Dos smartphones às redes sociais, das ondas aos ecrãs, quais são os impactos das novas tecnologias sobre as nossas vidas?
« Eu não entendo como você engata sem WhatsApp. »
Essa observação, formulada no meio de uma conversa qualquer sobre a necessidade ou não de ter um smartphone, ilustra provavelmente o lugar tomado pelas novas tecnologias nas nossas vidas, e sobretudo nas nossas mentas. Práticas milenárias de sedução e de reprodução, desenvolvidas pela espécie humana, poderiam então tornar-se caducas com a aparição (há apenas dez anos!) de uma aplicação móvel de conversa instantânea como WhatsApp. Se for o caso, então estamos bem ai diante de uma mudança pesada, em termos de relações sociais.
De fato, os estudos científicos mais variados, nos setores medicais, sociológicos ou psicológicos, não faltam para confirmar o impacto sobre as nossas vidas, sobre os nossos corpos, sobre as nossas capacidades cognitivas, das novas tecnologias – e particularmente com os ecrãs, às quais somos cada vez mais expostos, e isso cada vez mais jovem.
Há um indicador muito assustador sobre a nossa relação à modernidade tecnológica: o nosso vício, a dependência, em relação às ferramentas digitais – e no topo, as que nos permitem aceder às redes sociais. Desde o computador até os videogames, desde os smarphones até as tablets, os mais jovens são obviamente, na teoria pelo menos, os mais expostos pois são as gerações que só conheceram a era digital, que entraram de forma brusca nesse universo ultra-conectado e cheio de ecrãs (telas em brasileiro), sem transição.
Contudo, podemos constatar que as crianças reproduzem primeiramente os hábitos adoptados pelos mais velhos – entre outros os pais deles. O número de horas passados a frente da televisão dobrou desde o início do século. Em 2016, o gabinete eMarketer estimou por exemplo que, num país como a França, o ano 2020 foi o primeiro no qual o tempo passado nas mídias digitais (SMS, fotografias, jogos, vídeos ou ebooks inclusivos) suplantou o consagrado a assistir a televisão. Para o entender, é preciso tomar em conta as fases de multitasking, ou seja, os momentos em que fazemos várias atividades ao mesmo tempo. Uma hora passado frente à televisão fazendo uma outra atividade (olhar os e-mails por exemplo) é assim contado como uma hora dedicada a cada uma dessas duas atividades. O smartphone tem ai um papel importante, pois os adultos o consultam em média mais de 220 vezes por dia. Pior: as crianças passeriam mais de quatro horas por dia frente aos ecrãs, ou seja uma hora e mais do que há dez anos – um aumento ligado ao sucesso das tabletes. Um estudo publicado nos Estados Unidos na Primavera de 2019 revelava que o cidadão norte-americano adulto médio consagra 6,3 horas por dia a conteúdos digitais, cuja mais da metade são visualizados por smartphone – e 88% dos Americanos usariam um aparelho digital assistindo a televisão, por exemplo para fazer pesquisas Google ligadas aos programas TV que eles assistem, ou para conversar com amigos no que eles vêem no ecrã. Segundo o mesmo estudo, 39% dos 18-29 anos consideram ser contectados a Internet « quase constantemente ».
Será que os aplicativos digitais nos tornam mais estúpidos?
Por que esse tempo todo consagrado às ferramentas digitais questiona? Primeiro, porque é cientificamente provado que a multiplicação dos aplicativos torna menos « inteligente », pois ela tem como efeito de « desmobilizar » certas das nossas capacidades cognitivas. Lógico: se o próprio telefone é smart, é porque ele nos descarrega da necessidade para nos mesmos de o ser, de ser smart. Por exemplo, a nossa capacidade a situar-se no espaço é diminuida pela geolocalização e o uso sistemático do Google Maps. As redes sociais degradam as nossas faculdades de comunicação. Etc. etc. O mundo digital, sob o pretexto de tornar a nossa vida do dia a dia mais prática, pensa em vez de nós e provoca a queda das nossas performances inteletuais.
Além disso, tal como os jogos diretamente acessíveis nos nossos smartphones, as redes sociais desenvolvem formas diversas de vício, uma perda da noção do tempo, e provocariam indiretamente distúrbios do sono. Elas limitam também, de fato, o tempo consagrado a atividades inteletuais ou sociais sem ecrã (leitura, saidas entre amigos, visitas de museus, passeios, etc.). Estudos recentes desmostram que smartphones ocupam pouco a pouco a nossa energia mental. Em conseqüência, somos menos concentrados e a nossa memória diminui. Os nossos smartphones permitem tão facilmente de reunir informações on-line, de as coletar e de as fazer circular, que de fato, usamos menos menos as nossas capacidades, a começar pela nossa memória. O processo cerebral que permite conservar informações em memória e lembrar-se é uma das fontes do desenvolvimento cognitivo no ser humano – pois é fazendo associações de ideias que se desenvolve o pensamento conceptual e crítica. Em 2017, um estudo de pesquisadores da Universidade de Austin, retransmitido pela revista americana Psychology Today (que publica sobre a temática da psicologia) desmostra que a capacidade de uma pessoa para processar dados e informações aumenta consideravelmente se o smartphone está num outro sítio. Essas conclusões foram tiradas a seguir de uma série de testes com alvo julgar a atenção de um certo número de indivíduos. Mesmo quando o smartphone é apagado e colocado na mesa, a energia mental dos indivíduos é drenada.
