Diante da crise ecológica, qual lugar pode tomar a ação cidadã?
Nos últimos anos, vários países da Europa e do mundo conhecerem muitos protestos e marchas iniciadas pela sociedade civil, por Organizações não-governamental (ONG) ou por jovens, para reclamar ações concretas da classe política na questão da luta pelo clima. Alguns desses protestes reunirem dezenas e dezenas de milhares de pessoas. Essas marchas podem ser consideradas como primeiras pedras numa ilustração de uma conscientização da sociedade sobre os assuntos ligados ao meio ambiente e à resiliência. Elas nos questiona, sobretudo, sobre o papel que nós, como cidadãos, podemos assumir individualmente para contribuir a uma mudança positiva.
Em França por exemplo, em 2018, um cidadão, Julien Vidal, publicou um livro chamado Começa comigo (Ça commence par moi em francês) onde ele faz a proposta de 365 ecogestos para mudar os comportamentos diários. E desde muitos anos, muitas iniciativas surgiram assim, exemplos a seguir por cidadãos em termos de respeito do planeta no dia a dia: os vídeos e os tutoriais na Internet, centros de reciclagem ou de resíduos, etc. O assunto não é desresponsabilizar os poderes públicos e os atores económicos, mas parece relevante questionar-se sobre o nosso impacto real e o nosso lugar na luta ecologista.
Podemos começar dando alguns fatos para lembrar a gravidade da situação. Nos últimos 500 milhões de anos, a vida na Terra quase desapareceu cinco vezes, em particular por causa de mudanças climáticas com origem diversa: um intenso período glacial, a resurreção de vulcões e o famoso meteorito que caiu no golfo do México há milhões de anos, destruindo espécies inteiras como as dos dinossauros. Qualificamos esses eventos de cinco extinções de massa. E desde alguns anos, é cada vez mais admitido que acabamos de entrar na sexta extinção, que chamamos « extinção do Holoceno », ou « entrada na anthropocene ». Desde o início do século XIX, e em aceleração constante desde os anos 1950, há desaparecimentos de espécies animais e vegetais de muitos tamanhos, em particular nas florestas tropicais húmidas, ricas de uma grande biodiversidade. A taxa de extinção atual poderia ser entre 100 e 1 000 vezes superiores à taxa média natural constatada na história da evolução da biodiversidade, e em 2007, a União internacional pela Conservação da Natureza (a UICN, a principal organização não governemental mundial dedicada à preservação da natureza) avaliou que uma espécie sobre oito, um mamífero sobre quatro, um amfíbio sobre três e 70% de todas as plantas estavam ameaçados, sobre as 41 000 espécies que ela tinha avaliada.
Problema: era há mais de dez anos, e agora esse constato nem é mais atual. Piorou muito. Num estudo publicado em Julho de 2017 nos Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), pesquisadores norte-americanos e mexicanos até falavam de « aniquilação biológica ». Eles concluiem que as espécies de vertebrados declinavam de forma massiva na Terra, em número e em extensão. Os mesmos autores, em 2015, já tinham estimados num outro estudo, publicado na revista Sciences Advances, que os desaparecimentos de espécies multiplicaram-se por 100 desde 1900, ou seja, um ritmo nunca então atingido desde a extinção dos dinossauros há mais de 65 milhões de anos. No seu estudo de 2017, os pesquisadores tentaram quantificar esse declínio, não o do número de espécies, mas das suas populações. Eles realizaram então uma ampla análise sobre quase um metade das espécies de vertebrados conhecidos de 27 600 espécies de mamíferos, aves, répteis e amfíbios terrestres, espalhados nos cinco continentos, usando a basa de dados da lista vermelho da UICN, que constitue o inventário mais completa sobre o estado de conservação da natureza. Os resultados são alarmantes: 32% das éspecies declinam em termos de população e de extensão. Muitos mamíferos que estavam numa boa situação há um ou duas décadas são agora em fase de desaparecimento. Todos os continentos são afetados por essa perda de biodiversidade. As áreas tropicais são as mais afetadas, pois elas são também as mais ricas em termos de fauna, mas as regiões temperadas registram taxas similares ou até às vezes superiores em termos relativos.
