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O acendedor de lampiões

Desde a Primavera Árabe, como anda a democracia tunisiana? (2/3) A Segunda República tunisiana posta à prova (2015-2019)

2 Novembre 2024 , Rédigé par David Brites Publié dans #Democracia, #África

La Goulette, na periferia oriental de Tunis.

Em 18 de Março de 2015, o atentado ao museu do Bardo, perto do Parlamento tunisiano, fez umas vinte vítimas, quase só turistas estrangeiros. Este drama vinha então lembrar aos Tunisianos, no início da IInda República, o duplo desafio que representava então a ameaça jihadista, tanto para os próprios cidadãos tunisianos como também para o setor turístico, que estava apenas a melhorar após os tempos instáveis da Revolução de 2011. Naquela altura, o povo fez a demonstração da sua coesão e da sua solidariedade, pois em 21 de Fevereiro de 2015 (quatro dias após a morte de quatro soldados tunisianos durante um ataque contra um posto de controle, no centro-Oeste do país), e de novo em 29 de Março do mesmo ano, em resposta ao atentado no Bardo, milhares de Tunisianos, apoiados por toda a classe política, invadirem a avenida Bourguiba para denunciar o terrorismo.

Na mesma altura, uma outra atualidade marcou a Tunísia: em 7 e 8 de Fevereiro de 2015, duas localidades do Sudeste tunisiano, Ben Guerdane (autarquia de Medenine) e Dehiba (autarquia de Tataouine), eram o teatro de violentes motins sociais. Centelha desta revolta: a apreensão de gasolina contrebandeada na fronteira com a Líbia. Numa região negligenciada pelos poderes públicos e onde os tráficos revelam-se uma importante fonte de renda, a revolta obviamente tinha origem nas difíceis condições de vida da população desta área periférica. Situada a mais de 400 kilômetros de Tunis (em linha reta), essas duas localidades são as mais distantes da capital. Algo muito simbólico! Em poucas semanas, muitos dos desafios da jovem democracia a nascer estavam resumidos nesses poucos eventos dramáticos.

As eleições gerais do Outono de 2014 são o resultado de um processo de transição laborioso que culminou na adopção de uma nova Constituição, em Janeiro de 2014, pela Assembleia Constituinte. Assassinatos políticos, motins urbanos, protestos mais ou menos importantes contra as autoridades de transição, crise económica: o caminho até a proclamação da IInda República tunisiana não acabou por ser um rio longo e calmo, contudo, esta transição política (e sobretudo concluída, caso excepcional até agora nos área que foi afetada pelas Primaveras Árabes) era claramente um sucesso para o povo tunisiano.

Para ir mais longe sobre a transição tunisiana: Desde a Primavera Árabe, como anda a democracia tunisiana? (1/3) A Revolução de Jasmim e as suas promessas (2010-2014)

Os três anos que seguiram a fuga do presidente Ben Ali na Arábia Saudita levaram a uma reconfiguração da cena política tunisiana. Enquanto as eleições de 2011 permitiram ao partido Ennahda de obter uma vitória ampla, na espuma do oferta política nascida da queda da ditatura, a situação em 2014 já tinha mudada bastante. Em 2011, além de uma participação relativamente fraca (51,97% dos eleitores inscritos), a proliferação das candidaturas (mais de 200 partidos, para mais de 10 000 candidatos) teve como efeito uma dispersão do voto. resultado: mais de um terço dos eleitores encontraram-se sem os representantes da sua escolha na nova Assembleia. Em 2014, a eleição é marcada por uma bipolarização da vida política, permitida dois anos antes pela criação do partido Nidaa Tounes, uma coligação de correntes muito diversos reunidos à volta de Beji Caid Essebsi e contra um adversário comum: os islamo-conservadores de Ennahda. A União Patriótica Livre, fundada em Maio de 2011, e a Frente Popular, criada em Outubro de 2012, vieram também completar o vácuo político, um no centro-direito liberal, outro à extrema-esquerda. No final, os resultados das eleições de 2014 ilustravam a profundez da clivagem que tinha marcado toda a campanha, entre Nidaa Tounes e Ennahda.

Resultados das eleições legislatives do 26 de Outubro de 2014. A participação dá uma informação troncada. De fato, passou de 57,97% em 2011 para 68,36% em 2014, mas o número de eleitores inscritos passou na mesma altura, em três anos de tempo, de 8 290 000 para 5 236 000. Observa-se então um crescente desinteresse para a vida política e uma grande desilusão após a Revolução. Neste caso, a campanha de recenseamento eleitoral mobilizou pouco ao longo do ano de 2014. No final, o número de pessoas que foram efetivamente votar até caiu, entre 2011 e 2014, de 4 309 000 para 3 579 000.

Resultados das eleições legislatives do 26 de Outubro de 2014. A participação dá uma informação troncada. De fato, passou de 57,97% em 2011 para 68,36% em 2014, mas o número de eleitores inscritos passou na mesma altura, em três anos de tempo, de 8 290 000 para 5 236 000. Observa-se então um crescente desinteresse para a vida política e uma grande desilusão após a Revolução. Neste caso, a campanha de recenseamento eleitoral mobilizou pouco ao longo do ano de 2014. No final, o número de pessoas que foram efetivamente votar até caiu, entre 2011 e 2014, de 4 309 000 para 3 579 000.