Esses efeitos nocivos são os da maioria das ferramentas digitais de comunicação, e da exposição aos ecrãs de forma geral, em particular quando é com jovens crianças. Agora, quase um terço das crianças num país como a França tem a sua própria tablete. Hospitais até propõem consultos para ensinar a « desintoxicar », pois o sobre-consumo de ecrã das crianças limita, de forma provada, o seu desenvolvimento. Estudos desmostraram por exemplo que as crianças que assistem duas horas por dia a televisão quando estão na idade da escola primária têm duas vezes mais riscos de sair do sistema escolar sem diploma. O tempo passado por uma criança diante de um ecrã é, aliás, tanto tempo sem interação com o mundo « real »: ou seja, tanto tempo sem troca, sem palavra, sem atividade física. Além dos efeitos dos ecrãs sobre os mais pequenos, os científicos criticam sobretudo a falta de interação entre os pais e as crianças por causa dos ecrãs, que afeta o desenvolvimento da sua imaginação, da sua capacidade criativa, da sua curiosidade.
Uma sobre-exposição aos ecrãs afecta as nossas crianças as tornando ou anormalmente passivas, ou muito agitados. Elas não falam, não olham as pessoas com quem conversam nos olhos, etc. Os distúrbios os mais consequentes até são semelhantes com perturbações próximas do autismo. Alguns, sobre-expostos aos ecrãs, ainda não falam com quatro anos de idade, sofrem de problemas de concentração, e são incapazes de manter um olhar sobre um adulto ou até um objeto se não contem um ecrã – um fenômeco qualificado de still face. O still face faz referência a uma experiência realizada em 1975 pelo psicólogo norte-americano Edward Tronick, que consiste a provocar trocas e reações (sorrisos, sons, risos, etc.) entre um pai e sua criança de um ano de idade. Após isso, os pais viram-se e voltam para o bebê com um rosto neutro, sem emoção. Rapidamente, após algumas tentativas sem sucesso do bebê para restabelecer o contacto, o próprio entra em um estado de estresse intenso e de agitação. Assiste-se a um fenômeno similar, que intervem quando os bebês não são acostumados a trocar suficientemente com seus pais. As suas habilidades de comunicação e sociais são sub-desenvolvidas.
Em França, pesquisas realizadas pela Associação francesa de pediatria ambulatória (AFPA) esses últimos anos mostraram que quase a metade das crianças com menos de três anos já usa tabletes ou smartphones uns trinta minutos por dia, um terço sem a presença de um adulto. Uma idade na qual os jogos manuais, os livros e a interação com o ambiente deveriam no entanto ser privilegiados para ajudar as crianças a construir as suas marcas espaciais e temporais, e as suas primeiras palavras. E os fatos são claros: mais os pequenos passam tempo diante dos ecrãs, mais eles adquirem a linguagam tarde. Pesquisadores da Universidade de Toronto, no Canada, que acompanharam 894 pares de pais-crianças entre 2011 e 2015, até desmostraram de maneira mais detalhada que, para cada meia-hora diante de um ecrã, o risco de atraso linguístico aumenta por 49%.
Outro ponto problemático: a multiplicação das temas e das ferramentas digitais enfraquece nossa capacidade de concentração em geral. O sucesso dos aplicativos espalha de forma contínua a nossa atenção. Em 2015 por exemplo, Microsoft realizou um estudo sobre 2 000 cidadões canadenses e aqui são as lições tiradas: os jovens de hoje consagram em média oito segundos para cada nova informação, contra doze segundos em 2000, para julgar da sua relevância – emcomparação, um peixe vermelho pode ficar concentrado até nove segundos. Esse encurtamento da duração média de concentração corresponde a uma aceleração do nosso consumo mediático, favorecida, claro, pela aparição dos smartphones (o iPhone em 2007) e das tabletes (o iPad em 2010), de Facebook (2004), de Twitter (2006), de WhatsApp (2009), de Instagram (2010), de Snapchat (2011), etc. A capacidade de concentração « longa duração » diminui a medida que o uso digital aumenta e que multiplicam-se os canais de informação. Um efeito zapping desenvolve-se na prática. Um fato confirmado desde então por vários estudos, e que afecta os adultos tanto como os mais jovens.
Os atrasos de desenvolvimento não os únicos associados às ferramentas digitais nas crianças. Os distúrbios do sono e o imobilismo que as novas tecnologias induzem constituem assim um terreno favorável ao desenvolvimento de doenças crônicas, em particular ligadas ao sobrepeso. Assim, segundo um estudo britânico recente, as crianças entre 9 e 10 anos que passam mais de três horas diante de um ecrã têm duas vezes mais riscos de desenvolver um diabete de tipo 2. Em França, um estudo do Instituto nacional da saúde e da pesquisa medical (Inserm) publicado em Janeiro de 2018, sobre mais de 800 crianças, afirmou que o tempo passado fora ou a frente da televisão durante a pequena infância (na idade dos dois anos) é preditivo do risco de obesidade. Uma sobre-exposição aos ecrãs diminui o tempo que as crianças passam, simplesmente, a mexer-se diariamente. De fato, o uso dos ecrãs faz-se muitas vezes ao custo das atividades físicas e da folga. E essa falta de atividades físicas e o sedentarismo podem também afetar o desenvolvimento das habilidades motoras, como caminhar, correr, jogar, saltar, rastejar, etc. – as quais são indispensáveis para o desenvolvimento global da criança.
