Do franco CFA ao eco: o sintoma das independências inacabadas
Em 20 de Maio de 2020, o conselho dos ministros franceses adoptou um projeto de lei com impactos ultrapassando amplamente o âmbito francês, consagrando o fim do franco CFA como moeda dos países membros da União Económica e Monetária Oeste-Africana (UEMOA). Objetivo: o substituir por uma nova moeda, o eco, que tem vocação a estender-se a todos os membros da Comunidade dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), ou seja, também a países como a Nigéria, o Gana ou a República de Guiné. Em 10 de Dezembro de 2020, o Parlamento francês acabou de aprovar esta reforma do franco CFA.
Revindicação antiga dos ativistas e pensadores panafricanos e anticoloniais, que consideram o franco CFA como uma ferramenta de controle pela França das suas ex-colónias, contudo, esta nova moeda logo criou polémicas, alimentadas por uma desconfiança persistente em relação à antiga potência colonial, a França, que não desaparece totalmente do jogo. O próprio fato que a a transição de uma moeda para uma outra teve que passar pela validação de Paris diz muito sobre o nível de soberania real de muitos Estados africanos. Isto, enquanto os países da África central, membros da Comunidade Económica e Monetária da África Central (CEMAC), ainda não programaram uma saída do franco CFA. Uns esclarecimentos sobre esta questão de soberania e de prosperidade.
O projeto de lei adoptado na França pelo conselho dos ministros em Maio e o Parlamento francês em Dezembro de 2020 inscreve-se na implementação de um acordo passado em 21 de Dezembro de 2019, então anunciado pelo presidente marfinese Alassane Ouattara, na presença do seu homólogo Emmanuel Macron – uma fotografia que, ela também, diz muito sobre esta reforma que Paris gosta apresentar como o fim de um vestígio da Françáfrica. O que previa concretamente este acordo? Para o entender, convem lembrar o que era (e o que ainda é) o franco CFA desde as independências.
Em 1939, em plena colonização do continente africano pelas potências europeias, a França cria a área franco e fortalece assim o controle da metrópole sobre as moedas das suas colónias. O objetivo: assegurar-se que mesmo em tempo de guerra, as matérias primas permanecem disponíveis ao melhor preço. Seis anos mais tarde, uns meses após o armistício da Segunda Guerra mundial, é um decreto do general de Gaulle que permite o nascimento em 26 de Dezembro de 1945 do « franco das Colónias Francesas de África », rebaptizado em 1958 « franco da Comunidade Francesa de África ». Em 1960, enquanto as colónias obtêm a independência, o franco CFA permanece. Para os países de África ocidental, torna-se o « franco da Cooperação Financeira na África ocidental »; e para a África central, o « franco da Cooperação Financeira na África central », no âmbito da CEMAC. Em paralele, ao longo da década de 1960, a livre-sterling oeste-africana desapareceu gradualmente das antigas colónias britânicas de África, e no final da década de 1970, os fundos das missões de África de Leste e de África ocidental que gerenciavam as moedas coloniais britânicas também acabaram por desaparecer.
Contrariamente aos preconceitos, o facto de pertencer à área do franco CFA não é tão rigido como parece, pois países já sairam de lá, a República de Guiné em 1960, o Mali em 1962 (mas este voltou ainda em 1984) e a Mauritânia em 1973; e um outro país decidiu aderir, a Guiné-Bissau em 1997. Quatorze países de África ocidental e central eram, em 2020 quando foi consagrada a criação de uma moeda de substituição ao franco, membros da área do franco CFA, representando então mais ou menos 155 milhões de pessoas. Aquela área franco era dividida em dois: na África ocidental, acha-se a UEMOA, criada em 1994 e composta do Benim, do Burkina Faso, da Costa de Marfim, da Guiné-Bissau, do Mali, do Níger, do Senegal e do Togo (com a sede do Banco central, o BCEOA, localizada em Dakar); e na África central, a CEMAC, criada no mesmo ano e que conta como membros Camarões, a República centrafricana, a República do Congo, o Gabão, a Guiné-Equatorial e o Chade (e com o Banco central, o BEAC, localizado em Yaoundé). As Comores, no oceano Índico, pertencem também à área franco, mas com o seu próprio franco.
