Como acabar com os dramas da imigração no Mediterrâneo?
Em direção da Europa como de outras regiões da
Ou ainda, mais recentemente, as imagens de verdadeiros
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Outros esforços eram pedidos aos membros da União Europeia: essencialmente, era para melhorar a coleta de informações sobre as organizações criminais que prosperam no comércio migratório. O papel de Europol (a agência europeia de polícia) seria fortalecida, começando com a sua missão Jot Mare cujo objetivo era desmantelar as redes. A coordenação entre diferentes agências europeias (entre as quais Frontex, para a segurança marítima, ou também Eurojust, para a cooperação judiciária) também foi debatida. O objetivo da UE é entender melhor as redes de contrabandistas, identificar as suas modalidades de ação para os desmantelar, atacar os seus bens e julgar os seus responsáveis.
Além da questão militar, colocou-se a « questão dos cotas » (ainda, o vocabulário dos nossos dirigentes, reutilizado pelas mídias sem questionamento crítico, traduz uma abordagem puramente contábil), ou seja, da repartição dos requerentes de asilo entre países europeus. A Comissão propôs a instauração de cotas obrigatórios com alvo uma certa solidariedade entre Estados-membros para o acolhimento dos refugiados. Esse mecanismo toma em conta a população, o PIB, a nível de desemprego, o número de requerentes de asilo recebidos desde 2010, ou ainda o número de refugiados reinstalados em cada Estado. Só funcionaria em caso de chegadas muito importantes de requerentes de asilo (noção que fica para definir), para pessoas cuja necessidade de proteção é claro. Nesse âmbito, a França, por exemplo, acolheria 14,17% dessas pessoas (2015).
Outra inovação representando um passo importante na solidariedade « Norte-Sul »: Bruxelas desejava igualmente que os Estados envolvessem-se em programas de reinstalação que permitem transferir na Europa pessoas já refugiadas em países pertos das áreas de conflito. Pensa-se, claro, no Líbano que acolhe quase 1,3 milhões de refugiados sírios. A Comissão propôs de apoiar a reinstalação de 20 000 refugiados por ano, e estava pronta a colocar para isso 50 milhões de euros em 2015-2016. A repartição faria-se na mesma lógica das cotas, mas com base voluntária.
Claro, vários países recusaram então, em 2015, o sistema de cotas, como o Reino-Unido (pela voz da sua então ministra do Interior, Theresa May, futura Primeira ministra), com a França, a Espanha, o Dinamarca, a Hungria, a Polônia, a República tcheca e a Eslováquia. O argumento principal sendo que os migrantes que tentam vir na UE atravessando o Mediterrâneo devem ser retornados, e que capacitar-se para melhor receber migrantes incentivaria mais pessoas a arriscar a sua vida.
Certamente, com a base jurídica usada pela Comissão (artigo 78 – parágrafo 3 do tratado sobre o funcionamento da UE) para elaborar sua proposta, ela podia limitar-se a uma maioria qualificada dos Estados membros para adoptar o sistema de cotas, a negociação política foi muito difícil, e aliás, os países membros do grupo de Visegrád: Polônia, Eslováquia, Hungria e República tcheca, sempre o recusaram. Os países que recebem mais requerentes de asilo como a Grécia e a Itália, mas também a Alemanha, apoiaram esse sistema.
Dois eventos foram muito ilustrativos das dissensões entre Estados membros. O primeiro foi a cimeira europeia do 26 de Junho de 2015, que ilustrou de novo a falta de solidariedade entre Estados membros e a estratégia « torre de marfim » da União Europeia. De fato, foi decidido limitar ainda as condições de acolhimento, e que as pessoas que terão uma reposta negativa ao pedido de estatuto de refugiado seriam trazidos de volta no seu país de origem. Além disso, a Comissão não conseguiu então impor a sua lógica e a repartição vinculativa dos 40 000 que pediam o estatuto de refugiado, na Itália e na Grécia. Essa repartição foi portanto organizada, mas sem nenhuma obrigação – embora a formula vale envolvimento vinculativo, segundo as fontes europeias então citadas pelas agências de informação. O segundo evento ilustrativo, foi a organização pelo governo de Viktor Orbán de um referendo, em 2 de Outubro de 2016, sobre o sistema de cota previsto pela UE; os votantes negaram esse sistema por 98,36% (com 44,08% de participação).