Pesquisas recentas, tornadas públicas em Outubro de 2018 na revista norte-americana Preventive Medicine Reports, indicam que o tempo passado diante dos ecrãs tem também uma influência sobre a saúde mental dos jovens. Foi em particular constatado que, após só uma hora de ecrã por dia, as crianças e os adolescentes têm menos curiosidade, têm menos autoconfiança, menos estabilidade emocional e uma maior incapacidade a acabar as suas tarefas. Globalmente, o laço entre o tempo passado diante de um ecrã e o bem-estar até é mais importante nos adolescentes do que nas jovens crianças, o que supõe que é sobretudo ligado à frequentação das redes sociais e ao uso do telefone. Segundo esse estudo, as pessoas que frequentam menos as redes sociais são menos afectadas pelo estresse e (paradoxalmente) a solidão, em particular porque elas são menos expostas a uma comparação constante com outros e apresentem uma maior propensão a fazer encontros no mundo « real ».
No entanto, os adolescentes não são os únicos cujo bem-estar psicológico é impacto. Assim, segundo o mesmo estudo, nas crianças na idade pré-escolar (antes de 3 anos), as que assistem muito a televisão, uma tablete ou um smartphone já estavam duas vezes menos susceptíveis de conservar um sangue-frio, e 46% mais susceptíveis de não poder se acalmar quando são excitadas. Elas teriam depois, quando crescem, mais dificuldades a concentrar-se e a ressentir curiosidade. Assim, se mais ou menos 9% dos jovens entre 11 e 13 anos passando uma hora por dia com ecrãs não desejavam aprender novas coisas, essa proporção subiu a 13,8% para aquelos passando quatro horas diante dos ecrãs, e a 22,6% para os passando mais de sete horas. E todas as idades são afectadas, pois nos adolescentes entre 14 e 17 anos, 42,2% dos que passam mais de sete horas por dia frente aos ecrãs não terminam as suas tarefas, contra 16,6% para os passando apenas uma hora por dia e 27,7% para os passando quatro horas por dia. Mesmo que a precisão desses valores seja questionável ou sujeitos a uma margem de erro, as tendências indicadas confirmam outros estudos e são particularmente preocupantes.
O sentimento de satisfação imediato criado pelo uso das ferramentas digitais e das redes sociais é perigoso. Ele distorce o nosso julgamento. Pois o smartphone não é só « disponível »; as reações on-line dos nossos amigos, da nossa família, sobre um post, uma mensagem ou uma fotografia procuram um sentimento de reconhecimento social – ou até de prazer psíquico, o que confirmam cada vez mais pesquisas científicas. É portanto confirmado que pequenas tarefas como responder a um mail ou a um tweet, tal como as notificações nas nossas publicações (os likes, os comentários, etc.) impactem o nosso cérebro com dopamina (o hormônio da recompensa), dando-nos a impressão que é a boa forma de gerir o nosso trabalho e de encontrar reconhecimento na comunidade. Contudo, esse hábito de ter pequenas satisfações sem importância deixa de lado um processo cognitivo mais importante, que nos permiteria produzir um trabalho de melhor qualidade se estávamos concentrados mais tempo numa só tarefa. No caso de um anúncio sobre um projeto ou uma ação futura, muitos likes e comentários dão ao seu autor o que os psicólogos chamam uma sensação prematura de realização.
A ideia aqui não é criticar tudo o que tem a ver com as ferramentas digitais. Indiscutivelmente, elas revolucionaram o nosso estilo de vida e facilitaram muitas coisas no nosso dia a dia. Somos gratos a elas por muitos progressos em termos de saúde, de educação, de transporte, etc. E a própria publicação desse artigo não teria sido possível sem elas. A questão é mais de pensar a um justo equilíbrio das práticas de todos os dias a cerca dessas ferramentas, dado dos efeitos potenciais do uso muitas vezes abusivo e desconsiderado que fazemos delas. Pois quem pode, hoje em dia, prever como vai traduzir-se a diminuição das nossas capacidades cognitivas sobre várias gerações? Se não o fazemos para preservar um processo evolutivo humano que ia até agora numa sentido melhorativo, pelo menos podemos o fazer para a saúde e o bem-estar das nossas crianças, que constituem o público mais vulnerável.
