Será que a União Europeia é o quadro adequado para repensar o nosso modelo de sociedade e garantir a nossa prosperidade?
Em Maio de 2019, quase 400 milhões de cidadãos foram chamados para votar para os deputados, com mandato de cinco anos no Parlamento europeu – a principal instituição democrática da União Europeia (UE). Essa eleição não interessou muito, como o confirmou a nível de participação (com média de 51% ao nível da UE). No âmbito da campanha, contudo, os diferentes partidos e movimentos políticos tentaram convencer os eleitores – muitas vezes com base promessas impossíveis a assumir, pois não correspondando a prerogativas da UE, e ainda menos do seu Parlamento. Alguns debates concentram-se, claro, sobre a imigração, sobre o controle das fronteiras, outros ainda sobre a ecologia, as mudanças climáticas. E outros também sobre o papel da União no crescimento econômico, o emprego e a atratividade.
O coração do projeto europeu base-se, hoje e antes de qualquer outra coisa, na construção do Mercado Único, e portanto numa certa visão da economia política. Uma visão que coloca duas noções, a concorrência e o crescimento, como pilares do desenvolvimento e da prosperidade. Hoje em dia, obviamente a degradação dramática dos nossos recursos deveria revolucionar essa visão liberal. Por enquanto, a reflexão sobre a necessidade de rever os nossos principais paradigmas não é levada, para orientar-se em modelos menos produtivistas.
Para libertar-se da obsessão do crescimento, uma pergunta relevante seria: será que a União Europeia é o quadro relevante para pensar o futuro e assegurar a nossa prosperidade?
Antes de tudo, uma reflexão sobre a noção de « crescimento », que permanece, contra o senso comum, o fiu condutor dos discursos da classe política e mediática. Em 6 de Maio de 2019, foi publicado o relatório da plataforma dos Expertos pela biodiversidade e os ecosistemas (IPBES) – um organismo da ONU composto de ecologistas e de especialistas dos ecosistemas, mas também de muitos economistas e sociólogos. Esse relatório afirma que « a Humanidade deve mudar profundamente sua maneira de explorar a natureza ». Apoia-se em quase 15 000 artigos científicos e relatórios internacionais estudados por 145 científicos, e confirma todos os constatos dramáticos já produzidos pelo Painel de Expertos Intergovernemental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) ao nível da ONU. O fato que um milhão de espécies animais e vegetais sejam atualmente ameaçadas de extinção é só o signo o mais preocupante de uma degradação (ou até de uma simples destruição) pela atividade humana de todos os ecosistemas do planeta. Consequência: muitos « serviços » que a natureza nos presta estão em declínio; assim, a capacidade da Terra para nos fornecer comida água pura, um ar limpo, fibras (algodão, linho, lã, madeira), materias de construção, enfraquece.
Escrito após três anos de trabalho, o texto detalhe: « Os objetivos para conservar e ter um uso sustentável da natureza não podem ser atingidos segundo as trajetórias atuais, e os objetivos para 2030 e além só poderão ser cumpridos através mudanças políticas, sociais, econômicas e tecnológicas profundas. » Essas afirmações não são fantasias, uma teoria qualquer ou uma aposta no futuro. São a conclusão lógica de uma situação cujos efeitos podem ser constatados, já há muitos anos, por qualquer um: desaparecimento de insetos, multiplicação dos escândalos quanto à qualidade da alimentação de origem animal, desregulamento das temporadas, multiplicação dos desastres climáticos (tempestades, secas, inundações, etc.), subida do nível do mar que já ameaça certas praias, presença incrível de resíduos plásticos nos oceanos e nos rios, degradação dos solos cultiváveis, etc.
