervenções conduzem a deslocamentos, que deixam os Europeus apavorados e criam crises em outros lugares. Qual é o sentido e a coerência numa situação na qual, enquanto o Ocidente faz guerras destabilizadoras no Afganistão, no Iraque e na Líbia, a Europa estabelece muros para impedir as vítimas dessas mesmas guerras de entrar no seu território? Acreditar que esses muros resolverão esse problema é obviamente um erro, e a prova que esse é mal abordado.

Por lembrança, em 7 de Janeiro de 2015, o Alto-Comissariado pelos Refugiados publicou um relatório, anunciando que os Sírios, com três milhões de pessoas fora das fronteiras, tinham-se tornados a segunda maiora população de refugiados no mundo, atrás dos Palestinos (5 milhões). A final, fora da Turquia que está bastante envolvido na guerra, com intervenções diretas, os Estados que mais acolham esses refugiados são naturalmente os vizinhos que não participam mais da dinâmica da guerra: Líbano, Iraque, Jordánia... Os países europeus, fora da Alemanha e da Suêcia, receberem muitos poucos, os Estados Unidos e a Rússia ainda menos. Em muitos países europeus, o acolhimento foi péssimo, lento e laborioso, cada Estado querendo deixar para um outro a carga de receber essas pessoas. O caso da França, nesse assunto, foi uma vergonha, dado a sua capacidade de acolhimento e o número muito reduzido de migrantes que ela recebeu então. Em outros países, no Magrebe por exemplo, as condições de vida dos refugiados sírios foram um desastre, caracterizadas pelo racismo e a exploração: na Líbia, claro, mas também no Marrocos, na Tunísia e na Argélia. Muitos refugiados foram expulsos de lá em direção da Turquia. E muitas mulheres sírias foram obrigadas a casar-se para ajudar a sua família da miséria. Em Agosto de 2012, o caso de uma refugiada síria de 26 anos, violada no bairro da cidade de Oran (Argélia), ilustrou os abusos encontrados por essa comunidade, além dos casos de casamentos esforçados com ricos Sauditas vindo « às compras » nos acapamentos de refugiados na Jordánia, além das violações pelos militares turcos nos acapamentos à fronteira síria, etc.

Renovar os nossos postulados, as nossas grelhas de leitura, Europeus e Africanos

A abordagem da nossa classe política parece confortar a ilusão de uma Europa que constituiria uma área de paz e de prosperidade num mundo de guerras e de miséria. Mas não, a Europa, com o seu problema de representatividade das suas elites, e os seus milhões de pobres, não constitui um modelo a seguir, mas mais a mudar.

Infelizmente, essa imagem distorcida do Eldorado europeu é mantida por uma parte dos próprios migrantes, os quais voltam no país mostrando uma forma de luxo ilusório e escondendo as humilhações, a precariedade e a xenofobia.. Convidada num outro canal francês (Canal +) em 6 de Setembro de 2003, Fatou Diome, de novo, explicou muito bem essa realidade, em relação aos migrantes originários da África subsaariana: « É fácil chegar com um bom par de Nike, e umas boas calças "jean" muitas caras quando comemos maça e batatas todo o ano. É muito fácil fazer fantasiar jovens que nunca viram outra coisa do que o que aparece na televisão. Porque obviamente, não lhes mostramos a verdadeira vida dos imigrantes aqui. » Acrescentando depois: « Há pessoas que não sabem que não podem morar em qualquer lugar em França, que é muito caro e que não tem nada a ver com o nível de vida que temos no país; e portanto finalmente, é quase mais fácil de os ajudar a conseguir no país do que de os trazer aqui. [...] Penso que não são leis que vão mudar a imigração. É uma necessidade de franqueza dos próprios imigrantes. Eu, não tenho problema em dizer que fui empregada doméstica na Alsácia para pagar os meus estudos. E quando digamos isso, é verdade que perdemos brilho, não somos tão invejados, não somos tão admirados, não somos mais adorados. Mas por outro lado, expomos a verdade como ela é. »

Uma problemática que ilustrou bem a banda-desinhada Aya de Yopougon, a qual conta as histórias de três raparigas de dezenove anos, Aya e duas amigas, Adjoua e Bintou, num bairro de Abidjan (Costa de Marfim). No segundo volume publicado em Setembro de 2006, o personagem de Grégoire é a encarnação desse migrante que fala muito, que orgulha-se, que, retornado da França, brinca em gastar o seu dinheiro, atuando o rico homem de negócios, com o único alvo de curtir o tempo e as moças. Essa questão da história do migrante e do dever de verdade é ainda pouca abordada e no entanto importante em termos de representação. Pois poucos sabem, além do Mediterrâneo ou além do Atlântico, que a Europa conta mais pobres do que o próprio número de habitantes de muitos dos países de África, que morra-se na Europa pelo frio e desastres naturais e meteorólogicos todos anos, que milhares de pessoas estão sem casa lá, na solidão ou na depressão. Ou ainda que a crise econômica e social incentiva cada anos milhares de Europeus a deixar o continente para a América do Sul, a África ou a Ásia.