Passado em três anos de 37 para 27,8% dos votos exprimidos (e de de 89 para 69 deputados), Ennahda sofreu uma queda importante, com 550 000 votos a menos do que em 2011. Contudo, entre os três partidos da coligação que dirigiu o país entre 2011 e 2014, é aquele que sai desta sequência o menos mal. Com 2,14% dos votos (contra 8,7% em 2011), o Congresso para a República, partido do chefe do Estado a sair Moncef Marzouki, consegue apenas a manter-se no Parlamento. Ettakatol, dirigido pelo presidente da Assembleia Constituinte a sair, Mustapha Ben Jaafar, colapsou com apenas 25 000 votos (0,72%, contra 6,7% antes) e já não é presente no Parlamento. Os dois partidos perderem, cada um, entre 260 000 e 280 000 votos. No total, a « troika » a sair perdeu um eleitor sobre dois em relação a 2011.

A cartografia dos resultados ilustrava uma fratura géográfica, entre um Norte mais urbanizado e turístico, que votou para Nidaa Tounes, e um Sul empobrecido e conservador, que mantém o seu voto em favor de Ennahda. No centro do país, em particular onde os motins sociais foram observados em 2012 e em 2013, como nas autarquias de Gafsa, Sidi Bouzid e Siliana, o voto foi mais dividido.

A juxtaposição dos mapas eleitorais de Outubro e Novembro de 2014 permite constatar que é essencialmente no centro do país que as duas eleições são mais disputadas.

A juxtaposição dos mapas eleitorais de Outubro e Novembro de 2014 permite constatar que é essencialmente no centro do país que as duas eleições são mais disputadas.

Os resultados do primeiro torno da eleição presidencial, em 23 de Novembro de 2014, revelaram mais claramente esta divisão no bipartidarismo tunisiano. Com 7,82% dos votos, o líder da Frente Popular Hamma Hammami melhora o resultado da coligação de esquerda radical, sem no entento criar a surpresa, o que se explica por um lado pelo sucesso do voto anti-Ennahda, que concentrou-se em favor de Nidaa Tounes, inclusive nos redutos de esquerda; e por outro lado pela significativa abstenção das categorias socioprofissionais mais desfavorecidas. Apenas a autarquia de Siliana, de onde ele é, votou em maioria para Hamma Hammami, por 34,31% dos votos, ou seja, mais de 26 pontos acima da sua média nacional. Da mesma forma, Sidi Bouzid concede 58,66% dos votos a Hechmi Hamdi (ai também, é a autarquia donde ele é), enquanto ele recebeu apenas 5,75% dos votos ao nível nacional. Candidato populista acusado de conivências com os meios « benalistas » em 2011, antes de orentar em 2014 o seu discurso numa retórica conservadora e islamista, Hamdi melhora muito o resultado do seu partido, a Corrente do Amor (também conhecido como Petição Popular), um mês antes (1,2% dos votos). Finalmente, símbolo do mercantilismo eleitoral, o empresário Slim Riahi consegue ultrapassar por pouco os 5% e encontra-se portanto em quinta posição na presidencial, enquanto o seu partido, a União Patriótica Livre, tinha chegada em terceiro lugar nas legislativas (porém, com apenas 4% dos votos).

Propaganda em favor de Moncef Marzouki, em 2014.

A personalização da eleição presidencial e, no primeiro torno, o resultado relativamente melhor do que o esperado do chefe do Estado cessante Moncef Marzouki (33,44% dos votos), levaram a um endurecimento da campanha entre os dois tornos. Oponente histórico ao regime de Ben Ali, Marzouki soube aproveitar da ausência de Ennahda nesta eleição para se colocar na postura de defensor das conquistas da Revolução, diante de um suposto retorno ao poder dos antigos « benalistas » agora membros de Nidaa Tounes; o seu resultado revela-se portanto completamente desconectado daquele do seu partido, um mês antes, e aliás, é como candidato independente que ele apresentou-se nessa presidencial. Com 39,46% dos votos no primeiro torno, Caid Essebsi qualifica o seu adversário de « marionete » dos islamistas. As sondagens favoráveis ao líder de Nidaa Tounes e a vitória muito recente da sua formação nas legislativas conferem também à campanha um toque particular, no qual Caid apresenta-se quase como o presidente a sair, imbuído de legitimidade, enquanto Marzouki adopta uma postura de adversário e de outsider. Um reclama-se da salvaguarda das conquistas pré-revolucionárias em termos social, de costumes, de moral, o outro das conquistas pós-revolucionárias em termos de liberdades políticas.

Desejando não acumular as derrotas eleitorais e não arriscar-se numa eleição na qual néao é confortável, e escalcada pela concluisão trágica da presidência Morsi no Egito, a direção de Ennahda preferiu não apresentar um candidato à presidencial; para não encontrar-se em conflito com o partido que ele deixou em 2014, o próprio Hamadi Jebali, antigo número 2 de Ennahda e Primeiro ministro entre 2011 e 2013, renunciou a candidatar-se como independente. Sem no entanto dar uma instrução franca de voto, Ennahda faz de facto campanha em favor de Marzouki, o que não impede a derrota deste último no segundo torno, em 21 de Dezembro de 2014. Com uma participação mais ou menos estável (60,1% dos eleitores inscritos, contra 62,9% no primeiro torno), o resultado é claro: diante do presidente cessante (44,32%), Beji Caid Essebsi vence a votação com 55,68% dos votos exprimidos, e torna-se o primeiro chefe do Estado eleito no âmbito da IInda República tunisiana. (A notar que, na presidencial de 2019, Hechmi Hamdi, Slim Riahi, Hamma Hammami, tal como Hamadi Jebali, desta vez candidato, nem ultrapassarão 1% dos votos cada um – naquela altura, foram muitos nesta situação de colapso eleitoral –, e Moncef Marzouki atingirá apenas 2,97% dos votos.)