O dobre impacto dos ecrãs nos jovens: intelectual e neurológico
Quase um terço das crianças com menos de três anos comem diante de um ecrã. Foi o resultado de um estudo publicado em Novembro de 2013 pelo Sindicato Francês dos Alimentos da Infância, que reune produtores de alimentos para jovens crianças (Nestlé, Blédina...). De fato, as nossas crianças apropriam-se cada vez mais cedo as ferramentas da comunição as mais modernas: as tabletas, os computadores, os celulares. E a televisão tornou-se muitas vezes uma verdadeira baby-sitter. À vezes, o tempo passado a frente da televisão até representa o principal tempo em família. Além do risco de vício, muitos pediatras e fonoaudiólogas alertam sobre o atraso que pode provocar um consumo excessivo dos ecrãs. A televisão tem, claro, um lugar notável, pois a sua existência nas casas foi antes da dos computadores e dos telemóveis. Ela tem um impacto determinente sobre a nossa realização, o nosso desenvolvimento intelectual e a nossa autonomia cognitiva.
Duas razões principais a isso. A primeiro, dado o conteúdo dos programas, na televisão mas também Internet. Em 2011, Michel Desmurget, pesquisador francês especializado nas neurociências cognitivas, publicou TV lobotomia – A verdade científica sobre os efeitos da televisão, um estudo no qual ele qualifica o neuromarketing de « novo grande manipulador ». Ele sublinha o papel nocivo da televisão, que afecta « nas nossas costas, o nossos comportamentos, os nossos desejos, os nossos medos, as nossas pulsões, as nossas representações, as nossas decisões », explicando que muitas empresas basem a sua estratégia marketing nas neurociências. Em 2004, o próprio Patrick Le Lay, presidente-diretor geral do canal privado francês TF1, declarou: « Para que uma mensagem publicitária seja entendida, o cérebro do telespectador deve ser disponível. Os nossos programas têm vocação de o tornar disponível [...]. O que vendemos a Coca-Cola, é tempo de cérebro disponível. » Tudo está dito ai! Ainda em Fevereiro de 2014, um estudo de pesquisadores em psicologia da Universidade de Rennes-II disse que o fato de assistir com frequência telerealidades (como Big Brother) e séries romáticas tem, nos programas TV, o impacto o mais nocivo sobre as habilidades cognitivas e escolares – o estudo era sobre 27 000 alunos do nono ano.
Além da manipulação a fins comerciais ou com alvo o empobrecimento intelectual constatado em muitos programas TV, o efeito dos ecrãs sobre as crianças (sobre um cérebro « imaturo ») tem também uma dimensão neurológica. Michel Desmurget, no mesmo estudo, denuncia o impacto do ecrã no conhecimento da ortografia, da sintaxe e da gramática. Mais geralmente, um empobrecimento do vocabulário é um fato constatado. Certamente, os adolescentes e até as crianças usam mais bem as novas tecnologias, mas eles são também viciados a eles, e às vezes as suas maneiras de pensar, de escrever, de estabelecer um raciocínio, de imaginar... são formatadas pelas mesmas. Mais preocupante é a situação dos menos de três anos que são em contacto freqüente com um ecrã. E isso por várias razões. Primeiro, a criança precisa, para se desenvolver, de realizar as suas próprias experiências sensoriais, motoras e linguísticas, o que o tempo « passivo » passado a frente do ecrã não permite, mesmo quando se trata de programas « especializados » para crianças muito jovens e bebês. Um ecrã pode então manter a criança num estatuto de « espectador passivo do mundo ». Acrescenta-se o efeito paliativo terrivelmente perverso da televisão. Ela compensa o nada, o aborrecimento, ou as ausências (a dos pais, por exemplo), e não prepara a criança a enfrentar os medos diversos que ele conhecerá no futuro. Esse despreparo diante das muitas frustações da vida pode até favorecer uma contínua vontade de consumir. Obviamente, a multituda de marcas observadas à televisão são referências incontornáveis para uma criança ou um adolescente que sofre de dependência, de vício em relação à televisão. Uma criança exposta de maneira precoce pode interiorizar o ritmo das cores e dos sons enviados pelo ecrã, de tal maneira que ele não consegue ficar quieto diante dela: a televisão torna-se o que excita a criança segundo um ritmo sempre imposto por ela, e com uma intensidade muito superior às estimulações habituais do dia a dia. Um ciclo viciado dramático.
O estudo de Peter Winterstein e Robert J. Jungwirth avaliou desenhos de crianças que passaram tempo diferentes à frente da televisão. Os resultados publicados no blog da mídia on-line francesa Mediapart são ilustrativos. « Para cada detalhe, eles nos explicam, como os cabelos, os olhos, o nariz, o tronco ou os pés, os médicos atribuirem um ponto. Eles fizeram igual com a representação dos braços, do corpo e de uma cabeça de tamanho proporcionado. Os resultados são signitifativos: as crianças que assitiam menos a televisão (até 59 minutos) tiveram até 10,4 sobre 13. As crianças que a assistiam mais de três horas só tiveram em média 6,4 sobre 13, os piores resultados, ou seja, 10% dos desenhos. » E Peter Winterstein explicava então: « Um cérebro só integram corretamente as coisas se ele as descobre através vários sentidos, ou seja, a audição, a vista, o cheiro e tocar. E, desse ponto de vista, a televisão é uma fonte de informação bem pobre em comparação com o mundo real. » Esse tipo de impacto não é perceptível sobre um tempo curto, por isso é muito perigoso. É preciso saber dizer « não » à crianças, limitar o consumo de novas tecnologias, diminuir ou acabar com a sua exposição aos ecrãs.
