Benim: nos passos do zemidjan!
« Estação de Uando!
- Ok, quanto?
- 100 francos.
O motorista emite um pequeno barrulho para exprimir a surpresa.
- É 300!
- Então 200? »
Um pequeno movimento da boca, acompanhado dum « chip », serve de convita ao cliento para subir, apesar dum ar de reprovação.
Porto-Novo, uma pequena manhã de Julho. Um táxi-motocicleta perde-se na desordem urbana típica das cidades do golfo de Guiné. Ziguezague entre as outras motos para evitar uma queda, mas também entre os buracos que multiplicam-se na estrada, seja asfaltada, calçada ou de terra batida. Sentado atrás, o cliento pode relaxar os braços e aproveitar a paísagem urbano.
Se era preciso designar uma figura emblemática para representar o Beninês de hoje, o motorista de táxi-moto assumeria perfeitamente este papel. No Benim, chamam-lhe de zemidjan, o que significa literalmente: « leve-me rapidamente! » em língua fon, o dialeto o mais usado no país. O « zem » tenha-se imposto nos 40 últimos anos como o modo de transporto privilegiado dos Benineses, como também, numa certa medida, no Togo vizinho. Aliás, os táxis-motocicletas não são presentas em toda a África. Conhecem um certo sucesso no Sul-Sudão (é chamado lá de boda boda, muitas vezes conduzidas por imigrantes ugandeses), são concurrençados pelo táxi-carro coletivo intra-urbano em Camarões, e são quase inexistentes na África austral. O sucesso dos zemidjans no Benim e no Togo explica-se pelo desaparecimento gradual das grandes empresas estruturadas de transporte coletivo nas décadas de 1980 e 1990, como também pelo desimpedimento do Estado depois da era comunista beninense (1974-1990). Uns elementos de explicação sobre este fenómeno.
Dois fatores determinantes do sucesso do zem: o colapso do transporte público e a emergência do tráfego de gasolina kpayo
O desaparecimento das companhias públicas de transporte urbano nos anos 1980 fez-se ao benefício de pequenas estruturas informais que ocuparam pouco a pouco o espaço vazio. A integralidade da concepção dos serviços públicos desde a independência foi alterada. A iniciativa privada para a organização dos transportes públicos substituiu o Estado regulador e os poderes públicos. Este fenómeno explica o boom das atividades informais ligadas ao transportes, com a multiplicação dos pequenos ônibus (o equivalente dos « chapas » moçambicanos), dos táxis e dos táxis-motocicletas que agem de maneira coletiva ou individual, para assegurar os trajetos intra e inter-urbanos. O setor dos transportes, particularmente atomizado, base-se na multiplicação das pequenas empresas. Nas grandes cidades em particular, como Porto-Novo ou Cotonu, mais ou menos 70% dos proprietários só possuem um veículo. O setor é dominado pelos ônibus de pequena capacidade. Em Cotonu por exemplo, é estimado a 76% do parque de mini-ônibus o número de veículos com uma capacidade de 14 a 22 lugares, uma maioria tendo 18 lugares.
Ao desimpedimento progressivo do Estado no setor dos transportes vieram acrescentar-se fatores económicos. A abertura do mercado aos veículos de segunda mão (chamados « vindos de França ») provocou um crescimento da idade média do parque de transportes, como também facilitou a aquisição de veículos pelos particulares. Há mais de 7 anos, motocicletas vindas de China inundam o mercado nacional. Isto tudo alimentado por uma gasolina com custo baixo, que constitua um dossier sensível com os poderes públicos. De fato, desde o início dos anos 80, o trafégo de gasolina adulterada vinda de Nigéria constitua um problemo aos olhos do Estado beninense, que pretende lutar contra o fenómeno que no entanto permite a milhares de família de substentar-se. Com uma gasolina três vezes menos caro no Nigéria, comparando com o Benin, a contrabando e a venda de gasolina adulterada representam atividades lucrativas.
A gasolina adulterada, ou gasolina kpayo (« de qualidade inferiora » em língua goun, um dialeto beninense), é vendida à borda das estradas com preço bem inferior ao da gasolina das bombas de serviço (565 francos CFA por litro no bomba e mais ou menos 400 FCFA por litro ilegal). Na maioria das « bancas » improvisadas de gasolina kpayo, é possível comprar litros de gasolina, em garrafa de vidro que fazem parte da paísagem beninense. A compra de latas de gasoline de 5, 10, 20 ou até 50 litros é também frequente, e os veículos carregados do trafégo podem até transportar uns 600 litros de gasolina. Este comércio clandestino traz vários problemas.
- No plano da segurança em primeiro lugar. A gasolina é encaminhada desde o Nigéria pelas motocicletas levando entre 5 e 10 latas com cada uma uns 10 litros de gasolina, e é depois armazenada nas habitações dos vendedores da estrada, o que é à orígina de vários incêndios domésticos. Em Lomé (Togo) em 2013, uma família inteira morreu num fogo causado pela presença de gasolina kpayo na casa.
