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O acendedor de lampiões

Movimentos de protesto e « ilhas de inovação »: quando o cidadão, um passo à frente dos seus dirigentes, quer investir a esfera política

2 Septembre 2022 , Rédigé par David Brites Publié dans #Democracia, #Ecologia, #Economia, #Sociedade, #Europa

Cartaz do filme « Amanhã » (2015).

Visionável nos cinemas em Dezembro de 2015, o longa-metragem Amanhã (Demain em francês) teve um certo sucesso. Por exemplo, ele recebeu o César do melhor filme-documentário. Realizado pelos Franceses Cyril Dion e Mélanie Laurent, ele descreve iniciativas em uns dez países do mundo. Cinco temáticas estruturam o documentário: a agricultura, a energia, a economia, a democracia e a educação. Em cada um desses capítulos, soluções aos desafios sociais e ambientais atuais e futuros são descritos.

A especificidades dessas soluções: elas inscrevem-se na realidade da vida das empresas e dos cidadãos, e mostram que uma transformação do nosso modelo de sociedade não só é possível, como também é desejável, em termos de eficiência econômica, de sustentabilidade ecológica, de felicidade individual e de laço coletivo.

É na base de inovações e de boas práticas que estão, talvez, as chaves de uma conversão gradual da nossa sociedade a um sistema sustentável. Uns elementos de reflexão sobre a sociedade civil na vanguarda (ecológica e social).

A prática dos jardins partilhados é cada vez mais observada em meio urbano, e confirma uma tomada de consciência crescente dos cidadãos sobre a necessidade de uma agricultura de proximidade e de um melhor uso do espaço público. Aqui, jardins partilhados nos arredores de Paris, em França.

A prática dos jardins partilhados é cada vez mais observada em meio urbano, e confirma uma tomada de consciência crescente dos cidadãos sobre a necessidade de uma agricultura de proximidade e de um melhor uso do espaço público. Aqui, jardins partilhados nos arredores de Paris, em França.

Qual é a escala relevante de ação para transformar a sociedade?

É necessário uma primeira observação: aos que qualificam os ecológistas e as experiências econômicas, sociais e ambientais alternativas de « utópicas », queremos lhes responder que considerar que os modos de produção e de consumo atuais podem ser mantidos com apenas adaptações marginais, isso é que é a verdadeira ingenuidade.

Quaisquer que sejam as suas modalidades, uma mudança de paradigmas é necessário se queremos preservar no futuro um nível de via aceitável, um meio ambiente sã e uma relação feliz ao trabalho. Essa mudança de paradigma supõe, não de substituir as políticas econômicas da oferta pela as da demanda, mas de pensar de novo, fundamentalmente, a base mesma do nosso consumo e da nossa produção, para que elas têm um significado e respondem às necessidades numa lógica de desenvolvimento sustentável (economia circular, circuitos curtos, etc.).

Questão importante: como iniciar processos de transformação dos modos de produção e de consumo? Obviamente, a classe política deveria poder lançar-nos nessa transição, nessa revolução ecológica, e até tem muito mais meios do que o cidadão lambda, cujo impacto é fraco e não pode transformar o sistema na sua globalidade, pelo menos a curto prazo.

Por exemplo, com o exemplo da nossa roupa, um bem de consumo do dia a dia, dado que muito dos produtos têxtil consumido na Europa vem das fábricas da Ásia (China, Bangladesh, Índia, etc.), é choquante ver que o preço nas etiquetes não inclui o custo social e ambiental da produção. Foi muito ilustrativo o ano 2013, pois, em Setembro no Bangladesh, e em Novembro no Camboja, vimos milhares de operários do têxtil protestaram, às vezes de forma violente (blocagens de estradas, destruiçéao de material de trabalho, etc.) apesar da repressão das forças policiais. Eles reclamavam melhores condições de trabalho e aumentos de salários (no Bangladesh, reclamavam passar de 28 para 74 euros por mês). Essa realidade não se resume a uma dominação dos países do Norte nos povos do Sul. Ela se traduz não só por uma permanência das massas numa situação de miséria, na Ásia, onde os trabalhadores nunca são vistos como consumidores potenciais, mas também por uma destrução das indústrias têxtis na Europa (e na África do Norte e na Turquia), e portanto por uma subida do desemprego no Norte.

