COP 21, mudança de paradigmas, transição ecológica: tudo fica para fazer
As dificuldades com as quais a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu adoptaram, nesses últimos anos, uma definição dos desreguladores endócrinos, essas substâncias presentes em muitos dos nossos objetos (nos brinquedos por exemplo) e que interferem com o nosso sistema hormonal, ilustra as dificuldades das nossas instituições em tomar em conta o princípio de precaução nas decisões. Ai como no debate sobre a proibição na agricultura de produtos tipo o glifosato, um herbicida foliar total sistemica, a ideia que o debate pode acabar-se com uma vitória das indústrias do agronégócio escapa à razão, dado a situação sanitória e ambiental já muito preocupante dos nossos territórios, sejam eles rurais, semi-rurais ou urbanos. Obviamente, o nosso sistema está nos conduzindo num impasse, e deve ser revista na sua totalidade, mas desde o passo sibólico que representou a 21° Conferência das Partes (COP 21) em Paris em 2015, os progressos foram poucos.
Tudo está ai para nos dizer que estamos no impasse, tanto ao nível econômico como ambiental. Mas os grupos de pressão agrícolas, comerciais, financeiros e industriais são consideráveis, pois estão em jogo valores de dinheiro enormes. Por lembrança, as vendas de Roundup, cujo glifosato constitui a substância ativa, representavam (em 2017) entre quatro e cinco bilhões de euros por ano para uma empresa norte-americana como Monsanto. O adiamento do prazo das autorizações de glifosato pela Comissão Europeia tinham provavelmente a ver com a potência do lobbying do agronegócio, dependente desse tipo de produto. Uns elementos de reflexão.
A multiplicação dos desastres climáticos...
Observamos uma multiplicação das crises que deveria nos convidar todos, coletivamente, a aceitar grandes mudanças para adaptar o nosso modelo de desenvolvimento aos novos desafios. Cada ano, observa-se novos recordes de temperaturas e de desastres ambientais. O ano 2015 por exemplo, quando aconteceu a COP 21, já era então o mais quente registrado (+0,68°C em relação à média do século XX) desde que se registra as temperaturas, ou seja desde 1880. Ultrapassou o último recorde, que já era 2014, e desde então já foi ultrapassado. Claro, as medidas meteorológicas mudaram muito desde o início do século XX – por exemplo, as estações meteorológicas já não estão localizados nos mesmos sítios em relação aos tecidos urbanos, e as medidas termométricas foram substituidas pelas medidas altimétricas (por satélite) –, mas essas diferenças são corrigidas por via informática, e supõem divergências marginais. SObretudo, esses recordes confirmam uma tendência global.
Fenômenos climáticos multiplicam-se, por exemplo El Niño (chamado assim por referência a Jesus Cristo), que participou às gigantesques mudanças de temperaturas dos últimos anos. Por lembrança, El Niño designa uma corrente costeira sazonal quente observado ao largo du Peru e do Equador, que acaba com a temporada da pescaria. A palavra indica agora, por extensão, o fenômeno climático particular que se caracteriza, cada quatro a sete anos em média, por temperaturas anormalmente elevadas na água, na parte oriental do oceano Pacífico. Essa corrente foi particularmente violenta em 2015, e nem era a primeira vez. Provoca um ciclo de variação da pressão atmosférica global entre as partes Leste e Loeste do Pacífico, chamado oscilação austral, repercutando-se depois no oceano Índico. Ecosistemas excepcionais e preservados nos oceanos Pacífico e Índico são profundamente afectados, pois observa-se a destruição do plâncton, esse tipo de organismos (gametas, larvas, animais inadaptadas para lutar contra as correntes, vegetais e algas microscópicas) que constituem a base alimentar de muitos seres vivos marítimos: é então toda a cadeia alimentar que, nas zonas impactadas, é destabilizada, a todos os níveis. El Niño é um fenômeno natural, mas a multiplicação do fenômeno e a sua acentuação são favorecidos pelo impacto destruturante das atividades humanas, e limitam claramente a capacidade de adaptação e de reconstrução dos meios naturais em questão. Uma das conseqüências indiretas do El Niño de 2015, foi, em 2016-2017, secas impressionantes ne África austral e oriental, onde mais de 14 milhões de pessoas tiveram que enfrentar a fome, em particular na Etiópia, segundo país o mais povoado do continente e onde foi a pior seca em 50 anos. Da África do Sul ao Sudão, passando pela Angola, Moçambique e o Zimbabue, 30 milhões já eram, em Dezembro de 2015, segundo o Programa Alimentar Mundial (PAM), em situação de « insegurança alimentar ».