No total, mais de 50% dos animais desaparecerem desde 40 anos, estimam os científicos. Nenhum estudo similar foi realizado sobre os peixes, os invertebrados e as plantes, mas o constato do seu desaparecimento rápido já é observado, e em bom caminho. Segundo a UICN, 42% das espécies de invertebrados terrestres (borboletas, minhocas, etc.) e 25% das de invertebrados marinhos (como as bivalves ou as esponjas) já são ameaçadas de extinção.
O problema é que, ao contrário das outras fases de desaparecimento das espécies, as causas dessa provêm, diretamente ou indiretamente, da atividade de uma só espécie, o homo sapiens… Ou seja, nós. Segundo a ONU (na terceira edição de Perspetivas mundiais da diversidade biológica), cinco causas principais explicam a tragédia atual: a degradação dos espaços de vida das espécies sob o efeito da agricultura, da exploração da floresta, da urbanização ou ainda da extração mineira; a sobre-exploração das espécies por causa da caça e da pescaria, sejam elas legais ou ilegais; a poluição, a introdução de espécies exóticas invasivas; e mais recentemente as mudanças climáticas causadas pelos efeitos da era industrial.
Por trás desses fatores, há a sobre-população humana, e sobretudo o sobre-consumo, que estão em questão. É ao mesmo tempo uma boa e uma péssima notícia: acabar com essa dinâmica mortífera só depende de nós. Aliás, as soluções são conhecidas: reduzir o crescimento da população humana e o seu consumo, valorizar novas tecnologias menos destruidores do meio ambiente, limitar o comércio das espécies em deseparecimento, ou ainda apoiar o esforço dos países em desenvolvimento para manter os espaços de vida naturais da fauna e proteger a sua biodiversidade (como também favorecer a restauração dos espaços de vidas naturais da fauna nos países onde eles foram destruidos).
Além do simples respeito que devemos à natureza, convem tomar consciência das conseqüências dramáticas da sua destrução para nós mesmo: deslocamento de populações por causa da subida das águas; desertificação e catástrofes naturais por causa do aquecimento climático; degradação do nosso meio ambiente (e sobretudo das três componentes essenciais à vida: a água, a terra e o ar); multiplicação das doenças respiratórias e cancros, declínio da fertilidade humana por causa da poluição e dos desreguladores endócrinos; rarefação dos recursos naturais necessários ao nosso bem-estar; etc. Os exemplos são tantos que pareceria mais lógico ver potências regionais ou internacionais mobilizar os seus exércitos para proteger florestas tropicais do desmatamento, praias da poluição ou reservas animais da caça ilegal, do que fazer guerras com objetivos políticos longes e muito caros em vidas humanas, como o constatamos hoje em dia – algumas guerras já têm como alvo o controle dos recursos naturais, mas para os explorar, não para os proteger.
A urgência da crise ecológica que estamos enfrentando é bem conhecida. Muitas organizações, muitos cientistas (em diferentes disciplinas), muitos atores da sociedade civil nos alertam regularmente. Até se fala de « Sexta fase de extinção das espécies ». E alguns céticos sobre o clima, isolados, baseam a sua argumentação no conspiracionalismo, mas já não convencem muitas pessoas. Mesmo sem os dados científicos, o nosso dia a dia testemunha um desregulamento geral da natureza: temporadas cada vez mais irregulares e perturbadas, uma multiplicação dos desastres naturais (incêndios, furacões, tufões, tornados, etc.) através o planeta, o desaparecimento misterioso de milhares de insetos e aves, a submerção de muitas praias devido à subida das águas, a presença de muitos resíduos (principalmente plásticos) trazidos pelas ondas, etc.