As vagas migratórias em direção da Europa fazem do continente europeu o destino mais mortal do mundo. Por isso, a agência europeia de vigilância das fronteiras, Frontex, concentra as críticas em relação à política migratória europeia. No entanto, a ausência de Frontex provocaria um retorno a políticas nacionais e o abandono de uma solução coletiva europeia. É preciso repensar Frontex para ela constituir um verdadeiro corpo europeu de guarda-fronteiras, com mais meios, autonomia e controle democrático, e uma formação comum. É preciso inscriver a questão das capacidades humanitárias de resgaste no mar e a facilitação do acolhimento dos requerentes do asilo no centro das preocupações, com uma ética compatível com os nossos valores.

Além de Frontex, é obviamente preciso rever a abordagem da Europa sobra as questões migratórias no seu conjunto. A facilitação da imigração legal e a abertura de centros europeus de pedido de asilo nos países de partida permiteria reduzir parcialmente a indústria dos contrabandistas que fazem passar migrantes clandestinos. Contudo, a imigração legal é atualmente objeto de ainda muitas restrições. Num contexto de crise econômica e social, e de desemprego, essa política fechada pode parecer relevante, mas ela base-se na verdade num postulado errado, segundo o qual os migrantes instalam-se sem perspetiva de retorno e permaneceriam imóveis depois da instalação. Na realidade, num mundo com fronteiras abertas, as pessoas fazem idas e voltas, reinvestem no seu país de origem – contribuindo ao seu desenvolvimento – e aproveitam oportunidades econômicas e sociais criadas pela mobilidade. Pelo contrário, é quando as condições de acesso são particularmente difíceis que os migrantes, uma vez chegados ao destino, dificilmente osam voltar no país. As restrições não resolvam os problemas de redes ilegais nem reduzem a pressão migratória. Elas criam no entanto ressentimento, pois dão aos países de chegada, a França em primeiro lugar, uma imagem de nações fechadas, racistas e inóspitas, enquanto os emigrantes franceses residentes em países do Sul beneficiam de privilégios óbvios, com tons pós-coloniais (Será que os « atores do desenvolvimento » devem rever o seu estilo de vida?).

Também é necessário revisitar os paradigmas que nos trazem a tratar da imigração como algo homogêneo e ameaçador. Por exemplo, é importante lembrar que os refugiados, os requerentes do asilo, são pessoas que inscrevem-se numa migração diferente da migração econômica. É importante lembrar 1) a diversidade das migrações, e 2) que imigrante não significa sempre estrangeiro, nem refugiado. A própria palavra imigrante traduz realidades extremamente diferentes. A mudança de abordagem é determinante para não cair numa psicose xenofóbica qua apoia teorias sobre uma suposta « grande substituição » de população na Europa, ou seja, a ameaça demográfica que a imigração africana cria na Europa, segundo muitos adeptos de teorias conspiracionistas de extrema-direita. As violências cometidas na Noruega em Julho de 2011 por Anders Behring Breivik, em particular numa reunião de um partido de esquerda (77 mortos, 151 feridos), tal como violências cometidas em Janeiro de 2015 em França contra mesquitas muçulmanas após o atentado islâmico contra a redação do jornal caricaturista Charlie Hebdo, ilustram a confusão a cerca dessas noções de imigrante, migrante, estrangeiro, refugiado, que são frequentemente (e cada vez mais) associadas às de muçulmano, de africano, de negro e de árabes.