Países desenvolvidos têm assim a ilustração que a permanência dos seus padrãos de vida e modelos de enriquecimento como o livre-comércio, que supõe milhares de návios de mercadorias nos mares por exemplo, tem conseqüências no clima e no meio ambiente, e portanto a destabilização de sociedades inteiras em países que já estão pobres e cuja resiliência é fraca pode ter como conseqüências a chegada, a longo prazo, de milhares ou de milhões de migrantes. Do lado dos países em desenvolvimento, aparecem assim os limites do modelo de crescimento econômico de tipo ocidental. Estados como a China por exemplo, aprenderem nos últimos anos, ao custo da saúde da população, os impactos da poluição com origem a multiplicação dos carros, a concentração de população em áreas urbanas inadaptadas, e a implementação de indústrias poluantes. Em Dezembro de 2015 por exemplo, enquanto era organizada a COP 21 (um símbolo!), aconteceu o quarto pico de poluição que incentivou as autoridades chineses a anunciar o nível de alerta máximo em muitas metrópoles do nordeste e do centro do país. Assim, a Região de Shandong, com os seus 96 milhões de habitantes e o maior número de usinas de carvão do país, alertou todo o território, e em 16 grandes cidades, a taxa de poluição ultrapassou 12 vozes o limite definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Fecharam então fábricas e muitos serviços públicos como escolas e aeroportos.
Estão anunciadas também no futuro vagas de refugiados climáticos. Por lembrança, além do imperativo de 2°C, o acordo de Paris quer, na medida do possível, « perseguir os esforços para limitar a subida das temperaturas a 1,5°C ». Esse último objetivo foi acrescentado sob a pressão da Aliança dos Pequenos Estados Insulares
emissões de gases com efeito de estufaDai, questões jurídiras pesadas impõem-se. Uma vez em baixa das águas, será que um país constitui ainda um Estado? A existência de um território é uma condição para pretender beneficiar de um tal estatuto, além das seguintes: uma população permanente, um governo, uma capacidade em entrar em contato com outros Estados, etc. Os novos migrantes são de fato apátridas, apesar de ter os passeportos da sua nacionalidade passada. Essas ilhas preparem-se então a transferências de população laboriosas e difíceis. « A Nova-Zelândia aceitou, lembra-se Sykes, autorizações de residência e autorizações de trabalho num cota anual de 75 cidadãos das Tuvalu. Aparentemente, a Austrália recusou fazer tanto. Ela não aceitou refugiados climáticos por enquanto. » O Estado das Maldivas iniciou a construção de uma ilha artificial, Hulhumalé
com uma primeira fase com custo de 63 milhões de dólares. Um projeto que não podêm assumir todas as ilhas do arquipélago.... E dos escândalos ambientais e sanitários
Em Abril de 2014, estudos de terreno realizados pela associação ambiental Générations Futures, em França, mostraram a presença, nos cabelos de trinta crianças (entre 3 e 10 anos de idade) morrendo à proximidade de áreas agrícolas, de 624 resíduos de pesticidas. Era a conseqüência do uso de produtos fitossanitários nos campos. É uma realidade para todos os setores agrícolas. O da viticultura é particularmente afectado pelo fenômeno, com proporções de resíduos de pesticidas à volta às vezes cinco vezes superiores às médias nacionais.