O que podemos notar, é que é preciso haver um sistema de solidariedade vinculativo para que o esforço seja mais partilhado entre os Estados membros. Por lembrança, o Reino-Unido (até a sua saída da UE), a Irlândia e o Dinamarca tinham de qualquer maneira a possibilidade de não participar a esse sistema. À final, esse sistema, mesmo quando foi adoptado, nem foi implementado realmente por muitos países, inclusive a França, que no entanto não tinha muitas pessoas a acolher, em relação ao seu peso demográfico e econômico na UE. Os episódios com barcos como o Aquarius ou o Lifeline, em 2018 ou 2019, num contexto de política migratória fechada organizada pelo ministro do interior italiano Matteo Salvini (2018-2019), ilustraram mais recentemente as dificuldades sempre consideráveis para coordenar as estratégias de acolhimento na UE.
O tratamento da imigração clandestina: o perfumo nauseante da insinceridade e do racismo
Claro, há muitas exagerações sobre as chegadas de migrantes na União Europeia. E é preciso lembrar que 80% do acolhimento de refugiados é assumido por países africanos e asiáticos. Por exemplo, quase um milhão de pessoas fugiram a Líbia após a revolução de Fevereiro de 2011, mas só 18 000 delas atingiram a Europa, o resto sendo repartido entre a Tunísia (530 000) e o Egipto (340 000). Néao houve solidariedade dos Europeus em relação aos Árabes que tinham realizado insurrecções democráticas ou fugido ditaduras e conflitos. Os países vizinhos como a Tunísia, a Turquia, a Jordánia e o Líbano é que suportaram a maioria da carga do acolhimento, alguns deles sendo ao mesmo tempo num processo revolucionário semelhante. Isso, enquanto certas ditaduras tinham sido apoiadas pelos próprios países europeus.
Esse tratamento mediático e político inadaptado acrescenta-se de uma falta de meios de acolhimento dos migrantes. Construir muros e arames farpados, colocar câmeras de vigilância com detedores de calor e de movimentos, caçar pessoas que fugem a miséria ou a guerra e atravessam distâncias incríveis, expostas às violências e aos abusos dos traficantes, tudo isso é obviamente indigno e remove toda a humanidade aos pessoas em questão. Ainda mais porque o prismo
está, claro, em questão, como o sublinhava, de novo, a autora Fatou Diome, no mesmo canal A incapacidade de acolhimento na Sicília, em Lampeduza, nas Canárias, em Ceuta e em Melilla, não deve esconder o trabalho importante dos salvadores e das autoridades locais que pedem a ajuda dos parceiros europeus, no entanto a situação deve chamar a nossa atenção sobre a vontade real ou não da Europa de gerir essa questão sem esperar novos dramas.De fato, as tragédias afetam relativamente pouco as agendas políticas e mediáticas, dado o número de mortos e os dramas individuais que o contexto induz. O ambiente instaurada pelos discursos e o tratamento político das questões migratórias é execrável. Nisso, a presidência francesa de Nicolas Sarkozy
foi muito ilustrativa, pois, além da criação de um Ministério da Imigração, da Integração, da Identitade nacional e do Desenvolvimento solidário entre 2007 e 2010, o antigo chefe do Estado multiplicou sob o seu mandato os discursos provocadores: o de Dakar sobre , ou ainda o de Grenoble sobre a imigração (em particular a dos Roma) em 2010, cujo o fio condutor foi uma sutil mistura de amálgamas grosseiros e de observações xenófobas emprestadas à extrema-direita. Um ambiente péssimo estabelecia-se.Acrescentou-se depois o
. Inscrito na lei sobre a entrada e a estada dos estrangeiros, é aplicado a toda pessoa proibindo assim a todo mundo de ajudar um clandestino no território, mesmo permitindo-lhe simplesmente recarregar o seu telefone ou dando-lhe comida. Enfim, essa lei, que previa uma sentença de até cinco anos de prisão e uma multa de 30 000 euros, tinha a ver tanto com as redes de contrabandistas como com voluntários e cidadãos lambda. Essa disposição, introduzida de fato nos regulamentos franceses por um decreto-lei de 1938, tinha sido adoptada num clima histórico particularmente xenofóbico. O alvo não era só perseguir os Tal como as leis proibindo a ajuda aos escravos que fugiam nas colônias norte-americanas, ou aos judeus durante a Segunda Guerra mundial, uma tal medida contribuiu à desumanização das pessoas que estão em situação irregular no espaço Schengen, e cria de fato uma forma de caça aos clandestinos e incentiva a denunciação. Ela foi teoricamente suprimida por uma lei oficialmente efetiva em 1 de Janeiro de 2013 (pelo então ministro francês do interior Manuel