Um mundo virtual que, em vez de estimular a nossa inteligência, limita de fato os nossos encontros no mundo « real »
O sucesso das novas tecnologias da informação e da comunicação tem um paradoxo importante, ou seja, as próprias nos permitem nos conectar mais ao mundo e otimizar o fluxo de informação como nunca antes; mas ao mesmo tempo, elas são capazes de isolar os indivíduos fisicamente, deixando de lado os encontros reais e quebrando os modos clássicos de socialização. Por um motivo simples: as firmas multinacionais da Silicon Valley, Facebook, Google, Apple, etc., não têm como prioridade incentivar as pessoas a encontrar-se fisicamente, mas de as manter atrás do seu ecrã o maior tempo possível.
Num artigo do jornal francês Le Monde diplomatique, Éric Klinenberg, sociólogo na New York University, constatou a influência preocupante da indústria digital sobre os serviços públicos e as relações sociais nas nossas sociedades. Por lembrança, numa grande carta aberta publicada em Fevereiro de 2017 por Mark Zuckerberg, fundador e dirigente de Facebook, à sua « comunidade » – mais de dois bilhões de usuários. Zuckerberg escreve ai: « A coisa a mais importante que podemos fazer com Facebook, é desenvolver as infra-estruturas sociais para dar às pessoas o poder de construir uma comunidade mundial que convem a todos. » Para isso, ele pretende inspirar-se do papel assumido por outros grupos intermediários, como as Igrejas, os sindicatos, os clubes desportivos, ou ainda as associações, que « nos dão motivos de ser e esperança, a validação moral da nossa necessidade e da nossa pertência a algo maior, o conforto de saber que não somos sozinhos e que uma comunidade cuida de nós; a orientação e a realização pessoais; uma rede de segurança; valores, normas e uma responsabilidade cultural; reuniões, ritos de sociabilidade, uma maneira de encontrar as pessoas; e, finalmente, uma forma de passar o tempo ». Para ele, as « comunidades on-line » devem substituir essas estruturas em declínio.
A nova missão de Facebook seria então « desenvolver uma infra-estrutura social para nossa comunidade – para nos apoiar, para nos informar, para o envolvimento cívico e a inclusão de todos ». De uma certa forma, a rede social já começou. Já construiu « uma infra-estrutura permitindo transmitir a alerta Amber em caso de seqüestro de criança na América do Norte [...], ou ainda o dispositivo Safety Check, destinado a informar os nossos amigos que somos sãos e salvos » em caso de atentado ou de desastre natural. Último exemplo do fortalecimento da « comunidade »: a rede social anunciou em Junho de 2019 a criação de uma moeda, a libra (o nome de uma antiga unidade de massa usada pelos Romanos), num prazo de um ano. Uma moeda digital mundial que permite a transferência de dinheiro para o exterior, dentro da comunidade Facebook, sem custo, sem atraso e sem obstáculos, nem mesmo a necessidade de ter uma conta bancária.
Livrarias on-line, lojas on-line ou empresas de comércio electrônico como Amazon, sites de encontro, videogames on-line, redes sociais, etc.: os nossos espaços de encontro físico são totalmente ou parcialmente desmaterializados. Facebook é emblemático dessa transformação, com essa vontade explicita de « fazer comunidade ». Claro, o digital pode ser colocado ao serviço dos encontros, do refortalecimento dos laços, e felizmente ele serve a isso, também. Mas em Ocidente e cada vez mais além, o desenvolvimento das tecnologias digitais e conectadas nos fecha e desenvolve vários vícios, relativos aos jogos, aos filmes e às séries, à redes sociais, etc.
Um estudo da revista indiana Journal of Family Medicine and Primary Care, na sua edição de Agosto de 2018, revelou que em seis anos, entre Outubro de 2011 e Novembro de 2017, 259 pessoas morreram num acidente envolvendo um selfie. O que tornaria os selfies uma causa de morte maior do que os tubarões, por exemplo, que matam em média seis pessoas por ano. Para tentar quantificar esse fenômeno recente, os pesquisadores analisaram os dados da impensa do mundo inteiro procurando palavras-chaves como « morte por selfie », « acidente de selfie » ou ainda « morte e móvel ». A compilação dos dados é obviamente imperfeita e abaixo da realidade, pois os selfies nunca aparecem como causa do falecimento nas basas de dados oficiais. O estudo conseguiu no entanto reunir estatísticas que deixam aparecer uma explosão dos mortos por selfie desde 2016 (em particular na Índia, mas não só). Outro fato a notar, pessoas que faceleram de cansaço por ter passado tempo demais em videogames: na Coreia do Sul, um homem de 24 anos em 2002 (86 horas sem parar) e um homem de 28 anos em 2005 (49 horas de jogo), na China, um homem de trinta anos (após 72 horas de joga num cybercafé), na Tailândia, um homem de 24 anos (após vários maratonas noturnas de jogo), etc. Isso tudo poderia parecer anecdótico, mas é revelador de novas formas de socialização, que criam perigos, isolamento social, perda de noção do tempo, infelicidade... Os simples SMS foram substituidos por aplicativos de conversas instantâneas bem mais completas, cujas funcionalidades orientam-se tanto a cerca da fotografia, do vídeo e dos emojis como do texto. A socialização pelos smartphones é onipresente e responde a uma nova maneira de comunicar, a da narração do dia a dia, do contato permanente e contínuo. Uma sublimação do cotidiano que seria chocante (por exemplo, pelo narcisismo que ela expressa) se quase todo mundo não a tivesse completamente adoptada. Estima-se (em 2019) a 90 milhões o número de selfies partilhados por Internet cada dia.