O desafio de mudar a grelha de leitura para deixar o dogma do crescimente
Entende-se bem que o constato não coloca só a questão de uma reorientação marginal dos nossos modos de vida. Torna indispensável uma mudança radical de todo o nosso modelo de sociedade: os nossos modos de produção e de consumo, as nossas fontes de energia, a nossa alimentação, a nossa mobilidade, a nossa visão do mundo animal, vegetal e mineral, do vivo e do não-vivo. É uma verdadeira questão de sobrevivência, pois uma « Sexta fase de extinção das espécies » é mencionada (e confirmada) já há muitos anos. Em 2019 por exemplo, notou-se que foi o dia 10 de Maio que correspondeu ao « dia de superação » para os Europeus – correspondando ao dia onde, se todo o mundo vivia como os Europeus, já teríamos esgotado os recursos que nos dá a Terra em um ano. Por lembrança, em 1961, há sessenta anos, esse « dia de superação » europeu era em 13 de Outubro, ou seja, cinco meses mais tarde. Se toda a humanidade consumisse como os Europeus, precisaríamos do equivalente de 2,8 planetas Terra. O que significa que, para os oito últimos meses do ano, vivemos « por crédito » em relação a outros países e em relação às gerações futuras. Se continuamos nesses modelo, enfrentemos inevitavelmente um muro. Num contexto de rarefacção e de degradação dos recursos, e se acrescentamos a isso o aumento constante da população mundial, é difícil imaginar poder manter contra qualquer lógica o objetivo sagrado de crescimento econômico – o qual, no sistema atual, supõe um amento cego da produção e do consumo, e portanto a extração abusiva de recursos (a maioria sendo não-renováveis).
A dificuldade de sair das lógicas produtivista e consumista constitui um desafio cultural e filosófico para as nossas sociedades. De fato, ela supõe questionar todos os paradigmas que moldaram os nossos modos de vida desde a primeira metade do século XX e até desde a Revolução industrial do século XIX – com uma aceleração nos Trinta Gloriosos, após a Segunda Guerra mundial –, e que asseguraram uma relativa prosperidade e um acesso ao conforto material (pelo menos em aparência) para gerações de Norte-americanos, de Europeus e de Asiáticos. Sobretudo, esse desafio supõe um questionamento, pelas nossas elites políticas, econômicas e culturais, de todo o modelo de sociedade que lhes permitiu encontrar-se no topo da pirâmide social – além de enriquecer-se pessoalmente. Difícil imaginar essas mesmas elites iniciar as mudanças necessárias. Ainda mais porque repensar o modelo diferentemente contradiria a visão do mundo que elas levam (segundo a qual uma situação só torna-se urgente se elas são diretamente ameaçadas), a sua educação, a sua instrução académica e ideológica, e (mais importante) os seus interessantes financeiros e políticos.
Até o contexto internacional não permite uma mudança tranquila do nosso modelo de sociedade. Novas potências juntaram-se à corrida para a economia de mercado e apresentam níveis de crescimentos econômicos enormes, ameaçando os interesses dos países mais poluentes e reivindicando o seu direito a explorar, eles também, o seu planeta e os seus recursos. Além disso, a economia mundial nunca produziu tantas riquezas (embora elas nunca foram tão mal redistribuidas), permitindo o surgimento de uma elite financeira que só quer enriquecer – por lembrança, o mundo nunca contou tantos milionários (53 milhões de pessoas em 2019, segundo uma estimativa do Crédit Suisse, em US dólares) e de bilionários (2 208 pessoas em 2018, segundo a revista econômica norte-americana Forbes).
Ao mesmo tempo, as crises políticas e sociais multiplicam-se (Primavera árabe, multiplicação dos conflitos e dos fluxos migratórias, subida ds populismos e do racismo no Ocidente, na Ásia e na América latina, etc.), tornando muito incerto e arriscado (para as elites) o resultado de uma reforma profunda da nossa economia e do nosso sistema político e social. No seu ensaio Colapso: Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso (2005), o geógrafo e biologista norte-americano Jared Diamond analisa vários casos de sociedades humanas desaparecidas após a sobre-exploração dos seus recursos. Nessa base, ele explica claramente como a recusa das elites em mudar os valores dominantes e em iniciar uma modificação dos modos de vida pode constituir um fator decisivo de colapso de uma sociedade. E isso, de forma ainda mais surpreendente que nota-se, nos exemplos analisados, como a ilha de Páscoa ou a civilização maia, um colapso rápido logo depois da idade de ouro. É porque a altura de sobre-exploração dos recursos dá uma ilusão de « prosperidade » que não convida os povos em questão à sobriedade, e torna ainda mais choquante (e rápido) o colapso. A degradação dos recursos provoca geralmente conflitos internos para a sua exploração e, a qualquer mudança climática brutal, ameaças regulares de fome sobre as classes sociais as mais pobres (as mudanças climáticas sendo favorecidas pela sobre-exploração dos solos e das florestas). As elites, preocupadas de manter o seu peso político e de preservar os seus interesses econômicos a curto prazo, afirmam que é necessário ir mais longe nas práticas que conduziram a sociedade a sobre-explorar os recursos (a edificação de estátuas gigantes na ilha de Páscoa por exemplo para satisfazer os Deuses, supostos incentivar a fertilidade da terra, ou ainda a construção de sítios religiosos monumentais nas cidades maias). Dado que as elites beneficiam de vantagens sociais ligadas a sua posição, elas não entendem a urgência da situação e atrazam reformas contudo necessárias... o que não lhes permite escapar ao desastre. As elites têm apenas o privilégio de serem os últimos a morrer. Esse círculo vicioso inevitavelmente leva a revoltas e a um colapso total ou parcial da sociedade.