Os desafios políticos da nova República

A transição estava portanto acabado, depois que Caid Essebsi assumiu o cargo em 31 de Dezembro. A posse de um novo governo levou ainda um pouco mais de um mês. Muitos cenários de aliança estavam então possíveis, mas apresentavam todos uns inconvenientes. Uma aliança com Ennahda podia criar dissensões dentro de Nidaa Tounès, do qual uma forte componente é ferozmente anti-islamista. O risco era também de cortar o partido da sua base eleitoral, pois Caid Essebsi fez do « tudo menos Ennahda » um lema de campanha. Contudo, uma coligação com os outros grupos parlamentares só dava a Nidaa Tounes uma maioria frágil.

A Praça do Governo, em Tunis.

A Praça do Governo, em Tunis.

Finalmente, e apesar das posturas categóricas desses dois partidos durante os meses anteriores, Ennahda junta-se ao governo dirigido por Nidaa Tounes. Aliás, não o faz sozinho. Afek Tounes e a União Patriótica Livre, cada um ganha três ministérios (entre os quais o dos Domínios do Estado e dos Assuntos Fundiários para a UPL), enquanto Ennahda recupera apenas, a final, o ministério do Emprego e da Formação Profissional, bem como também três cargas de secretários de Estado; essencialmente simbólica, a sua participação confirma, se alguns ainda duvidavam, a ancoragem do partido de Rached Ghannouchi à democracia, pois ele significa assim um apoio de princípio ao seu principal rival e, portanto, sua aceitação do princípio de alternância. Porém o tempo é que ia a confirmar ou não esta ancoragem – e o caso do AKP de Recep Tayyip Erdogan na Turquia mostra que é preciso sempre ficar atento às evoluções dos partidos islamo-conservadores, mesmo após a ilusão dos primeiros anos. Além disso, a dominação no movimento de uma eminência cinzenta, Ghannouchi, que não tinha nenhuma responsabilidade política oficial, também questionava, na perspetiva de uma volta de Ennahda no poder – mas veremos que em 2019, esse mesmo Ghannouchi assumirá as suas responsabilidades, sendo eleito deputado e tornando-se presidente do Parlamento.

Para Nidaa Tounes, a postura de Ennahda oferece momentaneamente a vantagem de lhe assegurar uma maioria sólida no Parlamento. Contudo, no longo prazo, esta coligação sem sentido ideológico revelou-se uma péssima ideia. Ela não tem interesse real em termos de estabilidade política, pois Nidaa Tounes poderia ter-se contentado do apoio de Afek Tounes e da UPL; e sobretudo, ela participa a criar confusões nas linhas de clivagem, Ennahda sendo o primeiro partido de oposição sem estar oficialmente oponente à política governamental. Enquanto, em 2014, um dos grandes desafios era sair do esquema islamistas versus « benalistas », para acalmar as relações entre os dois grandes partidos tunisianos e permitir a abordagem de debates económicos e sociais outros, com mais impactos sobre a vida do povo – e a campanha eleitoral da presidencial de 2014 tinha mandado um péssimo sinal, pois Moncef Marzouki denunciava o retorno no poder de defensores da ditadura, e Caid Essebsi dizia do seu adversário que ele era apenas uma marioneta dos islamistes –, finalmente é o desaparecimento da clivagem que questiona, ao sair do mandato de 2014-2019, pois a aliança governamental barroca de 2014 deu o sentimento que não há verdadeiras diferenças entre as políticas conduzidas por um e por outro, e que os compromissos interessados entre partidos sempre acabam superando as posturas retóricas adoptadas nas campanhas eleitorais

Antigo ministro sob Ben Ali e ministro do Interior em 2011, Habib Essid é designado Primeiro ministro em 5 de Janeiro de 2015, e o seu governo entra em função em 6 de Fevereiro; será substituido, de 2016 até Fevereiro de 2020, por Youssef Chahed (então membro de Nidaa Tounes), o qual, pelas suas ambições de poder, participará às dissenções internas no partido presidencial – em 2019, ele criará o seu próprio partido, Tahya Tounes, com perspetiva uma candidatura sua à presidencial. Uma página da história tunisiana parece ter sido virada.

Os desafios herdados da ditadura e da laboriosa transição são então consideráveis, inclusive no plano político. O primeiro era deles consiste em consolidar as conquistas da Constituição em matéria de direitos e de liberdades. Entre outras coisas, o velho Código Penal de 1913 necessita uma revisão completa. Por exemplo, a famosa lei 92-52, vulgarmente conhecida como « loi 52 », prevê uma pena de um a cinco anos de prisão e uma multa entre 1 000 e 3 000 dinares (entre 450 e 1 350 euros mais ou menos) contra qualquer consumidor ou detentor « de plantas ou matérias estupefacientes » « para consumo pessoal »; tinha sido adoptada em 1992 pelo regime de Ben Ali para justificar detenções arbitrárias. Por lembrança, segundo a ONU, no início da década, a metade das 13 000 pessoas em detenção provisória e o terço dos 11 000 prisoneiros na Tunísia tinham sido presos sob esta lei antidrogas. Os defensores de sua revogação, avait pourtant été adoptée en 1992 par le régime de Ben Ali pour justifier les arrestations arbitraires. Tinha um efeito destrutor sobre uma juventude inteira, exposta ao pesadelo da prisão por ter apenas um pouco de maconha.