Dai, muitos mais riscos de cancro, deficiências do aparelho sexual, problemas de metabolismo, etc. De fato, os estudos e relatórios científicos multiplicaram-se nas duas últimas décadas sobre o setor agrícola, em particular para sublinhar o papel dos desreguladores endócrinos no declínio da biodiversidade e o número incrível de doenças crônicas (cancros, diabetes, perturbações comportamentais, etc.). Por lembrança, a expressão foi inventada por Theo Colborn, e entrou no dicionário em 2013. Desreguladores endócrinos são substâncias químicas de síntese, estrangeiras ao organismo humano. São presentes em muitos produtos de uso do dia a dia: latas, detergentes, bilhetes, recibos, brinquedos, creme dental, roupa, matérias plásticas, pintura, etc. Constituem alguns dos pesticidas no nosso prato, e uns até são presentes nos nossos remédios. A sua produção aumentou muito nos últimos anos, pois são ligados a algumas matérias presentes em muitos processos industriais (farmacéutico, cosmetico, agrícola...). Podemos portanto adivinhar o peso do lobbying atrás desses desreguladores endócrinos.
À questão da proximidade das residências a cerca das zonas agrícolas que usem pesticidas e herbicidas acrescentam-se a da qualidade dos alimentos produzidos (e que acabam nos nossos pratos) e a da saúde dos próprios agricultores. Permanecem também o desafio da preservação dos ecosistemas a volta dos campos. Pois biocidas, herbicidas e pesticidas têm impactos consideráveis sobre a fauna e a flora. O imidacloprid, por exemplo, participa ativamente do declínio das abelhas e polinizadores. Essa questões todas reaparecerem também quando chegaram os debates, nos últimos anos, a cerca da proibição do glifosato. Nesses assuntos, a sociedade civil falta crualmente de meios para aprofundir as suas pesquisas a cerca dos perigos, enquanto as grandes forças econômicas em questão, elas, têm ferramentas de pressão enormes sobre a classe política, seja ela local, nacional ou supra-nacional. De fato, os grupos de pressão são muito bem organizado e muito presentes em Bruxelas, ao pé das instituições da União Europeia, em particular ao lado da Direção Geral (DG) Ambiente, da DG Saúde e Consumidor, e da DG Empresas. O lobbying do agronegócio luta ativamente para minimizar as proibições e os limiares no uso de substâncias químicas consideradas como desreguladores endócrinos.
A pesquisa continua no entanto, e esforços importantes foram feitos. Desde uma primeira chamada do coletivo de científicos reunidos a cerca de Theo Colborn em 1991, muitos efeitos foram identificados sobre o desregulamento do sistema hormonal, e são agora conhecidos. Diabetes, cancros hormono-dependentes (necessitando um tratamento hormonal, ou seja 80% dos cancros do peito), doenças cardiovasculares, disfuncionamento da fertilidade ou do comportamento, etc.: são dramáticas e irão a provocar várias graves crises sanitárias no futuro. Entre 2012 e 2015, alguns limites foram impostos sobre a presença de desreguladores endócrinos nos biberões e nos alimentos, por exemplo, mas esses progressos ainda são muito fracos.
Os escândalos ligados a abusos no uso de produtos agrícolas, mas também industriais, multiplicaram-se esses últimos anos, alimentando as críticas do nosso modelo de desenvolvimento atual. Nas Antilhas francesas por exemplo, o caso do clordecona, um pesticida que foi muito usado nos campos agrícolas entre 1973 e 1993, ainda está nas memórias de todos os habitantes, pois a presença persistente nos solos e nos rios continui contaminando as culturas, as criações e os peixes. Sem falar das conseqüências ao longo prazo, lembramos que, na base de um relatório de Junho de 2014 produzido pela organização não-governamental (ONG) europeia Health and Environment Alliance (que reune associações e sindicatos de cuidadores e mútuos), o custo da exposição da população aos desreguladores endócrinos é estimada a mais ou menos 31 bilhões de euros por ano para os sistemas de saúde ao nível da União Europeia. No entanto, a classe política demorra para agir realmente e para reorganizar os nossos sistemas de produção, distribuição, consumo... As mídias têm também uma responsabilidade considerável nesses assuntos, e são ainda poucos que altertam os cidadãos sobre os limites do nosso sistema. A maioria continuem pensando nos mesmos paradigmas ligadas à ideia que o crescimento econômico, a concurrência, o rigor orçamental, o livre-comércio e a eficiência do setor privado são elementos sine qua non para a nossa « prosperidade », para a permanência dos nossos padrãos de vida.
