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O acendedor de lampiões

Raças, etnias, nacionalidades (1/2): As divisões imaginárias da espécie humana

2 Avril 2022 , Rédigé par Jorge Brites Publié dans #Identidade, #História

No Brasil, Jair Bolsonaro, tal como outros líderes de extrema-direita no mundo ocidental, encarnam nacionalismos que supõem que o seu país é uma nação branca e cristã. Na Europa de Leste, figuras populares e autoritárias, por exemplo na Polônia e na Hungria, tratam das ondas de migração recentes como de ameaças para a identidade nacional. Em França, onde se fala de insegurança cultural, ou às vezes da Grande substituição de populações (Grand remplacement em francês), para tratar da imigração e dos problemas comunitários induzidos, essa visão já provocou polémicas, por exemplo em 2015 quando uma deputada de direita declarou na TV: « A França é um país judeo-cristão, de raça branca ». A questão das « raças » existe de maneira polémica em países onde o racismo foi particularmente destructor e fator de divisões; no entanto, o princípio de uma espécie humana sub-dividida em raças permanece uma crença partilhada por muitos.

É ainda mais preocupante porque outros conceitos adicionam-se: étnias, comunidades, tribus, etc. Testemunham de uma visão fragmentada da humanidade, numa base bastante fraca, misturando o nascimento e a pertença linguística e cultural. O uso desse vocabulário na linguagem do dia a dia não constrange, ainda menos porque é observado para falar de povos desprezados (no inconsciente coletivo), ou seja os de países do Sul, ou do Mediterrâneo e da Europa de Leste. Por exemplo, falaremos mais facilmente de « conflitos interétnicos » na África ou nos Bálcãs, mas quem apresentará os Catalães ou os Bascos como « étnias » espanhois? No máximo, falaremos de « nacionalidades ».

A « étnia », tal como a « raça », não baseia-se simplesmente em vetores culturais comuns, mas primeiro e antes de tudo sobre uma ancestralidade comum. Em outras palavras, a espécie humana seria dividida em raças: branca, preta, amarela, etc. E essas raças seriam elas mesmas sub-divididas em grupos étnicos e em comunidades, às vezes com sub-sub-divisões bastante obscuras e ainda mais subjetivas. Por exemplo, os Brancos seriam sub-divididos em Esclavos, Germanos, Celtas, Semitas, etc. nos quais se acha os Búlgaros, os Sérvios, os Bávaros, os Judeus asquenazes, etc. Qual é a realidade?

Tiyi, núbia, esposa do faraó Aménophis III.

Vamos começar lembrando que as separações baseadas sobre a cor de pele não foi sempre a regra no Homem. Nos tempos mais antigos da humanidade, os indivíduos andaram pelo mundo, e o que mais importante era os interesses das cidades, dos comerciantes, dos indivíduos. A escravidão, na Antiguidade, aintigiu os Brancos como os Negros sem distinção, e o Egito antigo conheceu faraós e rainhas « negros ». Uma dinastia dita de faraós negros (a XXV° dinastia, de origem núbia) até foi imposta no final do Novo Império, com o Impréio kushita. Havia, claro, racismo – embora ele era bem diferente, em vários aspetos, do que exprimiu-se nos séculos XIX e XX. Gregos e Romanos já qualificavam aqueles que não falavam a sua língua de « bárbaros », e não escondiam o seu sentimento de superioridade sobre os outros povos. Aliás, é por isso, no século III antes de J.-C., Alexandre o Grande teve grandes dificuldades em obrigar os seus generais macedônios a aceitar o princípio de casamentos mistos com mulheres persas, com objetivos políticos e culturais – o próprio casou-se com a filha do antigo imperador persa aquemênida Dario III. Mas não teria sido imaginável o imperador persa Xerxes Ieiro, Hannibal o Cartago, ou ou ainda Júlio César em Roma, recusando negros nas suas tropas por causa da sua cor de pele ou de uma suposta raça.