A formação do belho Caid Essebsi era claramente esperada no terreno das liberdades políticas, pois era suspeita de ter deixado antigos « benalistas » de voltar à vida pública e no poder. De fato, sem reduzir-se a uma simples resurreição do antigo partido de Ben Ali, contudo, Nidaa Tounes inclui várias pessoas que foram próximas do antigo regime. Sobretudo, ele retomou durante a campanha do Outuno de 2014, métodos semelhantes aos da RDC: a demonização dos islamistas, a procura da hegemonia eleitoral e o desprezo dos democratas independentes, que ele queria obrigar a escolher entre a peste e a cólera. Nidaa Tounes soube habilmente instrumentalizar as ansiedades dos Tunisianos, em particular aqueles que vivem em áreas urbanas, para mobilizar um pseudo-« voto útil » a seu favor, ao custo dos pequenos partidos, em particular as formações do centro que nem tiveram representantes no novo Parlamento, como Ettakatol e a União para a Tunísia. A constituição do novo governo também revelou excessos, pois duas propostas de lista de ministros, apresentadas em 23 de janeiro e em 2 de Fevereiro, foram rejeitadas pelos outros partidos da coligação, os quais denunciavam a situação hegemônica que não teriam deixado de conferir a Nidaa Tounes. Os governos seguintes conferirem finalmente um número importante de ministérios a personalides independentes.

Na medina de Tunis.

O desafio era considerável. Apesar da abertuda política sem precedentes à qual os Tunisianos assistirem desde 2011, os anos da transição constituinte não foram tranquilos em termos de liberdades e de direitos. Tabus permanecem, em particular em relação ao Estado e à moral religiosa. Por exemplo, dois músicos de rap tunisianos foram condenados à revelia em Setembro de 2013, a vinte e um mês de prisão, num julgamento do qual nem foram informados, por letras de músicas que criticavam a polícia. Já em 2012, dois jovens Tunisianos licenciados-desempregados foram condenados por « perturbação da ordem pública, prejudício a terços pelas redes públicas de comunicação e atentado à moral », para ter publicado na sua página Facebook caricaturas do profeta Muhammad. Além disso, a libertação da palavra pública, inclusive nos meios salafistas extremamente minoritários mas muito barulhentos, afetou muito a liberdade de consciência. Mais preocupante talvez, no início de 2015, duas personalidades famosas da televisão tunisiana eram detidas para « ofensa » ao chefe do Estado, e um julgamento teve lugar. Um sinal terrivelmente negativo enviado então pelo poder tunisiano.

Outras obras que apresentam-se então: consolidar as conquistas da Constituição en termos de costumes e de vida privade, o que parecia mais simples do que na altura em que Ennahda liderava o governo. Durante dois anos, a formação islamo-conservador teve que aceitar bastante compromissos, sob a pressão dos outros partidos como da rua, e a nova república ainda conservou muito do que se tinha herdado da era Bourguiba em termos de direitos das mulheres. Os deputados de Ennahda até tinham aprovado o princípio de igualdade entre « os cidadãos e as cidadãs », renunciando assim à noção de « complementaridade entre os homens e as mulheres » que queriam impor. Contudo, é difícil mudar as mentalidades, como o tinha ilustrado essa declaração de um deputado de Ennahda à Constituinte, em 10 de Março de 2013: « Nas regiões [de África] onde faz calor, as pessoas são obrigadas a excisar as meninas como terapia, pois nessas regiões, os clitóris são grandes demais e incomodam os maridos. Excisa-se o que há a mais, mas não é verdade que a excisão suprime o prazer nas mulheres, é o Ocidente que exagere o assunto. A excisão é uma operação estética para a mulher... » Um deslize verbal que provocou um clamor enorme e que obrigou o partido islamo-conservador, naquela altura, a lembrar claramente a sua oposição à excisão das mulheres.

Contudo, o mandato de Caid Essebsi, se não representou um tempo de ameaças para os direitos das mulheres, conclui-se com uma forte decepção. Lançado com muito barrulho mediático em 13 de Agosto de 2013 pelo próprio presidente da República, o projeto de lei sobre a igualdade homens-mulheres en matéria de herança acabou sendo simplesmente abandonado, um ano depois, no meio dos debates parlamentares e na perspetiva das eleições a chegar. Pois, em coerência com o Corão, que diz que uma mulher herda da metade da parte de um homem do mesmo grau de parentesco, é o principal assunto sobre o qual o Código do Estatuto Pessoal (CEP) herdado da era Bourguiba ainda faz permanecer uma tão importante desigualdade entre os géneros. Um efeito de anúncio que teria deixado a Tunísia na vanguarda do mundo árabe, e que ficou finalmente letra morta, diante das resistências e da paixão dos debates que o projeto criou. Um passo para frente é notado no fim do mandato de Essebsi: a circular que proibia uma Tunisiana a casar-se com um não muçulmano é suprimida.