Quem é responsável são as grandes empresas de distribuição que têm benefícios nesse sistema, mas também a nossa classe política, encarregada de negociar os acordos comerciais com os países que exportem o têxtil. São também responsáveis as classes políticas, os dirigentes desses países, que não hesitam em « vender » o seu povo no altar do crescimento econômico e dos seus próprios interesses pessoais, pois muitos deles têm investimentos próprios no setor do têxtil. Nesse âmbito, o consumidor não é isento de qualquer responsabilidade. Embora elas são embrionárias, existem marcas de roupas pensadas com uma preocupação de desenvolvimento sustentável ou de economia social e solidária (ESS), ou seja, marcas 100% « made in » países de Europa, ou com uma confecção « limpa ». No entanto, elas permanecem poucas, raras e desconhecidas.

A escala do cidadão não é a mais relevante. Ele pode comprar « de uma outra maneira », satisfaz a sua consciência, mas não resolveu a condição do operária têxtil do Bangladesh, por exemplo, nem afectou o sistema. « Um boicote organizado por seis ou sete pessoas, é como bater um elefante com um feto de palha », disse o Índio Gandhi em Janeiro de 1920. De fato, excepto com um sucesso como o do boicote do têxtil britânico na Índia colonial nos anos 1920- e 1930, é pouco provável o comportamento cidadão ser suficiente. Até depois da tragédia do Rana Plaza, quando o prédio com esse nome colapsou na periféria de Dacca, provocando a morte de 1 200 pessoas que trabalhavam lá em oficinas de confecção têxtil, em Abril 2013, as vendas das grandes marcas (Carrefour, Walmart, H&M, Mango, Benetton...) de roupas que salariavam os operários lá ou que forceniam-se lá não foram realmente afectadas (Livre-comércio globalizado: quando a conscientização coletiva demora).

Assembleia geral de « Nuit Debout », em 13 de Abril de 2016, em Paris (França).

Assembleia geral de « Nuit Debout », em 13 de Abril de 2016, em Paris (França).

O impacto da ação cidadã? A importância das « ilhas de inovação »

Além disso, enquanto o nosso sistema permita a importação em Ocidente de produtos com menos custo, ele faz se enfrentar empresas respeituosas de normas sociais e ambientais com uma currência desleal, ainda mais num tempo de « crise do poder aquisitivo » como atualmente. Os grandes grupos do têxtil dispõem de meios muito mais importantes, inclusive em termos de lobbying sobre a nossa classe política, nas capitais europeias como em Bruxelas. Uma lógica que prevalece também em muitos setores da economia.

Diante da inação da classe política, será que temos que desesperar? Obviamente não. As iniciativas cidadãs ou empreendedoras podem ser levadas a sério. Aliás, os exemplos apresentados no filme Demain mostram que elas são realistas, às vezes mais eficientes do que os circuitos tradicionais de produção, de distribuição e de consumo. Elas observam-se a diferente escalas. A agricultura urbana pode ser lançada por cidadãos, em âmbito associativo ou não, ou por autarquias. Uma moeda alternativa pode ser criada por uma rede de empresas, por um coletivo de comércios, ou ainda por autarquias. Os sistemas de livre-serviço para bicicletas ou carros são mais da competência das autarquias. Etc.

Uns exemplos do filme Demain. A empresa Pocheco na região de Nord-Pas-de-Calais, especializada na impressão de envelopes, aplica há mais de vinte anos os princípios « ecolonômicos » (ligando economia e ecologia) baseados dos três pilares do desenvolvimento sustentável (adopção de modos de produção « limpos », autonomia energética, respeito dos salariados e do diálogo social, produtividade). A moeda complementar é produzida desde 1934 pelo Banco Wir (organismo sem objetivo lucrativo) e usada por uma rede de 60 000 pequenas e médias empresas (uma PME sobre cinco em Suíça). Um casal francês na região de Normandie envolveu-se na policultura e na « permacultura » (inspirada pela agricultura biológica e métodos tradicionais). Esses casos concretos podem ser pensados a diferentes escalas, podem ser reproduzidos em outros lugares, e sobretudo foram sucessos claros.