A distinção de raças com base a aparência física, cristalizada no desprezo sistemático e coletivo pela suposta raça negra, chegou mais tarde. O papel das grandes religiões monoteístas é, a esse respeito, bastante óbvio. Tanto pela atitude dos homens e pelo conteúdo dos textos. Já com os judeus, o episódio bíblico (Gênesis 9:18-29) condenando Canaã, filho de Cam e neto de Noé, a servir os seus tios Sem et Jafé, foi objeto de várias exegeses (explicações) oferecendo aos seus autores uma legitimidade religiosa na depreciação dos povos da África negra – suppostamente descendentes de Cam – e na sua escravizão. Essa leitura pode ter tido consequências importantes para todas as religiões do Livro.

Com os cristãos, observa-se uma forma institucionalizada de « racismo » logo no século VI depois de J.-C., com o primeiro conselho de Elvira (na Espanha), que condane a dez anos de excomunhão quem deixou um judeu abençoar a sua colheita ou quem partilhou a sua refeição com um judeu. A Inquisição, que existiu entre os séculos XIII e XIX na Europa, infelizmente é apenas um passo entre outros nesse processo. O Santo Ofício da Inquisição, criado logo em 1231, trabalhou durante mais de cinco séculos em perseguir ao mesmo tempo os hereges, os judeus e os muçulmanos convertidos ao cristianismo, mas também as « bruxas ».

Retrato de Nicolas V, papa entre 1447 e 1455.

Mais tarde, e na origem do comércio transaltântico de escravos, a escravidão praticada pelas potências europeias (com a aprovação da Igreja) terá uma dimensão intrinsecamente racista voltada particularmente contra os negros, principalmente após o fim oficial do trabalho forçado dos Ameríndios, depois da controvérsia de Valladolid sob o pontificado do papa Júlios III (1550-1555). Logo em 1455, em sua bula papal do 8 de Janeiro (Romanus pontifex), o papa Nicolas V atacou especialmente os Sarracenos, ou seja, os muçulmanos, justificando até a sua escravização: « […] favores e graças especiais sendo conferidos aos príncipos e reis católicos, que […] nem só restringem os excessos selvagens de Sarracenos e outros infiéis, […] mas também para a defesa e o amento da fé, eles devem perseguir e fazer desaparecer os mesmos, tal como os seus reinados e as suas habitações, embora os mesmos são localizados em regiões distantes que ainda nos são desconhecidas ». Mais longe nos texto, o mesmo papa dava ao rei português da época « a livre e ampla faculdade de invadir, buscar, capturar, deportar e submeter os Sarracenos, e outros inimigos do Cristo seja onde for, de tomar possessão dos seus reinados, principados, e das suas possessões, e de todos os seus bens móveis e imóveis, e de reduzir a sua pessoa à escravidão perpétua, e tomar a soberania dos seus reinados, principados, e dos seus bens para beneficiar do uso e dos produtos dos mesmos ». Em 1526, Funsu Nzinga Mbemba, dito Afonso Ieiro, rei cristão do Kongo, escreveu para o rei português João II para pedir, em vão, o fim do do tráfego transatlântico, o qual despovoava o seu país.

A dimensão racista desenvolvida nas sociedades critãs do Ocidento encontrou, na empresa de colonização da América a partir do século XVI, e da África no século XIX, uma continuação lógica. Ela é óbvia na argumentação daquela altura. Assim, Victor Hugo dizia, num discurso pronunciado em 18 de Maio de 1879 num banquete comemorando a abolição da escravidão: « Essa África feroz só tem dois aspectos: povoada, é a barbaridade; deserta, é a selvageria. [...] No século dezenove, o Branco fez do Negro um homem; no século vinte, a Europa fará da África um mundo. » Entender: o homem negro não era um homem. Por isso, portanto, não lhe era concedido ter uma alma. E por isso tinha que ser convertido, despojado das suas crenças obscuras. Se essa abordagem dava jeito às potências colonizadores para razões políticas e econômicas, permitindo-lhes justificar a conquista do continente africano numa base « humanitária » e civilizadora, ela correspondia a uma visão do mundo na qual Negros e Brancos não eram naturalmente iguais. Na qual a Escola da República ensinava uma humanidade dividida em quatro « raças » distintas e homogêneas. Na qual o Cristo podia ser representado sendo loiro de olhos azuis, contanto que não o confundisse com um vulgar Árabe ou Judeu sefardita.

