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O acendedor de lampiões

Renda básica universal: uma ideia inovadora que permanece desconhecida

2 Juillet 2020 , Rédigé par David Brites Publié dans #Economia, #Sociedade

A renda básica universal é uma das ferramentas as mais originais e ao mesmo tempo polémicas promovidas por certas economistas que tentam hoje em dia de pensar a era pós-emprego salariado. Na área política, projetos de renda universal foram levados, recentemente, pelo candidato socialista Benoît Hamon na eleição presidencial francesa, em Abril de 2017, e o Movimento 5 Estrelas (Movimento 5 Strelle, M5S) conduzido por Luigi Di Maio na Itália, nas eleições legislativas de Março de 2018. E agora até na Espanha, onde o governo enfrentou a crise do COVID-19. Qualquer seja a nossa opinião nesse assunto, vem enriquecer os debates sobre o trabalho, sobre a mecanização e a digitalização da sociedade, e sobre o bem-estar e a luta contra pobreza.

A renda básica universal, ou rendimento (básica) de cidadania, é transferida por uma comunidade política, por exemplo um Estado ou uma autarquia, e todos os seus membros, numa base individual, sem nenhuma condição de recursos nem obrigação ou ausência de trabalho. Essa é a definição geral e consensual. Essa ideia não é nova. Quando Benoît Hamon, em França, saiu da presidencial de 2017 com 6,36% dos votos, essa proposta pareceu ter recebido uma pancada; quando, um pouco mais de um ano depois da sua vitória nas legislativas de 2018 (com maioria relativa, por 32,7%), o M5S passou de uma aliança com a Liga do Norte (extrema-direita) para uma coligação dom o Partido democrata (centro-esquerda), ainda a implementação de renda universal pareceu um pouco comprometido. A sua implementação, na Espanha, dependerá muito da determinação do governo entre socialistas (PSOE) e esquerda radical (Podemos), cuja estabilidade ainda é fraca, embora a criação de uma renda minimal contra a pobreza já parece assegurada.

De qualquer maneira, as problemáticas levadas por essa temática permanecem atuais e questionam a nossa relação com o trabalho, o tempo livre, e também a solidariedade e a repartição das riquezas. A reação das mídias, às vezes epidérmica, contra essa medida ilustra não só a unicidade ideológica das mídias mainstream como também a sua intolerância, a sua incapacidade em pensar as questões de longo prazo e os paradigmas fundamentais do nosso sistema de produção e consumo. Será que pode haver nesse assunto um debate pacífico e construtivo?

Era em 8 de Dezembro de 2016. Apenas declarado candidato na seleção organizado pelo Partido socialista para escolher o seu candidato na presidencial de Abril de 2017, após o renúncia de François Hollande uma semana antes, Benoît Hamon, convidado num canal público francês (France 2), explicava a proposta-pilar do seu programa, a renda básica universal (revenu universel d'existence).

Aquela ideia não é nova, e pode ser pensada de forma diversa. Nas grandes linhas, podemos a definir como uma alocação dada a qualquer indivíduo sem nenhuma condição, fora da de existir. Trabalhador ou desempregado, de qualquer idade, rico ou pobre, o que chamamos a renda básica é universal. O primeiro que desenvolveu esse lindo projeto foi, no século XVI, o Inglês Thomas More, num livro publicado em 1516 e com título... Utopia. Será que a ideia é assim tão utópica como isso? De qualquer forma, ela volta nos debates públicos, e não só na boca de jovens utopistas de extrema-esquerda da Europa de Oeste. Em França, até o Conselho Nacional do Digital, órgão consultivo criado em 2011, tinha proposta ao governo de Manuel Valls, em Janeiro de 2016, de estudar essa pista, num relatório sobre a economia no tempo do digital. Já antes, Paul Krugman, prêmio Nobel de economia, pronunciou-se em favor de uma renda básica. Algumas autarquias pela Europa experimentam (ou querem o fazer) essa ferramenta de luta contra a pobreza.

E muito recentemente, este ano, foram publicados na revista científica internacional New Scientist os resultados de um estudo do Instituto de seguro social da Finlândia, segundo o qual a renda básica fortalece o bem-estar mental e a situação financeira dos seus beneficiários, e reduziria o desemprego. O estudo baseava-se na comparação durante doze meses o bem-estar e o emprego dos beneficiários de renda universal a um grupo-testemunho de 173 000 pessoas que recebia subsídios de desemprego. Foi realizado sobre uns 2 000 desempregados da Finlândia que receberem 560 euros por mês em 2017 e 2018, sem condições prévias ou de recursos, em substituição do subsídio de desemprego.