A COP 21, e depois?
Em 11 de Dezembro de 2015, acabou a conferência de Paris que permitiu negociar um tratado relativo à luta contra o aquecimento climática. Depois do fracasso da conferência de Copenhague em 2009, este acordo segue o protocolo de Kyoto (adoptado em 1995, assinado em 1997 no Japão e finalmente entrado em vigor em 2005) que ambicionava reduzir de pelo menos 5% as emissões de gases com efeito de estufa em relação ao nível observado em 1990. O acordo de Paris prevê de limitar o aquecimento climático « muito em baixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais ». Obriga cada país a submeter-se regularmente os seus objetivos de redução de emissões de gases com efeito de estufa a grelhas de informações e de analisas partilhadas e compreensíveis. Reatualizados em 2020 e depois cada cinco anos, os objetivos não podem ser aumentados. Um dos problemas é que não há multas nem medidas de retorsão. Outro objetivo do acordo: a neutralidade carbona, ou compensação carbona, ou seja a compensação das emissões de gases com efeito de estufa na atmosfera: é o « zero emissão líquido », baseado na compensação das nossas emissões de gases com efeito de estufa pelos chamados poços de carbona (florestas, oceanos, técnicas de captação e de armazenamento de carbona).
Os países do Sul tinham uma dupla exigência: as contribuções nacionais devem incluir as ações de adaptação ao aquecimento climático, mas também um certo apoio financeiro. Os países africanos, muitos Estados insulares, e ainda a Arábia Saudita, as Filipinas e o Brasil, insistiram muito no primeiro ponto: eles queriam poder incluir a noção de adaptação na sua contribuição, o justificando pelo fato que a única redução dos gases com efeito de estufa seria impossível para eles. Por lembrança, os objetivos de Kyoto de 1997 e dos acordos que o seguiram previam fortes economias de energia, um abandono gradual de energias fósseis (em particular o carvão), e investimentos notáveis nas outras energias. E de fato, os países africanos, que representam mais ou menos 3% das emissões de gases com efeito de estufa, condicionavam um envolvimento a certas garantias financeiras. Era nessa questão financeira que as discussões tinham ficado bloqueadas, na cimeira de Lima em 2014, pois a China, o Brasil, o México, a Arábia Saudita e ainda a Bolívia, que assumia a presidência do G77 reunindo a maioria dos países do Sul, exigiam mais visibilidade nesse assunto. A diferenciação dos países foi objeto de muitas propostas. Nem a China, que assumiu então a liderança no G77 (uma postura que poderia ser muito comentado, dado que a China é o país que no planeta emite mais gas com efeito de estufa) nem os outros países do G77 tinham interesse em redefinir uma nova hierarquia global em relação à mudança climática.
Lembrando o princípio das « responsabilidades comúns mas diferenciadas » definido na cimeira de Rio de Janeiro em 1992, o acordo de Paris sublinha que « os países desenvolvidos continuem a mostrar o caminha assumindo objetivos de redução das emissões em valores absolutos », estabelecendo uma diferenciação entre os países industrializados e os em desenvolvimento. Nesse âmbito, o mínimo da ajuda climática aos países em desenvolvimento é suposta ser cada ano de 100 bilhões de dólares (91 bilhões de euros) – um valor enorme e que pode ser questionado, dado como são usados os fundos da ajuda ao desenvolvimento, e o nível de corrupção observado em muitos países do Sul. Um balanço do acordo de Paris é previsto em 2013, e deve ser reatualizado depois cada cinco anos.