Representação da dinastia da « idade de ouro » da civilização maia, no sítio arqueológico maia de Copán (Honduras).
A História repete-se. Ela não o faria em vão se o ser humano soubesse tirar as lições. A comparação nem é sempre revelante, no entanto aparece óbvio que a sobre-exploração há décadas (ou até há séculos) dos recursos de países africanos, asiáticos e latino-americanos, ao benefício de países ocidentais e de algumas nações asiáticas, cria um círculo vicioso. Os ecosistemas são degradados, incluindo os solos, os mares e os rios – caso ilustrativo, fala-se de « sétimo continente » em relação à concentração de plásticos observada no oceano Pacífico, cuja superfície seria equivalente a três vezes a França. Isso tem consequências consideráveis sobre o clima. Dai, uma instabilidade social e política, que puxa milhões de indivíduos a migrar nas áreas de concentração de riqueza, no Sul como nos países ocidentais. O Norte, ele, reage fechando as suas fronteiras – com a ilusão que ele pode assim escapar ao colapso ou aos seus ecos.
A União Europeia e o mito do mercado livre e sem distorções
A pergunta relevante não é saber qual âmbito nos permiteria melhor produzir, amanhã, mais crescimento. Procurar responder a essa pergunta resumaria-se a perguntar-se como passar o muro que se apresenta no nosso caminho. E a ausência de visão das nossas elites não pode ser só compensada pelas iniciativas locais e individuais. É necessário uma mudança global e política. A boa pergunta seria então: será que a União Europeia é o quadro relevante para repensar um modelo, que seja sustentável? Para pensar o futuro e a nossa prosperidade no respeito de uma planeta que já é muito degradado?
A União Europeia constitui um espaço de livre-comércio e de livre-circulação das pessoas, dos bens, dos serviços e dos capitais. É fácil entender as vantagens que podem ter os atores econômicos europeus com um tal espaço. Um vendedor de culheres eslováquias que acede a um mercado de quase 500 milhões de consumidores tem obviamente oportunidades aumentadas. Excepto o fato que essa mesma empresa fez concorrência, uma vez no mercado, a empresas francesas, belgas, portuguesas ou dinamarquesas que são submetidas a obrigações de salários mais pesadas. A criação do Mercado único tem um efeito perverso óbvio, pois suprime qualquer barreira aduaneira interna à União sendo ao mesmo tempo o lugar de uma « concorrência livre e sem distorções »: o de dar uma vantagem competitiva às empresas que oferecem os salários os mais baixos. Vimos uma das consequências disso com a polémica que existe desde quinze anos, em relação ao estatuto dos trabalhadores destacados na União Europeia, o qual não satisfaz muitas pessoas e é sujeito a muitas fraudes.
A política da cocurrência foi essencial na realização do mercado interior. Se a razão de ser do Mercado único era permitir às empresas de fazer-se concorrência com condições iguais nos mercados de todos Estados membros, a da política de concorrência era de favorecer a eficiência econômica criando um clima favorável à inovação e ao progresso técnico, para a felicidade dos consumidores. A ideia atrás é que no âmbito da economia de mercado, a concorrência apoiaria o sucesso econômico, tanto protegindo os interesses dos consumidores europeus como assegurando a competitividade das empresas, dos produtos e dos serviços da Europa no mercado mundial. A política europeia da concorrência permitiria também evitar eventuais entendimentos e práticas anti-concurrenciais, que poderiam impedir uma dinâmica sã de concorrência (entendientos e práticas concertadas, abusos de posição dominadora, monopólios, etc.).