No entanto, é necessário constatar que a reação dos cidadãos não responde suficientemente aos desafios. Vemos bem às vezes ondas de protesto sobre as redes sociais, sobre tal ou tal fenômeno ou causa ecológica. Mas de fato, não mais do que outras formas de indignação, em solidariedade aos refugiados, em reação ao assédio de rua contra as mulheres, ou sobre as causas distantes como os Rohingyas na Birmânia ou os Yesidias ou cristões no Iraque e na Síria. Na maioria dos casos, o clima e o meio ambiente ficam assuntos entre outros, às vezes na moda, às vezes fora da moda. Embora o tema ecológico tenha ganhado em importância no debate público, os governos não fazem da ecologia uma prioridade. Em França, a demissão do ministro encarregado da ecologia Nicolas Hulot, em Agosto 2018, parecia ter « acordado » alguns cidadãos. Em 28 de Agosto de 2018 num rádio público, France Inter, ele declarou assim: « Eu não entendo que assistimos à gestação de uma tragédia bem anunciada, numa forma de indiferença. » Alguns minutos depois, ele acrescenta: « No dia a dia, quem eu tem para me defender? Tenho eu uma sociedade estruturada que desce na rua para defender a biodiversidade? Tenho eu uma formação política? Tenho eu uma união nacional sobre um desafio que tem a ver com o futuro da humanidade, e das nossas próprias crianças? Será que as grandes formações políticas e a oposição são capazes a um certo momento ou outro de superar as brigas para juntar-se no essencial? Será que a responsabilidade, é simplesmente a responsabilidade do governo? Será que é só a minha? »
A ecologia no dia a dia: como se traduzem as mudanças?
De maneira um pouco natural, só temos consciência do drama que se aproxima quando sentimos diretamento os seus efeitos. Difícil de representar-se as conseqüências sobre as nossas vidas da mudança climática, quand elas não se aplicam a nós. Problema, as elites políticas e econômicas suportem ainda bem pouco as conseqüências da mudança climática ou da destrução da biodiversidade. As comunidades as mais afetadas, desde os indígenas da Amazônia cujos espaços de vida são destruidos, até os habitantes das Maldivas cujo país é ameaçado pela submerção das águas, passando pelas vítimas da poluição pelas fábricas Coca-Cola no México, tudo esse pequeno mundo permanece bem invisível e não tem uma capacidade de influência ao nível internacional. O curto prazo, o único que importa para quem candidata-se às eleições ou para quem preocupa-se da satisfação dos mercados financeiros, não deixa de predominar na tomada de decisão. Sem esquecer os que estimam que é pelo crescimento que sairimos do nosse impasse, pois as soluções a achar são primeiramente tecnológicas e basem-se então sobre a inovação – que eles associam ao crescimento.
Além disso, cada um está na sua área de conforto e tem receios em sair dela. Essa área de conforto base-se nos nossos modos de vida, mas também numa construção sociocultural implementada pelo sistema capitalista, sobretudo desde 1945 (A sociedade de consumo na Europa: crônica de uma construção sociocultural não-sustentável). Os discursos ecológistas chamando as pessoas à conscientização cidadã, à mudança dos comportamentos individuais, estão parecidos com lições de moral, do ponto de vista de muitas pessoas. Estamos chatiados por os esforços pedidos. Portanto, prioridade é dada no que permite conservar o seu conforto diário. Como as pessoas podem estar tão passivas frente aos desafios ambientais e climáticos? O psicólogo norte-americano Abraham Maslow estabeleceu em 1943 uma hierarquia das prioridades individuais, através a sua « pirâmide das necessidades ». Dai, aparece que as pessoas interessem-se primeito e antes de tudo às suas próprias necessidades (dormir, comer, etc.), antes de olhar para outras necessidades menos vitais: a segunraça, o reconhecimento afetivo, o reconhecimento social, e finalmente as causas globais (as que nos ultrapassam).
No entanto, já há mudanças desde anos, que impactam o nosso dia a dia de maneira concreta. Desde a lenta progressão da triagem seletiva de resíduos até as refeições vegetarianas em certas cantinas escolares, passando pela renovação energética das habitações, pela multiplicação das ciclovias ou ainda pela aparição dos carros elétricos e das bicicletas em livre-serviço, os nossos modos de consumo, de transporte, de vida, já são alterados por pequenas revoluções. Mas ainda falta uma mudança de escala. Essas transformações não compensam os milhões de resíduos plásticos ainda produtos pelo setor da distribuição ou da restauração, ao lado dos milhões de toneladaos de CO2 emetidos pelas nossas indústrias e pelos transportes, ao lado dos resíduos nucleares criados pelas usinas nucleares, etc.