Como o explicou a psicanalista e filósofa francesa Cynthia Fleury, convidada no programa Ce soir (ou jamais !) no canal público France 2, em 11 de Outubro de 2014, « insularidades » já existêm hoje em dia. Ela explica: « [Essas] ilhas […] de inovação social […] funcionam. A economia solidária social, hoje, não só são viável, enquanto ela foi muito tempo utópica, associativa, não formalizada ela torna-se protocolária, ela cria carreiras, ela salva vidas. […] Hoje, temos uma cartografia possível das alternativas. Ou seja antes, sabíamos que existia, mas não sabíamos onde. » A multiplicação permita efetivamente estabelecer laços, trocar boas práticas, identificar iniciativas similares, e as catalogar de maneira eficiente.

Além disso, essas iniciativas têm um impacto em termos de conscientização. Lentamente, gradualmente, sim, mas os desafios ecológicos e as iniciativas que inscrevem-se na inovação social são mais presentes nos debates de sociedade do que nos anos 1980 e 1990, embora a classe política ainda não se apropriou noções diversas como « circuitos curtos », « resiliência dos territórios », « moeda local », « obsolescência planejada », « ecolonomia », « economia circular », « permacultura » ou « anti-especismo ». A sensibilização sobre esses assuntos é difícil, é lenta, mas ela existe, e deve ser aprofundida (Será que a inovação e a economia ecológica garantirão o desenvolvimento sustentável?). Temos que assumir o desafio das insularidades, pelo menos por uma razão: diante de uma esclerosa intelectual que caracteriza a classe política, e da apatia dos nossos dirigentes, só temos isso em mão. Temos que animar essa luz no fim do túnel. De uma certa forma, a articulação dessas iniciativas pode também revitalizar o laço social, as interações cidadãs, e o nosso papel na mudança.

Por que a classe política está tão atrasado? Temos várias respostas possíveis. Primeiro, o grau de oportunismo eleitoral do homem (ou da mulher) na política, cuja visão está muitas vezes limitada ao prazo do seu mandato de eleito, enquanto vários desafios exigiriam reformas profundas e de longo prazo. Nessa perspectiva, o papel dos partidos (e do sufrágio) não é necessariamente de transpor uma ideia na área da soberania popular e na política governemental, mas simplesmente de ganhar o poder. Podemos deduzir disso que a mudança não passará pela classe política. Estamos portanto numa situação de desvio da democracia, resultado da falta de renovação da classe política, mas também das ambições excessivas daqueles que a compõem, e do lobbying das grandes forças capitalistas do nosso tempo.

Segunda razão: a incompetência. Pois mesmo quando a necessidade de uma mudança profunda de modelo chegou no cérebro dos nossos políticos, muitos deles não sabem o que fazer para iniciar a mudança. Acrescenta-se a pusilanimidade do pessoal política, o qual, mesmo quando tem consciência do trabalho a fazer, não se atreve a (ou não quer) questionar, por medo ou por perguiça intelectual, as relações de poder que favorecem as potências econômicas que mantem o sistema no seu estado atual. Para aprofundir esses freios às mudanças de paradigma: COP 21, mudança de paradigmas, transição ecológica: tudo fica para fazer

Conferência na praça da República, em 24 de Julho de 2016, em Paris (França). Um jovem ativista do movimento faz uma crítica sobre as teorias econômicas liberais e neoliberais, antes de trocar com o público.

Conferência na praça da República, em 24 de Julho de 2016, em Paris (França). Um jovem ativista do movimento faz uma crítica sobre as teorias econômicas liberais e neoliberais, antes de trocar com o público.

Indignados, Nuit Debout, Coletos amarelos, manifestações para o clima... Quando o cidadão quer reapropriar-se o debate público