Gravura de Utopia (1516), de T. More (1478-1535).

Quais postulados atrás dessa « utopia »?

« Sim eu fui crente, mas já não sou. Não acredito mais hoje que deve-se sacrificar tudo pelo mito do crescimento que é, ainda mais, muito desigual. [...] Sobretudo, há [...] um erro inicial. O crescimento do PIB, é uma convenção econômica que diz: "hoje, qual é o nível de progressão ou a riqueza econômica de um país". Mas a riqueza econômica, [...] não diz a felicidade. Isso não diz o nível de educação, de desigualdades. Você até pode fazer crescimento, degradar o meio ambiente, e aumentar a pobreza. [...] Somos no momento em que vamos ter que tomar decisões claras, para entrar numa economia do pós-carbono, e fazer como que, sim em alguns setores continuaremos a fazer crescer a riqueza econômica, mas em outros menos. E teremos que cuidar de tal maneira que as políticas públicas servem outros objetivos do que só fazer crescimento e valor agregado. » Assim era explicado – naquele dia de 8 de Dezembro de 2016, ainda na TV francesa (France 2) – o postulado inicial global no qual baseava-se Benoît Hamon para elaborar todo o seu programa.

E assim ele apresentava a proposta de renda básica universal: « É um novo seguro social. [...] Em coerência com o que eu digo sobre a revolução digital e o fato que o trabalho vai tornar-se mais raro, me parece que devemos acompanhar as transições que vão conduzir mulheres e homens a provavelmente trabalhar menos, e a poder, espero eu, pela renda universal, escolher como eles trabalharão menos. Ainda mais, não teremos as mesmas carreiras. » Acrescentando que os jovens ativos têm consciência que só serão reformados muito tarde e que provavelmente não terão carreiras lineares, ele continua a sua reflexão: « Enfrentamos novos desafios. Vou tomar um. [Somos muitos a ter] um parente envelhecendo, dependente, e para o qual, para o acompanhar, passamos a tempo parcial. [...] Somos obrigados a sacrificar uma parte da sua renda. Eu vejo a renda universal como o meio de tornar possível que suas decisões que têm a ver com as nossas vidas sejam acompanhadas por uma renda que nos assegura a proteção necessária, a liberdade, a autonomia, para conciliar a vida profissional e a vida familial. »

Reconhecendo então não ter as respostas a todas as perguntas, Benoît Hamon defendia uma implementação em três passos. Primeiro, uma revalorização de 10% de todas alocações sociais mínimas (e em particular a Renda de Solidariedade Ativa, RSA, para atingir 600 euros), a sua extensão a todos os 18-25 anos, e a sua dimensão automática a todos que têm direito; no mesmo ano, uma renda básica universal já seria dada a todos jovens entre 18 e 25 anos de idade, qualquer seja o seu nível de recursos. Custo estimado nesse passo: 19 bilhões de euros. Segundo passo: o lançamento de uma grande conferência cidadã que permitiria definir a área da renda básica universal (valor, financiamento, articulação com as outras alocações sociais, calendário), antes de a estender, terceiro passo, a toda a população fora das condições de recursos. No lançamento, 535 euros por mês. A longo prazo, 750 euros.

Além da inclusão das alocações sociais mínimas existantes, Benoît Hamon pretendia financiar a medida por uma reforma fiscal baseada em quatro pilares: 1) uma modificação do imposto sobre rendimentos, com um aumento do número de faixas de imposto (e uma fusão com um outro imposto, a CSG), para aumentar o rendimento e e a progressividade; 2) a criação de um imposto único sobre o patrimônio fusionando e melhorando os existantes (Imposto sobre a fortuna, imposto sobre a propriedade, direitos de mutação, etc.); a luta contra a evasão fiscal e a revisão dos nichos fiscais, tudo isso estimado a dezenas de bilhões de euros; 4) a tributação sobre robôs conforme a sua participação à criação de riqueza, na base da atribuição de salários fictícios nos quais o Estado levantaria contribuições (reais).