Temos que constatar que o círculo virtuoso da concorrência não está ai. Em dez anos (2009-2019), o Produto Interior Bruto (PIB) da União Europeia passou de 15 000 bilhões de euros para 17 000 bilhões; produzimos então 2 000 bilhões de euros de riqueza a mais. Excepto que durante a mesma altura, os preços de muitos dos produtos básicos aumentaram (após a adopção do euro, e depois), a taxa de trabalhadores pobres passou de 7% para 10%, e a taxa de desemprego globalmente aumentou, sobretudo após a crise de 2008. Entende-se bem que, nessas condições, as pessoas que trabalham e produzem riqueza não podem considerar com satisfação o Mercado único na Europa (e o crescimento econômico que ele permitiu), pois vai de mãos dadas com a precariedade das suas condições de trabalho e do seu padrão de vida.
Além disso, muitos projetos industriais ambiciosos, relativos à aeroespacial (Ariane), à aeronáutica (Airbus, Concorde), à geolocalização por satélite (Galileo) ou ainda à energia (EPR, ou reator pressurizado europeu) foram lançados nas últimas décadas com às vezes um grande sucesso; longe de qualquer espírito de concorrência intra-europeia, eles surgiram graças a uma lógica de cooperação comunitária ou intergovernemental que precisam iniciativa pública, e portanto que ignoram o objetivo de concorrência livre e sem distorções.
A ausência de visão econômica partilhada
Hoje em dia, os Estados membros da União não têm uma visão comum do que deve ser uma política industrial europeia. A própria noção permanece contestada por muitos Estados membros: os países cuja economia é dominada pelos serviços e as tecnologias da informação (a Irlândia, o Dinamarca, a Estônia, a Finlândia, a Áustria e, numa certa medida, a Holanda e a Suécia) contestam a relevância de qualquer política querendo preservar a competitividade de setores tradicionais intensivos em mão de obra. Eles consideram que qualquer ação nesse sentido assimila-se ao protecionismo, e que no futuro só os setores de alta tecnologia irão criar riqueza no nosso continente. Os países muito liberais (os mesmos, mais o Reino-Unido que saiu e alguns que integraram a UE mais recentemente) argumentam que as políticas fundadas sobre a finalização do mercado interior e a melhoria da concorrência bastam, sozinhas, a criar um clima de competitividade – que tornou-se quase um objetivo em si, e não mais um princípio com ambições de desenvolvimento e de solidariedade.
Qualquer intervenção pública permanece atualmente sujeita ao respeito das regras de concorrência estabelecidas pelo Tratado que institui a Comunidade Europeia. Uma lógica que deixa duvidoso, pois faverecendo a concorrência, no Mercado único, entre os atores econômicos nacionais, a União expõe-se a das potências econômicas externas. Permanecendo numa visão fundamentalista da concorrência, a UE cria-se deficiências diante dos outros países industrializados (Estados-Unidos e China em primeiro lugar) que têm todos políticas domésticas intervencionistas e ajudam por qualquer meio as suas empresas na conquista de mercados estratégicos. Exemplo ilustrativo: em 2008, colocou-se a questão do desaparecimento dos cotas de importação sobre os produtos têxteis chineses: o prazo era conhecido há dez anos mas nenhuma medida significativa de acompanhamento a longo prazo do setor em questão foi implementada (nem pela Comissão Europeia, nem pelos Estados membros). As empresas tiveram, sozinhas, que preparar-se à abertura do mercado europeu. Um reequilíbrio das políticas europeias de concorrência, comercial e industrial, seria portanto necessário para proteger os nossos empregos e defender uma indústria local. Além disso, enquanto coloca-se a questão de pensar um modelo econômico sustentável, seria também tempo de questionar o próprio princípio do livre-comércio, ou seja, de abrir setores estratégicos (como o têxtil) à concorrência internacional, dado entre outras coisas o custo « ambiental » do transporte dos bens e serviços em causa.