- Em termos ambiental e de saúda também. O acesso a uma gasolina mais barrata conduz a uma multiplicação dos trajetos de moto nas cidades beninenses, fator duma grande poluição atmosférica. A baixa qualidade desta gasolina agrava claramente o impacto ambiental de cada motocicleta.
- No plano social. Muitos Benineses dependem diretamente ou indiretamente da gasolina adulterada nas suas atividades. Num país com alto nível de desemprego, a questão da reconversão dos vendedores cria fortes tensões. Várias greves foram observadas estes últimos anos no Benin para denunciar as tentativas das autoridades públicas de eradicar a venda de gasolina kpayo; elas são geralmente acompanhadas de barragens urbanos organizados pelos motoristas de táxis e de ônibus, ou até de protestações violentas.
O zemidjan: problema ou solução?
Enquanto no Gana e na Nigéria, os táxis-carros são dominantes (até no Togo, eles concurremciam os táxis-motos), no Benim, o sucesso dos zemidjans parece irreversível. No entanto, o carro é um modo de transporte mais seguro e que pode acompanhar-se dum aparelho certificando o preço exigido pelo motorista. Mas a moto tem a vantagem de permitir movimentações individuais com uma melhora « proximidade » em relação ao cliento. Consequência original: nas cidades beninenses, as pessoas perderam progressivemente o hábito de caminhar.
Bem que seja difícil, o trabalho de zemidjan permita ao motorista de ganhar uma renda e não dexa então de ser um emprego atrativo. Benineses que voltaram de Camarões, do Gabão, da Nigéria, ou ainda do Gana dans anos 1970, acharam ai uma forma de salvação professional. É também o caso de muitos estudandos-desempregados que não conseguem integrar-se no mercado do trabalho. Acrescentam-se a esta variedade de perfiles antigos camponeses vindos da região de Ouémé, no interior, que migraram para a cidade mais próxima.
Especialisto da questão do zemidjan, Noukpo Agossou concede que este modo de transporte é « tanto um problema e uma solução ». Diretamente ou indiretamente (pela via do trafégo de gasolina), a atividade do zemidjan constitua há anos uma solução ao desemprego. No entanto, o sistema cria muitos externalidades negativas: crescimento da congestão urbana, da insegurança na estrada, da poluição atmosférica, e do consumo energético. Em 1990, o consumo de gasolina ordinário representava uns 5% das importações nacionais de gasolina de uso energético; em 2004, ela representa mais de 19%. Estimulado pelo sucesso do táxi-motocicleta, o trafégo de gasolina kpayo provocou uma sob-frequentação das bombas de serviço, que já eram poucas no país. Os zemidjans, permitindo movimentações de proximidade, travam os modos de transporte tipo a caminhada ou a bicicleta; é preciso lembrar-se que, às raízes do zemidjan, há o chamado táxi-kanna, um táxi-bicicleta que foi substituido pelo táxi-moto nos anos 80.
Qual resposta das autoridades públicas?
Em 2013, o então presidente da República do Benim (ele saiu da carga em 2016) Thomas Boni Yayi formulou um ultimato para a desmontagem definitiva das redes de contrabanda e das bancas de venda de gasolina kpayo à borda das estradas. Não era a primeira vez que o poder tomava uma iniciativa dessas. O seu antecessor, Mathieu Kérékou (1996-2006), antigo mestra do país entre 1972 à 1990 « reconvertido » à democracia, tinha conhecido um fracasso neste dossier. Em 2004, violentes manifestações tinham afetadas Cotonu e sobretudo Porto-Novo, para protestar contra a ação policial que tinham como objetivo eradicar as bancas de gasolina – os semáforas da capital foram então destruidas nas violenças.
Os Benineses nem prestaram atenção a este enésimo ultimato do poder, por duas razões: os vendedores de gasolina kpayo (ou até os traficantes) são indivíduos, às vezes famílias inteiras, que dependam deste meio para sobreviver e preferam voltar a manifestar e contornar as proibições do que conformar-se à lei; e a quase-totalidade dos veículos circulando no país dependem totalmente desta gasolina, por isso até os motoristos iriam a lutar pela sobrevivênvia desta atividade. As estações de gasolina, muitas poucas, não poderiam substituir-se à gasolina kpayo, mesmo se baixam-se os preços.
