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O acendedor de lampiões

Livre-comércio globalizado: quando a conscientização coletiva demora

2 Juillet 2022 , Rédigé par David Brites Publié dans #Democracia, #Economia, #Sociedade, #Ecologia

Em 30 de Junho passado, há poucos dias, a União Europeia assinou com a Nova-Zelândia um tratado de livre-comércio que impactará consideravelmente as trocas entre as duas partes. Nos últimos anos, os tratados desse tipo multiplicaram-se. Em Outubro de 2016, o Canada e a União Europeia assinaram o Acordo Econômico e Comercial Global, ou CETA. Em Junho de 2019, eram concluidas as negociações sobre o tratado de livre-comércio entre a UE e o o Mercado Comum do Sul (Mercosul), uma associação comercial de países sul-americanos (Argentina, Brasil, Uruguay, Paraguay, Venezuela), embora os textos definitivos não foram ainda finalizados nem votados e ratificados. Ainda está sendo negociado o Acordo de Parceria Transaltântica de Comércio e Investimento, ou TAFTA, entre a União Europeia e os Estados Unidos de América; as negociações, após terem sido geladas em 2016 com a eleição do presidente Donald Trump, foram reativadas pela Comissão europeia em Abril de 2019.

Esses tratados, os mais famosos na Europa mas não os únicos existantes com o resto do mundo, constituem a parte visível do icebergue da livre comercialização dos bens, dos serviços e dos capitais, pois já faz muito tempo em particular no âmbito do quadro internacional implementado a partir da Segunda Guerra mundial, com os acordos de Bretton Woods em 1944, e depois com os do GATT em 1947, substituido em 1995 pela Organização Mundial do Comércio (OMC) que existe um fenômeno planetário de globalização caracterizado pelo transporte de mercadorias. Essa realidade cria crescimento econômico, mas também desequilíbrios entre Estados e destabilizações de certas economias, provocando certas resistências. Por exemplo em 2016, quando o ministre-presidente Paul Magnette, dirigente da Região de Wallonia, na Bélgica, travou o processo de ratificação do CETA, ou ainda em 2019, o presidente Emmanuel Macron suspendeu por oportunismo a ratificação pela França do tratado com Mercosul.

Há escala da Comunidade europeia, não há nenhuma reflexão de fundo sobre a relevância do princípio de abertura das fronteiras comerciais. O protecionismo é apresentado como um espantalho, a marca do nacionalismo o mais fechado e perigoso. Os políticos são inativos e não querem transformar o sistema, que no entanto já mostrou as suas limitas, e os que o fazem: e extrema-direita, a extrema-esquerda e uma parte dos ecologistas, são considerados pelas mídias como marginagens e populistas. O mundo mediático é por grande parte responsável deste adormecer dos cidadãos diante de uma questão determinante para o nosso futuro.

A União Europeia teve (e tem) um papel determinante na dislocação das fronteiras comerciais a cerca da comunidade. Em 2013 por exemplo, Bruxelas colocou impostos alfandegários à importação de paneis chineses, para um tempo de pelo menos seis menos (entre Julho e Dezembro). Uma decisão que traduziu-se por um amento dos tarifas às fronteiras, denunciado pela Alemanha, tradicionalmente favorável ao livre-comércio. Essa resposta ao dumping praticado pela China no setor do solar não foi excepcional: a Comissão europeia já tinha tomada sancções contra empresas chineses suspeitas de dumping em 48 outros setores. No entanto, essas medidas são pontuais e provisárias; elas inscrevem-se na lógica da concurrência livre e sem distorções promovida por Bruxelas, ou seja, sem distorções ligadas ao dumping, mas no entanto sempre num quadro « aberto » ao comércio internacional. Os esforços de Donald Trump, nos Estados Unidos, a partir de 2017 para estabelecer barreiras alfandegárias, constitui um primeiro passo na tentativa de questionar, aquém e além mar Atlântico, o princípio de livre-comércio, no entanto eles correspondem não a uma vontade de equilibrar as relações internacionais para acabar com a dominação dos países ocidentais no Sul, nem a uma tentativa de reduzir os impactos ambientais relativos ao transporte de bens, mas sim, a uma política ofensiva que tem como alvo a defesa dos empregos e das industrias norte-americanos. Ou seja, os Estados Unidos podêm continuar a trocar com o resto do mundo, mas tem que o fazer na perspectiva dos seus próprios (e únicos) interesses; se esse objetivo é atingindo, o princípio do livre-comércio já não é questionado.