Hoje em dia, observa-se um executivo comunitário em falta de inspiração. A Estratégia de Lisboa, definida para a década 2000-2010 para planificar as orientações econômicas da União em termos de inovação e de investimentos de longo prazo, foi um fracasso. No entanto, à situação de « guerra econômica » criada pela lógica de concorrência acrescentou-se uma « guerra social » com o surgimento dos países com baixos custos de mão de obra. Acrescentou-se ainda um declínio geral dos serviços públicos, em consonância com as políticas de austeridade implementadas por muitos Estados membros, para respeitar o Pacto de Estabilidade Orçamentária, o qual sublinha a importância de limitar o déficit púlico a 3% do PIB, ou até a 0%. Isso tudo prejudica muito a imagem da União Europeia, limita muito a margem de ação dos atores públicos para investir no progresso tecnológico e na transição ecológica (que supõe meios importantes), e contribui à degradação contínua do nível de vida dos cidadãos e ao aumento das desigualdades – pois os serviços públicos são uma ferramenta de solidariedade nacional, e abrem-se gradualmente à concorrência para entrar numa lógica de renda e de lucro.
Abrir os olhos sobre aurgência climática e ambiental, para garantir a nossa prosperidade futura
As últimas décadas ilustram um fato: o crescimento não induz necessariamente uma redução das desigualdades sociais, nem uma melhoria do nível de vida. No melhor dos casos, dá um sentimento de deixar de lado uma parte da população, preservando no mesmo tempo o nível de vida de uma classe média alta bem integrada à globalização, e permitindo aos mais ricos de continuar a acumular capital. Manter-se, qualquer seja o custo, numa lógica de crescimento aparece portanto contrário ao senso comum, e base-se numa leitura errada da economia, numa negação da realidade.
Sobretudo, dadas as muitas crises que irão acontecer com as mudanças climáticas e a sobre-exploração dos nossos recursos, écimplesmente absurdo. A União Europeia apareceria como um quadro ideal para assegurar a nossa prosperidade futura e repensar o futuro, se a Comissão Europeia e os Estados membros definissem, juntos e de forma coerente, um amplo plano de transformação radical da nossa economia, implicando investimentos no capital humano e em indústrias coerentes com o conceito de sustentabilidade. Para isso, seria necessário pensar uma economia global que integra sistematicamente os conceitos de economia circular, de biomimetismo, de economia do conhecimento, de reciclagem e de recuperação, de luta contra os gastos e de justa definição das necessidades (ou été de frugalidade), de respeito da natureza e da vida animal e vegetal. Nenhuma necessidade de um doutorado em economia para entender as opportunidades consideráveis em termos de criação de empregos de qualidade que precisaria uma planificação tão ambiciosa, associando atores públicos e privados à escala da União Europeia, para refundar os nossos modos de produção e de consumo e a nossa mobilidade diária, o planejamento urbano e rural, as nossas fontes de energia, o nossos sistema de solidariedade, a nossa educação, etc.
A carga parece grande, mas seria possível se houvesse uma conscientização sobre as consequências possíveis se a situação atual permanece. Em 6 de Fevereiro de 2019, o comediante e ativista ambiental Brice Montaigne declarou com relevância aos deputados du Luxemburgo, no Parlamento: « É necessário, como foi lembrado várias vezes, operar uma mudança sistémica, uma mudança radical de sociedade. O ensaísta Naomi Klein [jornalista e altermundialista canado-americana] lembrou no seu livro Capitalismo e Mudança climática que, quando foi necessário enfrentar a Alemanha nazista, a Grã-Bretanha, os Estados-Unidos, e a Rússia também, operaram uma reorientação completa da sua economia em alguns meses, porque estavam numa situação de crise. Para entender o estado de crise no qual estamos hoje em dia, infelizmente, temos um enorme problema: não temos inimigos, a não ser nós mesmos. Não temos um rosto no qual projetar a nossa raiva para poder desencadear a nossa motivação. A única coisa na qual podemos basear-nos para nos colocar no estado de urgência que é necessário, é uma posição filosófica, de abertura ao outro, de extensão da área do "nós" (o nós no qual prestamos atenção e no qual estendemos a nossa solidariedade), e o conhecimento científico [...] sobre o que temos a tratar. O relatório do IPCC que foi publicado no outono de 2018, detalha tudo o que temos que fazer e tudo o que temos que tratar. [...] Não ler esse relatório, atualmente, que faz 32 páginas – 32 páginas, o relatório destinado aos políticos! –, isso impede-vos de ter esse conhecimento. Impede-vos de avançar no estado de crise no qual temos que entrar, porque a crise já está ai, mas não a reaçéao política. [...] Essa assembleia pode, claro, logo amanhã – vocês têm a noite para ler o relatório –, proclamar o estado de urgência climático. O Luxemburgo pode levar esse assunto no Conselho europeu e recusar abordar qualquer outro ponto na agenda enquanto o estado de urgência climático ao nível europeu não é declarado. Vocês têm esse poder, têm uma voz no Conselho europeu. Mas para isso, é preciso inscrever o conhecimento no real. Nesse combate, não temos outras escolhas. » Mais do que meios, a reação depende da vontade política, e portanto da conscientização das nossas elites dirigentes – com o risco que só acontece quando será tarde demais.