Também ao nível da política estrangeira, seria preciso reconsiderar as políticas de ajuda externa ao desenvolvimento e os acordos comerciais – e ai também, coloca-se a respondabilidade dos próprios responsáveis africanos, que não impõem com a Europa o braço de ferro que seria necessário a uma renegociação dos acordos comerciais, que permanecem particularmente desequilibrados. Pois as crises, a pobreza e os deslocamentos de população não são realidades isoladas, inscrevem-se num sistema global que devemos repensar. Difícil acreditar que dirigentes europeus e africanos irão repensar essas relações antigas, dada a falta absoluta de imaginação e de espírito crítico em relação ao sistema atual (Frente ao fiasco da ajuda pública ao desenvolvimento, para quando a sua desprogramação?). Nos anos recentes, apenas o presidente Nana Akufo-Addo, chefe do Estado do Gana desde 2017, exprimiu, em Dezembro de 2017, durante a visita do presidente francês Emmanuel Macron no seu país, a sua rejeição da permanência da ajuda pública ao desenvolvimento, chamando a uma emancipação da África do sistema desequilibrado atual. De fato, o Ruanda já emancipou-se bastante da dependência em relação à ajuda externa, e apresenta-se como um modelo por muitos Africanos, embora a prosperidade desse pequeno país tem bases geopolíticas que poderiam ser analisadas com um olhar muito crítico, em particular em relação à situação da República democrática do Congo vizinha. Para aprofundir as questões de emancipação do continente africano, e fazer conexões com questões de identidade pós-coloniais: Desenvolvimento e identidades em África: a chave não entra na fechadura

É preciso também sublinhar o papel dos governos africanos e da União Africana nessas questões. O silêncio choquante desse silência e a indiferença em relação dos milhares de mortos, só tem equivalente na sua inação em termos de desenvolvimento econômico e de luta contra a corrupção, desde décadas. Pelo contrário, muitos Estados africanos participem à permanência do sistema, e aplicam nas suas próprias fronteiras políticas xenofóbicas e racistas contra os imigrantes africanos residentes lá. Sem mencionar o caso extremo da África do Sul, onde as violências contra os trabalhadores moçambicanos e zimbabuanos e contra as lojas geridas por estrangeiros, podemos lembrar caso dos países do Magrebe onde o tratamento do migrantes subsaarianas pelas próprias autoridades públicas envergonharia qualquer panafricanista convencido. Em todo lado, os migrantes são tratados como parasitas, e não como seres humanos com o direito à vida, ao respeito e à dignidade.

O estreito de Gibraltar, uma das passagens para a Europa.

O estreito de Gibraltar, uma das passagens para a Europa.

O texto a seguir vem do livro Os condenados da terra, escrito por Frantz Fanon, e publicado em 1961. No capítulo chamado « Da violência no contexto internacional », o autor francês, nascido na Martinique, naturalizado argelino, descreve o que a Europa deve aos continentos de partida, e sublinha a necessidade de « reintroduzir o homem no mundo ».

A reparação moral da independência nacional não nos deixa cego, não nos alimenta. A riqueza dos países imperialistas é também a nossa riqueza. […] Muito concretamente a Europa cresceu sem moderação a partir do ouro e das matérias primas dos países coloniais: América latina, China, África. De todos esses continentos, […] saiam desde séculos em direção dessa mesma Europa os diamantes e o petróleo, a seda e o algodão, as madeiras e os produtos exóticos. A Europa é literalmente a criação do terço mundo. As riquezas que a sufocam são aquelas que foram roubadas aos povos sobdesenvolvidos. […] Quando ouvimos um chefe do Estado europeu dizer, a mão no coração, que tem que se ajudar os infelizes povos sobdesenvolvidos, […] pensamos: « é só uma reparação que nos é feita ».

O autor franco-argelino acrescenta explicando, em relação à ajuda externa ao desenvolvimento: « Essa ajuda deve ser a consagração de uma dupla conscientização, conscientização dos colonizados sobre o fato de essa ajuda lhes ser devida, e das potências capitalistas sobre o fato que elas devem efetivamente pagar. » Um pouco mais longe no capítulo, Frantz Fanon ainda explica o seguinte.

Agitando o terço mundo como uma onda que ameaçaria de submergir a Europa, não conseguiremos dividir as forças progressistas que pretendem conduzir a humanidade na felicidade. O terço mundo não pretende organizar uma grande cruzada da fome contra toda a Europa. O que ele espera daqueles que o manterem na escravidão durante séculos, é que eles lhe ajudam a reabilitar o homem, a fazer trionfar o homem em todo lado, de uma vez por todas.
Mas […] não será] com a cooperação e a boa vontade dos governos europeus. Esse trabalho considerável consistindo em reintroduzir o homem no mundo, o homem total, acontecerá com a ajuda decisiva das massas europeias que [...] muitas vezes juntaram-se nos problemas coloniais às posições dos nossos mestres comuns. […] Primeiro as massas europeias [devem] acordar.

Frantz Fanon, Os condenados da terra (1961).

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