Valls). E a decisão do Tribunal de cassação que abandonou parcialmente as cargas judiciárias sobre Cédric Herrou, que tinha ajudado em 2016 uns 200 Sudaneses e Eritreus (entre os quais, uns com menos de 18 anos) que tentavam passar a fronteira franco-italiana, baseava-se num princípio de direito francês estabelecido pelo Conselho constitucional francês em 6 de Julho de 2018, o « princípio de fraternidade », que permitiu desde então outras libertações do mesmo tipo.Mas os problemas de fundo não eram resolvidos, e associações continuaram mesmo depois a denunciar decisões arbitrárias das prefeituras. Além disso, todos os governos franceses permanecerem numa dupla lógica de abandono em relação a muitos imigrantes, legais e ilegais, no solo francês, e de dinâmica ativa de expulsões. A situação dos barcos (e das centenas de passageiros clandestinos) que são obrigados a andar de um porto para o outro até que os Estados europeus decidem-se a « partilhar-se » a carga do seu acolhimento, é simplesmente um vergonha para o continente europeu, que tem amplamente as capacidades humanas, materiais e financeiras de os receber e de tratar administrativamente o seu caso. Uma vergonha, tal como foi, em 25 de Outubro de 2019, a rejeição pela União Europeia de um texto resforçando o resgate dos exilados, notavelmente os no Mediterrâneo e que previua implementação de corredores humanitários e a abolição do
. Um vergonha, tal como tinha sido também, em Junho de 2015, a decisão do governo da Hungria de construir arames farpados de 4 metros de altura sobre 175 quilômetros na fronteira com a Sérvia . Para o Primeiro ministro da Hungria Viktor Orbán, foi sobretudo uma ação de comunicação óbvia, para confortar o seu eleitorado. No final de Julho de 2014, é a Bulgária que acaba de erguer uma barreira de 33 quilômetros no longo da sua fronteira com a Turquia. A Grécia e a Espanha construirem muros similares para assegurar as suas fronteiras. Por lembrança, em 17 de Dezembro de 2020, a Hungria foi condenada pelo Tribunal de justiça da União Europeia por ter violado o direito europeu em matéria de asílio, com a implementação desde 2015 de « áreas de trânsito » à sua fronteira com a Sérvia « a limitação de acesso ao processo de proteção internacional, a retenção irregular dos requerantes desta proteção em áreas de trânsito tal como a recondução numa área frontaleira de cidadãos de país terço em estadia irregular, sem respeitar as garantias relativas a um processo de retorno, constituem faltas ao direito da União », segundo um comunicado.Certamente, em 23 de Setembro de 2020, a Comissão Europeia fez uma proposta de refundação completa da sua política migratória, em particular sobre a vigilância fortalecida das fronteiras externas da UE, sobre a reforma do asilo, sobre as reinstalação e os retornos, mas este novo pacto, resultado de longas negociações entre os Vinte e Sete cujos desentendimentos são no entanto óbvios (o ilustrou desde 2015, a incapacidade da Comissão a implementar uma política de cotas de reinstalações), não inclui o princípio de repartição obrigatória dos migrantes através toda a União. Além disso, pelo menos este plano apresenta a vantagem de reformar o princípio dito de regulamento de Dublim consistando a confiar ao primeiro país no qual o migrante penetra a responsabilidade de tratar o seu pedido de asilo
este princípio apresenta entre outros problemas a grande desvantagem de deixar à carga dos nicos Estados localizados à fronteira do espaço comunitário (Espanha, Itália, Grécia...) o essencial do tratamento das chegadas e dos pedido de asilo (no plano proposto pela Comissão, o país responsável do pedido de asilo poderia ser aquele no qual uma ou um migrante teria uma irmã ou um irmão, no quel ele trabalhou ou estudou, ou poderia ainda ser aquele que deu um visto a um migrante, fora desses casos, os países de primeira chegada permaneceriam encarregados de gerenciar os pedidos). Mas o acordo ainda é longe de ser adoptado por todos os Estados membros, em particular pelos países du grupo de Visegrád. (De fato, certas disposições do projeto de reforma da Comissão suscitam vivos debates, por exemplo o fato que é previsto que os migrantes secorridos no mar deverão ser acolhidos na UE e não mais retornados nos países de ida ou de origem; a Comissão recomanda também que os Estados membros não perseguem mais as ONG conduzindo missões de secorro no Mediterrâneo.)Num ensaio de 1990 reeditado em 2001, O Império e os Novos Bárbaros, o escritor francês (e antigo diplomata) Jean-Christophe