Em 1 de Maio de 2019, o Reino-Unido proclamou a « urgência ecológica e climática », com base uma proposta do Partido trabalhista (Labour), aprovada pela Câmara baixa do Parlamento. Acontecia depois de onze dias de ocupação de pontos estratégicos da capital e de outras ações de desobedência civil conduzidas pelo movimento Extinction Rebellion, em Abril – por exemplo o bloqueio do Museu de História natural de Londres. Jeremy Corbyn, líder do Labour, declarava então: « Tornando-se o primeiro parlamento a proclamar a urgência climática, podemos iniciar uma onda de ações vindas dos Parlamentos e governos do mundo inteiro. » Mas essa sequência não deixou de ser só simbólica, pois o texto adoptado não tinha dimensão vinculativa na política governemental.
Sobretudo, observa-se na Europa que a tendência não é à ecologia em todos os lugares; instituições reacionárias bastam a bloquear qualquer medida coercitiva. Por exemplo, o dia a seguir o voto do Parlamento britânico, o Senado francês rejeitou em primeira leitura uma proposta de lei do grupo socialista cujo alvo era a introdução da criminalização do « ecocídio » no Código penal francês, para « castigar os crimes ambientais de uma particular gravidade ». O ecocídio era então definido como o fato de « afetar de forma séria e duradoura o ambiente e as condições de existência de uma população, em execução de uma ação concertada tendendo à destruição ou à degradação total ou parcial de um ecosistema, em tempo de paz como de guerra ». Até sancções dissuasivas eram previstas: uma sentença de vinte anos de prisão, uma multa de 7,5 milhões de euros, e a imprescritibilidade, conforme a que já é prevista pelo Código de processo penal por genocídios e crimes contra a humanidade. Se o texto e a iniciativa do grupo socialista foram criticados por serem mal preparados em certos pontos (por exemplo em relação do caráter intencional ou não-intencional dos delitos em causa), a iniciativa colocou o debate na mesa. O governo preferiu argumentar o seguinte: a assunto deve ser tratado ao nível do direito internacional – muitas vezes menos vinculativo ou reativo do que o direito nacional.
A necessidade de mudar o pessoal político e de reforçar a democracia
Nos Estados membros como na União Europeia, o projeto europeu é sacrificado no altar do liberalismo econômico, que descredibiliza o europeismo inicial. A orientação da UE serve interesses particulares, basendo-se na ideia que o livre-comércio seria necessariamente pacificador e fator de inovação e de prosperidade – os atores econômicos sendo racionais no mercado, e a Mão invísivel fazendo o resto, em resumo. Contudo, porque contribui à sobre-exploração dos recursos e ao crescimento de uma concorrência « social » entre trabalhadores, o Mercado único aumenta as tensões, e não pode ser qualificado de pacificador (O ditado « a Europa é a paz » ainda é relevante? A necessidade de agir para convencer, e não convencer que se age). Igualmente, a dominação dos poderes públicos na economia não é um freio à inovação tecnológica, como o ilustram muitos projeto industriais já mencionaodos (Airbus, Galileo, EPR, etc.). Aliás, muitas empresas públicas que foram privatizadas, em toda a Europa, eram amplamente beneficiárias na véspera da abertura do capital pelo Estado. Pelo contrário, esse lugar do Estado nos setores chaves da economia constitui uma garantia de soberania nacional e permite uma certa margem de ação para poder, no futuro, iniciar transformações radicais na sociedade.