Para não ter definido a Sharia como a base do seu corpo constitucional, a República de Tunísia já representava uma excepção no mundo árabe. No entanto, a sociedade tunisiana é marcado por um conservadorismo capaz, no futuro, de ameaçar a herança bourguibista. E o desafio era também político, pois a cena política permanece amplamente dominada por homens. Na assembleia legislativa eleita em 2014, contava-se 149 homens para 68 mulheres, proporções quase iguais ao observado na Assembleia Constituinte antes. Ou seja, apenas 31% de deputados sendo mulheres. Mais significativo talvez, durante a eleição de Novembro de 2014, nos 27 candidatos, nenhuma mulher, traduzindo a ausência de figura feminina na direção dos partidos políticos.

Sinal também que tabus colapsam, em 27 de março de 2015, teve lugar a primeira manifestação da comunidade homossexual em Tunes, em margem do Fórum Económico e Social. Vários ativistas desfilaram para denunciar o ódio contra os homossexuais, e para reclamar a descriminalização da homossexualidade.

Relançar a economia tunisiana e responder à emergência social: será que Nidaa Tounes tem os meios das suas ambições?

Os problemas de segurança na era pós-revolucionária acentuaram uma crise já antiga, que tinham revelado logo em 2008 os « motins da fome » em Gafsa, velha área mineira em declínio. Ao contrário das áreas costeiras do Norte e de Leste, o centro do país sofre há muito tempo de uma falta óbvia de investimentos e, desde a Revolução, a indústria do fosfato, tradicionalmente criadora de empregos, teve dificuldades demais para reverter a tendência. O número de pobres aumentou de 30% entre 2011 e 2015. Os aumentos salariais da função pública em 2012 não compensaram a inflação que tinha subida de 5% no ano anterior. No início do mandato de Essebsi, o país tinha entrado numa espiral infernal de subida dos preços e dos salários, o que fazia aumentar a dívida pública, chamada a tornar-se estrutural, após os reajustes dos preços dos produtos subsidiados orquestrados pelo governo. O controlo da inflação foi durante todo o mandato uma exigência absoluta, tanto em termos de preservação do poder de compra como de coesão social e de estabilidade política.

Desenho em Djerba, no suleste tunisiano.

O turismo conhece um renascimento lento, interrompido momentaneamente (2015) pelo atentado do Bardo, no qual uns vinte turistas falecerem. Mas bem antes da Revolução, esse setor já encontrava vários problemas, profundos: a sua péssima governância, a sua posição frágil na cadeia de valor e as suas dívidas duvidosas. Além da relança do turismo, o qual pesava mais de 7% do PIB nacional e 12,5% dos empregos no início da década, o governo devia achar as receitas adaptadas para estimular os outros setores da economia, em particular a indústria, também em mau estado.

O país não estava sem argumentos. Permanecia na vanguarda das nações africanas em termos de redes de transporte (estradas e auto-estradas, portos de comerciais, serviços de transporte, etc.) e de produção agrícola (oliveiras, cereais, etc.), mas o desenvolvimento atinge de forma muito desigual as diferentes regiões. As infra-estruturas são globalmente envelhecidas e necessitam investimentos massivos, como o ilustrou perfeitemente um gigantesco apagão elétrico em 31 de Agosto de 2014, o qual afetou várias regiões de Tunísia, entre os quais uns bairros de Tunes, após um desligamento acidental na central de Ghannouche, em Gabès (Sudeste), o qual causou uma sobre-carga em outras centrais do país. Tunes é dessas aglomerações de tamanho intermediário e alto crescimento que, como Casablanca ou Beirute, devem procurar se posicionar e competir com outros grandes centros de desenvolvimento no Mediterrâneo (Cairo, Istambul, Barcelona, etc.). Os grandes projetos de infra-estruturas (às vezes iniciados, como o aeroporto de Enfidha-Hammamet para descongestionar o tráfego de Tunes-Cartago) conferem-lhe uma posição de primeira ordem, através de iniciativas políticas específicas e eficazes.

Num país onde 15% da população ativa (estatísticas oficiais) é sem emprego (30% dos licenciados), o principal desafio não deixa de ser a integração no mercado do trabalho de 90 000 candidatos a emprego todos os anos. E isso, num contexto de fragilização dos défices e dos outros indicadores macro-económicos (dívida externa, balança comercial, saldo da balança corrente, etc.). O Estado tunisiano viu o seu orçamento aumentar de mais de 60%, em menos de quatro anos, no início da década. A situação das finanças públicas é tal que, em 2014, medidas excepcionais foram adoptadas para garantir o pagamento dos salários da função pública. Em Setembro de 2014, num longo relatório realizado por mais de uma centena de economistas e de analistas sobre a Tunísia, o Banco Mundial reconhecia parcialmente os seus « erros » sobre o país, cujo suposto desempenho económico há muito elogiava. Além disso, a Tunísia ainda arrasta uma dívida em relação ao Fundo Monetário Internacional, contraída numa altura em que a gestão dos fundos públicos tunisianos era objeto do mais amplo clientelismo, e poderia, por isso, ter dissuadido os credores internacionais de concederem empréstimos a este país. Em suma, os paradigmas económicos em curso desde a era Ben Ali, caraterizados pelas orientações ditadas pelas instituições internacionais, tinham que ser questionados.