À escala individual, não é novo constatar mudanças de comportamentos « virtuosas » nos modos de vida. Vegetarianos, veganos, ativistas ambientais, defensores dos animais, já existem há anos. É só que eles foram muito tempo marginais, e as suas causas objetos de brincadeiras. Há anos agora que a ecologia é cada vez menos vista como repressiva, culpabilizadora e necessariamente punitiva – ainda mais porque ela é geralmente a garantia de uma vida sã. Os eco-gestos e o eco-consumo, embora eles permanecem minoritárias, progressam. Os produtos alternativos, de origem vegetal ou biológica, hoje em dia têm sucesso, e as labelizações « biológico» e « comércio equitativo » são cada vez mais procurados, e até as grandes marcas do setor agrícola e alimentar e da distribuição procuram a produzir uma comunicação mais « verde » – como todas as mentiras e as hipocrisias possíveis, inevitavelmente.
Sobre a iniciativa lançada por Julien Vidal desde 2017-2018, temos, claro, ideias cujo impacto sobre o ambiente ou as nossas vidas é difícil a avaliar: integrar redes sociais solidárias, complimentar, encontrar os seus vizinhos, privilegiar um motor de pesquisa, um mecanismo de busca Internet dito « ecológico » ou « solidário » como Ecosia ou Lilo, ler tal livro ou assistir tal filme que trata de desenvolvimento sustentável ou de solidariedade. Outras são claramente mais concretas e nos fazem lembrar ou ao nosso papel de cidadão na Cidade, ou à nossa função de consumidor que tem interesse em informar-se e poupar comendo e movendo-se em condições mais saudáveis. Os exemplos são muitos: limpar e coletar os resíduos a cerca da sua casa, medir o seu consumo de água e evitar de ficar no chuveiro mais de três minutos, privilegiar os produtos biológicos e verificar as labelizações e inscripções, etc. Poderia resumir muitos desses conselhos pelo fato de tornar-se, simplesmente, cidadãos mais alertos, mais bem informados, mais proativos em relação ao nosso mundo (não só com o nosso meio ambiente, mas também em termos de solidariedade) e mais econômicos em termos de consumo. O interesse desse tipo de iniciativas é participar a quebrar os preconceitos segundo os quais um comportamento mais respeituoso da natureza e dos indivíduos seria necessariamente cronofagem, chato e sobretudo mais caro. Na realidade, a maioria dos conselhos dados tomam no máximo uns minutos do dia, e podem facilmente inscrever-se no tempo livre… desde que as temáticas nos interessem. Fazer eco-turismo, abrir uma conta num banco cooperativo, comprar leite de soja em vez de leite de vaca, por exemplo, só precisam informar-se um pouco por Internet, e a oferta está se diversificando, permitindo assim não aumentar sensivelmente os custos.
À escala coletiva também, os cidadãos agem também. Diante ao lentor da classe política para apropriar-se cerrtos assuntos, é provavelmente nas experiências de inovação e de boas práticas, que a filósofa francesa Cynthia Fleury chama « ilhas de inovação », que se achará ferramentas essenciais de transformação e de transição da nossa sociedade para um sistema sustentável (Movimentos de protesto e « ilhas de inovação »: quando o cidadão, um passo à frente dos seus dirigentes, quer investir a esfera política). Existe hoje em dia a possibilidade de achar e identificar iniciativas individuais e coletivas é facilitade pelas filmes, documentários, redes sociais e espaços de encontros cidadãos. Na agricultura, na energia, na economia, ou ainda na política ou na educação, com exemplos como a permacultura, a policultura, modos de circulação alternativos, experiências ou de moedas locais, existem e podem servir a inspiração da classe política, como também outros cidadãos que estão a procura de ideias de projetos sustentáveis e que apoiam a mudança de paradigmas.