« Noite em pé » , ou Nuit Debout em francês, foi um sit-in, uma manifestação pacífica acampando na praça da República, em Paris, a partir de Março de 2016, durante três meses mais ou menos. Além de alvos específicos como impedir a adaopção de uma lei que ia a participar ao desregulamento do Côdigo do trabalho francês, os objetivos eram vários: revitalizar a democracia, e ferramentar o cidadão além do seu único direito de votar. Organizaram-se « comissões estruturais », sobre assuntos diversos (economia, ecologia, democracia, energias, anti-especismo, feminismo, etc.), para iniciar uma reflexão profunda sobre vários assuntos, num espírito de diálogo e de pedagogia, qualquer cidadão tendo o direito à palavra e enriquecendo os debates. Inovações políticas, sociais, ambientais, econômicas, foram propostas, para pensar a sociedade de amanhã. Estavam lá na praça « jovens graduados do superior, agora 40% de uma faixa etária », como o explicou em Abril de 2016 Emmanuel Todd, sociólogo e autor francês (entrevistado pelo jornal Fakir), que acrescenteu então: « Já não é uma minoria privilagiada [...]. E sobretudo, é preciso entender, fazer entender, que os estágios a repetição, os empregos de merda nos escritórios, subpagos para sobrequalificações, é a mesma coisa do que as fábricas fechadas, do que a sucessão de interinos para os jovens de meios populares. A queda do nível de vida, é para toda uma geração. » O movimento recusou uma marca ideológica, embora foi mais à esquerda, ou à extrema-esquerda, do que outra coisa.

Além dos objetivos políticos, sociais e ambientais explíticos, duas clivagens aparecerem gradualmente na praça. O primeiro separava os que eram favoráveis às ações violentes, minoritários, e os que, pacíficos, denunciavam a violência porque achavam que ela descreditava o movimento, ou até era simplesmente uma ferramenta de ação ilegítima. Segundo, entre os que rejeitavam totalmente o sistema político, e os que queriam traduzir a existência de Nuit Debout em algo de concreto na área política. Na mesma entrevista, Emmanuel Todd ainda explicou: « É o drama dessa juventude: é nós, em pior. Os de Maio 68 descobriram o individualismo, mas eles tinham atrás deles, na sua família, uma sólida formação nas coletivos: o Partido comunista, a Igreja, os sindicatos. Ai, essas gerações nasceram individualistas, [recusam a organização de maneira] quase ontológica. Nem há a lembrança desses coletivos fortes. E a vontade de não organizar-se é quase elevado ao nível de religião. » Ele acrescentou ainda: « Eu lembro-me da lição de Lenine: "Não há revolução sem organização"!»

De uma certa maneira, o movimento dos Coletos amarelos, que mobilizou-se em França em 2018-2019, embora era sociologicamente muito diferente de Nuit Debout, levava também certos objetivos similares relativos à capacitação dos cidadãos na área política. Eles protestaram com os aumentos de taxas, as exonerações ao benefício do 1% mais rico da sociedade francesa, mas também para dignidade, e por frustração em relação às dificuldades econômicas e sociais consideráveis que eles enfrentam. O declínio dos serviços públicos nas áreas rurais e periurbanas estava, denunciava os contestatários, em contradição com o peso fiscal sobre as classes médias, e a frustação era ainda mais grande pois as classes mais ricas tinham aproveitado muito das reformas econômicas e fiscais dos mandatos políticos passados (Chirac, Sarkozy, Hollande) mas também atual, sob a presidência Macron; por lembrança, todos votaram incentivos consideráveis para as grandes fortunas e para as empresas maiores. Mas a final, tal como os jovens de Nuit Debout, os Coletos amarelos só receberam desprezo da classe dirigente. Foi o grito desesperado mas consciente da França que tinha desaparecida no âmbito da globalização.

Protesto dos Coletos amarelos, em Paris (França), em 1 de Maio de 2019.

Protesto dos Coletos amarelos, em Paris (França), em 1 de Maio de 2019.

Apesar das críticas, nas marchas dos Coletos amarelos em Paris e nas grandes cidades, como também nos acapamentos nas rotundas em toda a França, ouviam-se discursos e gritos contra o presidente Macron, o hino La Marseillaise, conversas sobre a transição ecológica e a política governemental, ou também sobre o próprio movimento e a sua falta de organização... Muita fraternidade, muita solidariedade, muita sinceridade. Os testemunhas ilustraram a grau significativo de laços criados nesses espaços de rotundas reapropriados pelos cidadãos. As pessoas questionavam o sistema na sua globalidade, em aspectos muitos diversos: imigração, fiscalidade, poder aquisitivo, pensões de aposentadoria, justiça social... A temática democrática surgiu rapidamente, diante da impossibilidade óbvia de negociar com o governo ou mesmo de ser entendido.