Rufin tentou uma comparação entre os limites Norte-Sul (em particular o Rio Grande, no sul dos Estados Unidos, e o Mediterrâneo, no sul da Europa, e os muitos muros e barreiras que prolongam aquelas « fronteiras » naturais) e o limes romano, ou seja, o sistema de fortificações que estabeleceu às suas fronteiras o Império romano, entre os séculos I e V da nossa era. Fala mais globalmente de « ideologia do limes », constatando o seguinte: « Ao homem do Norte, a ideologia do limes oferece a coisa que ele deseja a mais no mundo: a segurança. Mas trata-se de um pacto. O norte, novo Faust, se ele quer a vida eterna deve o pagar por um renunciamento. Pode se tranquilizar, diz a voz tentadora, é pouca coisa. O sacrifício pedido não é bem considerável pois é a felicidade, a saúde, a vida dos outros, daqueles do Sul, que o pacto exige em troca. Quem não seria pródigo de um valor tirada na conta de um desconhecido? Se escrúpulo há, só pode ser moral.
exatamente isso o pacto. De um lado a segurança para o Norte, uma forma de eternidade e de o outro o simples abandono da justiça. »O tratamento mediático e político da questão migratória é choquante, também porque a relativa prosperidade e atratividade da Europa base-se na relação desequilibrada que a Europa tem com muitos países africanos e do Oriente Médio. De fato, a riqueza do continente europeu base-se em grande parte na exploração antiga, ainda atual, dos recursos dos outros continentos, principalmente África, Ásia, e América latina. Importação de urânio, minerais e hidrocarbonetos, acordos comerciais desiguais, apoio a regimes políticos corruptos, permanência de bases militares franceses ou britânicas... A prosperidade e a potência da Europa alimentam-se das riquezas naturais e das fraquezas políticas do Sul. A força de trabalho dos próprios migrantes (clandestinos ou não) contribui a essa riqueza, todos os dias, na Europa mesmo. No entanto, na Europa, claramente não há nenhum reconhecimento em relação ao papel dos migrantes (e dos Africanos em geral).
Além disso, convem lembrar que muitas das situações de crises ou de guerras foram causadas, diretamente ou indiretamente, pelo Ocidente. A Europa, pelas suas pretenções pós-coloniais, seu intervencionismo diplomático e militar, e muitos dos seus apoios geopolíticos, contribui ativamente a alimentar os conflitos que provoquem a partida dos refugiados. O sistema auto-alimenta-se: as intervenções conduzem a deslocamentos, que deixam os Europeus apavorados e criam crises em outros lugares. Qual é o sentido e a coerência numa situação na qual, enquanto o Ocidente faz guerras destabilizadoras no Afganistão, no Iraque e na Líbia, a Europa estabelece muros para impedir as vítimas dessas mesmas guerras de entrar no seu território? Acreditar que esses muros resolverão esse problema é obviamente um erro, e a prova que esse é mal abordado.
Por lembrança, em 7 de Janeiro de 2015, o Alto-Comissariado pelos Refugiados publicou um relatório, anunciando que os Sírios, com três milhões de pessoas fora das fronteiras, tinham-se tornados a segunda maiora população de refugiados no mundo, atrás dos Palestinos (5 milhões). A final, fora da Turquia que está bastante envolvido na guerra, com intervenções diretas, os Estados que mais acolham esses refugiados são naturalmente os vizinhos que não participam mais da dinâmica da guerra: Líbano, Iraque, Jordánia... Os países europeus, fora da Alemanha e da Suêcia, receberem muitos poucos, os Estados Unidos e a Rússia ainda menos. Em muitos países europeus, o acolhimento foi péssimo, lento e laborioso, cada Estado querendo deixar para um outro a carga de receber essas pessoas. O caso da França, nesse assunto, foi uma vergonha, dado a sua capacidade de acolhimento e o número muito reduzido de migrantes que ela recebeu então. Em outros países, no Magrebe por exemplo, as condições de vida dos refugiados sírios foram um desastre, caracterizadas pelo racismo e a exploração: na Líbia, claro, mas também no Marrocos, na Tunísia e na Argélia. Muitos refugiados foram expulsos de lá em direção da Turquia. E muitas mulheres sírias foram obrigadas a casar-se para ajudar a sua família da miséria. Em Agosto de 2012, o caso de uma refugiada síria de 26 anos, violada no bairro da cidade de Oran (Argélia), ilustrou os abusos encontrados por essa comunidade, além dos casos de casamentos esforçados com ricos Sauditas vindo « às compras » nos acapamentos de refugiados na Jordánia, além das violações pelos militares turcos nos acapamentos à fronteira síria, etc.