O franco CFA não pode ser simplesmente definido como uma moeda, ferramenta de câmbio e de reserva de valores. Trata-se de um sistema de cooperação monetário e comercial, que supõe várias regras, entre as quais quatro principais. Premeira, o Tesouro público francês garante a convertibilidade dos francos CFA e comorense em qualquer outra moeda. Em troca, e é a segunda condição, 50% das reservas do franco CFA e 65% das do franco comorense devem ser depositadas nas contas do Tesouro público, na França. Terceiramente, a taxa de paridade entre os francos CFA ou comorense e o euro é fixo (assim, 1 euro vale 655,957 francos CFA – da África ocidental como da África central – desde 1999). Finalmente, as transferências capitais na área franco CFA são integralmente livres e gratuitos. Acrescentamos que as notas são imprimidas na França, em Chamalières, no Puy-de-Dôme, e que esse sistema induz um certo controle pela França, a qual é representada nas intâncias monetárias dos países parceiros e a qual, em termos comerciais, assegura a gestão das contas de títulos e dos depósitos de reservas de ouro.
Este sistema é suposto estabilizar as financças dos Estados africanos que o utilizam, e a França sempre fez o esforço de apresentar a área franco como uma ferramenta de solidariedade e de desenvolvimento. Contudo, constata-se uma subida das críticas em relação ao franco CFA, considerado como uma ferramenta de controle neocolonial de Paris sobre as suas antigas colónias. O Senegal em particular foi o teatro, nos últimos anos, de uma forte contestação anti-franco CFA, com um episódio emblemático em 19 de Agosto de 2017, quando o ativista franco-beninense Kémi Séba queimou uma nota de 5 000 francos CFA numa manifestação em Dakar. O BCEAO tinha então apresentado queixa e os ativistas anti-CFA tinham chamado a protestos. Finalemente o ativista tinha sido expulso do Senegal com base o pretexto de « ameaça grave à ordem público », mas o seu gesto alimentou incontestavelmente o debate. Durante a eleição presidencial senegalesa do 24 de Fevereiro de 2019, um candidato da oposição, Ousmane Sonko, até tinha colocado a saída do franco CFA no programa eleitoral.
O processo atual: reforma de fundo ou fumo e espelhos?
É neste contexto que inscreveu-se portanto o projeto de substituição do franco CFA de África ocidental por uma nova moeda, o eco. Para entender o princípio deste projeto e as críticas encontradas, convem lembrar que os países da UEMOA pertencem a um conjunto sub-regional maior, a CEDEAO, a qual pertencem sete outros países que, na maioria das coisas, são antigas colónias britânicas, como a Nigéria, o Gana, a Sierra Leone ou a Libéria. Igual na África central onde os membros da CEMAC pertencem à Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC) com outros países como a República democrática do Congo, a Angola, ou ainda o Ruanda.
O franco CFA não tem, por enquanto, vocação a desaparecer totalmente sob o seu nome atual, pois os seis países de África central continuirão a usar-lo no âmbito da CEMAC. Mas podemos logicamente supor por princípio que, a longo prazo, se a experiência torna-se positiva do lado da CEDEAO, o processo atual a cerca do eco poderia inspirar um processo similar na África central.
A CEDEAO contava em 2020 mais ou menos 356 milhões de habitantes e totalizava um PIB global de 817 bilhões de dólares norte-americanos. Desde a sua criação em 1975, ela tem vocação a promover uma integração regional que deve passar por uma moeda única – que não seja o franco CFA. Este projeto de moeda foi adoptado logo em 1983, mas nunca foi concretizado. Para isso, seria necessário reformar as políticas monetárias e abandonar as oito moedas em circulação no espaço CEDEAO, ou seja, o franco CFA da UEMOA e as sete moedas nacionais dos países não-membros da UEMOA. Em 29 de Junho de 2019, os chefes de Estado da CEDEAO finalmente anunciaram a criação desta união monetária, segundo uma agenda gradual: os países da UEMOA que já usam o franco CFA irão a usar em primeiros uma nova moeda, os outros sendo supostos juntar-se a eles mais tarde. Esta abordagem logo questionou, pois o franco CFA e o eco são supostos ser dois projetos distintos, o que parece contraditório com ua estratégia que deve fazer da UEMOA o espaço fundador da nova moeda. O economista senegalês Ndongo Samba Sylla, coautor de A arma invisível da Françáfrica (2018), estima por exemplo que a reforma atual constitui de fato, para a França, um meio de alargar a área do franco CFA a novos países e operar reformas superficiais para calar as críticas anticolonialistas habituais.