Sobre essa última proposta, Benoît Hamon acrescentava, ainda em 8 de Dezembro: « Eu assumo totalmente dizer que se amanhã um pórtico substitui uma empregada de caixa, que se amanhã uma máquina substitui um homem, não há nenhuma razão que quando essa máquina cria riqueza, ela não contribui pela reforma e a proteção social da pessoa. Excepto se aceitamos que amanhã, trabalhemos até 70 anos, 75 anos de idade, que a nossa reforma seja cada vez mais precária. Se não concebemos que temos que mudar a nossa fiscalidade nessa área, em particular nos setores que não são expostos à concorrência internacional, não conseguiremos. » O postulado da rarefacção do trabalho, à medida em que os robôs substituem os indivíduos nas suas tarefas, é central na leitura sistémica dessa esquerda pós-marxista. Desde dois séculos, muitas são as novas tecnologias, mecânicas, electrónicas, digitais, que se substituem à mão dos seres humanos. O movimento acelera-se de forma impressionante. Segundo o Institute for Information Technology da Universidade Rice, no Texas, mais de metade da população mundial poderia a longo prazo ver o seu emprego ameaçado pela robotização e os progressos da inteligência artificial. A informação ameaça sobretudo os empregos rotineiros, cujas tarefas previsíveis são facilmente automatizáveis, para os empregos de escritório como para o trabalho manual. Segundo o Fórum econômico mundial, 5 milhões de empregos teriam sido destruídos pelo mundo nos últimos anos por causa da automatização. Em França, um estudo conduzido pelo consultório Roland Berger em 2014 até considerava que a substituição do trabalho humano por máquinas afectaria 42% das profissões e três milhões de empregos em 2025.

Não somos tão longe do dia em que novas tecnologias substituirão motoristas, pilotos, secretários, empregados de serviço, tradutores... A revolução do telefone inteligente é para muito no desaparecimento de certas profissões. Tomando um só exemplo, a companhia Mitek Systems nos permite entregar um cheque pegando-lo em foto com um telefone inteligente, uma inovação que, como os ATMs, pode ameaçar as cargas de empregados às caixas de banco. Na mesma lógica, conta-se portais digitais de registro em livre-serviço nos aeroportos, ou ainda caixas automatizadas em supermercados ou farmácias. Outro caso ilustrativo, Google experimenta carros sem motorista: um computador PC no carro pode tratar 1,3 milhão de lasers podando ler uma estrada e tomar 20 decisões por segunda. Recentemente, a empresa Uber também está experimentando carros autónomos, sem motorista no longo prazo. Tais inovações ameaçam milhares ou milhões de empregos.

As caixas automáticas multiplicam-se. (© Sara Brites)

Porque a esquerda divida-se nessa questão?

Até à esquerda, a ideia de uma renda universal é longe de fazer consenso. Até muitos socialistas ou democratas riram, nos debates em França ou na Itália, desta proposta, que foi também atacada por comunistas. A crítica dos social-democratas e outros keynesianos clássicos entende-se facilmente: para eles, a renda básica limita-se a uma medida cara que não incentiva os cidadãos a procurar um emprego. No entanto, donde vem a oposição de uma ampla parte da esquerda e da extrema-esquerda diante dessa reforma inovadora?

O princípio de uma renda básica universal deixa de lado o arsenal filosófico marxista que articula-se essencialmente a cerca da oposição entre os titulares do capital e os da força de trabalho. Durante a sua campanha, Benoît Hamon validou muitas ideias nascidas no século XIX, que questionam a luta das classes.

As máquinas vão, primeiro postulado, já mencionado aqui em cima, gradualmente investir a área do trabalho e produzir riquezas em vez dos seres humanos. Um dos exemplos os mais atuais; enquanto ela era até então cara demais para o consumidor médio, a impressora 3D é agora acessível para mais ou menos 2 000 euros. Muitas das impressoras 3D podem criar objetos simples, mas a longo prazo elas poderiam criar mais complexos. Nos Estados-Unidos, dois jovens empreendedores servem-se da sua primeira impressora 3D para criar a segunda, e as duas primeiras para criar as seguintes, etc. No total, eles guardam 70 que funcionam constantemente, e fabricam 20 000 por ano. Jamais precisa de operários. E no entanto, as suas máquinas criam riquezas. As impressoras de alta-tecnologia ainda não são muito polivalentes, mas são prontas para a produção de massa e ameaçam de desaparecimento o trabalho em cadeia. A mudança será observada quando elas serão sofisticadas o suficiente para criar circuitos electrónicos. Como prever e responder aos impactos de um tal sistema de produção? Outro exemplo, esse já mencionado: as caixas automáticas que substituem-se a empregados. Esses eram incluídos na matéria colectável; não as máquinas, as quais contudo produzem também um serviço.