Além disso, os indivíduos, mesmo sozinhos, têm um papel sobre a opinião pública quando eles conseguem fazer « barulho » e constituir-se em forças de proposta, incluindo em relação aos atores econômicos. Foi o caso, por exemplo, de um Francês de 24 anos, Julien Wosnitza, recém ativista famoso pela sua luta contra a poluição dos oceanos por resíduos plásticos, através a associação « Wings of the Ocean ». O objetivo dele: mudar os modos de produção das matérias plásticas das firmas multinacionais, começando com Coca-Cola. Ele enviou uma carta aberta à direção de Coca-Cola, oferecendo soluções concretas. Entre essas medidas, havia por exemplo a volta aos sistemas de depósitos, que consiste em consumir em garrafas de vidro reutilizáveis; o fato de usar canudos de aço inoxidável (também reutilizáveis); ou ainda o compromisso de fazer despoluição à margem dos rios. Essa última proposta baseava-se no constato de que quase 90% do plástico que vai nos oceanos provém somente de dez rios, entre os quais dois são na África e oito na Ásia, e que havia uma ocasião particularmente relevante para agir a juzante para limitar o problema t qu’il était particulièrement opportun d’agir à leur embouchure pour endiguer le problème – pois uma vez no mar, é muito mais complicado recuperar o plástico. Esse trabalho necessitaria um financiamento estimados a 100 milhões de euros à escala do planeta, o que pode parecer um valor importante em si, mas representa finalmente 2% do orçamento anual de Coca-Cola dedicado somente à comunicação. Podemos apostar que a reação das firmas multinacionais não será adequada, mas a iniciativa de um simples cidadão pelo menos tem o mérito de chamar a atenção dos atores econômicos que têm um peso verdadeiro na degradação do meio ambiente, para os fazer reagir, com propostas concretas, sobre o impacto das suas actividades. Pelo menos os desafios valem a pena de fazer esses esforços.
A necessidade de manter um solidaridade social e de lutar contra as desigualdades
Indiscutavelmente, as desigualdades sociais e o aumento da precariedade não favorecem uma conscientização coletiva ou uma mudança real dos comportamentos. E por uma boa razão: torna-se difícil pedir a pessoas preocupadas pelo dia a dia para elas preocuparem-se de fenômenos climáticos que parecem bem longe. Da mesma forma, torna-se difícil pedir reformas a uma sociedade quando os assuntos do momento têm mais a ver com a defesa de um sistema de segurança social que seja eficiente, ou com o desemprego, ou com a repartição das riquezas pelo imposto, que parecem mais concretas. Porque o laço entre todas essas questões e a causa ecológica ainda não parece óbvio, e a batalha da comunicação não está perto de ser ganhada, enquanto uma argumentação sólida deveria ser suficiente a convencer que as poupanças de energia, o desenvolvimento de fontes renováveis de eletricidade e de combustível, a promoção da biodiversidade, a mudança dos nossos modos de consumo ou ainda a redução dos gastos podem contribuir a responder a muitos desses desafios, além de melhorar a nossa saúde.
Para respeitar a natureza, os indivívuos devem primeiro respeitar o humano. Para que cada um se sinte responsável sobre desafios coletivos, convem que a sociedade não exclue ninguém. As políticas governementais, na Europa, não vão nesse sentido. Muitas vezes, as medidas econômicas liberais têm como alvo a redução da contribuição dos mais ricos à solidariedade nacional, culpabilizando milhões de desempregados ou de beneficiários de subsíduos sociais, e portanto têm como um péssimo efeito na coesão social. Nenhum grande projeto coletivo, nenhuma visão geral da nação, que associaria cada componente, é proposta pelos poderes executivos. Nem a cerca da transição ecológica que criaria novos setores econômicos e empregos sustentáveis. Nem a cerca de uma sociedade inclusiva na qual cada um pode desenvolver-se sem estar colocado à margem logo que ele não integrou o fato de ser um pequeno soldado numa guerra econômica que supõe sacrifícios. Pelo contrário, as riquezas permanecem profundamente concentradas. Em França por exemplo, a possessão de capital é muito concentrada: segundo o Instituto nacional da estatística e dos estudos econômicos (INSEE), em 2015, 90% do patrimônio bruto estava detido por 50% das famílias, 47% pelas mais bem dotados, e 16% pelo 1% dos mais ricos; e os 10% das famílias com mais altas rendas concentravam 64% de todas as rendas do patriomônio. Uma realidade agravada pelas medidas do governo Macron desde 2017, por exemplo a supressão do Imposto sobre a Fortuna (ISF), e outras deduções de impostos cujos primeiros beneficiários foram, precisamente, o 1% mais rico da população. Mecanicamente, essas reformas tributárias acentuam a concentração das rendas e dos patrimônios nas mães das famílias mais ricas, para um impacto sobre o investimento e o emprego muito incerto. A situação é ainda pior num país como o Portugal. Esse país já estava no meio da década de 2000 o mais desigual da União europeia, o que tinha apontado um relatório detalhado sobre a coesão social publicado pela Comissão europeia em Maio de 2008; ele era o único Estado-membro da UE dos 25 onde a distribuição das rendas era mais desigual do que nos Estados Unidos. Uma realidade que a crise não melhorou, pois ela não afetou todos os Portugueses da mesma forma. Apenas em 2013, as 25 pessoas as mais ricas do país tinham aumentado os seus ativos de 16%, totalizando 16,7 bilhões de euros, segundo a revista Exame. Enquanto Portugal saiu dolorosamente daquele ano de recessão, as 25 maiores fortunas tinham o equivalente de 10% do PIB, contra 8,4% em 2012.