Concretamente, que sabemos do processo atual? Primeiro, deixamos de lado a ideia que trata-se ai do enterro do franco CFA. Em 28 de Janeiro de 2020, durante a sua audição diante da comissão dos negócios estrangeiros à Assembleia nacional, o próprio (então) ministro francês Bruno Le Maire falava mais de « reforma do franco CFA ». Sabemos que o franco CFA é objeto de três críticas principais, que justificam que seja qualificado de « moeda neocolonial »: o nome da moeda, que lembra a apelação original de franco das Colónias Francesas de África; a questão da presença da França nas instâncias; e a centralização de 50% das reservas de câmbio pelo Tesouro público francês. São justamente estes três elementos visados pelo processo iniciado.
A reforma prevê portanto a substituição do « franco CFA » pelo « eco » e o fim da obrigação pelos Estados parceiros de transferir 50% das suas reservas de câmbio no Tesouro francês. Outro reforma importante: Paris retira-se das instâncias de governação nas quais ela estava presente – em particular uma representação no conselho de administração do Banco central em Dakar, na comissão bancário e no conselho de política monetária, assim como duas reuniões anuais (uma delas era realizada em Paris) às quais participavam o ministro francês das Finanças e o governador do Banco fr França. Contudo, o cordão com a França não é realmente cortado, pois Paris continuará a assumir um papel de fiador para a nova moeda, que manterá uma paridade fixa com o euro, ao meso nível que o atual franco CFA. Este último ponto deve evoluir a longo prazo, quando uma eventual moeda comum oeste-africana será criada. Mas por enquanto, o eco constitui portanto, antes de tudo, uma fase de transição na qual a França permanece predominante. Os fundamentos do sistema são mantidos, dando a sensação de uma mudança na forma, visando sobretudo a calar as críticas anti-franco CFA. Aliás, durante a audição em 12 de Fevereiro de 2020, diante à comissão das finanças, da economia geral e do controlo orçamental da Assembleia nacional francesa, o chefe do serviço dos negócios plurilaterais e do desenvolvimento na direção geral do Tesouro francês, Guillaume Chabert, falava de « sair dos irritantes políticos » – induzindo que a motivação primeira da reforma não é tanto de permitir uma longe soberania monetária africana, ou de alimentar um assunto fundamental do panafricanismo, mas sim, de calmar as críticas em relação ao sistema do franco CFA.
Aquele dia de Maio de 2020, quando foi adoptado em conselho dos ministros o projeto de lei, a então porta-voz do governo francês Sibeth Ndiaye declarou que « este fim simbólico devia inscrever-se numa renovação da relaçéao entre a França e a África e escrever uma nova página da nossa história ». Contudo, o conteúdo da reforma não constitui uma ruptura radical. Aliás, nem é óbvio que a França saia desta seqüência perdedora. Certamente, as reservas de câmbio serão agora colocadas pelo BCEAO onde ele quer. Primeira tradução concreta disso: em Maio de 2021, cinco bilhões de francos CFA de reservas de câmbio dos Estados de África ocidental foram transferidos da França para o Banco Central dos Estados da África Ocidental (BCEAO). Mas globalmente, esta mudança, para o Estado francês, não será muito doloroso, pois a conta localizada em França, com uma taxa de juros anual de mínimo 0,75% – ou seja, taxas de juros superiores aos do mercado europeu –, constituiu mais uma carga financeira. Sem contar que a França conservará claramente um meio político de pressão nas negociações da área monetária, pois ela continua a garantir a convertibilidade da nova moeda. As modalidades desta garantia não são claramente detalhadas, fora de um acesso privilegiado às informações macro-económicas da UEMOA. Sem esquecer também que o Banco da França conserva o seu papel comercial, continuando a imprimir as notas e a fornecer serviços bancários ao BCEAO (esta conserva lá uma conta e um conta de títulos por exemplo).