Livre-comércio globalizado: quando a conscientização coletiva demora

O « exército de reserva » do Sul: um sistema econômico global baseado na exploração e na miséria

Muitos dos leitores são talvez jovens demais para se lembrar do escândalo dos sweatshops ou « oficinas de miséria » quando, nos anos 1990; essas fábricas, muitas vezes na indústria têxtil, foram mediatizadas, com a questão choquante das condições de trabalho nos países do Sul. A marca Nike foi pioneira nesse modelo de exploração, pois foi o primeiro que deslocalizou as suas fábricas para países do Suleste asiático. A indústria têxtil é emblemática desse sistema de produção, de distribuição e de consumo globalizado; no entanto, outros setores têm uma estruturação semelhante, como a área electrônica e os brinquedos, com um processo de fabricação e montagem dividido, entre uma concepção chamada a forte valor agregado (criação, design, marketing, etc.) concentrada no Ocidente, e uma produção a fraco valor agregado (confecção, montagem, etc.).

Em 21 de Setembro de 2013, tumultos sociais violentes iniciaram-se em Dacca, a capital do Bangladesh, onde os trabalhadores reclamaram melhores condições de trabalho no setor têxtil. Blocagem de estradas, destruição de material de fábrica, protestos: esse grito desesperado, que tinha como alvo um salário mínimo de 74 euros por mês, contra 28 antes (menos de um euro por dia, para dez a doze horas de trabalho por dia), não foi ouvido, embora umas 500 fábricas tiveram a sua produção afetada (com um custo avaliado a 40 milhões de dólares). Aliás, os manifestantes foram muito reprimidos pela polícia. Esse movimento de contestação e reivindicação seguiu o drama do Rana Plaza, do nome de um prédio decrépito onde haviam oficinas de confecção na periferia de Dacca, e que desabou em 24 de Abril de 2013. Balanço do collapso desse prédio onde trabalhavam milhares de operários do têxtil, sobretudo mulheres, trabalhando por muitas marcas internacionais de roupa: 1 135 mortos, e 2 000 sobreviventes. Estavam em questão tanto as condições miseráveis de trabalho dos salariados, como também o perigo do lugar onde estavam. Nenhuma das tímidas respotas do governo do Bangladesh foram então suficientes, enquanto incêndios trágicos em 9 de Maio e em 9 de Outubro de 2013 aumentaram ainda a raíva dos operários em greve.

Por lembrança, o Bangladesh é o segundo exportador de roupas no mundo, muito longe atrás da China. Ele fornece grandes marcas como Carrefour (francês), Walmart (norte-americano), ou H&M (sueco). O setor é determinante para a economia nacional, pois com 4 500 fábricas, representa 80% das exportações anuais, ou seja, em 2013, 27 bilhões de dólares. A contestação de 2013 não era uma novidade nesse país de então 152 milhões de habitantes, dado que os operários do têxtil do Bangladesh (o número era estimado a três milhões em 2013) já pediam a um certo tempo uma lei no Parlamento, para a segurança do lugar e das suas condições de trabalho. Uma luta vã. De fato, as condições de salário dramáticas dos operários do Bangladesh foram definidas, em Agosto de 2010, por um acordo tripartidário entre os sindicatos, o próprio governo de Dacca, e os fabricantes. Muitos deputados são proprietários de fábricas e preferem conservar um ambiente que favorece a atração dos investidores estrangeiros. Potenciais aumentos de salários, e a modernização das instalações industriais e dos prédios de fábrica poderiam provocar uma desaceleração da produção ou incentivar as marcas ocidentais, que procuram reduzir os prazos e os circuitos, a achar outros países de produção. Portanto, a ação da classe política nacional, suposta defender os interesses dos operários, ou seja dos cidadãos do Bangladesh, é profundamente afectada pelos conflitos de interesse.