Nos pedidos políticos dos Coletos amarelos, o Referendo de Iniciativa Cidadã (RIC) « constituinte, abrogatório, revogatório e legislativo » tornou-se central em vão, claro. Entender: um RIC que deve permitir realizar modificações na Constituição (ou propor a sua reactualização completa), reclamar a supressão de uma lei, revogar um responsável político ou propor leis. O referendo poderia ser realizado por um percentagem ou um número mínimo de cidadãos, que submeteriam assim a proposta ao voto de todos. O RIC inscreve-se na continuidade das iniciativas de democratia participativa que aparecerem, em particular desde os anos 1970 ao nível local em muitos países de Europa e além. Já existem modos de consulta popular, com os referendos nacionais (o último em Portugal foi em 2007 sobre o direito ao aborto, em França em 2005 sobre o Tratado constitucional europeu), ou ao nível local com consultações à escala municipal ou regional. Uma reforma da Constituição francesa introduziu, em 2008, um referendo de iniciativa partilhada, mas cujo uso é tão complexo que a sua realização é quase impossível (aliás, a única tentativa, em 2019-2020, sobre a privatização dos Aeroportos de Paris, foi um fracasso).

Nos últimos anos e os resultados dos referendos de 2005 em França e na Holanda, e o de 2016 no Reino-Unido, o confirmaram do ponto de vista das nossas elites os comentários opostos à prática do referendo multiplicaram-se. Os povos, inconstantes, seriam estúpidos demais para responder com relevência às perguntas. Um grande desprezo esconde-se atrás dessa postura; é que existe na democracia representativa um medo importante da expressão popular. Essa visão negativa do saber cidadão prevale atualmente, em palavras muitos vezes semelhantes às usadas por Joseph A. Schumpeter em 1946 no livre Capitalism, Socialism ans Democracy: « O cidadão típico cai a um nível inferior de performância mental logo que ele entra na área política. Ele argumenta e analisa de uma forma que o próprio reconheceria logo como infantil na área dos seus interesses reais. Ele torna-se primitivo. A sua reflexão torna-se associativo e afetivo. »

No entanto, poder opôr a essa visão a existência de muitos « saberes » do cidadão. O exemplo de orçamentos participativos o ilustra, pois esse mecanismo de participação dos habitantes às escolhas orçamentais da autarquia permitiu, em muitos lugares do planeta, a muitos de submeter ideias e soluções que os eleitos locais, muitas vezes, não tinham proposto. E mais amplamente, muitas iniciativas inovadoras, individuais ou coletivas implementadas ao nível local, e que trazem respostas às problemáticas globais, mostram a inventividade do povo em ação ou seja, são as insularidades descritas por Cynthia Fleury. E o referendo de iniciativa cidadã poderia servir a generalizar ou a experimentar as ilhas de inovação. Em Suíça, organiza-se quatro referendos por ano, cada trimestre, sobre assuntos de importância federal, cantonal ou autárquicas); lá, desde metade do século XIX, quand 100 000 cidadãos suiços o desejam à escala nacional (isso vale também em modalidades semelhantes nos cantões), todos os Suíços são chamados a pronunciar-se por referendo num texto, depois debatido no Parlamento. Além disso, qualquer cidadão que opõe-se a uma lei votada pelos seus representantes dispõe de 100 dias para recolher um mínimo de 50 000 essinaturas e provocar um referendo facultativo. Uns trinta países no mundo, nos quais o Uruguay, têm um ou vários tipos de referendo de iniciativa popular, por exemplo legislativo, ou para interromper o mandato do chefe do Estado.

Protestos em Paris, em 24-11-2018.

Essa questão de dar a palavra ao povo, em todos os assuntos, incluídos os econômicos, fiscais, sociais ou ainda ambientais, parece determinante para o futuro das democracias e o restabelecimento da confiança dos cidadãos pelas suas instituições. Uma proposta como o orçamento participativo, ou como o RIC, tem como alvo permitir ao cidadão de reapropriar-se o debate político, em vez de ver a política permanecer um monopólio de uma classe dirigente mais ou menos hermética às reclamações dos cidadãos logo que acabam as campanhas eleitorais. Sem questionar o saber político dos eleitos nem os conhecimentos dos peritos, novas formas de partilha do poder necessitem antes de tudo o reconhecimento de uma perícia cidadã legítima. E a participação só é eficiente se ela tem um carácter vinculativo, como é o caso nos orçamentos participativos; se ela deixe uma liberdade total de propostas aos cidadãos, como seria o caso com um Referendo de Iniciativa Cidadã; e se as classes populares são ferramentadas para participar. E ai também, as mídias têm um papel determinante, hoje em dia profundamente contra-produtivo.