Além disso, o processo oficialmente iniciado fica sujeito a muitas questões e reticências. Primeiro, em relação ao novo eco, ainda deve ser confirmada a extensão desta moeda, mais tarde, aos quinze países membros da CEDEAO, entre os quais uma boa parte não é constituida por antigas colónias francesas e entretem relações muito diferentes com a França. Entre eles, um Estado, a Nigéria, cria mais incertezas no processo. A sua economia, tal como a do Gana, não são prontas a respeitar critérios de convergência predefinidos, pois a estabilidade exterior da moeda respetiva dessas duas nações baseia-se na boa saúde das exportações dos mesmos no mercado mundial (de petróleo, de ouro, de cacao, etc.). A inflação da Nigéria atingiu 12,3% em Janeiro de 2020, favorecida por uma subida dos preços no setor alimentar, o aumento dos salários e o aumento da taxa da IVA. Igualmente, o défice público destes dois países estavam então prontos a explodir, por causa de emprestos importantes nos mercados dos capitais. Aliás, constata-se que é a Nigéria que pediu, em Fevereiro de 2020, o adiamento do lançamento do eco previsto em Julho de 2020, com pretexto que os critérios de convergência entre Estados não eram atingindos pela maioria dos países.
Além destas considerações técnicas, adivinha-se a relutância da Nigéria para conceder uma parte da sua soberania monetária ao benefício de um sistema enquadrado por Paris, dado o seu peso demográfico e económico que este país representa na comunidade (com quase 70% do PIB da CEDEAO). Aliás, as suas reticências quanto ao processo atuais são partilhados: após a reunião extraordinária dos ministros das finanças e dos governos dos bancos centrais realizada em 15 de Janeiro de 2020 em Abuja, os seis Estados da CEDEAO não-membros da UEMOA, ou seja, a Libéria, a Sierra Leone, a República de Guiné, o Gana, a Gâmbia e a Nigéria, rejeitaram a adopção do eco como moeda comum. Às questões técnicas acrescenta-se portanto, obviamente, questões políticas que revelam uma concorrência de liderança. Muitos consideram, aliás, que a decisão de uma transição do franco CFA para o eco poderia ser uma maneira para um país como a Costa de Marfim de tomar a liderança regional, ao custo da Nigéria, cuja rejeição não foi uma surpresa para ninguém. Provável portanto que o eco nunca se torna mais do que a moeda da UEMOA, pois não parece ter convencido os responsáveis dos outros países não-membros, que criticaram a mesma por avançar sozinha numa construção suposta ser comum. O Gana por exemplo, o qual, contudo, ilustrou-se como um país voluntarista no projeto de criação de uma moeda sub-regional, logo rejeitou o princípio de uma paridade fixa com o euro.
Além disso, várias incertezas técnicas permanecem a volta da reforma e dos seus impactos. A França assegurava até então a garantia nas operações de transferência e de câmbio. Esta garantia só permanecerá para as operações de transferência. Mas uma política monetária incluindo ao mesmo tempo uma paridade fixa e uma liberdade de câmbios pode revelar-se complicada, e o mais provável é que o Banco de França exigirá pelo menos de estar sistematicamente informado sobre as operações de câmbio, ou até a permanência de uma forma de controlo. A opção de um cabaz de moedas no qual poderia basear-se a nova moeda não parece na ordem do dia, e o lugar onde serão estabelecidas as reservas de câmbio recobertas pelo BCEAO ainda é desonhecido. Quanto aos impactos económicos da mudança de moeda, para a França como para a UEMOA, difícil os avaliar, e provavelmente eles não serão significativos a curto como a médio prazo.
Finalmente, o futuro calendário é incerto: primeiro, porque os países fora da UEMOA têm dificuldades a respeitar os critérios de convergência orçamental; segundo porque até a implementação do eco na área da UEMOA pode tomar tempo. De fato, não se observa a implicação política que necessitaria um tal processo, do lado dos governos, dos parlamentos como das sociedades civis da comunidade. Constata-se pelo contrário uma forma de paternidade assumida de Paris em relação ao projeto, o que revela uma certa inércia dos dirigentes parceiros que não é auspiciosa. O processo de ratificação do acordo revelou-se lento. Em Dezembro de 2020, quando o projeto de lei foi adoptado pelo Parlamento francês, nenhuma encomanda ainda tinha sido realizada para a produção de moedas e de notas (que continuará na França). A CEDEAO não tinha elaborado um novo tratado de união monetário, e os estatutos do futuro banco central ainda não estavam claramente definidos.