Hamon deduzia disso a ideia de criar um imposto para cobrar as máquinas que produzem as riquezas e não só o salariado, como é o caso hoje. colocar uma parte da fiscalidade na mecânica e na burocracia. O dinheiro produzido por essa fiscalidade nova deve permitir a emancipação humana, pela renda universal, que lhes permite consagrar-se a outras coisas úteis para a sociedade, mas inquantificável de um ponto de vista comercial.

Somos longe da ideia que o mundo seria dividido entre os que produzem, os obreiros, e os que possuem o capital. E que os obreiros, pelo conhecimento que têm das ferramentas de trabalho, e pelo número deles, vão acabar por provocar a queda do capitalismo titular que seria em colapso. O valor do trabalho constitui uma chave da luta das classes marxista, e aliás, Karl Marx não procurava a emancipação do operário do trabalho, ele fazia do trabalho uma componente identitária fundamental do ser humano, como trabalhador produtivista. Ao contrário dos defendedores da renda universal.

Outra ideia forte, na continuidade da primeira: o trabalho, dados os progressos tecnológicos, vai tornar-se cada vez mais raro. Esse fenômeno seria estrutural no Ocidente, e portanto fazer do pleno emprego um objetivo de política pública como o fazemos é absurdo, e contribui a de fato entreter um « exército de reserva » (os desempregados) que serve os interesses dos patrões. Para Benoît Hamon, validar o constato de um trabalho salariado cada vez mais raro permitiria iniciar uma resolução dessa situação social explosiva, assumindo a postura de dizer que essa tendência não é necessariamente ruim se conseguimos adaptar a economia a essa nova realidade, e « recuperar » as riquezas produzidas pelos robôs numa direção que permite a emancipação humana.

Benoît Hamon aparece na continuidade de um movimento ideológico que, de uma certa maneira, é muito mais radical do que o marxismo. Tudo começa com Thomas More e sua obra Utopia; a história continua com Thomas Paine que fala também da ideia de renda universal no século XVIII, com Charles Fourrier que a teoriza no século XIX, ou ainda com Michel Foucault mais recentemente. Hamon inscreve-se na reflexão pós-marxista de Paul Lafargue, dessa esquerda socialista que surge no final do século XIX (Lafargue publica O Direito à preguiça em 1880), menos guerreira, que leva menos clivagem em aparência, mas cujos paradigmes contêm fundamentalmente a ideia de uma redistribuição das riquezas, e uma permanência do trabalho, embora ele mudou. Até Marx interessa-se a isso, mas o contexto da Revolução industrial e o sucesso do capitalismo burguês, com uma relação de poder totalmente desequilibrada que favorece a exploração da classe operária, e uma democracia nascente ainda frágil, torna impossível pensar uma tal medida seriamente.

A ideia é, no entanto, longe de ser absurda economicamente. Intelectuais liberais a apoiam, como também meios anarquistas. A mutação em curso do mercado do trabalho ligada à revolução tecnológica é hoje no centro das reflexões dos meios industriais. Fala-se pouco disso. Em 2013, aquele que retomou a fábrica (de pneus em borracha) Goodyear de Amiens-Nord, no Norte da França, não pretendia relançar o sítio com « zéro empregado »? Na Suécia, várias experiências foram observadas nos últimos anos, com objetivo reduzir drasticamente o tempo de trabalho. Assim, muitas empresas suecas adoptaram um ritmo de 30 horas por semana, ou seja, seis horas por dia. Exemplo o mais famoso em Göteborg, segundo município do país: uma fábrica de montagem Toyota, que adoptou esse ritmo desde uns 20 anos, funciona doze horas por dia sem parar, e as equipes sucedem-se cada dia a meio-dia.

Tais experiências mostram que repensar a relação ao trabalho e ao tempo livre não é reservado a um grupinho louco do Partido socialista francês ou de horríveis populistas italianos. No entanto, as mídias atacaram como nunca esse projeto, numa impressionante ilustração de subjectividade.

Nas ruas de Lyon, em França.

Quando as mídias são a ilustração da mediocridade ambiente

Quando ele foi escolhido pelo Partido socialista como o seu candidato na presidencial, Benoît Hamon criou uma forma de consenso, todos os analistas, editorialistas, gabinetes de sondagem, jornalistas que exprimirem-se nas mídias sobre o carácter irrealista do programa, e a dimensão supostamente utopista e até perigosa levada pelo então primeiro partido de esquerda francês. « Social populista », « Trumpismo de esquerda », « programa econômico totalmente surrealista », projeto « dadaísta » (do nome do movimento artística do início do século XX, que questionava as convenções e vínculos ideológicos, estéticos e políticos), etc.: as críticas parciais (e incrivelmente conformistas) multiplicaram-se então, em Janeiro e Fevereiro de 2017.