Tudo não é para jogar fora, e já aconteceu o Parlamento europeu impor escolhas ambientais. Podemos mencionar, por exemplo, o voto em 27 de Março de 2019 acabando com a venda de produtos de plástico de uso único (cotonetes, talheres, pratos, taco de bola...) que têm alternativas – as categorias de produtos em causa representem 70% dos resíduos que se acham nos oceanos e nas praias. Para outros produtos, em particular embalagens plásticas para alimentos prontos a consumir, o objetivo é reduzir o seu uso ao nível nacional e ser mais exigente em termos de concepção e rotulagem. A União Europeia quer também obrigar os fabricantes desses produtos a contribuir, com uma aplicação resforçada do princípio poluidor-pagador, e estabelecer um objetivo de 25% de conteudos reciclados na fabricação de garrafas plásticas daqui 2025, e de 30% daqui 2030. Essa decisão dos eurodeputados não é a ilustração de um vanguardisma: é antes de tudo a consequência da escolha da China de fechar o seu território ao armazenamento dos resíduos vindo de Europa. Contudo, com esse tipo de decisões, as instituições europeias, o Parlamento em primeiro lugar, mostraram que podiam ir no sentido correto. Mas permanecem numa lógica de « pequenos passos » ainda insuficientes (provavelmente por causa de potentes grupos de pressão financeiros e da diversidade das opiniões nos Estados membros). De fato, uma mudança de orientação global e profunda não pode ser decidida só pelo Parlamento europeu, nem pela Comissão; a um tal nível de decisão, são os chefes de Estado e de governo que são em questão. Além disso, os investimentos que seriam necessários para iniciar uma real transição ecológica na Europa parecem claramente em contradição com o espírito dos tratados europeus, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu (BCE), que apoiam políticas de austeridade e estratégias econômicas de concorrência cuja consequência principal é enfraquecer os Estados (sem no entanto aumentar em proporção os meios da União).
Por isso, hoje em dia, dadas as linhas ideológicas e as certezas que conduzem as instituições comunitárias, a União Europeia não parece tornar-se o quadro relevante para pensar o futuro. As autoridades públicas devem assumir um papel de liderança, mas a UE constitui obviamente um freio. O quadro europeu seria ideal porque a escala é muito mais impressionante e à medida do desafio que nos é imposto. O IPCC ou outros atores, científicos ou militantes ambientais, formulam recomandações regularmente e propõem soluções concretas que podem ser aplicadas ao nível da União no seu conjunto. Podemos mencionar o World Wildlife Fund (WWF), que recomanda zero emissão de carbono com prazo 2040, um melhor controle da pesca, 50% do orçamento europeu consagrado às energias renováveis, ou a implementação de uma nova Política Agricola Comum (PAC). Mas é preciso contar com uma multiplicidade de atores, cuja maiora parte dos lideres pensam com esquemas ultrapassados – até às vezes negam explicitamente qualquer ideia de transformação ecológica, por interesse ou por ideologia. Alguns países e regiões da Europa já comprometeram-se numa transição energética sólida, como a Escócia ou o Portugal, mas sem efeito na resto da comunidade. A instrução académica das nossas elites políticas e econômicas, ao nível dos Estados membros e nas instituições comunitárias, e a sua posição social e os seus privilégios, são problemáticos porque esse cocktail as torna insensíveis aos ataques sobre a natureza, indiferentes ou desprezantes em relação aos problemas e aos pedidos dos cidadãos que já sofrem da degradação do planeta e das políticas econômicas liberais. As instituições devem ser submetidas à pressão (financeira ou popular) para elas mesmas mudar a sua grelha de leitura.