O compromisso é histórico, pois é o resultado de anos de negociações. No entanto, ele tem grandes fragilidades. Já o dissemis, ele não prevê sancções reais em caso de não-respeito por um dos atores envolvidos (estadual ou privado). Em Dezembro de 2015, o economista francês Éloi Laurent, num artigo publicado no blog do Observatório francês das conjunturas económicas (OFCE), explicou: « Pensavamos que o desafio, em Paris, [era] de estender aos países emergentes, començando com a China e a Índia, os compromissos vinculativos aceitados em Kyoto dezoito anos antes pelos países desenvolvidos. » No entanto, nota o bloguista, « é exatamente o contrário que produziu-se: sob o impulso do governo americano, que dominou todo o tempo e até o último minuto o ciclo de negociações (no qual a UE foi crualmente ausente), todos os países estão agora de fato fora do Anexo 1 do Protocolo de Kyoto, liberados de qualquer vínculo jurídico quanto ao tipo dos seus compromissos na luta contraa mudança climática, que resumem-se a contribuições voluntárias que eles determinam sozinhos e sem referência a um objetivo comum ». Enfim, é uma vitória de Washington: entre Kyoto e Paris, os compromissos tornam-se universais, mas o acordo perde a sua dimensão vinculativa.
Além disso, certas contribuições permanecem insuficientes. O texto que conclui a conferência diz « com preocupação que os níveis de emissões de gases com efeito de estufa em 2025 e 2030 estimados na base das contribuições previstas determinadas ao nível nacional não são compatíveis com cenários a menos custos que prevêm uma subida da temperatura de 2°C [...], e esforços de redução muito mais importantes serão necessários, reduzindo as emissões a 40 gigatoneladas ». Tradução: os próprios participantes reconhecerem que o texto não responde aos desafios e que os objetivos formulados pelos 195 Estados, mesmo se são respeitados, não serão suficientes para limitar o aquecimento climático em baixo de 2°C em relação às temperaturas da era industrial.
Outro problema: a parte operacional do documento não menciona os direitos humanos (individuais e coletivos) ligados às questões ambientais, nem a questão importante da segurança alimentar. Desafios conectados entre eles, e que são determinantes para o futuro, com um mundo que irá contar entre 9 e 10 bilhões de habitantes em 2050. Aliás, são questões que são ligados a outros, econômicas, sociais, sociológicas, como a propriedade da terra, o seu uso e a sua ocupação. Em Dezembro de 2015, Anne-Laure Sablé, encarregada de advocacia na ONG francesa CCFD-Terra Solidaire, explicava no site Internet da associação: « Vemos bem que, deixando de lado a segurança alimentar, é de fato o modelo agro-industrial atual que procuramos proteger enquanto deveríamos o questionar. » Ela acrescentou então que esperava « que [a] referência ao [impacto dos desregulamentos climáticos sobre] a "produção alimentar" » não impediria as COP seguintes nas quais « aconteceriam as primeiras discussões sobre a agricultura ». Problema: essa referência que substitui-se à noção de « segurança alimentar », reafirmou simplesmente a necessidade de « produzir mais », e não de produzir melhor, nem de repartir melhor.
A inovação ao serviço do desenvolvimento sustentável? Aqui, em Grenoble, no centro-Leste da França, um exemplo de auto-partilha, um sistema de aluguel de carros elétricos disponíveis sem reservação prévia.
De fato, as soluções propostas para lutar contra as deficiências ligadas aos problemas ambientais e climáticas inscrevem-se de forma dramática nos paradigmas produtivistas que dominam no planeta há décadas. Sejam o reconhecimento e a institucionalização do Lima Paris Action Agenda, a Climate Smart Agriculture (uma iniciativa dificilmente implantada por causa de uma falta de ferramentas e de expreriência), ou ainda o « 4 por 1 000 » (programa de pesquisa internacional sobre o sequestro do carbono nos solos) cujo objetivo é melhorar os estoque de matéria orgánica nos solos (à medida de 4 por 1 000 por ano), todos alimentam as críticas ou o pessimismo. O estabelecimento e a extensão das culturas com organismos geneticamente modificados (OGM), ou o uso de certos pesticidas, são exemplos entre outros de desvios potenciais dessas « falsas boas ideias ».