Nova moeda, mesmo sistema econmico
Além do papel dos políticos neste assunto, do calendário e das muitas incertezas da reforma que levam perguntas, podemos analisar o processo atual o distinguindo do sistema económico e comercial global com o qual devem compor os Estados africanos desde as independências. A era colonial permitiu instalar, na maioria dos países do continente, economias baseadas na exportação de matérias primas, sejam elas agrícolas e piscícolas, ou extrativas. A configuração do comércio internacional permaneceu, do lado da África, relativamente a mesma desde as independências. Mas observa-se justamente que a capacidade da CEDEAO a iniciar um processo de criação de uma nova moeda, realmente soberana e sem necessitar uma amarração ao euro ou ao dólar para assegurar a sua estabilidade, é primeiramente e antes de tudo limitada por esta configuração do comércio internacional.
Esquematicamente, os Estados asseguram o essencial da sua liquidez pela exportação em matérias primas, sobre as quais eles não controlam nem a procura externa, nem os preços no mercado mundial. Eles importam a maioria do seu comércio interior em bens manufacturados e em serviços – o que, claro, a diminuição dos direitos aduaneiros com a Europa, negociada no âmbito de acordos comerciais com a Comissão europeia, facilita. Dai, um balanço comercial com a UE, os Estados-Unidos, o Japão ou a China, a maioria das vezes deficitário. Acrescenta-se a grande flutuação dos preços das matérias primas, criando incerteza, a qual limita os investimentos diretos estrangeiros e a capacidade dos Estados a financiar-se no mercado dos capitais. Os mesmos tornam-se dependentes da ajuda do Fundo monetário internacional ou do Banco mundial para reembolsar as despesas de funcionamento e pagar os funcionários, por via de emprestos com taxas que também não controlam, e à condição de conduzir políticas de ajustamento estrutural. Estas, pelas privatizações e as políticas de austeridade orçamental, limitam as capacidades dos Estados a implementar os investissementos públicos indispensáveis à diversificação da economia, ao surgimento de um tecido industrial local, e portanto ao reequilíbrio do balanço comercial. Investimentos que permitiriam também desenvolver serviços públicos – em particular escolas ou universidades de qualidade, para aumentar o capital humano.
Num contexto desse, entende-se bem a dificuldade dos países da CEDEAO que não beneficiam da estabilidade do franco CFA, a respeitar os critérios de convergência na perspetiva da implementação de uma nova moeda. Entende-se também que a soberania monetária não pode ser dissociada de uma estratégia económica e industrial à escala da África ocidental. Aliás, as relutâncias da Nigéria à implementação do eco não são anódinos, pois o país conduz há vários anos uma política económica protecionista que entra muitas vezes em contradição com o princípio de integração regional da CEDEAO, como o ilustrou, a partir do verão de 2019, o encerramento das suas fronteiras terrestras para lutar contra o contrabando de petróleo e de arroz, que teve repercussões importantes nas economias vizinhas.
Além disso, ao contrário dos argumentos da França, a estabilidade do franco CFA não assegurou a prosperidade dos países em questão. Ilustração com estatíticas: entre os quinze Estados usando o franco CFA, treze são classificados como países pobres e muito endividados pelo Fundo monetário internacional. Contudo, após a Ásia, o continente é a secunda locomotiva do crescimento mundial. A fraqueza das economias africanas, a falta de diversidade e a ausência de indústrias locais competitivas têm causas diversas, mas o franco CFA é claramente umas delas, pois limita ao mesmo tempo as capacidades de investimento e a competitividade dos produtos. Assim, para assegurar a paridade com o euro, os países onde circulam francos CFA são obrigados a controlar a sua inflação, ou seja, o dinheiro em circulação, e 2% do lado da UEMOA, 3% no máximo do lado da CEMAC. Portanto os bancos nacionais limitam os empréstimos às empresas para respeitar esses tetos. Aqueles empréstimos só representariam 23% do PIB na área franco, enquanto estão pertos de 150% na África do Sul, e ultrapassam 100% na Europa. Menos créditos, portanto menos investimentos endógenos, menos infra-estruturas e serviços públicos.