As sequelas dessa « estratificação racial » encontram-se até hoje em várias áreas, de maneira inconsciente ou não. Enquanto isso, os Estados Unidos segregacionistas e o regime do Apartheid sul-africano passaram por ai, tal como a marginalização ou o massacre dos povos indígenas do continente americano, a política de assimilação forçada dos Aborígines na Austrália, ou ainda os pogroms anti-semitas na Europa de Leste. Os exemplos são tantos que até podemos ganhar tempo em não os mencionar todos. Em Israel, o tratamento discriminatório aplicado há muito tempo contra os cidadãos de origem etíope (judeus, no entanto) também é revelador. E podemos lembrar que os mais fervorosos católicos permanecem os mais relutantes em nomear um papa negro. Pois isso contradiria a sua visão idílica (consciente ou não) de uma humanidade na qual a raça branca assuma um papel particular, o de conduzir os outros povos no caminho de Deus. Hoje em dia, as relações diplomáticas entre Estados, o tratamento da informação pelas mídias, ou ainda as políticas de ajuda ao desenvolvimento para a África, ilustram regularmente a visão desigual que todos (Brancos como Negros) partilham sobre a humanidade.

Imagens de arquivo expostas no Museu do Apartheid, em Joanesburgo, África do Sul.

Imagens de arquivo expostas no Museu do Apartheid, em Joanesburgo, África do Sul.

Nesta construção de uma « humanidade dividida » (na qual aquele que tem a pele escura é sempre inferior), o mundo muçulmano obviamente não está de lado. Podemos lembrar por exemplo que, em paralele ao comércio intra-africano e ao comércio transatlântico, existiu um comércio oriental à destinação do mundo árabe-muçulmano. O historiador francês Olivier Pétré-Grenouilleau, perito sobre a história da escravidão, estimou em 2004 que ele pode ter causado um total de 17 milhões de vítimas desde o século VII até nossos dias. Se é verdade que o Corão condena a escravidão, práticas de contornamento foram achadas. Uma delas foi por exemplo de passar por comerciantes judeus para adquirir escravos.

Um caso muito ilustrativo é o da República islâmica de Mauritânia, onde associações denunciam regularmente a persistência (até hoje) de práticas da escravidão. O país é composto de populações árabe-berberes (os Mouros, também chamados Bidân, o que significa « Branco ») e de populações negras, nas quais a maioria é a comunidade dos Harâtîn, ou seja, antigos escravos dos Mouros, que representam mais ou menos 45% da população. No seu livro Nouakchott, no cruzament da Mauritânia e do mundo (Nouakchott, au carrefour de la Mauritanie et du monde em francês), publicado em 2009, a geógrafa Armelle Choplin nos explica: « A escravidão foi muito tempo legitimada na sociedade moura pela religião muçulmane. Embora essa condene as práticas escravatórias, certos fatos foram revisitados, e às vezes mesmo inventados, e posterioramente alimentados pelas diferentes comunidades. A ideologia popular justifica "religiosamente" a escravatura. O mito fundador relata que o pai dos Harâtîn e o pai dos Bidâneram irãos. Enquanto eles viajavam juntos, cada um carregando um Corão, começou a chover. O pai dos Harâtîn o teria então colocado acima da cabeça para proteger-se ele mesmo da água. A tinta do manuscrito teria afundado, escurecendo-o para sempre e, cumprindo uma punição ditada por Deus, o seu irmão Bidân o reduziu à escravidão. Este mito seria inspirado pela maledição bíblica de Cam.

Não há raças, mas sete grupos biológicos

Então, o homem branco, o homem de cor, e no meio disso muitas cores não classificáveis. No âmbito de uma pesquisa lançada no Brasil em 1976 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e de Estatística (IBGE), era perguntado aos entrevistados de definir a cor da sua pele. A pergunta teve um grande número de respostas e, a seguir de um trabalho importante de reagrupamento, 136 cores de pele tinham surgidas. A leitura sendo às vezes muito imaginativa: branco essencial, branco mel, puxa para o branco, carvão, grelhado, puxa para o dourado, cor de café, marrom-bem-chegada, trigo, meio preto... Qual é a realidade? Será que a nossa espécie é dividida em raças, se baseamo-nos na ferramenta científica mais séria à nossa disposição, ou seja a genética?

Uma escola em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Brasil.

Uma escola em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Brasil.