A questão é sempre a da ponderação no uso das coisas. As reivindicações variam de um país para outro, mas, a maior parte das vezes, é aconselhado suprimir simplesmente da vida das crianças com menos de três anos qualquer exposição aos ecrãs. E limitar a exposição a uma ou duas horas antes de quatro anos de idade (com ecrãs interativos, proibindo as exposições « passivas »); e depois limitar o tempo a duas ou três horas por dia no máximo.
A revolução que constituou o desenvolvimento do digital nas nossas sociedades, na nossa forma de comunicar, de socializar, de consumir, de aprender, de distrair-se, etc. mereceria ganhar um pouco de altura para analisar melhor os movimentos em curso, para melhor abordar os efeitos positivos e negativos, e para melhor assegurar-se que as ferramentas estão bem colocados ao serviço do nosso bem-estar. Sobretudo, seria necessário tomar em conta os estudos já realizados nas políticas públicas relativas à saúde, à educação ou à promoção das novas tecnologias. Em termos de prevenção, convem também estabelecer as causas e conseqüências de um fraco bem-estar psicológico e de um desenvolvimento cognitivo limitado – e as lições a tirar disso em termos de prevenção e de correção.
Imaginamos bem que essas ferramentas digitais podem ser colocados ao serviço da inteligência, para estimular a nossa curiosidade e o nosso desejo de encontrar o outro e de aprender. O exemplo da leitura o ilustra. É um fato facilmente constatável: há anos, a leitura parece uma prática em declínio diante da subida de Internet (e em particular dos vídeos on-line) e de uma pesquisa da informação rápida – aquela que vai fazer mais barulho, que pede menos de um minuto a ler (isso explica o sucesso de uma rede social que limita o texto a 280 caráteres como Twitter). No entanto, as novas tecnologias podem contribuir de maneira prática a promover uma volta à leitura. Podemos mencionar várias pistas: os atores desse setor (livrarias, bibliotecas, escolas, etc.), primeiro, podem usar novos recursos, os mesmos mudando o nosso modo de leitura: os smartphones, os computadores, os e-books… As novas tecnologias são também uma ferramenta para comunicar sobre os livros, para promover uma obra, para valorizar um esílo literário ou um autor em particular, etc. Podemos mencionar o exemplo de uma página Facebook dedicada a uma evento consagrada à poesia, em Maputo (Moçambique), Noites de Poesia. O sucesso de muitos blogs, Youtubers e Hackers permitiu a circulação das ideias e das vitórias em favor da emancipação humana. Centenas e milhares de outros exemplos podem ser evocados, entre os quais o caso das Primaveras árabes, tornados em boa parte possíveis graças à mobilização da sociedade civil nas redes sociais. Aqui novamente, tudo depende do uso que é feito da ferramenta digital. Pode ser colocado ao serviço da coordenação das ações cidadãs, da circulação das ideias, mas pode também tornar-se fatores de imobilismo se eles tornam-se um fim em si mesmo.
Temos também que dizer algo sobre o impacto ecológico e sanitário da revolução digital que invade as nossas vidas. Primeiro, porque as conseqüências da transmissão contínua de ondas de telefones sem fio, de celulares, dos radios, da box Wifi, da 3G, da 4G, amanhã da 5G, das antenas de retransmissão, ou ainda da infinidade de objetos conectados, permanecem mal conhecidas. Casos de intolerância eletromagnética já foram observados em certos indivíduos (fala-se então de hipersensibilidade eletromagnética). Segundo, porque a produção dos aparelhos eletrónicos não é um passo qualquer no seu ciclo de vida: polui consideravelmente, em particular porque a extração de metais raros (ou terras raras, um grupo de metais bastante presentes na crosta terrestre, e que têm propriedades eletromagnéticas que os tornam indispensáveis ao funcionamento de objetos eletrônicos como a televisão). Em países como a República democrática do Congo ou a China, existem sérios problemas ambientais provocados por essas indústrias extrativas, além das tensões políticas, ou até dos conflitos. Os problemas aparecem tanto na superfície terrestre quanto ao nível das águas subterrâneas ou dos rios vizinhos, onde se descarregam substâncias químicas, sedimentos e correntes ácidas; e depois a jusante das operações de extração, porque não existe lugar « adaptado » onde armazenar a lama e os resíduos extraídos. Fora do trabalho de algumas ONG sobre a questão muito específico da extração mineira, a consciência cidadã sobre essas questões é muito fraca – enquanto ela impacta a longo prazo as nossas vidas acentuando a degradação dos ecosistemas e a poluição dos solos e das águas. Aliás, diferentemente de recursos como o petróleo ou o gás, cuja evolução do preço é visível nas nossas faturas de combustível e de aquecimento, as matérias em questão (os metais raros) estão espalhados por « pequenas doses » no cotidiano (até nos nossos carros), tornando-se de uma certa forma « invisível ».