Essa situação não é específica ao Bangladesh: China, Índia, Camboja, Birmânia, Vietnã... Os países asiáticos são muito implantados no sistema de comércio mundial que faz deles a oficina de fabricação do Primeiro Mundo. Eles competem claramente as indústrias têxtis europeias, mas também as turca e norte-africana. Porque dar à sua própria população os meios de consumir os produtos fabricados localmente, já que a globalização permite exportar e vender os mesmos aos Ocidentais? A cobra que morde-se a cauda. Pior, esse modelo atraia outros Estados, inclusive na África. A Etiópia, em particular, é muito envolvida nesta batalha comercial, pois o governo de Addis-Abeba procura, no âmbito dos seus Planos (por cinco anos) de Crescimento e de Transformação, aumentar significativemente os benefícios ligados às exportações; só em 2015, a industria nacional, focalizada na exportação, aumentou de 8,5%. O país reproduz as receitas asiáticas: uma mão de obra e eletrecidade a menos custos, exempções fiscais e terrenos baratos. As sociedades Akya Textile (turca), MNS (britânica), Huakian (chinese), H&M (sueco) ou ainda Calvin Klein (norte-americano) já estão presentes há anos no país, contando milhares de trabalhadores com salários muito baixos (ainda pior do que os observados no Bangladesh), a cerca de 26 dólares por mês (dados de 2019). O continente africano deve seguir essa via, pois além dos problemas de estabilidade política ou de segurança que existêm, esse espaço geográfico beneficia de uma vantagem notável: algodão em grande quantidade e de primeira qualidade. Obviamente, o sistema vai permanecer e continuar amplificando-se.

No Ocidente, quase não se ouviu nada a cerca dos protestos de Setembro de 2013 no Bangladesh, nem mais dos milhares de operários do têxtil que protestaram no Camboja, em Novembro de 2013, altamente reprimidos pela polícia, enquanto também reclamavem aumentos de salários e melhores condições de trabalho. A seleção da informação pelas mídias é claramente em causa nessa ausência mediática. Somos diretamente responsáveis (pelo menos por comprar roupas nessas marcas), mas uma conscientização de massa permanece impossível se os disfuncionamentos do sistema ficam escondidos e se os jornalistas e apresentadores não assumem o seu papel de informador.

Na Europa, uma cegueira obstinada

Na Europa como nos Estados Unidos e nos centros de concentração de riqueza dos outros países do mundo, os consumidores querem preservar o seu nível de vida e a sua capacidade de compra, mesmo se é ao custo da miséria do resto do mundo. Um preconceito demasiado disseminado supõe que estabelecer normas ambientais e sociais provocaria um amento dos custos dos produtos e serviços consumidos. Isso é sem contar com a margem de benefícios enormes que realizam as grandes empresas de exportação-importação. Além disso, é a nossa saúde que está em questão, como por exemplo com a importação de muitos briquedos vindo da China, e qua finalmente levam uma quantidade considerável de desreguladores endócrinos, ou seja, substâncias capazes de interferir com o nosso sistema hormonal).

Deve haver uma reflexão sobre o custo da delocalizações das nossas industrias em países do Terço Mundo onde populações são explorados, reduzidos à miséria. Além da dimensão somente humana ligado ao respeito das vidas humanas exploradas nesses países, na Europa a abertura das fronteiras comerciais, e as deslocalizações que seguiram, provocaram a desindustrialização do continente, pelo menos em certas áreas inteiras como o têxtil.

O início das negociações UE-Estados Unidos para estabelecer o TAFTA em Junho de 2013 lembrou-nos os perigos à constituição de uma ampla zona de livre-comércio entre um lado e o outro do Atlântico. Os receios exprimidos então provocaram a frustração do então presidente da Comissão europeia, o Português José Manuel Durão Barroso, que qualificou a oposição ao tratado de postura « antiglobalização [...] totalmente reacionária ». Por lembrança, aquele que dirigiu a Comissão entre 2004 e 2014, cujo balanço é muito criticado, tornou-se em Julho de 2016 administrador não-executivo de uma subsidiária do grupo Goldman Sachs... Uma carreira que ilustra o seu amor ao capitalismo. A França fingiu então de impor certas condições, em relação à « excepção cultural » (a área audiovisual, de fato) mas na verdade Paris nunca impediu as negociações de continuar, e o processo de discussão de concluir-se. Além disso, porque proteger a « excepção cultural », mas deixar expostos às negociações e à futura concurrência norte-americana outras atividades econômicas e sociais, por exemplo a agricultura, o setor energético, ou a indústria? Será que esses não são áreas estratégicas o suficiente para as proteger da competição das empresas norte-americanas?