Sendo diretamente conectado ao euro, o franco CFA é também desconectado do contexto económico dos países onde circula. O euro é uma moeda forte (ou pelo menos muitas vezes mais forte do que deveria), e portanto o franco CFA encontra-se sujeito às flutuações conjunturais, não as dos países que o usam, mas da área euro. Uma situação com conseqüências económicas dramáticas, pois uma moeda forte, se ela é interessante para as importações (contudo essas vêm sobretudo de Europa, dos Estados-Unidos, do Japão e da China), não encoraja as exportações. Portanto o sistema de amarração do franco CFA ao euro impede então qualquer desvaluação competitiva, e descoraja assim a produção local, cria obstáculos à industrialização e fecha os países numa economia rentista de matérias primas. Em vez de produzir localmente, torna-se mais rentável importar bens produzidos em países com uma moeda fraca, como a China. Para a UEMOA por exemplo, as importações chinesas passaram de 3,9% em 2005 a quase 11% em 2014.
No entanto, graças à livre transferência dos capitais, as empresas estrangeiras, quantas a elas, podêm investir localmente. Aliás, a taxa fixa favorece os investimentos das empresas francesas implementadas na África, como Total, o grupo Bolloré, Bouygues, Orange e muitos outros; tal como permite-lhes transferir de volta mais facilmente os seus fundos na Europa sem problema de taxa de câmbio. Nos países da UEMOA, as sociedades francesas asseguram muitas vezes 50% dos investimentos estrangeiros. Em 2011, a BNP Paribas, a Société Générale e o Crédit Lyonnais (LCL) representavam, elas sozinhas, 70% do volume de negócios dos bancos da área franco.
Finalmente, não podemos não ver o paradoxo inerente ao franco CFA? na África ocidental como na África central, mas que revela de fato a realidade do sistema económico no qual ele circula: enquanto poderiamos pensar que uma moeda comum impulsaria o comércio intra-africano e a integração sub-regional – como na União europeia onde 60% das trocas fazem-se entre países da comunidade –, nao é o caso. Segundo um Relatório sobre o comércio exterior da UEMOA publicado em 30 de Novembro de 2017 pelo BCEAO, a África contava em 2016 para 25,6% das exportações da UEMOA, contra 45,2% para a Europa (ou seja, quase o dobro), no qual 28,9% para a União europeia, e 17,4% para a Ásia. A parte das exportações com destino a CEDEAO cai a somente 12,7%. Uma situação ainda menos encorajadora se analisamos o volume de comércio entre aos dois principais espaços monetários do franco CFA: em 2014, as exportações dos países da UEMOA em direção da CEMAC ultrapassavam apenas 3%. E menos de 2% das importações da UEMAO vinham da CEMAC. Isto, após mais de 80 anos de existência da área franco e mais de 60 anos de independência.
Uma soberania económica e monetária elusiva?
Finalmente, entre a baixa motivação dos cidadãos, as incertezas técnicas e as relutâncias de vários países da CEDEAO, todo o processo de reforma atual pode deixar perplexo. Longe de uma rupture no entanto muito esperada, os únicos interesses simbólicos resumem-se à mudança de nome, no fato que os Franceses deixam os organismos de decisão e que a conta de operação volta no continente africano.
Sobretudo, o processo coloca em luz as carências de uma boa parte do continente em termos de soberania e de visão económica. O fim dos 50% de reservas conservadas pelo Tesouro francês por exemplo, dá a ilusão que aquele dinheiro poderá agora servir a financiar o desenvolvimento dos países membros da CEDEAO, enquanto o mais provável, é que pela ausência de uma capacidade industrial interior, as moedas servem prioritariamente a apoiar as importações muito elevadas dos países africanos. Outro exemplo: a garantia trazida por Paris e a permanência da paridade fixa com o euro são apresentadas, do lado da França, como vantagens, pois garantindo uma verdadeira estabilidade e níveis de crescimento relativamente elevados... enquanto mostram sobretudo a incapacidade dos Estados africanos a assegurar sozinhos essa estabilidade e o acesso aos mercados financeiros. O laço monetário com a França é certamente uma assegurança de estabilidade, mas confirma sobretudo a fraqueza dos atores em questão.
Esta fraqueza é estrutural e tem a ver com setores tão diversos como a estratégia económica, a gestão das contas públicas, a política comercial e aduaneira, ou ainda o tratamento da dívida. Assim, constata-se por exemplo que a França assuma há alguns meses uma postura favorável a um apoio aos países africanos que conhecerem uma crise após a epidemia de COVID-19. A queda dos preços do petróleo e das outras matérias-primas, e a desconfiança dos investidores que retiram-se em mercados mais seguros, são tantos fatores que colocam o continente em tensão. Esta situação revela as lacunas da sua soberania, em pelo menos dois aspetos: primeiro porque ela mostra mais uma vez a dependência estrutural dos Estados africanos em relação à procura externa em matérias-primas para a sua liquidez; segundo porque constata-se que é Paris, e não os governos africanos, que obteve umuma moratória ao pé dos credores do Clube de Paris sobre o pagamento do serviço da dívida em 2020 para 77 países (considerados países os menos avançados), entre os quais o Mali, e Etiópia, a República democrática do Congo, o Congo-Brazzaville, Camarões e a Mauritânia.