Distinguimos durante muito tempo a espécie humana em quatro raças: a negra (ou preta), a branca, a amarela e a vermelha. Alguns conseguiram identificar umas dezenas, senão centenas, adicionando outros critérios físicos e culturais. Assim, os Nazistas falavam mais de raça ariana, eslavalatina, judia, etc. do que de « raça branca ». Pois sim, somos brancos mas não vamos nos misturar com qualquer povo. A raça branca deve ser mais complexa, mais sutil. Embora existe uma raça negra a frente. Sim porque claro, Branco, não deixa de ser melhor do que Negro, mesmo quando se trata de Iugoslavo, Tártaro ou Albanês. E porque a incoerência e o ridículo não matam, o auge foi alcançado quando os Nazistas buscaram origens arianas para os Japoneses, para justificar a aliança entre esta potência asiática e a Alemanha de Hitler.

Trecho de manuel escolar, em França, na Terceira República (1870-1940).

Trecho de manuel escolar, em França, na Terceira República (1870-1940).

Enquanto isso, a Segunda Guerra mundial e os horrores nazistas passaram por ai, e o assunto virou tabu. Nem só já não era estabelecido uma hierarquia entre as raças, mas a própria ideia de distinguir os seres humanos na base desta noção caiu gradualmente em declínio ao nível científico, em particular depois do fim da segregação nos Estados Unidos em 1967, e depois do fim do Apartheid na África do Sul em 1991. O vocabulário portanto evoluiu: após a guerra, não se falava mais de raças, falava-se de étnias, com bases culturais. É o etnocentrismo de Lévi-Strauss. Hoje em dia, os progressos feitos na ciência do genoma – ou seja, todo o material genético de um indivíduo, contido nos cromossomos – fornecem respostas muito mais detalhadas sobre a existência ou não de divisões biológicas na nossa espécie. A ironia sendo que isso se deve em grande parte aos trabalhos de um racista famoso, James D. Watson, por seu trabalho sobre a estrutura do ADN (com Francis Crick) em 1953.

Em vez de confiar em alguns critérios físicos aparentes, os geneticistas de fato desenvolveram meios sofisticados de análise, capazes de comparar milhares de pequenos fragmentos de ADN. Isso permitiu à genética de concluir: a humanidade pode ser dividida em grupos biológicos, mas falar de raças é um abuso semántico, pois a espécie humana permanece, na realidade, a mais compacta entre todos os mamíferos. Assim, sobre 3,2 bilhões de nucleotídeos que o genoma humano teria, os homens difeririam só, no máximo, em 3 milhões, ou seja, apenas um por mil. Os sete bilhões de seres humanos têm então um genoma idêntico por 99,9%. Em comparação, a diversidade genética do chimpanzé é quatro vezes superior à nossa.

Certamente existe uma variabilidade entre os seres humanos. Que lições podemos tirar? No início de 2008, a revista norte-americana Science publicava os resultados de um considerável estudo genômico (então a mais completa realizada), comparando 650 000 nucleotídos nos 938 indivíduos que pertencem a 51 « étnias » e associando muitos geneticistas. Conclusão deste estudo, a espécie humana apresentaria sete grupos biológicos que são os seguintes: os Africanos subsaarianos, os Europeus, os habitantes do Médio-Oriente, O Asiático de Leste, os Asiáticos de Loeste, os Oceânicos e os Ameríndios. Ao procurar mais,os geneticistas ainda conseguiram determinar subgrupos (por exemplo, oito na Europa, e quatro no Médio-Oriente), mas com mais incerteza. Acima de tudo, os pesquisadores especificam que todos os homens descendem bem da mesma população da África negra, divididos progressivamente em sete ramos ao longo das partidas de pequenos grupos chamados fundadores, cujos descendentes encontraram-se isolados por barreiras geográficas (montanhas, oceanos...).

As divergências sobre uma parte do genótipo seriam explicadas pela separação geográfica, e uma evolução em meios naturais particulares. Sabemos por exemplo que a pele branca não é outra coisa do que uma adaptação genética favorecendo a síntese da vitamina D em meio com pouco sol, permitindo uma penetração mais profunda dos raios solares na epiderme, devido a um nível mais baixo de melanina. Não surpreende portanto, essas propriedades genéticas terem aparecidas fora das zonas tropicais, pois as latitudas temperadas são menos submetidas aos riscos ligados à radiação ultravioleta, ao contrário dos ambientes muito ensolarados nos quais os indivíduos têm a pele mais escura.