Menos famoso do que o TAFTA, o CETA, negociado numa grande opacidade, num processo de discussões concluido em Outubro de 2013, com assinatura em Setembro de 2014 (antes de uma ratificação do Conselho europeu em Outubro de 2016), serviu de teste antes da validação do processo de negociações a cerca do tratado com os Estados Unidos. Antes mesmo da ratificação do acordo UE-Canada pelos vinte e oito parlamentos nacionais europeus (e pelas assembleias das dez províncias canadianas), a Comissão europeia anunciou, em Julho de 2016, que logo depois da validação do Conselho e do Parlamento europeu, o tratado entraria em vigor de maneira « provisória ». Obviamente, a Comissão europeia não defende os direitos e a saúde dos consumidores europeus. Ela já o testamunhou várias vezes, por exemplo quando, em Junho de 2014, ela autorizou a reintrodução de certas farinhas de porco e de aves (ou seja proteínas animais transformadas, constituidas das partes pobres do animal: penas, sangue, osso, gordura, pernas, etc.) para alimentar os peixes criados... É essa mesma instituição que negociou e negocia ainda os tratados comerciais, com a responsabilidade de defender os cidadãos europeus... Como confiar nela? Foi essa mesma Comissão europeia que já validou a possibilidade, no âmbito do TAFTA mas também do CETA, de um dia ver um Estado perseguido por atores privados, por empresas, no quadro de tribunais privados que poderiam então condenar um Estado, em nome do que foi negociado nos acordos de livre-comércio.

Tal como o CETA com o Canada, o TAFTA afetará partes inteiras das nossas economias: agricultura, industria, energia... E com o TAFTA como com o CETA, nenhum debate público acerca da relevância e do conteúdo dos acordos. O acervo comunitário relativo aos direitos dos consumidores está claramente ameaçado pela importação de produtos norte-americanos cujos quadros de produção e fabricação não são totalmente « aceitáveis ». Além disso, enquanto deveríamos falar de uma relocalização das nossas atividades de produção e consumo, estamos estabelecendo zonas de livre-comércio com várias partes do mundo. Na perspectiva de um desenvolvimento sustentável, qual é o sentido dessas políticas comerciais? Fazendo estas escolhas, a União Europeia resforça a sua imagem de « braço armado » ou de « cavalo de Tróia » da globalização. E os chefes de governo e de Estado que dão mandato à Comissão para negociar esse tipo de contratos comerciais não fazem nada para corrigir essa péssima imagem, confirmada em Junho de 2019 quando foram concluidas as negociações com o Mercosul. Sim, tal como no âmbito do CETA, as exportações e o PIB devem aumentar, mas não importa quem dos dois lados vai ter mais benefícios: enquanto bens e serviços fazem milhares de kilômetros enquanto podem ser produzidos localmente (carna, produtos agrícolas ou industriais, etc.), toda gente sai perdedor desse tipo de acordo. Apenas o agronegócio é que já está feliz, só a pensar nos seus benefícios futuros. O aumento do transporte vai acelerar a poluição dos mares e do ar, e a exportação de carne e de culturas vai prolongar o desmatamento na Amazônia, sem melhorar a qualidade da comida de ninguém.

Ao contrário de países como a Argentina, o Brasil e o Venezuela, que em Novembro de 2005 tinha impedido a criação de uma Zona de livre-comércio das Américas (ZLEA) promovida pela administração norte-americana de George W. Bush, os países europeus mostraram-se incapazes de impedir esses projetos que resforçam a globalização. Em muitos países, nem é um assunto. No Reino-Unido, conservadores e nacionalistas tentam desde o referendo de 2016 sobre o Brexit impor a ideia de uma redução das trocas com a União Europeia, não para relocalizar as atividades no próprio país, mas mais para virar-se para os parceiros do Commonwealth. Em França, as eleições presidenciais de 2012 e 2017 foram a ocasião de ver surgir candidatos favoráveis às ideias de « reindustrialização » e de « protecionismo inteligente », como Arnaud Montebourg no âmbito do Partido socialista, e Jean-Luc Mélenchon que representou a esquerda soberanista e radical – mas o primeiro nem conseguiu ganhar a liderança do seu partido, e o segundo chegou (no melhor dos casos) na quarta posição à eleição de 2017 com 19,58% dos votos ao nível nacional.