Além disso, a questão das terras, reduzidas ao seu único papel de « poços e reservas de carbono », e a da agricultura são tratadas sem tomar em conta as populações indígenas, que são vistas como uma variável de ajuste muito desprezível, no vasta jogo de xadrez, no mercado mundial da terra. Além de um simples desinteresse em relação à questão da terra, o acordo de Paris até irá a ter efeitos perversos, pois ele incitiva muitos atores privados a comprar terras em países do Sul para « compensar » as suas emissões de gases com efeito de estufa, dado que as terras compradas são antes de tudo consideradas como « poços e reservas de carbono ». Dai, uma financiarização da natureza e uma confiscação importante de terras. É uma dinâmica já muito atual, que talvez o acordo de 2015 vai acentuar. Por lembrança, entre 2000 e 2014, mais de 200 milhões de hectares de terra arável foram comprados ou alugados, em particular em África, por gigantes do agro-negócio, por especuladores, e por Estados preocupados da sua própria segurança alimentar.
O caso do Qatar é muito ilustrativo, pois o emirado, como os seus vizinhos árabes, depende das importações estrangeiras por 90% das suas necessidades alimentares. Conscientes disso, a monarquia do Qatar anticipou: na base de fundos soberanos, ela já é proprietária de mais de 100 000 hectares no Sudão e de 40 000 hectares no Quênia, mas também muitas terras em países ricos como o Canada ou a Austrália. A situação do Moçambico, um dos países mais pobres du mundo, também é emblemática (Agricultura intensiva: em Moçambique, quem são as vítimas colaterais do « progresso »?). Lá, o preço da terra é muito baixo, e as autoridades nacionais fizeram da atração dos capitais privados a solução para desenvolver o país; uma estratégia inadaptada à realidade local, pois oito Moçambicanos sobre dez praticam a agricultura, em maioria em terrenos de menos de dois hectares. Pequenos agricultores são vítimas diretas dessa situação, agravada pelo alto nível de corrupção.
Mudança de paradigmas: o papel das ilhas de inovação
Os assuntos ligados ao desenvolvimento sustentável são muitas e um só artigo não bastaria para as abordar todas. O acordo da COP 21 foi um primeiro passo, laborioso, incompleta, para responder a certos dos desafios, sobretudo os ligados ao desregulamento climático. Os países europeus não se apropriam suficientemente esses desafios consideráveis, enquanto eles têm as capacidades humanas e técnicas para isso, como também podem inspirar-se dos seus vizinhos em certas áreas. Algumas questões cristalizam os debates públicas, por exemplo a questão energética ligado à produção pelo nuclear, pelo carvão, e pelas energias renováveis. Países como a França não querem sair do nuclear enquanto ainda permanecem problemas como a gestão dos resíduos, ou a dependência à importação de urânio, sem falar dos riscos de segurança. A Alemanha desenvolveu energias « limpas » mas fica dependente do carvão que polui consideravelmente. Países como o Portugal envolveram-se totalmente nas energias renováveis, mas sem nenhuma reflexão sobre 1) o impacto ambiental da fabricação dos elementos que permitem tais energias, e 2) o desafio da sobriedade energética. Em 2015, em toda a Europa, as energias renováveis ainda « só » representavam 32% da produção eléctrica. Nos Estados Unidos de América, as energias « verdes » representavam na mesma altura 14% da produção eléctrica. A Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e os investimentos enormes nesses setores devem, conforme as previsões, provocar um declínio dos custos da eletrecidade criada pelo fotovoltaica e pelo eólica.