O desaparecimento da gasolina adulterada necessitaria um forte investimento do governo para responder em todo o território às necessidades em gasolina. Além disso, o Benin deve coordenar sua ação com as autoridades nigerianas na luta contra os trafégos. Por enquanto, é óbvio que a gasolina kpayo, tal como o zemidjan, vão perpetuar-se muito tempo. Ainda mais porque em Porto-Novo, onde a gasolina é ainda mais barrata do que em Cotonu, e onde ainda nenhuma linha de ônibus existe para propôr um transporte alternativo – em Cotonu, a companhia Benafrique criou hà certos anos, apesar de alguns problemas práticos ou logísticos (atrasos, passagens raros, congestão nas parragens, etc.), e experimenta novas linhas de ônibus público. Ao longo termo, os zemidjans serão ainda presentes na paísagem urbano (e rural) beninês.
A ausência do Estado e das autoridades locais no setor dos transportes e a inexistência dum qualquer projeto público para planificar grandes estações em Cotonu ou Porto-Novo têm por conseqüência de incitivar o espírito de iniciativa privada, que substitua-se à ação pública e propõe soluções diversas. No entanto, há muitas frustrações dos motoristas como da população em geral, que acham os políticos e as administrações desconetadas dos problemas deles. Os raros laços estabelecidos entre os cidadões trabalhando nos transportes – os motoristas, os vendedores de bilhetes, os cobradores – e as autoridades são de tipo fiscal. Pois para sair do setor informal os milhares de Benineses que conduzem um zem, é pedido a eles de vestir um coleto (azul ou amarelo em geral) e de obter um número de registro no município – número que é preciso pagar.
« Direito-táxi », número de registro, peagem nas estradas, luta contra a gasolina kpayo… Do ponto de visto da população, o Estado beninense age de maneira autoritária, sem concertação, e ao custo dos cidadãos. Os motoristas, de zemidjans mas também os de ônibus ou de transportes de mercadorias, organizaram-se em sindicatos para defender seus direitos. São muitos: UCTDB, UNACODEB, UNACOB, UCTIB… Ás vezes perdem-se em lutas internas abdurdas, como por exemplo sobre a côr dos coletos.
As normas acumulam-se – umas são respeitadas, outras não em função do rigor policial para aplicar as reglementações – enquanto nenhuma iniciativa pública melhora as condições de trabalho dos motoristas. Até 2013 mais ou menos, um zem podia levar até uns 3 passageiros; passou a não ser mais de um passageiro além do motorista. Uma medida de segurança que justifica-se, mas que deixa a sorrir quando constata-se em paralelo que a insegurança na estrada é sobretudo provocada pela falta de regulação (ausência de agente da circulação, de sinalização...) como também pelo estado catastrófico das estradas. A autarquia municipal de Porto-Novo pensa em instalar áreas específicas, abrigos-zem (protegidas da chuva), em toda a cidade, ou seja uns lugares de 4 ou 5 metros², onde os motoristas de zemidjans poderiam descansar, ouvir o rádio ou ler um jornal. Mas até esta medida simples, que não custaria muito – basta ter uma TV ou um rádio, uma chapa, e colocar estes abrigos a proximidade duma banca de comida e bebidas (as « buvettes ») ou dum quiosque –, ainda não é realizada.
Uma inter-modalidade original
Poluição e insegurança, são os dois principais problemas nascidos do sucesso dos zemidjans. Foi dito, o crescimento incontrolado dos táxis-motos revela um nível de desemprego alto, como também é o fruto do trafégo de gasolina kpayo, e do péssimo estado das estradas que impede os táxis-carros de mover-se nas ruas de terra batida (os vons, como dizam os Benineses) ou de alcatrão. Hoje em dia, o número de zemidjans trava os trajetos a pé ou de bicicleta, que baixaram muito nos últimos 20 anos.
A noção de pluri-modalidade, aproprieda de fato, é uma obra imensa esquecida pelos poderes públicos, enquanto a margem de melhoração para interconectar os diferentes modos de transporte é considerável. Completar os trajetos de mini-ônibus ou de táxis-carros inter-cidades, pelo uso do zemidjan permita uma intermodalidade original. Mas a « bagunça » urbana observada nas grandes estações de Cotonu e de Porto-Novo acentua os impactos das motos sobre a segurança, a saúda e ambiente. Nas duas cidades, o mercado sobretudo (mercado de Dantokpa em Cotonu, e mercado de Uando em Porto-Novo) situa-se junto a uma enorma estação rodoviária informal, cujo o caos dos carros e das motos complica a vida dos usuários. Assegurar a segunrança dos trabalhadores como dos clientes, não deve deixar de ser o primeiro dos objetivos das autoridades beninenses em relação a estes sítios. Isto supõe um mínimo de regulação, mas esta só será aceita pelos Benineses se é preparada e organisada de maneira relevante, ou seja, em concertação com as pessoas que vivem nesses lugares, que os usam: os motoristas, os cobradores, os vendedores, os usuários-viajantes, os comerçantes, etc.
Para as autoridades públicas (nacionais e locais) que deixaram tanto tempo o setor informal substituir-se a un Estado contente por poder descuidar das suas responsabilidades, a concertação é um dos grandes desafios futuros.