Por trás das lacunas do modelo económico com as quais devem contar os países do continente desde a era colonial, é a falta de visão clara, pelos seus dirigentes, sobre as possíveis vias a seguir (coletivamente, ou à escala de cada Estado) que está em questão. Falta de visão claramente ajudada pela sua formação académica e pela ação das instituições financeiras e de cooperação internacionais. Um exemplo particularmente ilustrativo é o perfil mesmo das organizações de integração sub-regionais implementadas desde as independências, como a CEDEAO, a CEMAC, ou ainda a SADC na África austral. Estas estruturas reproduzem a estratégia de integração gradual adoptada desde a década de 1950 pela Comunidade Económica Europeia (CEE), que tornou-se a União Europeia em 1992, realizando por etapas a implementação de uma união aduaneira, de um mercado comum, de uma moeda comum, etc. Este mimetismo nem é escondido, pois o preâmbulo do tratado estabelecendo a CEMAC em 1994, por exemplo, fazia explicitamente referência ao processo de integração em curso na Europa, apesar de contextos tão diferentes. Mais recentemente, os próprios critérios de convergência definidos para a implementação do eco em substituição do franco CFA, ou seja, um défice orçamental que não deve ultrapassar 3%, uma inflação a menos de 10% e uma dívida inferior a 70% do PIB, têm como lembrar os critérios de Maastricht da área euro.
A ausência de uma visão forte levada pelos dirigentes e que não colocaria o modelo ocidental como único horizonte possível para a África, constitui uma herança provavelmente sólida da era colonial. O atual projeto de nova moeda é emblemático, pois constata-se que os fondamentos do franco CFA não mudam. Sobretudo, é preciso constatar que o eco não faz sonhar. A própria escolha do nome « eco » não é associado a nada de particular, nem à África no seu conjunto, nem a uma referência histórica partilhada. Na perspetiva de um processo que pretende-se panafricano, poderíamos ter imaginado uma apelação mais original, como o « cauri » ou o « manila » que lembram antigos valores monetários da sub-região. Ou a definição de um modelo diferente do apresentado pela Europa, de mercado concorrencial e livre-cambista, com uma moeda única.
O drama atuado no teatro da UEMOA é triplo. Primeiro, o de uma desperdício, dado o potencial humano e natural deste continente. Todavia os economistas, sociólogos e outros inteletuais que aderem a um pensamento descolonial existêm, e já contribuem regularmente a construir uma visão alternativa, como Felwine Sarr ou Ndongo Samba Sylla no Senegal, Gilles Olakounlé Yabi no Benim ou ainda Martial Ze Belinga em Camarões. Mas é necessário constatar que a sua influência é limitada, e que o poder permanece em mãos menos inspiradas.
É também o drama de uma reflexão panafricana espezinhada; pois o projeto de nova moeda, como é conduzido, pode prejudicar todo o projeto e o pensamento panafricanos, mais do que os ajudar. O atropelo e os limites do eco, não só desacreditam as instituições sub-regionais, em primeiro lugar a CEDEAO, mas também põe em perigo para muito tempo o projeto federal oeste-africano. A tal ponto que podemos nos questionar para sabar se esse processo todo não tem, à final, como objetivo sabotar a ideia de uma integração sob-regional emancipada da tutela francesa: especulando sobre os atrasos encontrados pelos diferentes Estados no respeito dos critérios de convergência, dirigentes como Alassane Ouattara, o qual sempre foi um fervoroso defendedor do sistema do franco disporão de argumentos, para justificar a permanência do statu quo.
Finalmente, se trata do drama de povos abusados. Pois o que reclamam os cidadãos, economistas, pesquizadores ou historiadores, baseia-se numa vontade legítima de assegurar a prosperidade às gerações presentes e futuras. Trata-se simplesmente do direito de qualquer país a construir uma verdadeira soberania monetária, e assim a abrir novos horizontes políticos para as jovens gerações.