Raças, etnias, nacionalidades (1/2): As divisões imaginárias da espécie humana

Não raças, portanto. Grupos genéticos. O Homo sapiens, em 200 000 anos de evolução (e só 60 000 anos de dispersão fora do continente africano), não teve tempo de desenvolver diferenças genéticas suficientes. Apenas embriões. E as misturas, as migrações, a maior mobilidade dos indivíduos, o declínio progressivo da endogamia, tudo isso conduz a pensar que a espécie humana tende a se aproximar ao invés de se dividir e de se fragmentar. O que permite fazer uma primeira observação, determinante: não é possível estabelecer um pensamento determinístico específico em relação a um ser humano ou a um grupo com a única base da genética. Se vários estudos epidemiológicos, particularmente nos Estados Unidos, procuram revelar predisposições genéticas a contrair certas doenças, os pesquisadores geralmente permanecem incapazes de distinguir o que tem a ver com a genética e o que tem a ver com condições de vida. Somente as doenças genéticas « orfãs », ou seja, as doenças cuja prevalência é fraca e que não tem (ainda) tratamento eficiente conhecido, é que são excepções. Assim, o câncer de mama atingeria mais as mulheres judias asquenazes porque herdaram uma mutação (BRCA1) aparecida espontaneamente em uma delas, várias gerações atrás.

Outro exemplo: de acordo com um estudo do Instituto Pasteur e do CNRS (Centro de pesquisa francês), apareceu que o gene CR1, envolvido na gravidade dos ataques da malária, tem uma variante encontrada em 85% dos Africanos mas ausente nos Europeus e nos Asiáticos. O estudo olhou no patrimônio genético de 210 indivíduos representativos de diferentes tipos de população no mundo e após comparação com mais de 2,8 milhões de marcadores polimórficos (zona de variabilidade) distribuídos nos cromossomos. Note-se que este mesmo estudo, cujos resultados foram publicados em Fevereiro de 2008 na revista Nature Genetics, revelava também que as grandes diferenças humanas, tanto ao nível da aparência (cor da pele, dos olhos, morfologia) quanto da sensibilidade às doenças, seriam devidas à variação de somente 582 genes (sobre entre 25 000 e 30 000 genes que conta o ser humano) cujas mutações trouxeram uma vantagem seletiva para quem os levava.

As diferenças não estão sempre onde as vemos: a teoria dos frutos da mesma cor

Não apenas a distinção da espécie humana por raças é abusiva, mas convem também lembrar que as convergências genéticas que reúnem os seres humanos em cada grupo só dizem respeito a uma parte muito, muito pequena dos nucleotídeos. Outras partes do nosso código genético nos definem, e podem nos aproximar ou nos distânciar. Assim, dois homens que pertencem a um mesmo grupo podem ser muito diferentesem relação aos muitos nucleotídeos que não são incluidos na classificação. Tão diferentes, aliás, que dois membros podem ser mais distantes, geneticamente, do que dois indivíduos de dois grupos distintos. Estudos até calcularam as distâncias genéticas entre várias populações. Certos Europeus como os Gregos e os Italianos do Sul seriam assim geneticamente distintos do resto do continente, sendo mais ou menos tão distantes dos Árabes do Próximo-Oriente (Palestinos, Libaneses, Sírios) quanto dos Escandinavos e dos Russos. Outro exemplo: um estudo de 2013 sobre os cromossomos autossômicos (não-sexuais) realizado pelo Instituto de Biologia Evolutiva (IBE) da Universitat Pompeu Fabra de Barcelona, sobre quase 3 000 indivíduos, indicava que entre 5 e 15% do genoma dos habitantes da Península ibérica, segundo as regiões (fora dos Bascos), provêm do Norte da África.

As diferenças genéticas exprimem-se portanto a vários níveis do genótipo. A aparência física é apenas uma. Para bem entender isso, podemos dar o exemplo de frutos classificados segundo só um critério, a cor. A maçã vermelha e o tomate pertencem ao mesmo grupo, enquanto muitos outros critérios aproximam a maçã vermelha da maçã verde.