Por que essa questão da subida das desigualdades é crucial quando se trata de desenvolvimento sustentável? Porque a solidariedade e a eqüidade social são pilares do desenvolvimento sustentável, tal como a eficiência econômica e a proteção do meio ambiente, e porque esses dois princípios constituem condições indispensáveis ao sentimento de uma comunidade unida. Porque essa tendência – a da subida das desigualdades – acrescenta-se a uma explosão da precariedade e a muitas incertezas sobre o futuro, que necessitariam uma coesão social e nacional particularmente forte e resiliente. Numa sociedade submetida a muitas mudanças, entre uma construção europeia laboriosa, uma globalização selvagem, uma revolução digital que deixa muitas gerações à margem mas que abre novos horizontes, uma multiplicação dos conflitos assimétricos relacionados ao terrorismo, e as pressões migratórias... parece que as interrogações identitárias por enquanto só têm como respostas um mal-estar coletivo e uma falta de visão. O sentimento de pertencer a uma comunidade solidária dá sentido à ação cidadã, seja ela dedicada à defesa do meio ambiente, à solidariedade social ou a outra coisa.
Por fim, temos que nos lembrar que o nosso papel de cidadão também é votar, e votar em consciência. Ficar surpreendido da passividade do poder nessas questões cruciais, ilustra que a gente não se informou suficientemente sobre os programas eleitorais e sobre o fundo ideológico de tal ou tal partido, tal ou tal candidato. Pois muitas regressões sociais ou renunciamentos ecológicos são previsíveis, quando as bases ideológicas e as promessas de campanha já são fracas ou inexistentes nas frentes social ou ambiental. Assumir a seu papel de cidadão, tomar o seu lugar no jogo democrático, é também informar-se como eleitor, e votar em coerência com as suas ideias no dia do voto. Cada grande formação política tem por basas programáticas certos valores e uma leitura das realidades, que incidam o seu nível de apropriação de tal ou tal questão social ou econômica.
Por que os gestos individuais são importantes?
Os indivíduos, cada um do seu lado, exercem pouca influência, e têm pouca chance, a curto prazo, de ver as marchas pelo clima transformar-se em verdadeiros movimentos sociais estruturados, com ações coletivas, como campanhas de boicote eficientes, mais protestos, chamadas seguidas em massa, uma greve geral, ações discretas, pacíficas ou violentas (uma espécie de « terrorismo verde »). Tais ações já existirem mas não deixam de ser marginais, e as qualificar de movimento seria muito prematuro. Os hábitos de consumo estão mudando, mas tudo isso permanece, a pesar de tudo, bastante lento e limitado a uma classe média superior, dotada de um alto nível de educação e de um certo capital financeiro (financeira, cultural). Na realidade, sem revezamentos políticos, o impacto permanecerá fraco.
No entanto, o lugar dos eco-gestos não é ridículo, pois constituem um primeiro passo essencial para uma verdadeira conscientização sobre o nosso impacto coletivo. Como dizia na sua época o filósofo Confucius, « quem move uma montanha começa por mover pequenas pedras ». Mudar os nossos comportamentos é provavelmente o melhor meio, não só para nos obrigar a questionar-nos sobre os diversos aspetos do nosso dia a dia (a nossa alimentação, os nossos modos de transporte, as nossas leituras, os nossos lazeres, etc.), mas também para incentivar as pessoas à nossa volta a questionar-se elas mesmas. Alguém que questiona-se sobre o que consume e sobre o seu impacto ambiental e social, será provavelmente bem mais envolvido na vida da sua comunidade e na ação política, e mais capaz de chamar a atenção dos nossos decidores e de participar ao debate público.