Além dessa seqüência efêmera, Nuit Debout, que inscrivia-se na continuidade dos movimentos dos Indignados na Europa (Grécia e Espanha sobretudo) e de Occupy Wall Street nos Estados Unidos, teve como originalidade a reapropriação do espaço público ao benefício da educação popular, da reflexão e do debate. Os Coletos amarelos também tiveram como impacto de ver as pessoas reapropriar-se o espaço público, mais especificamente as rotundas. Nesses dois casos, a França teve, mais uma vez na sua História, um papel vanguardista, no âmbito da protestação. E não tanto em França mas em muitos países do planeta, os movimentos desses últimos anos reclamando uma luta real pelo clima ilustram uma conscientização crescente sobre assuntos de interesses comuns, e uma vontade de ver os cidadãos colocados no centros dos processos de decisão.

Haveria provavelmente como repensar o uso do espaço público para informar e debater no âmbito de novos quadros de diálogo democrático. Aqueles que não dão valor às iniciativas democráticas achadas fora dos quadros eleitorais clássicas enganam-se, pelo menos tanto como os que recusam totalmente o interesse de votar e que negam qualquer legitimidade à democracia eleitiva. O futuro da democracia política está provavelmente num misto entre um debate mais aberto e inclusivo, por exemplo com referendos por iniciativas cidadã, ou câmaras parlamentares compostas por cidadãos tirados a sorte, e uma legitimação da governação pela essa delegação de poderes que constitui a eleição.

Nenhuma certeza, mas a decepção generalizada ligada à política (um fenômeno que ultrapassa as clivagens de idade e de classe) faz que vale a pena de repensar o nosso modelo político e social. Nesse âmbito, é importante dar-se o direito de enganar-se, de experimentar, de retentar... « Tudo o que foi feito nesse mundo foi feito em nome de esperanças exageradas », dizia o autor francês Jules Verne. Portanto, temos o direito de sonhar, para, como disse Cynthia Fleury em Outubro de 2014, « construir uma narrativa coletiva » à medida dos desafios que impõem-se ao nosso continente, nesse início de século XXI. E obviamente, a redefinição dessa « narrativa coletiva » não vai vir da nossa classe política, mas sim de nós, cidadãos.

Os Coletos amarelos em Paris (França), em 24 de Novembro de 2018.

Os Coletos amarelos em Paris (França), em 24 de Novembro de 2018.

O texto seguinte é tirado do programa Ce soir (ou jamais !) no canal France 2, onde a filósofa Cynthia Fleury, em 11 de Outubro de 2014, explicou o lugar da classe política diante da necessidade de uma mudança de modelo, mas também frente às « ilhas de inovação » que evocamos nesse artigo. « Acho que os políticos mudaram de lugar, explica ela. [Estruturalmente], eles são ao serviço do eleitoralismo. E o eleitoralismo, é uma coisa muito simples: ele funciona no que é visível. [...] No entanto, o século XXI, é o invisível. » Enfim, são coisas, investimentos, decisões, que não pagam de volta num curto prazo. « Portanto o que faz o político? Ele faz statu quo e curto prazo, o que é inadaptado. » Dai, ela apresenta a sua reflexão.

No entanto, não se pode fazer nada sem os políticos. E portanto, eles mudam de lugar. Eles já não são pioneiros, enquanto eles foram muito tempo à iniciativa. Acho que hoje eles vêm ratificar quando experiências-pilotas são levadas por outros – a sociedade civil, os emprededores, todos os que a um certo momento dado querem formular uma invenção « democrática ». E eles fazem uma subida em generalidade, porque, hoje em dia ainda, eles são representativos do sufrágio universal, o que não é nada. Mas efetivemente, eles estão no fim do ciclo de legitimação, eles não estão ao início. Portanto ao mesmo tempo não podemos fazer « sem », mas nesta altura não se pode fazer grande coisa « graças », isso com certeza.

Cynthia Fleury, intervenção no canal France 2, em 11 de Outubro de 2014.

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