Raças, etnias, nacionalidades (1/2): As divisões imaginárias da espécie humana

Embora elas não têm fundamento científico justificado, as noções de raças e de étnia correspondem provavelmente, de fato, a realidades do ponto de vista de muitos indivíduos. Um Sérvio de Bosnia afirmará sem dúvida que a identidade dele explica-se por elementos bem reais, ligados ao seu nascimento, à sua cultura, à sua língua, à sua religião e à sua história. A ideia aqui não é proclamar a unicidade do género humano em todos os aspectos, como poderia o fazer um livro universalista como a Bíblia, mas pelo contrário sublinhar que a diversidade das identidades, tanto como as proximidades genéticas observadas entre os povos, excluem qualquer categorização simplista e redutiva por « raças » ou « étnias » – ainda mais se ela tem como objetivo uma hierarquização entre os povos. Por outro lado, observa-se que as identidades evoluem ao longo dos séculos – às vezes rapidamente –, revelando o seu caráter amplamente superficial e maleável. A identidade macedônia moderna, por exemplo, surgiu ao longo dos séculos XIX e XX. As identidades hutu e tutsi, no Ruanda, foram modeladas em comunidades étnicas no imaginário coletivo em apenas algumas décadas, por causa de jogos políticos e de manipulações.

Entre pertença « de fato » e vontades populares

A História nos oferece um painel inesgotável de exemplos ilustrando a absurdidade e o caráter contraditório de certas qualificações raciais. Entre eles, podemos mencionar o dos territórios germanófono muito tempo reivindicados pela Alemanha com base critérios etnolinguísticos. Logo na fundação do Império e a vitória contra a França em 1871, a anexão da Alsácia-Lorena manifestou uma abordagem puramente « racial » das identidades. Na Alemanha, os social-democratas foram quase os únicos a protestar contra a anexão.

Neste caso em particular, é interessante insistir numa troca de cartas abertas em 1870-1871 entre David Friedrich Strauss, teólogo originário de Ludwigsburg e fundador da pesquisa histórica sobre a vida de Jesus, e o seu colega de Paris, o escritor, historiador e filósofo Ernest Renan. Essa correspondância nos é parcialmente relatada no muito completo História da Alemanha (XIX°-XX°) – O longo caminhopara o Ocidente (2000), de Heinrich A. Winkler. Adoptando a postura típica da burguesia liberal alemã daquela altura, Strauss queria retomar as « províncias alemãs » de Alsácia e da Lorena, evocando acima de tudo razões de segurança. Nós, os Alemãos, escriveu ele em 29 de Setembro de 1870, « seríamos os maiores malucos se não queríamos recuperar o que foi nosso e o que é necessário à nossa segurança (mas não mais do que é necessário).

Ernest Renan (1823-1892).

Renan, que admitia que segundo ele, a guerra franco-alemã de 1870-1871 era o maior infortúnio que podia conhecer a civilização, respondeu a Strauss em 15 de Setembro de 1871, quase um ano depois. A sua argumentação era simples: a Alsácia era alemã pela lígua e pela raça; mas ela não queria ser parte do Estado alemão. Na sua opinião, isso resolvia a questão: « A nossa política é a do direito das nações; a vossa é a das raças; pensamos que a nossa é melhor. A repartição excessiva da humanidade em raças, não só baseia-se num erro científico pois só muito poucos países possuem uma raça realmente pura, ela só pode conduzir a guerras de exterminação, a guerras "zoológicas". […] Seria o fim dessa mistura fértil composta de elementos tão diversos e todos juntos necessários que chamamos a humanidade. Vocês brandiram no mundo a bandeira da política etnográfica e arqueológica em vez do da política liberal; essa política será fatal para vocês. »

Essas palavras podêm surpreender pela sua discernimento, pois são premonitórias à luz dos eventos que acontecerem na Europa na primeira metade do século XX. Não é surpreendente, aliás, o fato de Ernest Renan ter logo aderido naquela altura às teorias de Charles Darwin sobre a evolução das espécies, e ter estabelecido uma relação forte, nas suas reflexões, entre as religiões e as suas raízes étnico-geográficas.