Esse desprezo quase unânime das mídias em relação a ideias novas, e dos eleitores, é ainda mais choquantes porque os candidatos considerados pelo sistema como « credíveis » já provaram desde décadas o seu fracasso econômico e e a sua incapacidade a repensar os paradigmas ideológicos da nossa sociedade.

O projeto de renda básica universal tem no entanto um certo sucesso, logo que saímos dos canais tradicionais de divulgação da informação. Obviamente, é o papel das mídias de pensar de maneira crítica os programas eleitorais, mas não de forma subjetiva e grosseira. Ainda mais com ideias novas e complexas, a análise deve ser mais fina do que isso. Há muitas críticas que podem ser formuladas contra o próprio projeto de renda básica, e aliás, existe várias « versões », com diversas modalidades de aplicação. É também o papel dos jornalistas procurar casos de implementação de uma tal medida na História recente. Por exemplo, a ideia é experimenta desde 2011 sobre 6 000 pessoas pobres na Índia, com resultados bastante encorajadores: melhor acesso à saúde, diminuição das desigualdades, e até crescimento da atividade econômica.

Do lado dos países ricos, várias experimentações tiveram lugar nas décadas de 60 e 70, em particular após a publicação do livro Capitalismo e liberdade, onde o economista liberal Milton Friedman defendeu entre outras coisas a ideia de um « imposto negativo » funcionando um pouco como a renda básica – se não trabalhamos suficientemente no ano, recebemos um bônus do Estado para compensar. Entre 1968 e 1980, quatro cidades dos Estados-Unidos experimentaram essa renda básica com 7 500 pessoas; os beneficiários, em média, reduziram o número de horas trabalhadas. Entre 1974 e 1979, todos os habitantes de duas cidades do Canadá, Dauphin e Winnipeg, viram-se atribuídos uma renda universal; lá, os dados mostraram uma melhoria da saúde média dos habitantes.

Mas as mídias denunciam o princípio de renda universal porque suponham que ele induz uma clara ociosidade, além de representar um custo insuportável. O argumento financeiro pode perfeitamente entender-se, embora raramente foi objeto de uma análise sutil dos jornalistas. De fato, uma tal renda generalizada pode ser cara, conforme o nível de indemnização determinado. Professor de economia em Vancouver (Canadá), Kevin Miligan falava em Business Insider, em 2016, « uma loucura fiscal »; para ele, a renda universal, se é colocado a 800 euros por mês, « pode parecer boa, até fazer o cálculo, e entendemos que isso pede duplicar os impostos existentes para financiar esse programa (47 bilhões por ano nessa hipótese) ». A isso, Benoît Hamon respondia assim, ainda em 8 de Dezembro de 2016: « Quando fizemos, em 1945, a segurança social, não pedimos ao Sr. Croizat, que era o pai da segurança social, de saber logo qual era a canalização, as válvulas que iam fazer. O sentido, era: proteger contra a doença e assegurar a reforma para todos. Qual era o PIB da França em 45, quando saímos da guerra? [...] Implantamos um sistema de seguro que assegurou a reforma para todos [num contexto daquele]. » Ele acrescentava ainda, sobre a reforma que ele imaginava para financiar a medida: « A França honra-se a coletar o imposto à medida da capacidade contributiva das pessoas. [...] Essa medida vai dar 535 euros por pessoa, permitir consumir, relançar a máquina econômica. Portanto não racionamos de forma estática. »