Os debates políticos das eleições nacionais concentram-se sempre sobre o emprego, o crescimento econômico, os impostos, quando não tratam da imigração e da segurança. Nunca se trata de desafios mais pesados que têm no entanto a ver com um dos maiores poderes soberanos, ou seja, a política comercial. Até nas últimas eleições europeias, nunca se tratou nos debates públicos dessa questão de fronteiras comerciais. Em Setembro de 2016, a coordenadora da organização não-governemental (ONG) francesa Ética na etiqueta (Éthique sur l'étiquette em francês) explicou em Setembro de 2016 no site Internet Novethic: « Hoje em dia, o único ator que não está em dívida é o ator econômico o mais poderoso e cuja atividade pode ser a mais devastadora. É o que escapa a qualquer controle cidadão e político na globalização. E essa impunidade que afecta as populações em todo o planeta é inaceitável. E cada vez menos toleradas pelos cidadãos. » Quando, em Junho de 2013, o presidente francês François Hollande declarou, por ter conseguido retirar a « excepção cultural » das negociações no âmbito do TAFTA: « Ganhamos! », obviamente, entende-se que, ao reconsiderar o balanço da abertura das fronteiras comerciais (deslocalizações, milhares de empregos desaparecidos na indústria europeia nas últimas décadas, aumento dos transportes de mercadorias...), a nossa classe política ão entendeu muito bem os desafios atuais e futuros.

Centro comercial, no centro de Paris (França).

Centro comercial, no centro de Paris (França).

O que pode fazer o cidadão?

A conscientização a cerca das compras sustentáveis está demorrando, muito mesmo. Demais. Apenas se trata obsolescência planejada, e esse tipo de temáticas fica limitada a poucas pessoas. A maioria consume as novas tecnologias sem questionar-se, sejam os computadores, os smartphones, os tablets digitais, ou ainda os I-phones, e consumem a comida cuja produção é desastrosa para os ecosistemas (soja, óleo de palma, etc.) como Nutella ou Coca-cola. As soluções alternativas para desenvolver um sistema sustentável existem, mas permanecem marginais e mal conhecidas. A Francesa Cynthia Fleury, filósofa e autora, falava em Abril 2016, num canal público francês, de « insularidades », de « ilhas de inovação ». No que tem a ver com o livre-comércio, a situação é diferente. Ao trabalho de lobbying (pressão) das ONG e às ações de advocacia da sociedade civil, acrescenta-se a arma do boicote. Portanto o cidadão lambda pode boicotar (na medida das suas capacidades) as marcas que importam produtos desde longe, mas ele apenas satifaria a sua própria consciência, pois não tem a capacidade de transformar o sistema na sua globalidade. Ao trabalho de lobbying (pressão) das ONG e às ações de advocacia da sociedade civil, acrescenta-se então a arma do boicote. No entanto, a responsabilida é sobretudo a da classe política, encarregada das negociações dos acordos comerciais, e a dos países do Sul que não hesitam a « vender » a baixo custo o seu povo no altar do crescimento econômico (e no altar do crescimento da sua própria carteira). De fato, os acordos comerciais são negociados a uma escala política e diplomática que nos escapa. O consumidor tem responsabilidade, mas ele não pode sozinho mudar os paradigmas do sistema. Por lembranço, há cada ano mais de 90 000 navios (dados de 2019) que atravessam os mares para transportar hidrocarbonetos, minerais, mas também brinquedos, frango, camarão congelado, turistas... Se o cidadão tem um impacto, no entanto uma estatística desse tipo ilustra bem que deve haver decisões tomadas a uma escala mais ampla.

Além disso, o boicote é uma arma com impactos limitados, como o reconheceu a coordenadora da ONG francesa Ética na etiqueta (Éthique sur l'étiquette em francês), já mencionada neste artigo e que testemunhou em Setembro de 2016 no site Internet Novethic: « A consciência cidadã evoluiu muito, obviamente, nessas questões, embora isso ainda não se traduz nos atos de compras. Temos que reconhecer que a alternativa acessível à maioria permanece fraca. É em particular por isso que a questão do boicote é complicado: a única informação disponível é o país de origem de fabricação. [...] Ainda deve-se transformar essa conscientização em comportamentos econômicos. Além disso, é a interpelação cidadã, o ato político, que nos parece o mais eficiente. » Em Janeiro de 1920, o Índio Gandhi explicou: « Um boicote organizado por seis ou sete pessoas, significa bater um elefante com um feto de palha. » E de fato, excepto envolvendo massas como o próprio Gandhi conseguiu o fazer quando aconteceu o boicote do têxtil britânico na Índia colonial, é muito pouco provável o comportamento cidadão ser suficiente. Até a tragédia do Rana Plaza em 2013, com os seus 1 200 mortos, não afectou demais as vendas das grandes marcas presentes no Bangladesh. Ainda em Setembro de 2016, a mesma Nayla Ajaltouni explicou que, na altura do drama de Rana Plaza, as respostas das multinacionais tiveram como objetivo « proteger sua reputação e reduziram-se então a um social washing. » Ela acrescentava: « Parece às vezes um ato de resposta mediática. [...] Nenhuma dessas multinacionais nos dá acesso a documentos que nos permitiriam ter evidências tangíveis da eficiência ou até da implementação das medidas anunciadas, por exemplo o nível exato de salário ou o número de horas realizadas. Todavia, não podemos acreditar na única palavra das empresas. »