« Tornou-se infelizmente óbvio hoje que a nossa tecnologia ultrapassou a nossa humanidade », disse há muito tempo Albert Einstein. Se acrescentamos, desde o tempo do famoso físico, o peso que ganharam as ferramentas digitais no nosso dia a dia, ou ainda o fato que o nosso corpo constitui para muitos uma entidade cada vez menos « biológica » (por meio de próteses, de cirurgia estética, de atividades de cosmética e de epilação diversas, de alimentação inadaptada às nossas necessidades naturais, etc.), poderiamos acabar por pensar que a citação de Einstein era bem abaixo da realidade. Um retorno a um modo de vida mais « natural », menos prático às vezes, sim, mas também mais saudável, talvez seja bem-vindo.
Dirigentes políticos que não são alertas sobre o fenômeco e os seus problemas
De fato, constatamos que as nossas classes políticas incentivam esse movimento de sociedade que consiste a nos colocar nas mãos ferramentas digitais. Por lembrança, o antigo Primeiro ministro britânico Tony Blair anunciou em Setembro de 2000 um grande plano de investimento de 710 milhões de libras esterlina nas novas tecnologias na escola; ele prometia então que, logo em 2004, as escolas primárias do país sejam equipadas de um computador por oito alunos (contra uma taxa de um por dezoito em 1998), e as escolas segundárias de um computador por cinco alunos (contra um por nove antes). A aprendizagem das noções básicas ligadas à informática tornaria-se entéao um objetivo primordial na educação britânica. A presença do ecrã nas escolas tornaria-se portato sistemática, e não só anecdótica. E é um movimento geral. Por lembrança, em 6 de Junho de 2013, o então presidente dos Estados Unidos Barack Obama, visitando uma escola do Estado de Carolina do Norte, anunciou um plano com alvo assegurar uma conexão rápida a Internet nas escolas norte-americanas. « Num país onde se exige a Wi-Fi gratuita com o seu café, por que não teríamos esse direito à escola? » E o chefe do Estado de acrescentar: « Não podemos ficar bloqueados no século XIX enquanto vivemos numa economia do século XXI. » Justificar a massificação das novas tecnologias porque seria um movimento geral « no sentido da História » é um pouco redutor. Quando se constata que cada vez mais indígenas, na Amazônia por exemplo, estão sendo viciado pelos smartphones e as tabletes, deixando de lado cada vez mais as suas tradições e os seus modos de vida, podemos questionar a relevância dessa tendência. Sem falar das muitas límitas já descritas nesse artigo sobre os impactos dos ecrãs sobre o desenvolvimento cerebral e a realização social dos indivíduos.
De fato, se um acesso a Internet parece muito positivo para estudantes do superior que têm assim muitas possibilidades de pesquisas on-line ou oportunidades de ampliar as suas redes profissionais, mas para os mais jovens, o constato não parece tão óbvio. Pois, primeiro, podemos constatar que jovens que não desenvolveram corretamente as suas habilidades cognitivas têm dificuldade em achar a informação procurada na Internet, e pesquisadores até sublinham que dizer que os jovens são péritos das novas tecnologias é um mito perigoso. Aliás, os net-boomers têm dificuldade a formular os seus pedidos, as suas pesquisas, a selecionar os resultados e a hierarquizar as fontes. Pior, o psiquiatra infantil francês Pierre Delion, numa entrevista no site francês atlantico.fr em Junho de 2012, afirmou que os aplicativos com vocação educativo, cada vez mais presentes nas tabletes, constituem uma mistificação, pois os progressos observados por uma criança num jogo táctil não se traduzem sistematicamente, longe disso, por facilidades a realizar uma atividade semelhante na realidade – por exemplo, empilhar cubos. Ele denunciava o argumento dos vendedores que consiste a « sublinhar a rapidez de aprendizagem na tablete dizendo que facilitar o acesso ao mundo virtual permite facilitar a entrada no mundo real ». Finalmente, e infelizmente, um excesso de televisão nas crianças tem um efeito limitativo na imaginação infantil, o que comprova amplamente a literatura científica.