Sobre o postulado de ociosidade ligado à implementação da renda básica, é fácil o des-construir. Os que criticam esse projeto acham que dar 800 ou 1 000 euros a alguém incentiva as pessoas a não trabalhar. Mas alguém que ganha 1 000, 2 000 ou até 5 000 euros por mês, será que vai deixar o seu emprego porque pode viver com 800 euros sem fazer nada? É obviamente absurdo pensar que alguém que duplica a sua renda poderia deixar de trabalhar para reduzi-la a um valor inferior a o que ganhava antes; pelo contrário, imaginamos bem que o valor novamente recebido constituiria mais um complemento de renda bem útil, que ofereceria às categorias modestas um nível de vida decente. Igualmente para alguém que ganharia 15 000 euros por mês, claro, uma pessoa que ganha tanto não vai parar de trabalhar para cair em baixo de 1 000 euros por mês. Entrevistada em Março de 2016 no site Internet de France Info, Nicole Teke, membro do Movimento Francês por uma Renda Básica (MFRB), explicava muito bem que « a renda universal é um meio não de opor-se ao trabalho, mas de opor-se ao trabalho sofrido. É a ideia de poder dar uma liberdade de escolha a todo indivíduo e de equilibrar a relação de poder entre o empregador e o empregado. [...] É também permitir uma certa emancipação e revalorizar atividades que, hoje, não são consideradas como produtivas, como o voluntariado ou a implicação em associações. » Poderíamos ter acrescentado as tarefas da casa, as responsabilidades de pais, ou a assistência a um parente envelhecendo, doente ou deficiente.

Além disso, mesmo se a renda básica universal aumentasse as possibilidades de tempos livres, de ociosidade, porque seria um problema? O objetivo do progresso técnico, e da melhoria da nossa produtividade, não deve servir antes de tudo para melhorar as nossas condições de vida e participar à nossa felicidade? Houve uma altura em que reduzir o tempo de trabalho constituiu um fator de progresso social. Ou seja, mais tempo para os seus lazeres, para a sua família, para a vida cidadã, para ganhar conhecimentos, para descansar, e simplesmente para não fazer nada. Hoje em dia, os meios intelectuais liberais, e os seus porta-vozes políticos e nas mídias, conseguiram nos convencer que querer tempos livres é um luxo, reservado aos preguiçosos e aos perdedores.

Cartazes eleitorais em Paris, em Abril de 2019.

A renda básica universal: tantas definições como de porta-vozes

Em plena campanha eleitoral, o mesmo Benoît Hamon, em 9 Março de 2017 no mesmo canal TV público (France 2), explicava ainda: « A renda universal tem três objetivos: aumentar o poder aquisitivo, erradicar a pobreza, e controlar as transições ligadas à transformação do trabalho, incontestável, que conduz a maioria dos jovens ativos a encontrar-se em tempos "brancos" [...]. É a razão pela qual eu faz uma proposta. [...] Que os 18-25 anos, [mas também] todos os salariados [pagos] até 1,9 vez o salário mínimo, ganhem hoje uma renda universal, que será de 600 euros quando não se tem nada, e que será degressivo até 1,9 salário mínimo. » É um passo para implementar uma renda básica, mas ainda não é realmente uma renda básica universal. Por isso ele continuava ainda: « Os outros passos? [Uma] conferência cidadã e social para discutir dos outros passos. [...] Se devemos aumentar o nível da renda universal amanhã, como o deseja o Movimento Francês por uma Renda Básica, e 750 euros, a 1 000 euros, essas questões será colocadas. Mas quero antes propor um passo que permite a mais ou menos 80% dos salariados franceses, trabalhadores independentes, agricultores, comerciantes, artesãos [...] de ver o seu trabalho revalorizado por um ganho net na folha de salário. »

Na Itália, o Movimento 5 Estrelas tinha previsto no seu programa eleitoral, em 2013 e ainda em 2018, a criação de um « renda de cidadania » para todos, inclusive os precários, cujo custo era então estimado entre 20 e 30 bilhões de euros; para pensar o projeto, o movimento tinha consultado economistas reconhecidos, como Jean-Paul Fitoussi do OFCE (Observatório francês da conjuntura econômica), Bruce Greenwald (Universidade de Columbia), Mauro Gallegat (Universidade politécnica das Marchas) e Joseph Stiglitz (Universidade Columbia, prêmio do Banco de Suécia). A final, em Maio de 2018, o acordo de governo entre a Liga (direita dura) e o M5S, que permitiu a tomada de posse de Giuseppe Conte na carga de Primeiro ministro previu a implementação dessa « renda de cidadania », mas no detalhe, não é assim tão simples: cada pessoa sozinha recebe uma renda mínima de 780 euros, mas se ela já tinha uma renda, o Estado só lhe transferir um complemento; por exemplo, um Italiano ganhando 400 euros vai ganhar 380 euros a mais. Ou seja, aqueles que ganham mais de 780 euros não recebem nada. Além disso, a renda não é individualizada: por enquanto, só um valor máximo é dado por cada família, entre 1 014 e 1 872 euros conforme o número de membros que a compõe (1 330 euros para uma família com três crianças entre os quais dois menores).