Informadores (whistleblower em inglês, lanceurs d'alerte em francês) existem e assumem um papel político e social, altamente democrático. Jornalistas de investigação, mas também ONG, certos eleitos conscientes e sinceros, advogados, ou ainda cidadãos lambda, são desses denunciadores, informadores, alarmistas, qualquer seja o nome que a gente quer dar. Um programa de investigação francês, Cash Investigation, por exemplo, pesquisou e denunciou, em Novembro de 2017, os abusos nas condições de cultura e de venda do algodão no Uzbequistão, que serve à produção das nossas camisolas, fabricadas entre outros países no Bangladesh. Eurodeputados, como a Belga Maria Arena, apoiaram a bertura das nossas fronteiras comerciais para permitir a importação de algodão uzbek, embora certas ONG denunciaram esses últimos anos o amento do trabalho infantíl nos campos de algodão, nessa ditadura que controle as visitas do Secretário Internacional do Trabalho e proibe de fato a ação das ONG; no entanto os eleitos socialistas, liberais e conservadores fecham os olhos nessas realidades.

Mesmo que o princípio de importar bens que percorrerem milhares de kilômetros seria relevante no plano teórico, a transparência da produção, da transformação e da distribuição, a rastreabilidade (real) dos produtos, e o respeito dos direitos dos trabalhadores (e ainda poderíamos falar do respeito do ambiente, corolário à saúde dos trabalhadores), deveriam ser um pré-requisito para qualquer acordo comercial. É por causa de eleitos tão irresponsáveis que o sistema consegue permanecer como é, com as nossas roupas ou a nossa comida produzidos no ombro da miséria do planeta, ao benefício de grandes grupos capitalistas. Mais ou menos nove anos depois da queda do Rana Plaza na periferia de Dacca (1 127 mortos), ainda estamos nessa no têxtil, o mesmo sendo só um dos setores cuja globalização tem efeitos dramáticos. Por lembrança, importamos na Europa, cada ano, 200 000 toneladas de leito vindo da Nova-Zelândia, enquanto a industria do leite está em grande crise no nosso continente e que as tragédias, os suicídios multiplicam-se na área agrícola... Consumir localmente, favorecer a produção limpa e a distribuição curta, tudo isso desenvolve-se à escala do cidadão mas não é apropriado pelo nível político nacional ou supra-nacional, deixando as massas adormecer no âmbito da « conforto » dos nossos padrãos de vida ocidentais.

Uma das nossas margens de ação é o nosso voto. Pois se países pouco democráticos como o Bangladesh, a Etiópia e o Uzbekistão não vão questionar as bases da sua indústria têxtil, nem outros como o Gabão, Moçambique ou a Indonésia, as suas exportações agrícolas, na Europa, o nosso voto tem mais peso e deve integrar, na escolha eleitoral, esse assunto do protecionismo. Votar não é uma ação leve e sem conseqüências. Enquanto maiorias eleitorais não mudam, temos que nos satisfazer com as insularidades evocadas por Cynthia Fleury, e apoiar a conscientização de uns e outros que não seriam alertos sobre a temática. A questão permanece em relação à nossa capacidade em transformar as nossas instisfações em uma dinâmica coletiva construtiva, em força de proposta. Provavelmente os processos de dependência e de sonolência intelectual (ligados à televisão, ao uso de massa das redes sociais, aos atos de compra compulsivos que dão uma ilusão de satisfação momentânea, etc.) têm a sua importância nessa situação.

O autor grego antigo Thucydide disse, no século V antes de J.-C.: « Um homem que não se importa pela política merece passar, não por um cidadão tranquilo, mas por um cidadão inútil. » É tempo de dar sentido aos nossos valores democráticos, fazendo escolhas no dia a dia, mas também votando em consciência, em coerência com um espírito de solidariedade em relação com os nossos co-cidadãos e com os outros povos.

Recipientes na paísagem de um porto loeste-africano, aqui em Bissau (Guiné-Bissau).

Recipientes na paísagem de um porto loeste-africano, aqui em Bissau (Guiné-Bissau).

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