A abordagem da nossa classe política parece confortar a ilusão de uma Europa que constituiria uma área de paz e de prosperidade num mundo de guerras e de miséria. Mas não, a Europa, com o seu problema de representatividade das suas elites, e os seus milhões de pobres, não constitui um modelo a seguir, mas mais a mudar.
Uma problemática que ilustrou bem a banda-desinhada Aya de Yopougon, a qual conta as histórias de três raparigas de dezenove anos, Aya e duas amigas, Adjoua e Bintou, num bairro de Abidjan (Costa de Marfim). No segundo volume publicado em Setembro de 2006, o personagem de Grégoire é a encarnação desse migrante que fala muito, que orgulha-se, que, retornado da França, brinca em gastar o seu dinheiro, atuando o rico homem de negócios, com o único alvo de curtir o tempo e as moças. Essa questão da história do migrante e do dever de verdade é ainda pouca abordada e no entanto importante em termos de representação. Pois poucos sabem, além do Mediterrâneo ou além do Atlântico, que a Europa conta mais pobres do que o próprio número de habitantes de muitos dos países de África, que morra-se na Europa pelo frio e desastres naturais e meteorólogicos todos anos, que milhares de pessoas estão sem casa lá, na solidão ou na depressão. Ou ainda que a crise econômica e social incentiva cada anos milhares de Europeus a deixar o continente para a América do Sul, a África ou a Ásia.
Além de Frontex, é obviamente preciso rever a abordagem da Europa sobra as questões migratórias no seu conjunto. A facilitação da imigração legal e a abertura de centros europeus de pedido de asilo nos países de partida permiteria reduzir parcialmente a indústria dos contrabandistas que fazem passar migrantes clandestinos. Contudo, a imigração legal é atualmente objeto de ainda muitas restrições. Num contexto de crise econômica e social, e de desemprego, essa política fechada pode parecer relevante, mas ela base-se na verdade num postulado errado, segundo o qual os migrantes instalam-se sem perspetiva de retorno e permaneceriam imóveis depois da instalação. Na realidade, num mundo com fronteiras abertas, as pessoas fazem idas e voltas, reinvestem no seu país de origem – contribuindo ao seu desenvolvimento – e aproveitam oportunidades econômicas e sociais criadas pela mobilidade. Pelo contrário, é quando as condições de acesso são particularmente difíceis que os migrantes, uma vez chegados ao destino, dificilmente osam voltar no país. As restrições não resolvam os problemas de redes ilegais nem reduzem a pressão migratória. Elas criam no entanto ressentimento, pois dão aos países de chegada, a França em primeiro lugar, uma imagem de nações fechadas, racistas e inóspitas, enquanto os emigrantes franceses residentes em países do Sul beneficiam de privilégios óbvios, com tons pós-coloniais (Será que os « atores do desenvolvimento » devem rever o seu estilo de vida?).
Também é necessário revisitar os paradigmas que nos trazem a tratar da imigração como algo homogêneo e ameaçador. Por exemplo, é importante lembrar que os refugiados, os requerentes do asilo, são pessoas que inscrevem-se numa migração diferente da migração econômica. É importante lembrar 1) a diversidade das migrações, e 2) que imigrante não significa sempre estrangeiro, nem refugiado. A própria palavra imigrante traduz realidades extremamente diferentes. A mudança de abordagem é determinante para não cair numa psicose xenofóbica qua apoia teorias sobre uma suposta « grande substituição » de população na Europa, ou seja, a ameaça demográfica que a imigração africana cria na Europa, segundo muitos adeptos de teorias conspiracionistas de extrema-direita. As violências cometidas na Noruega em Julho de 2011 por Anders Behring Breivik, em particular numa reunião de um partido de esquerda (77 mortos, 151 feridos), tal como violências cometidas em Janeiro de 2015 em França contra mesquitas muçulmanas após o atentado islâmico contra a redação do jornal caricaturista Charlie Hebdo, ilustram a confusão a cerca dessas noções de imigrante, migrante, estrangeiro, refugiado, que são frequentemente (e cada vez mais) associadas às de muçulmano, de africano, de negro e de árabes.