Portanto a renda versão italiana não é nem individual, nem universal, nem incondicional, o que é normalmente previsto no princípio de renda básica universal. Ainda mais, outras condições foram acrescentadas, sob a pressão da Liga: um beneficiário não pode ter (além da residência principal) um património imobilizar superior a 30 000 euros, ou ter um carro de uma certa qualidade... Ainda, último exemplo de condição, o beneficiário deve procurar trabalho (assinando um Pacto de trabalho e formação): após três rejeições de ofertas de emprego em menos de 18 meses (a primeira oferta num círculo de menos de 100 km a cerca da sua casa, a segunda 250 km, a terceira em todo o país), já não pode beneficiar da « renda de cidadania ». Uma empresa que recruta um beneficiário ganha o equivalente da sua « renda de cidadania » em deduções fiscais. Finalmente, aparece mais como uma alocação desemprego automática, um pouco longe do que pretendia em Janeiro de 2019 Luigi Di Maio, que não hesitou a dizer « que um novo Estado-providência nasceu ». Mesmo assim, a medida era estimada a pelo menos 7 bilhões no primeiro ano, e a 15 bilhões de euros cada ano a longo prazo. Devia ajudar os 5 milhões de Italianos que ainda viviam abaixo da linha de pobreza em 2018 (embora o programa do M5S em 2013 e 2018 previa pelo menos 9 milhões de beneficiários ao lançamento do projeto), mas à final, em Março de 2019, quando foi oficialmente iniciado, beneficiou logo a 1,3 milhões de pessoas, para uma renda média de 421 euros.

Em plena crise do coronavírus, é agora o governo espanhol, oficialmente formado em Janeiro de 2020 – pelo Partido socialista (PSOE), com Pedro Sánchez na carga de Primeiro ministro que ele já ocupava desde Junho de 2018, et a formação de esquerda Podemos dirigida por Pablog Iglesias Turrión (número 2 do executivo) –, que trabalha sobre a implementação da renda básica universal, uma ideia que já estava presente no programa de Podemos antigamente (com uma proposta de 600 euros por mês a cada cidadão). Desde o início de Abril, o projeto é pensado no âmbito do desenvolvimento de uma série de medidas para lutar contra os impactos da crise do COVID-19. O ministro da Segurança social, Jose Luis Escriva, o coordena. Segundo a ministra da Economia Nadia Calvino, o objetivo é que seja um dispositivo « que permanece para sempre, que torna-se um instrumento estrutural, um instrumento permanente ». Ou seja, não só excepcional por causa da crise atual. Em 29 de Maio, o governo adoptou finalmente o ingreso minimo vital (IMV), em substituição a todas as outras rendas sociais mínimas: deve permitir a 850 000 famílias, ou seja, 2,3 milhões de pessoas, de receber um complemento levando o total dos seus recursos a um valor entre 461 euros (para um solteiro) e 1 015 euros mensuais (para uma família importante). Deve custar 3 bilhões de euros por ano e pode ser pedido desde o 15 de Junho passado. Objetivo: eradicar a extrema pobreza. Talvez um primeiro passo antes de uma generalização a toda a população?

Pelo mundo, propostas desse tipo multiplicação-se, mas sem assumir a mesma ambição duradoura. Nos Estados-Unidos por exemplo, o gigantesque plano de relança da economia assinado por Donald Trump em 27 de Março (com uns 2 200 bilhões de dólares no total) inclui cheques de mais ou menos 1 000 dólares por adulto e 500 por criança, para as famílias as mais vulneráveis – no lógica de « dinheiro por helicóptero », um conceito tornado famoso pelo liberal Milton Friedman em 1969, segundo o qual dar dinheiro às pessoas de maneira excepcional permite relançar o consumo. No Reino-Unido, 170 parlamentares de diferentes partidos mandaram em 19 de Março uma carta ao governo britânico, pedindo a implementação de uma renda universal de emergência durante a pandemia. Em França, em 19 de Abril, foram dezenove presidentes de autarquias (Départements), todos membros do Partido socialista, que reclamaram a instauração de uma renda universal, para lutar contra a pobreza no contexto da epidemia atual.