O princípio de participação democrática permitiria desbloquear a situação, introduzindo debate e reequilibrando as relações de poder. Por exemplo atribuindo ao parlamento europeu, como já é o caso em quase todos os parlamentos no mundo, a iniciativa das leis (diretivas e regulamentos). Verdade que os diferentes tratados alargaram muito o papel de co-legislador do Parlamento europeu (partilhado com o Conselho da União Europeia, que reune os ministros de todos países membros em função das temáticas em causa), pois aplica-se atualmente em 85 setores de competências. Contudo, constata-se que em alguns assuntos chaves, não há co-legislação, particularmente em relação à política de concorrência. Sendo o único orgão eleito ao sufrágio universal direto na União, entende-se que é preciso apostar no Parlamento europeu para esperar uma conscientização sobre a urgência ecológica.
A iniciativa do referendo, pedida pelo movimento dos Coletos amarelos a partir de Novembro de 2018 em França, e que já existe na Suíça onde é regularmente praticado, constitui um exemplo típico de ferramenta que, aplicado ao nível nacional, da UE ou autárquico, poderia forçar as elites, para agir com realismo contra o desastre ecológico atual, para melhor tomar em conta as suas necessidades, para acabar com as vendas e privatizações das grandes empresas públicas e do património das nações, para reiniciar projetos industriais sustentáveis e criadores de empregos de qualidade, e para lutar contra as desigualdades questionando os serviços públicos ao centro do sistema de solidaridade. Permitir aos cidadãos europeus de mobilizar ou chamar atenção os seus eleitos ou dirigentes, qualquer seja a escala, em particular os obrigar a responder às esperanças legítimas de milhões de indivíduos expostos a cidades mais poluidas ou a campos com solos em degradação, não é só uma questão de democracia, mas também um ato de confiança em direção dos cidadãos. O que significa que atribuimos a eles essa capacidade (e esse direito) em envolver-se na vida da Cidade, em alertar as elites, a propor soluções e a as submeter ao voto. Significa também que consideramos todas as partes da sociedade como uma mesma comunidade de destino, profundamente ligada, e finalmente consciente que o colapso de uns significa inevitavelmente, a meio ou longo prazo, o dos outros.
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O texto a seguir é uma análise da jornalista francesa Natacha Polony, publicada em 8 de Setembro de 2017 no canal TV Internet Polony-TV. Ela apresenta a situação da União Europeia após um discurso « fundador » proclamado pelo recentemente eleito Emmanuel Macron em Atenas, uns dias antes do seu outro famoso discurso formulado em La Sorbonne, em Paris, em 26 de Setembro de 2017. Enquanto os próximos de Macron no centro liberal defendem a ideia que a Europa é indispensável para a nossa prosperidade e a nossa defesa no âmbito da globalização, a última frase do trecho seguinte tem um eco particular, sobretudo dado o balanço da política europeia de Emmanuel Macron.
Ela comece assim: « Por enquanto, o que é a União Europeia para os Franceses? Uma entidade que exige a liberalização dos serviços públicos, que deixa as firmas multinacionais domiciliar-se na Irlândia e no Luxemburgo para não pagar impostos, que organiza o dumping social, e que abre as fronteiras às populações, em particular as vindo de países de Leste, que destabilizam as nossas estruturas de acolhimento. [...] Emmanuel Macron mudou nessas questões. Durante a campanha [de 2017], ele nos fez os elógios habituais sobre a Europa [...] porque ele precisou do apoio da oligarquia europeia. Agora, ele descobre que a diretiva "Trabalhadores destacados" é catastrófica. É formidável reconhecer os seus erros, mas não basta. » Ela acrescenta ainda: « Para julgar realmente da política europeia de Emmanuel Macron, é preciso tempo. » Antes de desenvolver a sua reflexão.
Daqui um ou dois anos; a questão será então: será que ele obteve, não mudanças marginais da diretiva « Trabalhadores destacados », mas sobre o fato de pagar as cargas no país onde é efectuado o trabalho? Será que conseguiu uma harmonização do imposto sobre as sociedades para acabar com o dumping social? [...] Será que obteve o seu famoso Buy European Act, ou seja, a prioridade às empresas europeias para os mercados públicos? E até, vamos mais longe, a preferência comunitária [...]? E finalmente, muito importante, será que ele obteve uma defesa europeia independente da OTAN? Porque se não há esses quatro pontos [trabalhadores destacados, harmonização fiscal, Buy European Act, defesa europeia], as belas frases diante da Acrópole, será que nem as histórias de Júpiter, ou de Zeus: mitos.