Somos obrigado a constatar que eles não foram, em nada, contestados. Tal como a maioria dos partidos tunisianos, Nidaa Tounes permaneceu, em matéria económica e social, numa ênfase que nunca sai da sua dimensão proclamatória. E isso, por pelos menos três razões. Primeiramente porque a crise tunisiana é tal que não existe uma receita milagrosa para a resolver; além disso, ela não data da Revolução, embora a instabilidade da transição pode a ter acentuada. Segundamente, porque Nidaa Tounes era composto por forças políticas extremamente diversas, que acima de tudo tinham em comum o ódio ao Ennahda, mas cujas ideologias eram às vezes incompatíveis, até mesmo contraditórias, apesar do que tentava explicar o próprio Caid Essebsi, no canal TV France 24, em 25 de Novembro de 2014: « Nidaa Tounes foi constituida por quatro grandes sensibilidades, ou seja, os Desturianos [...], os homens independentes [...], os sindicalistas [...], e obviamente as pessoas de esquerda. Essas quatro sensibilidades decidiram convergir num melting-pot, nun melting-pot do centro. Nós somos um partido do centroe. » Um partido do centro, isso é uma boa palavra para evitar o trabalho de construir uma coluna vertebral ideológica, enquanto a situação económica necessitava tomar decisões claras, uma orientação legível dada à política governamental. Ele esqueceu que nacionalistas, sociais-democratas, comunistas, liberais são tantos motivmentos presentes na sua formação e que a implementação de um programa económico coerente só podia ser complicado, com tal « melting-pot ».

Última razão que pode explicar a dificuldade que os governos sob o mandato Essebsi encontraram para sair da crise: como bons herdeiros de uma ditadura onde eles também assumiram um papel de gestão, muitos dirigentes de Nidaa Tounes ficaram presos em lógicas conservadores, definidas por padrões de pensamento económicos iguais aos que foram impostos à Tunísia desde a década de 1980. Com um crescimento económico quase nulo, o país acaba perto da recessão e conhece um espetacular aumento da sua dívida, a qual atinge 60% em 2017 e 90% em 2021 (nesta data, a crise do COVID-19 passou por ai). A maioria dos empréstimos das instituições financeiras internacionais servem a reembolsar a dívida – mais de 80% desses entre 2011 e 2016. É tanto dinheiro que não é usado para investimentos nos serviços públicos ou para modernizar as infra-estruturas do país.

Mapa dos principais motins entre 2011 e 2015.

Acrescentava-se uma necessária reforma da administração, pletórica e enferrujada pelos muitos recrutamentos partidários ou clientelistas dos anos Ben Ali, mas também da « troika ». Ela tinha que evoluir de uma função de controlo e de confiscação para uma verdadeira função de serviço público, o que supunha uma luta sincera contra a corrupção. Porém essa reforma só fazia sentido com o fim das nomeações partidárias ou clientalistas. Aliás, na mesma lógica, uma reestruturação global das empresas públicas devia ser pensada.

Sem reformas, motins sociais são observados, como em Fevereiro de 2015 em Dehiba e em Ben Guerdane. Aquelas em Sidi Bouzid e em Siliana en 2012, ou em Gafsa em 2013, já tinham revelado o tamanho da ira social diante à incapacidade do governo a relançar a economia. O desencravamento das regiões do interior e a luta contra os desequilíbrios territoriais representavam um grande desafio, que era preciso pensar no longo prazo, combinando uma política de planejamento do território renovada com uma reformulação da divisão administrativa sobre bases económicas, e não mais securitárias. O lançamento de grandes projetos de infra-estruturas com forte impacto no dia a dia dos cidadãos era provavelmente indispensável para enviar sinais fortes à população. Ai também, a política governamental revelou-se um fracasso. Em 2017 e 2018 ainda, ondas de contestação exprimiram um cansaço diante da inflação e do desemprego, que permanecia além de 15% dos ativos (e além de 30% dos jovens licenciados). O Observatório Social Tunisiano recenseou 5 000 movimentos de protesto em 2015, mais de 11 000 no único ano de 2017, e ainda 4 500 apenas nos quatro primeiros meses de 2018.

Reformas fiscais, do sistema financeiro tunisiano, dos regimes de cobertura social, de saúde, diversificação do tecido económico, ajustamento do mercado do trabalho, investimentos na pesquisa, nas ciências e na tecnologia, especialização funcional dos territórios, atratividade das empresas... A tarefa era grande demais para esse executivo, ainda mais porque ela só podia fazer-se num espírito de justiça social. Isso era ainda mais verdade com o caso da reforma do fundo geral de compensação, ferramenta que era suposto proteger os mais vulneráveis, mas cuja gestão tinha-se tornado muito problemática. Em 2014, o governo já tinha iniciado uma redução da subvenção dos produtos energéticos para as indústrias muito consumidores. Finalmente, num país onde a difícil inserção dos licenciados-desempregados foi uma das causas da Revolução de 2011, a revisão do setor da educação e da formação profissional nunca foi profundamente abordada. Porém obviamente, tem uma profunda inadequação entre o sistema escolar e de estudos superiores, e as necessidades da economia nacional; além disso, o fraco nível de muitos licenciados tunisianos prejudica a economia e ao mesmo tempo cria frustrações na juventude. Na Tunísia, ainda permanece esse desafio, de tornar o sistema eficiente sem descuidar um outro objetivo, ou seja, permitir que os jovens florescam e expressem os seus talentos.