Frente ao fiasco da ajuda pública ao desenvolvimento, para quando a sua desprogramação?). Nos anos recentes, apenas o presidente Nana Akufo-Addo, chefe do Estado do Gana desde 2017, exprimiu, em Dezembro de 2017, durante a visita do presidente francês Emmanuel Macron no seu país, a sua rejeição da permanência da ajuda pública ao desenvolvimento, chamando a uma emancipação da África do sistema desequilibrado atual. De fato, o Ruanda já emancipou-se bastante da dependência em relação à ajuda externa, e apresenta-se como um modelo por muitos Africanos, embora a prosperidade desse pequeno país tem bases geopolíticas que poderiam ser analisadas com um olhar muito crítico, em particular em relação à situação da República democrática do Congo vizinha. Para aprofundir as questões de emancipação do continente africano, e fazer conexões com questões de identidade pós-coloniais: Desenvolvimento e identidades em África: a chave não entra na fechadura
– e ai também, coloca-se a respondabilidade dos próprios responsáveis africanos, que não impõem com a Europa o braço de ferro que seria necessário a uma renegociação dos acordos comerciais, que permanecem particularmente desequilibrados. Pois as crises, a pobreza e os deslocamentos de população não são realidades isoladas, inscrevem-se num sistema global que devemos repensar. Difícil acreditar que dirigentes europeus e africanos irão repensar essas relações antigas, dada a falta absoluta de imaginação e de espírito crítico em relação ao sistema atual (
O texto a seguir vem do livro Os condenados da terra, escrito por Frantz Fanon, e publicado em 1961. No capítulo chamado « Da violência no contexto internacional », o autor francês, nascido na Martinique, naturalizado argelino, descreve o que a Europa deve aos continentos de partida, e sublinha a necessidade de « reintroduzir o homem no mundo ».
A reparação moral da independência nacional não nos deixa cego, não nos alimenta. A riqueza dos países imperialistas é também a nossa riqueza. […] Muito concretamente a Europa cresceu sem moderação a partir do ouro e das matérias primas dos países coloniais: América latina, China, África. De todos esses continentos, […] saiam desde séculos em direção dessa mesma Europa os diamantes e o petróleo, a seda e o algodão, as madeiras e os produtos exóticos. A Europa é literalmente a criação do terço mundo. As riquezas que a sufocam são aquelas que foram roubadas aos povos sobdesenvolvidos. […] Quando ouvimos um chefe do Estado europeu dizer, a mão no coração, que tem que se ajudar os infelizes povos sobdesenvolvidos, […] pensamos: « é só uma reparação que nos é feita ».
O autor franco-argelino acrescenta explicando, em relação à ajuda externa ao desenvolvimento: « Essa ajuda deve ser a consagração de uma dupla conscientização, conscientização dos colonizados sobre o fato de essa ajuda lhes ser devida, e das potências capitalistas sobre o fato que elas devem efetivamente pagar. » Um pouco mais longe no capítulo, Frantz Fanon ainda explica o seguinte.
Agitando o terço mundo como uma onda que ameaçaria de submergir a Europa, não conseguiremos dividir as forças progressistas que pretendem conduzir a humanidade na felicidade. O terço mundo não pretende organizar uma grande cruzada da fome contra toda a Europa. O que ele espera daqueles que o manterem na escravidão durante séculos, é que eles lhe ajudam a reabilitar o homem, a fazer trionfar o homem em todo lado, de uma vez por todas.
Mas […] não será] com a cooperação e a boa vontade dos governos europeus. Esse trabalho considerável consistindo em reintroduzir o homem no mundo, o homem total, acontecerá com a ajuda decisiva das massas europeias que [...] muitas vezes juntaram-se nos problemas coloniais às posições dos nossos mestres comuns. […] Primeiro as massas europeias [devem] acordar.