As palavras dele resumem bastante bem esse debate: a vontade dos indivíduos e dos grupos não conta. O que interesse na qualificação de « raças » ou de « étnias », é antes de tudo o que as pessoas querem fazer dessas noções para o seu benefício próprio. Entendemos que a ideia de raça, finalmente, só tem interesse para aqueles que pretendem a usar – e muitas vezes, desenvolver então uma política discriminátorio. Eles podem então ou inventar uma suposta raça superior (à qual eles pertencem, claro), ou a proteger contra os perigos de outras raças.

Através o discurso de Renan em 1871, a voz de Paris era de fato a voz da razão. Segundo Renan, a nação era uma comunidade voluntária ou, como ele o exprimiu em 1882 numa conferência na Sorbonne, « um plebiscito de todos os dias ». Uma construção política assumida, e não baseada sobre critérios que parecem objetivos (a língua, a cultura, o nascimento) – embora certos elementos como a língua seriam decisivos, do ponto de vista dos republicanos franceses, para construir as bases dessa « comunidade de destino », às vezes ao preço de uma grande violência (a desaparição dos diáletos locais, em particular) contra os povos de França que não aderiam a essa visão. Falando de « raça branca » ou dos países europeus como nações « brancas », ou essencializando as naçãos europeus ligando a elas uma religião (a cristã), as direitas e extramas-direitas europeias adoptam um postulado que, não só às vezes baseia-se em erros científicos, mas também tenta modificar a concepção republicano da nação. Uma concepção onde cada um, cada uma, qualquer seja a sua religião ou a sua cor de pele, pode fazer parte da nação, porque adera à « comunidade de destino »; isso não impede os povos de reivindicar suas raízes culturais ou identitárias (gregas, romanas, cristãs, etc.), mas as identidades não são estatísticas mas sim, processos políticos, sociais e identitárias dinâmicos (ou seja, a Europa cristã nem foi só cristã, e não tem que o ser para sempre). O racismo não nasce do nada, nasce de construções psicológicas e de fantasias, ligadas à nossa percepção do outro. E muitas vezes, de inverdades, de caricaturas e de manipulações favorecidas pela ausência de diálogo e de encontros, às vezes pela atitude de uma minoria, etc. Neste contexto onde as palavras parecem perder cada vez mais o seu sentido, duas qualidades são necessárias: vigilência e diálogo.

Para aceder à segunda parte deste artigo: Raças, etnias, nacionalidades (2/2): Memória colonial, imigração: será que o nosso olhar pode mudar?

*   *   *

O texto a seguir é tirado do livre Americanah, escrito pela Nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie e publicado em 2013. Imigrada nos Estados unidos, a heroína da história, Ifemelu, nos confessa as suas reflexões sobre a sociedade americana, com artigos curtos publicados num blog. Aqui, Ifemelu (e provavelmente, atrás dela, a própria autora) questiona-se: « Será que [Barack] Obama é tudo menos negro? » Ela explica, antes de tudo: « Quantidade de pessoas – em geral não negras – dizem que Obama não é negro, que ele é bi-racial, multiracial, negro e branco, tudo menos simplesmente negro. Porque a mãe dele era branca. Mas a raça não é biologia; a raça é sociologia. A raça não é um genótipo; a raça é um fenótipo. A raça conta por causa do racismo. E o racismo é absurdo porque ele liga só com a aparência. Não com o sangue fluindo nas nossas veias. É uma questão de cor de pele, de forma do nariz, de cabelos crespos. » Aqui está o que segue na sua reflexão.

Imagina que Obama, com sua pele cor amendoa e seus cabelos crespos, disse a uma empregada do recenseamento: « Sou mais ou menos branco. » [...] Muitos Negros americanos têm um ancestro branco, pois os Brancos proprietários de escravos amavam [passar a] noite [com] escravos. Mas se nasceu com a pele escura, acabou. (Então se é uma loira de olhos azuis que diz « Meu avô era Índio e eu também sou vítima de discriminação » quando os Negros falam de seus problemas, favor, cale-se). Na América, você não tem a possibilidade de decidir a que raça pertence. [...] Obama, como ele é, teria sido obrigado a sentar-se atrás do ônibus há 50 anos. Se um crime é cometido hoje por um Negro qualquer, poderíamos interpelar Obama e o questionar porque ele corresponde ao perfil [...] « Homem de raça negra ».

Chimamanda Ngozi Adichie, Americanah (2013).

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