No entanto, cada década são descobertas novas fontes de extracção de gás e de petrôleo, certamente sempre mais difíceis a explorar, mas no entanto essa realidade adia gradualmente a data de previsão do « fim do petrôleo ». Por exemplo, desde 2007, a extração de gás de xisto, que necessita um processo sistematica de fracturação hidráulica notável, conheceu um crescimento enorme nos Estados Unidos de América, deixando as águas subterrâneas próximas muito poluidas. Em Agosto de 2013, a decisão do então presidente Rafael Correa de explorar, no Equador, o petróleo do território do Parque nacional Yasuni, na floresta Amazônia, matou o projeto Yasuni-ITT, que queria preservar a área de extração petrolífera em troca de uma compensação financeira à medida de 50% da perda (Equador: anos depois, que lições tirar do fracasso da iniciativa Yasuni-ITT sob a presidência Correa?); era uma das primeiras verdadeiras iniciativas com alvo de deixar a matéria prima embaixa da terra. Outros casos ilustrativos: desde Outubro de 2013, um consortium a cerca de Petrobras iniciou a exploração, no Brasil, do sítio petrolífero offshore Libra, a 183 km no suleste de Rio de Janeiro, e há pouco tempo agora, sob o envolvimento das empresas italiana ENI e norte-americana Anadarco, o Moçambique iniciou a exploração as reservas de gás do sítio de Rovuma, no norte do país. Outro caso, que promete grandes mudanças geopolíticas: com o aquecimento climático, o Ártico é provavelmente o próximo « Eldorado » dos minerais e dos hidrocarbonetos...
Além da permanência da « era do petróleo », será que podemos limitar os nossos esforços a desenvolver novas fontes de energias supostamente « limpas »? Essa fé nas novas tecnologias, na ciência, é ilusória. Mudar de paradigma nesses assuntos supõe também mudar o nosso ponto de vista sobre os padrões de vida ocidentais (Será que a inovação e a economia ecológica garantirão o desenvolvimento sustentável?). A frugalidade é uma condição incontornável para a sustentabilidade da nossa sociedade e das nossas economias. Isso não quer dizer voltar às grutas pré-históricas, mas simplesmente renunciar ao luxo de certos caprichos e adicções que têm um impacto ambiental considerável: o uso do plástico, o consumo de bens digitais como o smartphone, as compras compulsivas de comida... Isso inclui a luta contra a obsolesciência planejada, que constitui uma fonte sem fim à produção de resíduos. Ou seja, é toda a nossa visão do crescimento econômico que deve ser questionado, tal como indicadores de desenvolvimento como o Produto Interior Bruto (PIB). A felicidade e o bem-estar não são assegurados pela acumulação material ou financeira.
Iniciativas já existêm, desenvolvidas ao nível local, em particular pela sociedade civil. A filósofa e autora francesa Cynthia Fleury as as qualificou num canal público (France 2), em Outubro de 2014, de « insularidades », de « ilhas de inovação », antes de explicar: « A economia social solidária, hoje, não só é viável, enquanto ela foi muito tempo utópica, associativa, não formalizada, ele torna-se protocolária, ela cria carreiras, ela salva vidas. » Certas decisões, no entanto, não podem ser tomadas ao nível local nem individual, pois incentivos fiscais, ou protecionismo comercial dependêm dos Estados, por exemplo. Por isso é bom também lembrar o peso do voto, que permanece uma ferramenta determinante. Mas enquanto não há mudanças de paradigmas suficiente na classe política, essas insularidades de inovação não deixem de ser, diante da esclerose das nossas elites, uma luz de esperança no fim do túnel. E elas dão peso (e sentido) à ação cidadã.
Outras maneiras pela sociedade civil de influenciar as decisões políticas, assistimos nos últimos anos várias manifestações, protestos significativos e mundiais para reclamar ações políticas para limitar a mudança climática, a exploração do meio ambiente e o colapso dos ecosistemas. Podemos mencionar também os grupos de pressão que constituem as ONG. A Coligação Clima 21, plataforma de ONG que tornou-se um dos maiores patrocinadores do GIEC (Grupo de expertos intergovernamentais sobre a evoluçéao do clima), é hoje em dia reconhecido como o interlocutor único e legítimo para todas as grandes redes internacionais e associativas.