É importante lembrar-se que a evolução da sociedade também é o que motiva certos candidatos ao sufrágio das urnas a apropriar-se alguns assuntos, a formular propostas, a responder certas expectativas crescentes. Da mesma forma, a oferta em produtos e serviços « sustentáveis » ou « responsáveis » aumentou para responder a uma esperança de muitos consumidores nessa temática. Somos grãos de areia, mas se o terço da duna se recusa a seguir a direção do vento, a paísagem já fica alterada. Claro, os gestos individuais, não importa quantas, não reverterão a tendência, mas não devem se opor à luta coletiva e à ação política. As abordagens são complementares e devem alimentar-se. Aliás, uma atitude individual base-se muitas vezes, já, numa ação política e coletiva. Aderir a uma associação que age pela permanência da agricultura familiar, para receber produtos sãs da horta, supõe, antes disso, que a legislação tem permitido a criação de estruturas específicas a iniciativas o permitindo, por exemplo iniciativas apoiando a Economia Social e Solidária, e que os produtores organizem-se nessa basa. Patrocinar uma colméia de abelhas, por exemplo, necessita que os apicultores se organizam e oferecem essa possibilidade. Usar a bicicleta ou a patinete em livre-serviço necessita que as autarquias implementam e desenvelvem as ciclovias. Votar para um orçamento participativo de um município supõe que a equipa municipal implementa esse mecanismo de participação dos habitantes, e que os habitantes, individualmente ou através das associações, submitem projetos. Finalmente, nenhuma ação é isolada, mas inscreve-se bem num ciclo de iniciativas políticas, coletivas e individuais.
Também poderíamos falar muito dos benefícios, que são muitos, que individualmente ganheríamos todos em adoptar modos de vida mais « eco-responsáveis ». Benefícios sanitários primeiro, limitando o nosso consumo de carne, de açúcar e de óleo de palma, evitando alimentos produzidos com pesticidas, privilegiando a mobilidade de bicicleta ou a pé, fazendo mais desporte, comendo mais frutas e legumes mais sazonais, proibindo produtos com desreguladores endócrinas, etc. Benefícios econômicos também, limitando os nossos gastos alimentares, em água e em eletricidade, revisitando as nossas compras de bens e equipementos (roupas, móveis, brinquedos, equipamentos eletrodomésticos, etc.), privilegiando os modos de transporte limpos, apagando os nossos aparelhos eletrónicos, etc.
Benefícios sociais ainda, envolvendo-se em iniciativas voluntárias solidárias, inscrevendo os nossos comportamentos numa abordagem coletiva que dá sentido às nossos vidas, que nos permite encontrar pessoas e recriar laços sociais. Benefícios inteletuais, finalmente, aceitando o princípio da mudança e saindo da nossa área de conforto, questionando o nosso lugar na sociedade e na natureza, desenvolvendo um espírito crítico em relação aos nossos modos de consumo e de produção, procurando e verificando a informação, como cidadãos vigilantes que respeitam a vida. Se um homem avisado vale dois, digamos que uma sociedade alerta e sábida vale certamente uma planeta saudável.
A « Marcha pelo clima » em Paris em 8 de Setembro de 2018, por iniciativa da sociedade civil, após « um despertar após a partida de Nicolas Hulot do governo ».
Será que a urgência de uma economia verde pode impor-se na ação governemental?
A Europa limita a uma política de « pequenos passos », ilustrando uma falta de consciêntização sobre a gravidade dos fenômenos atuais. As razões desse fracasso político são claros: a classe política é reduzida a uma visão curta-termista inadaptada. Para mudar a dinâmica, é preciso pensar a transição ecológica e a prosperidade econômica juntos. A implementação de um verdadeiro ministério da Economia e do Planejamento ecológico, que junta desafios de criação de empregos e de desenvolvimento com os de preservação dos recursos e do meio ambiente, poderia constituir nesse sentido uma primeira ação importante. Além disso, ilustraria com força a vontade política de nos orientar para uma economia verde.