A cooperação regional: um projeto pendente?

A Primavera Árabe perturbou a realidade geopolítica do Magrebe. Após a Revolução do Jasmim, a Tunísia pareceu, sob a impulsão das autoridades de transição, querer relançar a integração regional.

Na hora do fim das ditaduras herdeiras do panarabismo, a democracia tunisiana a nascer mandava uma mensagem forte, ou seja, a mudança de regime não se traduziria por uma reação nacionalista ou uma fechadura em relação aos Estados vizinhos. Logo em Março de 2011, Beji Caid Essebsi recentemente nomeado Primeiro ministro insistiu, durante uma visita na Argélia e em Marrocos, sobre a necessidade de relançar a União do Magrebe Árabe (UMA). Ele lembrava então que um aprofundimento dessa comunidade de Estados (na qual encontram-se também a Líbia e a Mauritânia) não deixava de ser condicionado e uma resolução do conflito entre Argel e Rabat sobre a questão saharaui; contudo, a cooperação conhecia um impulso novo, o qual, aliás, deve muito ao Moncef Marzouki e ao governo da « troika ».

Essa dinâmica resultou em acordos interestaduais, em particular em Argel. Em 12 de Abril de 2012, a revisão do acordo de estabelecimento de 1963 entre a Argélia e a Tunísia ilustra uma nova postura, em particular porque ela intervém sobre iniciativa tunisiana: ela permitia aux cidadãos argelianos, a partir do 1eiro de Junho de 2012, de obter um contrato de trabalho emitido por uma empresa estabelecida na Tunísia. Tunes fez-se então o defensor das cinco « liberdades » mencionadas naquela acordo de estabelecimento de 1963, que considera como indispensáveis ao desenvolvimento do Magrebe: a liberdade de circulação, o direito ao trabalho, a liberdade de residência, o direito de propriedade e o deirito de voto. Em Dezembro de 2012, os chefes de governo dos dois países defenderam, em Argel, um aprofundimento da cooperação bilateral em matéria de segurança, em relação à luta contra o tráfico transfronteiriço e contra o terrorismo.

Enquanto o conflito saharaui permaneceu, apesar dos muitos encontros entre diplomatas marroquinos e argelinos no início da década de 2010, e que a Líbia, parceira histórica da Tunísia, caiu gradualmente numa instabilidade que a impede de repensar com serenidade a sua política externa (em particular com a guerra civil que iniciou-se em 2014 e dividiu o país em dois), os laços fortaleceram-se ainda com Argel, à medida que a crise económica acentuou-se na Tunísia. Em 4 de Março de 2014, a Argélia assinou com as autoridades tunisianas três acordos de cooperação muito generosos, por trás dos quais era também preciso ver a vontade do poder argelino de aumentar a sua influência no seu pequeno vizinho: a um depósito de 100 milhões de dólares entre o Banco da Argélia e o Banco Central tunisiano, acrescentaram-se uma ajuda não reembolsável de 50 milhões de dólares da Argélia, e um empréstimo para o Estado tunisiano de 100 milhões de dólares. Resumindo: 200 milhões de dólares reembolsáveis e uma doação de 50 milhões para a nova Tunísia. Em 22 de Maio de 2014, as bolsas de Argel e Tunes anunciaram a assinatura de um protocolo destinado a dinamizar a cooperação entre as duas; a médio prazo, esse acordo, que tinha a ver com a troca de informações e de experiências e previa de fortalecer os laços de cooperação (assistência técnica), desenvolvimento de duplas cotações, etc.), devia favorecer a criação de um espaço financeiro magrebino homogéneo.

O novo governo tunisiano teve dificuldade em passar das proclamações aos atos. Caid Essebsi fez várias visitas diplomáticas, mas sempre muito orientadas nas questões de segurança. De fato, os desafios regionais aumentaram após a crise política e securitária do verão de 2014 que tornou o Estado líbio inidentificável. Em 2015, os motins de Dehiba e Ben Guerdane, duas localidades próximas da fronteira líbia, revelaram a dimensão do tráfico (especialmente de gasolina) e as questões sociais pesadas a resolver. A Líbia foi muito tempo o primeiro parceiro dos Tunisianos e quase sempre representou o seu primeiro excedente comercial. As relações entre os dois países era (e permanece) essencial. E as autoridades tunisianas tiveram dificuldades emas restaurar, com bases uns princípios simples: a segurança absoluta do território tunisiano, a solidariedade com o povo líbio, a não interferência nas assuntos líbios. O custo da ausência de cooperação num quadro comunitário magrebino foi regularmente lembrado nas mídias tunisianas: dois pontos de crescimento do PIB. Um valor, se verdadeiro, terrivelmente alto.

Vista sobre a medina de Sousse.

Vista sobre a medina de Sousse.