Um espírito de sistema deve dominar a nossa reflexão, agindo sobre todos os setores ao mesmo tempo para realizar não só uma transição, mas uma revolução ecológica, desde a produção e a distribuição até o consumo, desde os modos de transporte até o modo de trabalhar hoje em dia, passando pelas formas de expressão da solidariedade na nossa sociedade, desde o agro-alimentar até os empregos de serviço... Isso supõe questionar a concentração de poder em setores estratégicos como a saúde, ou também o agronegócio e a distribuição alimentar. Para os pessimistas, é bom lembrar as situações de desesperança já existentes nas nossas sociedades, com taxas de suicídios incríveis, por exemplo no mundo agrícola, ou no setor da saúde.
Enquanto negociaram-se acordos de livre-comércio como a Parceria transpacífica (assinado em Fevereiro de 2017), mas também o tratado União Europeia-Estados-Unidos TAFTA e o tratado UE-Canada CETA, vemos bem que a classe política europeia não entendeu bem os desafios de relocalização das produções industriais e agrícolas que impõem-se no presente e no futuro (Livre-comércio globalizado: quando a conscientização demora). Por lembrança, no início de Dezembro de 2015, enquanto acontecia a COP 21 em Paris, o gabinete de estudos Basic e o Observatório das multinacionais indicaram que quatro grandes empresas francesas (Carrefour, LVMH, EDF e Kering), patrocinadoras dessa mesma COP 21, esconderem uma grande parte das suas emissões de gas com efeito de estufa pela deslocalização, no Sul, das partes mais poluantes da sua cadeia de produção. Essa revelação ilustrava então os limites do sistema econômico global, não contestato pelo acordo de Paris, e que favorece, por causa da internacionalização das cadeias de produção e de uma corrida à optimização tributária, esse tipo de « deslocalização ambiental », verdadeiro equivalente da deslocalização social. Além disso, a ausência de normas comuns em termos de avaliação das emissões de gas com efeito de estufa permite às empresas de esconder mais facilmente o detalho da sua pegada de carbono.
Outro exemplo de hipocrisia, um relatório do Global Carbon Project estimou, em 2015, que 70% das reduções de emissões de gases com efeito de estufa registradas pelos países da União Europeia, no âmbito dos objetivos definidos no protocolo de Kyoto, foram « anuladas » pelo crescimento das emissões « deslocalizadas » em países como a China, a Índia ou o Brasil, cuja pegada de carbono subiu consideravelmente. Portanto a União Europeia, que pretende ter atingindo os seus objetivos de redução das emissões de gas com efeito de estufa em 2020, engana de fato os seus próprios cidadãos. Esse mesmo relatório concluiu, uns dias antes do fim da COP 21 (em 2015): « Os nossos dirigentes políticos devem agora ultrapassar as posturas e as promessas não vinculativas para assumir as suas responsabilidades e enfrentar os dilemas correspondentes. »
O texto a seguir vem de uma conferência de Março de 2015 conduzida por um professor em geopolítica e em economia do conhecimento à Escola central, e pesquisador na Universidade de Stanford e no CNRS. Ele descreve a sua visão da natureza, não como um conjunto de recursos a explorar, mas como uma fonte de conhecimentos. Essa mudança de paradigma deve permitir uma evolução na nossa relação com a natureza e a vida. Ele introduz a noção de biomímica, ou seja, um processo de inovação e uma engenharia, que inspira-se das formas matérias, propriedades, processos e funções da vida, qualquer seja ela (animal, vegetal...).
Durante anos, ouvimos: « isso, quer dizer que a única solução é o descrescimento ». É errado. O descrescimento, não é desenvolvimento sustentável. No « desenvolvimento sustentável », há « desenvolvimento ». É sustentável, mas não é desenvolvimento. […] Cada vez que você diz « descrescimento » para tirar o conflito de interesse entre crescimento e natureza, você supõe que a única maneira de fazer crescimento econômico com a natureza, é as matérias primas, e isso é errado. Se exploramos a natureza como fonte de conhecimentos, há muito mais crescimento a fazer. A biomímica, é simplesmente a ciência que diz: « Exploramos a natureza como uma fonte de conhecimentos, não como matérias primas ». Não vamos parar completamente, mas vamos equilibrar dessa maneira a nossa relação à natureza.