Logicamente, as ações governementais deveriam todas assumir a preocupação ecológica. A diplomacia e a cooperação internacional devem privilegiar a proteção do bem comum mundial. A pesquisa científica e a inovação digital devem ser totalmente dedicadas a construir um sistema que permite a todas e todos de curar-se, alimentar-se, ser felizes respeitando a natureza. A promoção do empreendedorismo deve privilegiar as iniciativas em favor de uma economia circular na qual recuperar, reciclar, inventar permitem criar empregos sustentáveis. A educação deve integrar nos seus programas, muito cedo, uma aprendizagem do meio ambiente, um respeito e uma redescoberta da natureza, etc.
Não podemos separar essa mudança de paradigma da questão das desigualdades econômicas e sociais. Pois são os que têm os meios de produção que operam uma pressão para que o sistema não muda. Um relatório da ONG Oxfam publicado em 22 de Janeiro de 2018 mostrou que a riqueza dos 1% os mais ricos aumentou por 762 bilhões de dólares em 2017, ou seja, o equivalente de sete vezes o valor que permitiria eradicar a pobreza extrema nu mundo. Os 50% os mais pobres da população mundial não beneficiaram, eles, do crescimento mundial. A uma escala mais fina, podemos mencionar certos exemplos: redefinir os salários dos 2,5 milhões de operários têxtil no Vietnã para eles terem uma renda decente custaria 2,2 bilhões de dólares por ano, ou seja, apenas um terço dos valores dadas aos acionários pelos cinco maiores atores do setor em 2016. Da mesma forma, 10% dos dividendos pagos por Carrefour aos seus acionários o mesmo ano seriam suficientes para assegurar um nível de vida decente para mais de 39 000 obreiros do setor têxtil no Bangladesh. Quando vemos tais valores, entendemos que a mudança está entre as mãos de uma minoria bem organizada, que detem os seus modos de pressão (ou lobby) em relação às classes políticas nacionais.
As nossas economias mudam radicalmente, às vezes de repente e com violência. Em 2016, pela primeira vez, um caminhão sem motorista efectuou um frete comercial nos Estados Unidos. Desde então, as tentativas multiplicaram-se, abrindo o caminho a um mundo onde as mercadorias movem-se sem intervenção humana direta. Provavelmente conheceremos cada vez mais revoluções com essa dimensão. E seriam bem-vindas se elas não significavam o fim de muitos empregos, de muitas profissões, o desaparecimento de culturas sociais e um desemprego estrutural cada vez mais difícil a combater, a não ser com trabalho precário. O debate sobre o salário ou a renda universais poderia tornar-se uma pista para melhor repartir a riqueza produzida pela robotização da nossa economia. Mas essa reflexão de fundo sobre a organização do trabalho, sobre os modos de produção e de consumo da humanidade deve ser aprofundida com a questão ecológica, porque sem isso, ela não permitirá nada de sustentável.
Essas mudanças são no nosso interesse, inclusive econômico, num prazo cada vez mais curto. A fauna e a flora nos oferecem serviços consideráveis, seja com a polinização, a melhoria da produtividade das terras, o saneamento do ar e da água, ou o armazenamento do CO2. Além do caráter indispensável da natureza no nosso próprio modo de vida, nada nos garante que sairemos ilesos dessa sexta fase de extinção. E ai, uma pergunta de fundo impõe-se: mesmo se humanidade escapa a essa nova fase de desaparecimento das espécies, será realmente isso o mundo no qual queremos sobreviver? Um mundo no qual não teremos respeitado a natureza e protegido a vida? Um mundo onde a procura do lucro e os interesses individuais dominaram a noção de bem comum? Sabemos que a perda de uma espécie é irreversível. O tigro de Tasmânia ou o dodô da ilha Maurícia não vão reaparecer nesse planeta. Portanto não há volta para trás. A reconstituição da vida, após cada grande desaparecimento das espécies, tomou milhões de anos. Alguns pensam que podemos viver sem as outras espécies. A natureza, ela, realmente pode avançar sem a gente, enquanto a nossa própria existência depende totalmente de outras espécies.Permanece esse desafio, terrível mas também formidável, de provar que somos capazes de viver com a natureza, e não ao seu custo, e que a nossa única presença não constitui uma ameaça pela vida.