Será que o princípio de precaução não deveria impor-se? A questão do tempo passado a frente dos ecrãs deve tornar-se um problema de saúde pública. Num relatório parlamentar francês publicado em Fevereiro de 2010, o então deputado de direita Jean-Michel Fourgous preconizou doze prioridades declinadas em 70 medidas, relacionadas primeiramente ao equipamento das escolas em alto débito e a passagem à « bimídia » (juntamente sob forma papel e sob forma eletrônica) para os manuais escolares. O relatório preconizava também a implementação de ações de formação dos professores e do pessoal da Educação nacional, afim de favorecer o uso dessas ferramentas e a transformação da pedagogia. Finalmente, ele recomendava a criação de uma estrutura nacional reunindo o Estado, as autarquias e os parceiros públicos e privados para dar um impulso ao desenvolvimento do digital pedagógico. Os governos franceses sucessivos pretendem implementar a « Escola moderna », e essa procura ultrapassa as clivagens políticas. Em 10 de Junho de 2013, o ministro socialista da Educação nacional Vincent Peillon, defendando a sua Lei pela Refundação da Escola da República adoptada alguns dias mais tarde, dizia ambicionar « fazer entrar a Escola na era do digital »: sites, aplicativos e recursos on-line para os alunos, filmes de animação para entender os recursos digitais e para aprender o inglês à escola primária, um acesso on-line aos assuntos dos exames do nível segundário. Mais recentemente, em Setembro de 2019, a presidente da Região Île-de-France, em França, Valérie Pécresse (direita), anunciou que a sua administração decidiu apoiar todas as escolas segundárias que queriam ser « "100% digitais", ou seja, colocar os manuais em tabletes, e acabar com o papel no segundo grau ». Ela acrescentava então: « 50% das escolas de segundo grau responderam sim, portanto [ai], eu oferece as tabletes e os computadores a todos os alunos que adoptam o "tudo digital", e eu os oferece também aos professores. »
Essa visão segundo a qual modernizar a escola significa as dotar de equipamento digital é um pouco redutora. A qualidade dos programas depende mais do conteúdo do que do tipo de recurso visual pedagógico proposto. O que dizer ainda, quando o então Primeiro ministro português José Socrates, assistindo em Junho de 2008 a uma aula de geografia com mapas digitais numa escola segundária no Sul do Portugal, louvou o Plano Tecnológico de Educação (400 milhões de euros) lançado pelo seu próprio governo o mesmo ano? Isso, enquanto o Portugal ainda apresentava resultados entre os piores da União europeia ao nível da qualidade do ensino uma realidade que ilustrava-se através vários indicadores, como a iliteracia, ainda importante na população jovem, ou os resultados nacionais nos exames de compreensão escrito realizados no âmbito da pesquisa anual PISA da OCDE. Quadros interativos e tabletes digitais serão escolhas de investimento relevante quando os alunos mal dominam os saberes fundamentais?
Claro, uma escola com ecrãs em massa não pode sistematicamente ser considerada como medíocre, pois por exemplo, os países da Ásia extrema-oriental os mais bem dotados em alta tecnologia (Coreia do Sul, Japão...) apresentam um nível de educação que os honra. No entanto, o que dizer dessa informação divulgada há alguns anos, segundo a qual salariados e empreendedores de empresas high-tech da Silicon Valley (Estados Unidos) gastam fortunas para mandar as suas crianças em escolas sem ecrãs, em escolas onde a pedagogia base-se antes de tudo sobre a educação física e o trabalho manual, por exemplo. Sem ecrã na classe: só papel, canetas, agulhas de tricô, às vezes argila. Quadros pretos, mesas de madeira, encilopédias nos armários... Enfim, metodologias « antigas », « tradicionais », o que nos deixe com certas dúvidas. Primeiro porque isso supõe que os próprios empreendedores do setor informático e digital entendem os efeitos nocivos dos ecrãs sobre a criatividade, a concentração ou ainda a interação social das crianças. Segundo, porque essa escolha em termos de metodologia pedagógica, baseado em visuais educativos muito mais simples e supostamente mais baratos, tem um preço, e que preço! Para cada aluno: 13 200 euros por ano, entre o pré-primário e a adolescência, e 18 150 euros por ano no segundo grau.
Sem fazer a apologia da escola na versão que conheceram os nossos avôs, é preciso constatar que o impacto global sobre os cidadãos não é objeto de uma qualquer conscientização e permanece o grande ausente dos debates de saúde pública. Pelo contrário, as novas tecnologias com ecrãs inscrevem-se, de forma perfeitamente coerente e pensada, num modelo de sociedade em estruturação desde um meio-século no Ocidente: uma sociedade da imagem, onde o parecer domina a realidade e a felicidade das pessoas de tal maneira que estamos sempre incentivados a consumir mais sem capacidade crítica. O ecrã tornou-se uma ferramenta generalizada ao serviço da sociedade de consumo e da estupidificação de massa (a medida, aliás, que as tecnologias ganham em « inteligência », tornam-se mais smart). O impacto neurológico sobre as crianças mais jovens dá a medida dos riscos possíveis se a nossa sociedade permanece nesse caminho do « excesso de ecrã ». Uma conscientização sobre esse assunto seria bem-vinda, para acabar com o culto geral dedicado às novas tecnologias, ainda mais num contexto como o nosso, ou seja, favorável à preservação do meio ambiente, e no qual demaziadas pessoas acreditam que os problemas atuais de poluição, de clima, de saúde... poderão ser resolvidos graças ao progresso tecnológico.
Essa conscientização, necessária, supõe no entanto, também, um esforço individual para avançar numa era de maior sobriedade digital, e, como o disse muito bem o filósofo francês Pascal Brucknet: « A televisão [mas isso vale para qualquer ecrã] só exige do telespectador um ato de corajem – mas que parece sobre-humano –, é de a apagar. »