Uma porta abriu-se no debate público. Sementes foram plantados, e só o futuro dirá se terá crescido ou não. Esse artigo não ambiciona defender a implementação da renda básica, apenas denunciar a caça nas mídias que observa-se regularmente contra qualquer medida original de esquerda logo qualificada como utópica, enquanto as receitas liberais já provaram o fracasso do modelo. Deve haver um debate aberto, sem tabu nem preconceito. Tal como com ideias tipo a contribuição fiscal dos robôs produtores de riqueza, que pode ser discutido: a economia e os progressos técnicos evoluem tão rapidamente, ninguém pode assegurar se, daqui um meio século, ou século ou mais, essas ideias ou outras não serão aplicadas como evidências, e nesse caso os que as criticaram hoje sem mesmo aceitar o debate ficarão na História como uma malta de imbecis conservadores.

Ainda em Março de 2016, Nicole Teke do MFRB explicava: « Defendemos uma renda básica baseada em três pilares. Deve ser universal, ou seja, transferida a todos; incondicional, sem exigência de contrapartida, quer trabalha-se ou quer não; e finalmente transferido a título individual. Benoît Hamon escolheu apresentar uma medida por passos, e concentrar-se na primeira, que parece mais um bônus de atividade melhorado. » Ás críticas sobre o financiamento, ela acrescentava: « Ele tinha explicado bastante bem essa questão. [...] Finalmente, a questão do custo tem a ver com uma decisão política. Benoît Hamon caiu no impasse de ter que defender um custo menor da renda básica, enquanto não é realmente o fundo do problema. »

No jornal francês Le Monde em Janeiro de 2017, uns dez economistas entre os quais Emmanuel Saez (Universidade de Califórnia em Berkeley), Antonio Bozio (Escola de Economia de Paris), Thomas Piketty (autor do Capital no século XXI, publicado em 2013), ou ainda a socióloga Dominique Méda, diziam sobre a renda básica que, « corretamente concebida e detalhada », ela « pode ser economicamente credível e socialmente ousada », constituindo assim « um elemento estruturando da refundação do nosso modelo social ». De fato, a quantificação muitas vezes ditas de 300 a 400 bilhões de euros para essa medida é uma « fantasia », segundo eles. O próprio Thomas Piketty envolveu-se depois na campanha do candidato PS Benoît Hamon. Sem dar um cheque em branco para os defendedores da renda universal, esse tipo de apoio, por intelectuais reconhecidos, em França como os mencionados (acima) antes na Itália, acentua a necessidade de questionar o nosso modelo de sociedade, a relevância de tais propostas inovadores, mas também sobre a capacidade das nossas classes políticas e nas mídias a abordar qualquer ideia nova de forma sã, pacífica e sem desprezo. O processo em incompetência governamental sofridos por Benoît Hamon em França e pelo M5S na Itália é sintomático, primeiro da marginalização – intelectual e nas mídias – das esquerdas europeias desde os anos 1980, e segundo do imobilismo das nossas elites adeptas de um pensamento profundamente liberal.

Historicamente, o projeto de renda básica universal é transpartidário, não é uma ideia provomida só à esquerda. Na altura em que ouvimos falar cada vez mais de noções como a carga mental, introduzida pelos meios feministas, e em que as populações europeias em envelhecimento necessitam cada vez mais assistência inter-geracional, a relação ao trabalho (e ao tempo trabalhado) é amplamente questionado. Seria portanto tempo de abordar essas propostas novas por o que elas são, ou seja, debater seriamente e serenamente, e não as deixar de lado e rir dessas « utopias ».

O professor e pesquisador francês Idriss Aberkane explicou numa conferência sobre o bio-mimetismo, em 2015, que uma ideia nova sempre passa por três níveis: ela parece antes de tudo ridícula; ela é depois vista como perigosa; finalmente, último passo, ela impõe-se e torna-se óbvia. De uma certa forma, é o que vimos quando o candidato do PS francês representou o seu partido na presidencial de 2017. Dado o seu fracasso eleitoral, não é para já que iremos saber se, de algo cómico e depois perigoso, a ideia de renda universal irá tornar-se uma evidência, ou permanecer « perigosa ». As experiências italiana e espanhol talvez ajudaram a o saber. Por enquanto, em 2020, a Europa ainda conta mais de 17% de « pobres », ou seja uns 87 milhões de indivíduos (fonte: Eurostat), níveis de desigualdades impressionantes (superiores, entre os cidadãos de toda a União europeia reunida, aos níveis observados entre os cidadãos dos Estados-Unidos), e milhões de desempregados, sem habitação, taxas de suicidas consideráveis em algumas profissões (como os agricultores). Tudo está indo perfeitamente no nosso mundo « aberto » e « justo ».

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