Localizados no coração do Mediterrâneo, na encruzilhada entre o Magrebe e o Oriente Médio, e sobretudo entre África e Europa, a Tunísia também deve questionar-se sobre o grau de cooperação a desenvolver com os seus vizinhos. É tanto importante para o seu desenvolvimento económico, como também para o controle dos fluxos migratórios. Em Novembro de 2012, Bruxelas anunciou dar à Tunísia um estatuto de parceiro privilegiado da UE, o que poderia ter sido um primeiro passo para exprimir o apoio europeu ao movimento de reformas nesse país. E também houve, como antes com Marrocos, a assinatura de um acordo, em 10 de Março de 2014, para simplificar os procedimentos de vistos, abrir a Europa a mais imigração regular tunisiana e lutar conjuntamente contra a imigração ilegal; mas globalemente, essa parceria privilegiada ficou letra morta. A presidência Essebsi não soube lhe dar um verdadeiro conteúdo, e enfrentou uma União Europeia que estava também sem vontade sincera, embora em Abril de 2015, ela aprovou o envio de 100 milhões de euros sob a forma de empréstimos em favor da Tunísia, para ajudar o país a ultrassar as dificuldades económicas – uma ajuda que vei acrescentar-se a outras formas de apoio da UE, em particular mais de 800 milhões de subvenções concedidas durante a transição pós-Revolução, e a empréstimos consideráveis do Banco Europeu de Investimento (quase 250 milhões de euros) para financiar 17 projetos no setor privado.

Por-do-sol em Kelibia, cidade costeira do nordeste.

A decepção do mandato de 2014-2019 e as incertezas nascidas do desaparecimento de Beji Caid Essebsi

Quando ele morre, Beji Caid Essebsi deixe por trás dele um país que ainda não fortaleceu a sua democracia. O partido que criou, Nidaa Tounes, está em crise, entre outras coisas porque o presidente tentou impor internamente o seu filho, Hafedh Caid Essebsi, como candidato à sua sucessão – mostrando assim a visão que ele tinha da democracia e do princípio de alternância. O mandato de Essebsi também ilustrou a incapacidade da classe política tunisiana a enfrentar os grandes desafios económicos e sociais, pois os ministros que governaram ficaram sem solução, sem visão. A impopularidade de Essebsi atingiu um nível tão baixo (menos de 20% segundo sondagens de opinião), que ele declarou não querer candidatar-se de novo às eleições de 2019. É preciso acresentar também que ele era, quando faleceu em 25 de Julho de 2019, com 92 anos de idade, o chefe de Estado o mais idoso do planeta, somente ultrapassado pela rainha britânica Elisabeth II.

De fato, o mandato de Caid Essebsi decepcionou muitos Tunisianos, que ainda não tinham desesperado do balanço das autoridades de transição e tinham-se mobilizado para votar nas eleições de 2014. Em matéria social, o balanço é fraco. As únicas medidas sociais significativas do início do mandato resumiram-se num aumento de 30 dinares (12 euros) dos subsídios para as famílias as mais pobres, e na simplificação dos procedimentos administrativos para o cancelamento das dívidas de menos de 2 000 dinares (850 euros) para 42 000 agricultores e marinheiros. Aliás, reformas económicas impopulares foram confirmadas ao longo do mandato, por exemplo a reforma do fundo de subsídios dos produtos de primeira necessidade como a farinha, o açucar e o azeito. Em 2015, a violência dos confrontos entre manifestantes e polícia em Dehiba e Ben Guerdane (uso de coquetéis Molotov por uns, de gás lacrimogêneo por outros) ilustra o grau de tensão social que abriu o mandato.

Acrescentou-se a ameaça terrorista. Em 16 de Julho de 2014, quatorze soldados foram matados num ataque djihadista perto da fronteira argelina, perto do Monte Chambi onde o exército condizia uma manobra contra combatentes salafistas desde 2013. A situação social representou, nesses anos, um terreno fértil para as nebulosas salafistas – apenas em 2015, pelo menos 3 000 Tunisianos já se tinham juntados ao djihad, isso só na para os que foram lutar na Síria e no Iraque. Em 19 de Março de 2015, Nicolas Beau, redator em chefe do webjornal Mondeafrique.com, declarou éclarait à juste titre sur BFM-TV : « A Tunísia do interior não vê nada a vir desde a Revolução, tem um desemprego de massa. Os jovens só tem uma esperança: vir para a França. E uma parte desta juventude vora-se para o djihadismo. » As questões de segurança de curto prazo foram tratadas por os governos sob o mandato de Caid Essebsi, mas não a questão social por trás, que a alimentava. muitos aspetos, A ineficiência governamental confirmou-se ao longo dos anos, e portanto não permitiu o regresso da paz social, num país onde isso era necessário para confirmar as conquistas políticas da Revolução. As várias greves que caraterizaram o mandato, como as dos professores em 2015, ilustram o fracasso do governo nas questões económicas e sociais, tal como o fluxo ininterrompido de migrantes magrebinos, inclusive tunisianos, pelo Mediterrâneo.

Em Março de 2013 e de novo em Março de 2015, em Tunes, abriu-se o Forum Social Mundial, o qual conferiu ao país uma certa visibilidade em termos de reflexão sobre o alterglobalismo e os laços entre democracia política e social. Obviamente, nem o presidente Caid Essebsi, com as suas 9 décadas de idade, nem o seu governo, inspiraram-se dessas reflexões para trazer as mudanças exigidas pelo povo tunisiano em 2011, e para definir um caminho de desevolvimento substentável e verdadeiramento inclusivo, condição que era necessária para o sucesso da IInda República tunisiana.

Na medina de Cairuão.

Na medina de Cairuão.

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